Rafael Bortoni
Raphael A. D. C. dos Santos
Willian Habermann
Mariana Chioli Boer
Wendy Arevolo de Azevedo
Discentes da Universidade Federal do ABC
Ana Maria Dietrich
Historiadora e docente da Universidade Federal do ABC
As instituições militares no Chile caracterizaram-se, historicamente, por uma rigidez institucional e pela segregação com as questões políticas dos civis. Tais fatores, a partir de 1920 com a mudança de cunho ideológico na sociedade chilena, levaram, entre outros movimentos, ao golpe militar de 1973 contra o então presidente Salvador Allende, articulado pelo general Augusto Pinochet, que se instalou no poder por dezessete anos (LOPES e CHEHAB, 2015). Analisar a ditadura chilena e o seu processo de transição para a democracia impõe o desafio de relacionar a democratização com os aspectos políticos de longo prazo que marcaram o sistema político chileno no século XX. A ditadura civil-militar dispôs de recursos políticos e humanos para consolidar uma nova democracia e uma nova relação entre Estado e Sociedade, da mesma forma que o caráter precoce do processo de transição democrática deve ser considerado para o entendimento do alcance e dos limites do projeto político autoritário (SANTOS, 2014).
Com isso, o presente trabalho pretende analisar a ditadura militar chilena e a sua transição para a democracia, também apresentando os antecedentes históricos ao golpe e uma discussão entre a temática e os textos discutidos na disciplina Regimes e Formas de Governo. A pesquisa é de caráter qualitativo, sendo utilizados majoritariamente recursos bibliográficos para a sua execução. Recorreu-se à leitura e análise de textos que versam sobre a temática e utilizou-se como texto base para a discussão o artigo publicado pelas autoras Ana Maria D’Ávila Lopes e Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab, intitulado “Uma Análise sobre a Transição da Ditadura Militar para a Democracia no Chile”.
Para facilitar o entendimento do golpe militar e a transição da ditadura militar para a democracia no Chile, é necessário ressaltar que, segundo Norberto Bobbio (1986), o Regime Político é entendido como o “o conjunto das instituições que regulam a luta pelo poder e o seu exercício, bem como a prática dos valores que animam tais instituições” (BOBBIO, 1986, p. 1081). Nesse sentido, as instituições constituem por um lado, a estrutura orgânica do poder político e, por outro, são normas e procedimentos que tornam possível o desenvolvimento regular e ordenado da luta pelo poder. Ou seja, a estrutura do regime ou o modo de organização e seleção da classe dirigente, condiciona o modo de formação da vontade política (BOBBIO,1986).
As teorias que se referem aos regimes políticos apresentam aspectos descritivos e prescritivos, a primeira função se baseia na observação histórica, ou seja, na classificação de vários tipos de constituições políticas que se apresentam à condição do observador na experiência histórica. Bobbio, ao analisar Aristóteles, faz uma reflexão sobre as seguintes formas de governo: Monarquia, considerado o governo de um só; a Aristocracia, como governo dos melhores; a Democracia, considerado o governo do povo. Essas, que são as formas puras, agem em função do benefício geral. Porém, estas formas estão sujeitas à degradação, sofrendo assim alterações em seu foco e desviando-se da busca pelo bem comum para o benefício de quem detém o poder, nesse caso, são consideradas as formas impuras, que são: Tirania, a corrupção da monarquia; Oligarquia, a corrupção da aristocracia; e Demagogia, a corrupção da democracia. (BOBBIO, 1986).
Dentre as formas de governo acima citadas o termo “democracia” designa, desde a idade clássica, uma das formas de governo na qual o poder político é exercido pelo povo e, por isso, considerada como a melhor forma de governo, a menos má e a mais adaptada às sociedades economicamente, civilmente e politicamente mais evoluídas, porém, qualquer discussão acerca da democracia não pode ser feita sem a comparação com outras formas de governo (BOBBIO, 1987). O Chile era, até 1973 quando sofreu um golpe militar, uma democracia que já havia passado pelo processo de consagração da soberania popular e na qual existia uma mediação institucional entre Estado e sociedade. A ditadura instaurada com a entrada de Pinochet pode ser considerada como moderna, na qual o poder ditatorial não era autorizado pela Constituição, nem constitucionalmente limitado e sua função era fundar um novo regime vigente sobre as ruínas do precedente.
