Pequenos episódios

Bem-vindos ao ano! Será que ele começou agora? Independentemente disso, a coluna A rosa e o sorvete inaugura 2018 com uma nova proposta, sendo ela, principalmente, de darmos espaço para a poesia (o elo perdido que nos reconecta? Sim. Pode ser. Começando com Carlos Drummond de Andrade).

Atenção aos pequenos episódios. Eles podem mudar tudo! Seja na sua vida, seja na ordem mundial.

Repare que as revoluções iniciam-se a partir de uma resolução que, ao primeiro olhar, pode parecer inofensiva e sem importância.

Havendo uma atenção minimalista, o que é corriqueiro deixa de ser. Todo detalhe importa.

São com pequenos gestos que a transformação ocorre.

O que é o hábito senão pequenas práticas agregadas ao dia-a-dia? E quão grandes coisas ele faz!

Sabe, amigos, não concordo com essa cultura de que o Brasil só pega no tranco depois do Carnaval. Esta coluna inicia coincidentemente depois dele, mas lancei um livro em janeiro, a despeito do risco, por não concordar com essas “regras” de conduta que só nos atrasam.

Por que nos rendemos ao senso comum sem agir para o transformar? Ainda que seja com um pequeno gesto, com um pouco de coragem, como em lançar um livro antes do carnaval?

Mas falemos do formato 2018, já que “A rosa e o sorvete” inaugura hoje. Esta coluna (eu tenho esta preocupação) não fala sobre os temas em alta. Não me envolvo em polêmicas de pomarola. Pelo menos, não aqui.

É uma pequena iniciativa de ser diferente, de dirigir o olhar pra outras coisas, às quais o mundo nos diz, com petulância, não haver tempo a perder.

Mas quem dita as regras do que importa?

Eu desejo que este ano, (que é claro, já começou há dois meses e uns bocados), você possa dizer a si mesmo o que importa.

E que nessa lista tenha espaço para encarar sentimentos sufocados, “coragem” para “suportar” e talvez até apreciar poesia, tempo para estar consigo mesmo e com quem se ama.

Das poesias, vou atrás.

Porque elas podem dizer mais. Podem fazer contato com o que foi renegado, nos engrandecer, nos recontactar (o elo perdido).

Esta não é só uma esperança minha, mas uma certeza.

Espero que possamos ir juntos! E aí vai a primeira:

 

“Deus me abandonou

no meio da orgia

entre uma baiana e uma egípcia.

Estou perdido.

Sem olhos, sem boca

sem dimensões.

As fitas, as cores, os barulhos

passam por mim de raspão.

Pobre poesia.

 

O pandeiro bate

é dentro do peito

mas ninguém percebe.

Estou lívido,

gago.

Eternas namoradas

riem para mim

demonstrando os corpos,

os dentes.

Impossível perdoá-las,

sequer esquecê-las.

 

Deus me abandonou

no meio do rio.

Estou me afogando

peixes sulfúreos

ondas de éter

curvas curvas curvas

bandeiras de préstitos

pneus silenciosos

grandes abraços largos espaços

eternamente.”

 

(Um homem e seu carnaval. Carlos Drummond de Andrade. Brejo das Almas, fl. 27)

 

 

Ouça esta canção, e entenda com o coração o que não está dito.
(Homenagem a Niltinho Tristeza, compositor da Imperatriz Lepoldinense, que nos deixou no último sábado de carnaval.)

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Lári Germano é autora dos livros "Cinzas e Cheiros" e "En plein air - ao ar livre". Conheça e adquira os trabalhos no site www.larigermano.com. Lári escreve também na página pessoal do Facebook e nos Instagrams @lari poeta e @lariprosaetrova . É compositora intuitiva e tem perfil no Sound Cloud, Twitter e Youtube. A foto do logo é assinada pelo fotógrafo Fernando Pilatos www.fernandopilatos.com.br.

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