Os salões paulistanos, uma espécie de ponto de encontro onde políticos, escritores, artistas e membros da oligarquia paulistana se reuniam, foram locais imprescindíveis para a culminação do Modernismo em São Paulo. Criados na Belle Époque, pela elite paulistana, os salões, inspirados nos salões franceses, representavam espaços propícios para a divulgação de textos inéditos, conferências sobre a arte moderna, recitais e exposições. A respeito da constituição desses espaços, Márcia Regina Jaschke Machado salienta que esses eventos, que começaram a ser promovidos no Brasil no período do Império, consagraram-se na Belle Époque e foram aos poucos se extinguindo no final da década de 20. Os salões, em seu apogeu, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, eram promovidos por membros da alta burguesia, que disponibilizavam a própria residência para a recepção de um seleto grupo de convidados formado por nomes influentes da alta sociedade, políticos e intelectuais. Era uma oportunidade para ostentar luxo e poder, por parte daquele que recebia, e uma maneira de confirmação de status para os escolhidos para freqüentar essas reuniões. (MACHADO, 2012, p.22).
Um salão que se enquadra perfeitamente nessa descrição é o Villa Kyrial, consolidado durante a Belle Époque no Brasil e que perdurou até o ano de 1924. Propriedade de José de Freitas Vale[1] localizava-se na Rua Domingos de Moraes, nº 10, no final da Avenida Paulista. O primeiro Ciclo de Conferências desse salão aconteceu no ano de 1914 e foi subitamente interrompido pela primeira Guerra Mundial, porém nos anos de 1921 a 1924 foi dada continuidade a outras conferências. Dessa forma, esse ambiente engajado com a arte moderna auxiliava sua concretização, pois como ressaltou Márcia Camargos
Funcionando como centro de convívio e tomada de decisões – verdadeiro sistema de poder informal gerido por uma elite restrita e entrelaçada –, esse salão contribuiu para configurar o campo intelectual do período. E, num movimento dialético, também abrigou tensões que não se fecharam no horizonte do seu espaço, dando ensejo à eclosão de movimentos de vanguarda, como a Semana de 22. (CAMARGOS, 2001, p.16).
Além do Villa Kyrial, havia também o salão da avenida Higienópolis, propriedade de Paulo Prado; o salão da rua Duque de Caxias, sob os cuidados de Dona Olívia Guedes Penteado; e o salão na alameda Barão de Piracicaba, promovido por Tarsila do Amaral. Foi com a “proteção desses salões que se alastrou pelo Brasil o espírito destruidor do movimento modernista. Isto é, o seu sentido verdadeiro específico” (ANDRADE, 1974, p.263) de romper com as regras impostas pelas escolas literárias do passado e construir um movimento capaz de representar a cultura brasileira.
Além das reuniões realizadas nesses salões, é importante destacar também as reuniões que aconteciam em outros lugares que não eram exatamente espécies de salões, mas que apresentavam similar importância para a efetivação do modernismo no Brasil. Na casa do Mário de Andrade, situada na Rua Lopes Chaves, aconteciam reuniões semanais, onde agrupavam-se um seleto número de artistas que discutiam, exclusivamente, assuntos relacionados à arte moderna. Ainda nesse espaço reservado, os artistas sentiam-se mais à vontade para expor ideias, além de dedicarem-se aos assuntos de cunho literários, não se dispersando, portanto, para outras abordagens e atividades corriqueiras ou até mesmo banais[2].
Diante desse contexto de encontros assíduos entre artistas e intelectuais, na maioria das vezes financiados pela aristocracia paulistana, os jovens modernistas viveram durante “uns oito anos, até perto de 1930, na maior orgia intelectual que a história artística do país registra” (ANDRADE, 1974, p.238).
Vale ressaltar também que além dos salões havia o Pensionato Artístico que investia na formação intelectual dos jovens artistas, oferecendo-lhes bolsas de estudos no exterior; e o espaço da imprensa, um meio de propagação primordial para dar voz aos modernistas. Alguns jornais como O Pirralho, o Jornal do Commércio, Correio Paulistano, A Gazeta, foram significativos para o acontecimento da Semana, tendo em vista que em algumas colunas desses jornais, que circulavam antes de 1922, continham artigos que propagavam o movimento modernista. Isso era mais um privilégio dos artistas de 22, que tinham, além dos salões da alta burguesia, voz no Correio Paulistano e apoio do Governo de São Paulo.