Após o fim da ditadura, o Chile passa por uma recuperação da democracia, ou uma transição da ditadura para a democracia, que compreende vários processos, como: a reinstalação e início do regime democrático, a superação do autoritarismo antes presente, a consolidação deste regime democrático, entre outros fatores que estão vinculados à superação do autoritarismo e suas consequências, assim como ao anseio ou vontade democrática por parte dos atores sociais.
Citamos de acordo com alguns outros autores fatores que também contribuíram para tornar o caso chileno em uma experiência típica de fascismo com proximidade com uma estratégia imperialista para a América do Sul. Como exemplo temos que “A atração política decorrente do uso dos “Protocolos” é importante, na medida em que suas origens estão no imperialismo em geral, como foi elaborado em versão européia continental, altamente explosiva, a partir dos movimentos nacionalmente, ou melhor, etnicamente unificadores, principalmente pangermânicos e pan-eslavos.” (ARENDT, 1973), o que mostra que distanciar ou isolar determinado grupo social de um sistema político se torna interessante à medida que se tornam mais fortes as necessidades por parte da frente política dominante de se aumentar a dominação exercida, diminuindo o espaço do contraditório, avançando na ideia do Totalitarismo que Hannah Arendt defende e no caso chileno fomentando uma base sólida para o avanço de um imperialismo que poderia figurar nos exemplos de Arendt como um panamericanismo.
Podemos elencar também que há um aspecto de desenvolvimento do estado nação moderno como escrito por LIPJHART que nos mostra que o estado chileno perdeu com a ditadura no tocante ao avanço que diferentes grupos sociais dividindo arenas decisórias nacionais promove por trazer uma variabilidade maior nas decisões, com ampla discussão sobre matérias que afetam diversos grupos. Isso é comum de observar quando analisamos um país de estrutura federativa que é descrito na obra de LIPJHART como um modelo mais avançado de estado nação, que tornaria regiões de conflito muito evoluídas caso pudéssemos observar em vez de disputa territorial um estado bi ou multinacional conciliador que absorveria o que há de mais proveitoso nos sistemas propostos pelas diferentes ideologias.
Análise do texto “Uma Análise sobre a Transição da Ditadura Militar para a Democracia no Chile” de Ana Maria D’Ávila Lopes e Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab
Para compreendermos melhor a estrutura autoritária do regime ditatorial chileno iremos explanar sobre algumas especificidades chilenas e de alguns antecedentes históricos ao regime.
O território chileno inicialmente não representava grande interesse econômico para a coroa espanhola, entretanto era local estratégico para defesa das terras peruanas contra os ataques de corsários coordenados por Sir Francis Drake. Portanto a economia chilena era rudimentar, como é descrito por Peter Winn em sua obra sobre a Revolução Chilena:
A economia chilena inicial foi a agricultura de subsistência, sucedida no tempo por uma economia de criação de gado, que precisava de pouca mão de obra e o que encontrou um mercado próspero nas peles de carneiro que carregavam o mercúrio tóxico de Huancavelica, no Peru, para refinar o minério de prata em Potosí, enquanto caixas de couro transportavam as barras de prata de Potosí para o porto de Arica, de onde eram baldeadas para a Europa ou a Ásia. (WINN, 2010)
Somente no final do século XVII, após um terremoto que devastou a agricultura peruana é que as fazendas chilenas passam a suprir capital do vice-reino espanhol com grãos e outros alimentos. Madrid passa a conceder privilégios para atrair os colonos ao território chileno, por acreditar que não haviam riquezas que pudessem atraí-los, assim como já acontecia no Peru, conforme descrito novamente na obra do historiador Peter Winn:
A encomienda, sistema que garantia que os colonos pagassem o tributo e as cobranças de impostos da Coroa, foi desativada na maior parte do império espanhol do século XVII, mas se manteve no Chile até o final do século XVIII, o que permitiu aos colonos constituir a base das grandes fazendas do país. A escravidão dos índios, também banida na maior parte do império, era permitida no Chile, vindos da região de Cuyo, sob a administração da cidade de Santiago. (WINN, 2010)
Dentro desse contexto é que podemos começar a traçar um perfil da elite chilena. Uma classe que enriqueceu a partir da força de trabalho explorada e os lucros de seus empreendimentos.
A força de trabalho explorada por essa elite constitui-se de classes das quais vamos tratar em detalhe. Os mapuches, grupo indígena predominante no país, foram resistentes a colonização afastando os colonos ao norte de suas terras. Aprenderam a dominar a técnica militar espanhola e montagem a cavalo, fato que os deu um forte poder de resistência, embora os colonos escravizassem os prisioneiros de guerra trazidos da região dos Andes argentino. Posteriormente, com o desenvolvimento da economia agrária e as imigrações, a classe trabalhadora contará com uma nova composição.
É importante trazermos à tona, a relação da elite chilena com a classe que ela chamava de “bajo pueblo”. Consideravam que a maioria dos habitantes eram arruinados e que não conseguiriam mudar de vida, portanto, deveriam ser coagidos por um controle social a serem mão de obra que contribuísse para a nação. Diferente do conceito de democracia racial constituído no mito moderno brasileiro, no Chile, se afirmava uma ideia de raça homogênea.
Por fim, o Chile acabou se formando como grande potência econômica, dado principalmente às suas minas de cobre; e com uma população miscigenada, oligárquica e estratificada socialmente. No que tange à conduta política, esteve ligado à burocracia e à obediência ao ordenamento jurídico. Esse zelo pela legalidade durou, contudo, somente até a década de 1920, quando se degenerou por influência de dois fatores: em primeiro lugar a crescente preocupação dos militares com a imigração europeia e as mobilizações populares em favor dos direitos trabalhistas; e em segundo, a formulação da ideologia dentro da corporação militar de que estes seriam os responsáveis pela salvação chilena.
Durante o período de 1932 a 1973, após Carlos Ibánez, o Chile passou por um período de governos civis, os quais submetiam as forças armadas ao controle do Executivo e permitiram uma ascensão gradual dos partidos de esquerda. Esse período, contudo, foi marcado por um processo de tensionamento entre os militares e os grupos de esquerda, a exemplo do segundo mandato de Ibánez caracterizado por marcas autoritárias e de intervenção do exército nas questões civis.
Com isso, novos patamares da escalada ao autoritarismo vão tomando forma. Em 1960, é garantido o direito do decreto de estado de exceção sem que fosse necessária a autorização do Congresso e em 1966 o presidente Eduardo Frei Montalva autorizou as forças armadas a invadir a cidade de El Salvador e por fim nas reivindicações dos trabalhadores. Em 1970, Salvador Allende, candidato da Unidade Popular, é eleito presidente, tendo que lidar com a intensificação das polarizações políticas surgidas durante as eleições e o movimento dos militares na manipulação das massas contra o seu governo e um possível golpe comunista. Por outro lado, também ganhou apoio da população na medida em que promoveu medidas sociais, como a ampliação do acesso à educação secundária e universitária. Esses conflitos, entretanto, deram respaldo e abertura ao golpe militar articulado pelo Exército Chileno contra o presidente em 1973, instituindo assim a ditudura no país.
O Chile, assim como o Brasil, passou por uma ditadura militar que provocou um grande retrocesso democrático no país. Com a derrubada de Salvador Allende por um golpe de Estado no dia 11 de setembro de 1973, um estado sítio foi decretado por uma junta militar presidida pelo general Augusto Pinochet, que segundo Pereira (2010), providenciou julgamentos e execuções sumárias, fechando ainda o Congresso Nacional chileno. Essa ditadura durou quase 17 anos (de setembro de 1973 a março de 1990), na qual Augusto Pinochet Ugarte permaneceu muitos anos no comando do país, passando pela Presidência da Junta de Governo, Chefia Suprema da Nação e por último, Presidência da República do Chile de 17 de dezembro de 1974 até 11 de março de 1981 (CHEHAB E LOPES, 2015, p.91).