No meio deste ambiente de excitação de ideias modernistas, surgia nas reuniões, almoços e encontros, a iniciativa de expor em São Paulo a nova arte que se firmava no Brasil. Consequentemente, encontramos na história da literatura brasileira múltiplas informações que intercalam fatos pessoais da vida de alguns artistas empenhados com a arte moderna e o surgimento da ideia de realizar uma Semana de Arte Moderna na cidade de São Paulo. Dessa forma, destacamos que, de acordo com Menotti Del Picchia (1992), tudo se tornou possível graças às conspirações feitas por Oswald e Mário; já Raul Bopp afirma o seguinte:
…reuniam-se, num salão do Automóvel Clube, Paulo Prado que ficou sendo o personagem central dessa iniciativa, Oswald de Andrade, Menotti, Di Cavalcanti e Brecheret, para planejarem, concretamente, a Semana de Arte Moderna em São Paulo. Em vez da campanha modernista ficar centralizada numa livraria, decidiu-se conduzi-la em ambiente de maior amplitude, para alcançar uma repercussão adequada. (BOPP, 2012, p.31)
Ainda sobre esse mesmo assunto, Mário de Andrade afirmou que não se sabe de quem partiu a ideia de realizar o evento, afirmou que dele não foi, mas certifica que Paulo Prado foi o grande financiador, desembolsando 847 mil-réis pelo aluguel de três diárias no Teatro Municipal. Mas ainda,
… há quem diga que a semana de 22 só aconteceu devido a um simples acaso do destino, a um feliz encontro entre dois opostos que se atraem e se completam. Sem guardar o menor parentesco, os dois Andrades, Mário e Oswald, numa fusão química de impacto, teriam funcionado como catalisadores de uma tendência que se esboçava no cenário do pós-guerra. Dotados de estilo, personalidade, extração social e atitude em tudo inversos, os Andrades conheceram-se em 1917, quando Oswald foi a um recital no Conservatório Dramático e Musical, na avenida São João, 269, do qual Mário era professor. Juntos dinamizaram e deram vida à constelação que se formou em redor deles (CAMARGOS, 2002, p.68).
Por fim, chegou-se o ano de 1922. No mês de fevereiro, entre os dias 13 a 17, aconteceu a Semana de Arte Moderna, com manifestações inovadoras que tinham como propósito renovar o campo artístico e literário. A programação da Semana contava com exposições (por volta de 100 obras) e sessões literário-musicais que aconteciam à noite, frutos de projetos, conversas, planos e idealizações dos “sonhadores” jovens modernistas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Mario de. Aspectos da Literatura Brasileira. 5ª ed. São Paulo: Martins, 1974.
BOPP, Raul. Movimentos modernistas no Brasil: 1922-1928. Apresentação de Gilberto Mendonça Telles. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.
CAMARGOS, Marcia. Villa Kyrial: crônica da Belle Époque paulistana. São Paulo: SENAC, 2001.
DEL PICCHIA, Menotti. A “Semana” revolucionária. Campinas, SP: Pontes, 1922.
MACHADO, Marcia Regina Jaschke. O Modernismo dá as cartas: circulação de manuscritos e produção de consensos na correspondência de intelectuais nos anos de 1920. Tese de Doutorado. São Paulo: USP, 2012. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8149/tde-22102012-122149/pt-br.php.
[1] De acordo com Márcia Camargos (2001), José de Freitas Vale foi poeta simbolista, professor de francês e auxiliava alguns jovens talentosos, como Anita Malfati e Victor Brecheret, por meio de bolsas patrocinadas pelo governo. Na política assumiu cargos como deputado estadual e senador estadual.
[2] Estas informações foram retiradas do depoimento do próprio Mário de Andrade em “O Movimento Modernista”.