A ditadura chilena se deu por comando quase que exclusivo de militares, os quais já possuíam certa independência e liberdade já no governo Allende. Assim, o regime se pautou pela ordem de uma junta militar, exemplificado por Pereira (2010) que constatou a presença de apenas dois ministros civis. Como foi exposto nos antecedentes históricos, a Armada e o Exército Chileno tornaram-se conhecidos como corporações pautadas pela rigidez, marcadas inclusive pela distância de questões políticas civis, destacando-se o convívio entre o Exército chileno e as tropas alemãs durante o período de 1885 a 1931, como uma das causas, que lhes atribuíram também, rigor para com os civis e apreço por autonomia (PEREIRA, 2010, p.92).
Desse modo, segundo Chehab e Lopes (2015), a intervenção militar em questões políticas civis vem desde a transferência da força policial centralizada, do Ministério do Interior para o Ministério do Exército, quando há a “entrega” do poder e controle da polícia ao Exército chileno em 1927, com a ascensão de Ibáñez. Essa medida foi um dos passos para a consequente dura repressão civil que ocorreu durante a ditadura chilena. Nessa violenta repressão sofrida pelo povo chileno considerado “subversivo”, os militares contaram com prisões e execuções. De acordo com Hernán Vidal (2014) um grupo de tendência socialista revolucionário, o Movimiento de la Izquierda Revolucionaria (MIR), foi um dos grupos opositores do regime ditatorial que mais sofreu com os desaparecimentos e assassinatos provocados pela repressão chilena.
As autoras Chehab e Lopes (2015) também destacam a utilização do Estádio Nacional como centro de interrogatórios, tortura e fuzilamentos, que teve inclusive a participação de brasileiros nas equipes de militares.
Como se não bastassem os eventos descritos acima, criou-se também um órgão de intensa participação e repressão durante a ditadura chilena, em janeiro de 1974, denominado DINA – Dirección de Inteligencia Nacional. Esta direção foi envolvida em diversos assassinatos ocorridos inclusive no exterior e segundo fontes, teve responsabilidade significativa (direta ou indireta) sobre parte dos 38.000 torturados durante o regime ditatorial chileno
Outro fator contribuinte para o tamanho poder militar perante os civis foi a ampla jurisdição de seus tribunais no período, no que se refere aos crimes hipotéticos exercidos por opositores do regime. Segundo Chehab e Lopes (2015), estima-se que esses tribunais tenham julgado cerca de 6.000 pessoas nos primeiros cinco anos do regime, das quais, aproximadamente, 200 foram sentenciadas à pena de morte. O rápido período de julgamento era outro fator a ser considerado, ocorrendo em apenas alguns dias e sem a presença de qualquer juiz civil. Foi também realizado um acordo de colaboração entre alguns países da América Latina onde vigoravam regimes militares, o Plano Condor.
O plano Condor (ou Operação Condor) foi uma articulação político-militar internacional idealizada também pelo Chile. Firmada entre alguns países da América do Sul a partir da segunda metade da década de 1970, foi constituída “uma rede que ligava os serviços de inteligência do Chile, Paraguai, Uruguai, Argentina, Brasil e Estados Unidos, trocando informações e coordenando sequestros e assassinatos em toda a região”. (PEREIRA, 2010, p. 60). O objetivo da operação era derrotar estruturas de organizações político-revolucionárias de orientação comunista, com grande apoio dos Estados Unidos da América, especialmente no que tangia ao seu aparato logístico e tecnológico (BRASIL, 2014, p. 222).
Assim, a ditadura chilena foi de um homem só, Augusto Pinochet, diferente do Brasil neste aspecto, porém que contou com a colaboração do governo brasileiro para a sua ascensão e manutenção.
Em 19 de abril de 1978 iniciou-se no Chile o processo de transição para a democracia, ainda durante o governo militar, mas que marcou o fim dos dezessete anos da ditadura de Augusto Pinochet. O ponto de inflexão que marca o início desse processo foi a promulgação da anistia, que isentou de punição os autores dos crimes contra os direitos humanos cometidos entre 11 de setembro de 1973 e abril de 1978, levando a escritura de uma nova constituição em 1980. Assim, a ditadura militar chilena e, consequentemente, o seu processo de transição democrática, foram marcados, de acordo com Eric dos Santos (2014), pelo alto grau de personalização do governo na figura de Pinochet; pela preocupação do governo com a legalidade, levando à criação de uma nova institucionalidade política, a Constituição de 1980; e pelo caráter precoce do debate e da construção do modelo de transição democrática, articulados pelo governo e pelo corpo político civil.
A Constituição de 1980 consagrou uma nova ordem jurídica-constitucional e definiu um cronograma para o regime, que objetivava a definição de uma nova base institucional. As metas de institucionalização do governo previam ratificar a nova Constituição, criar mecanismos de comprometimento com os direitos humanos e, principalmente, ratificar o respaldo social. O governo levou a proposta de institucionalização para consulta pública, em uma de suas manobras para obter legitimidade, obtendo a maioria dos votos; a votação, contudo, não teve transparência eleitoral e não permitiu a participação da oposição. Com isso, o texto aprovado da Constituição e de suas Disposições Transitórias ainda possuía o caráter da ditadura, prorrogando o mandato de Pinochet e contendo medidas de censura e repressão, como a possibilidade do presidente decretar estado de emergência ou catástrofe, designar e remover alcades, prender pessoas, restringir o direito de reunião e liberdade de informação, proibir a entrada no território nacional e expulsar aqueles que defendessem ideais marxistas e de incentivo à violência (SANTOS, 2014).
Em outubro de 1988 foi convocado um plebiscito que negou a prorrogação do mandato de Pinochet e então novas eleições presidenciais foram realizadas em junho de 1989 elegendo Patrício Alwyin Azócar para presidente. A primeira grande medida adotada por Alwyin foi o Decreto nº 355, de 25 de abril de 1990, que criou a Comisión Nacional de Verdad y Reconciliación para avaliar as violações contra os direitos humanos cometidas entre 1973 e 1990. O relatório final da Comissão reconheceu 2.279 desaparecidos e entre 3 e 5 mil vitimados, além de cerca de 60 mil presos e 40 mil exilados. A conclusão foi de que 95% dos crimes foram de responsabilidade do Estado. Com isso, o presidente Alwyin pediu perdão à população em nome do Estado e afirmou que o processo de transição teria continuidade.
Em 1991, a OEA (Organização dos Estados Americanos) condenou o Chile a pagar uma indenização aos parente de Letelier, ex-chanceller de Salvador Allende, e sua secretária, mortos devido ao ataque feito pela DINA (Diretoria de Inteligência Nacional), política chilena do início do regime militar, em Washington – DC em 1976. Sendo que, em 1995, Manuel Contreras e Pedro Espinoza foram responsabilizados pelo crime e condenados à prisão.
Foi também criada a Corporación Nacional de Reparación y Reconciliación em 1992, que era responsável por garantir a efetividade da transição democrática no Chile, principalmente no que diz respeito às vítimas de desaparecimentos e execuções. E em 1998 o ex-presidente Augusto Pinochet foi preso na Inglaterra através de um pedido de extradição pelo cometimento de crimes contra a humanidade. Esse momento representa um ponto de inflexão para o processo transitório na medida que Pinochet representava uma parte da ditadura chilena, que foi apenas militar, mas sim personificada em sua figura. Sua prisão marcou a queda dos efeitos do regime ditatorial e da ingerência militar na democracia chilena, porém ainda não significou que a era militar havia acabado, mas sim que estava se consolidando a supremacia democrática (LOPES e CHEHAB, 2015).
Ainda, mais recentemente, em 2003 foi criada a Comisión sobre Prisión Política y Tortura, complementando o trabalho das duas comissões anteriores e corroborando com o julgamento e condenação de Pinochet. Todavia, observa-se que no que tange à efetivação da justiça, o processo transitório chileno ainda se mostra tímido. O Judiciário chileno, mesmo que buscando promover uma renovação administrativa, é limitado pelos obstáculos normativos colocados pelos próprios militares, tendo que lidar ainda com uma lógica autoritária (PEREIRA, 2010). Exemplo disso é a manutenção da Constituição de 1980 criada no governo Pinochet, o que caracteriza a democracia chilena como uma “democracia protegida”, na qual o Estado pode e deve eliminar as forças anárquicas ou antidemocráticas que prejudicam o governo, prejudicando assim a instalação de uma democracia genuína no Chile, como afirma Aravena (2000).
Pode-se afirmar que mesmo apesar do golpe militar chileno ter ocorrido apenas em 1973, desde a década de 1920 se iniciou o processo histórico-político de rompimento com a legalidade e as instituições, criando base para a consagração da ditadura. Nesse contexto, a ditadura chilena foi marcada, inicialmente, pela resistência das oligarquias em relação a Salvador Allende e a tensão entre os civis de esquerda e a força militar, assim como ocorreu no Brasil com o governo de João Goulart.
Também verifica-se a importância do papel desempenhado pelo governo chileno na Operação Condor, através de Manuel Contreras, chefe da DINA. A Operação era uma aliança entre Uruguai, Paraguai, Argentina, Brasil, Bolívia e Estados Unidos, que tinha como objetivo coordenar a repressão a opositores das ditaduras e eliminar movimentos de esquerda.
Ainda, observa-se que a transição para a democracia vivenciada pelo Chile a partir da década de 1980 foi marcada pela criação das três comissões para averiguar os crimes cometidos, intervenção internacional e por sucessivos pedidos de desculpas por parte do governo. Além disso, percebe-se que algumas mazelas da ditadura perduram na democracia chilena até hoje. A prisão de Pinochet em Londres reacendeu o debate sobre a presença da ditadura no cenário chileno; exemplo disso é a Constituição de 1980, que protagoniza o que chamamos de “ditadura protegida”, aquela que consagra um pluralismo ideológico restrito, excluindo ideologias que possam afetar a estabilidade e soberania do governo.
Por fim, a partir de imagens e relatos é possível perceber que mesmo sendo recordado como um ditador impiedoso que abusou dos direitos humanos, matando cerca de 3 mil pessoas, torturando muito e forçando o exílio de milhares; Pinochet é ainda visto por alguns grupos de direita como um herói. De acordo com esses apoiadores, ao tirar o poder de Allende em 1973, Pinochet impediu que o país perdurasse em uma guerra civil e salvou o Chile de se tornar um Estado Comunista, uma “outra Cuba”, além de ter aberto o país ao livre mercado. Isso explica o fato de terem comparecido cerca de 60 mil pessoas em seu velório em 2006.
BIBLIOGRAFIA
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BOBBIO, Noberto; PASQUINO, Gianfranco & MATTEUCCI, Nicola. Dicionário de Política. 2ª edição. Brasília: UnB, 1986
BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987
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LIJPHART, Arend. Modelos de Democracia: Desempenho e Padrões de Governo em 36 Países. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
LOPES, Ana Maria D’Ávila; CHEHAB, Isabelle Maria Campos Vasconcelos. Uma Análise sobre a Transição da Ditadura Militar para a Democracia no Chile. In: Revista de Teorias da Democracia e Direitos Políticos, Minas gerais, v.1, n.2, p. 82-105, jul/dez 2015.
PEREIRA, Anthony W. Ditadura e repressão: o autoritarismo e o estado de direito no Brasil, no Chile e na Argentina. Trad. Patrícia de Queiroz Carvalho Zimbres. São Paulo Paz e Terra, 2010.
SANTOS, Eric Assis dos. A Transição à Democracia no Chile: Rupturas e Continuidades do Projeto Ditatorial 1980-1990. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós Graduação em História. Niterói, 2014.
WINN, Peter. A Revolução Chilena. [trad. de Magda Lopes] São Paulo: UNESP, 2010.