O aprendizado deste ano foi reconhecer limites.
Do outro. Também os meus.
Como é difícil admitir que a gente não pode, sempre, se aprofundar tanto quanto gostaria. Eu que sempre quis ir mais fundo, achando que só na profundidade os vínculos seriam significativos.
Mas não.
Percebo agora que não.
Porque também tenho limites. Nem sempre posso permitir que o outro entre, e, entrando, que se aprofunde.
Não sei se porque me torno uma “senhoura”, ou se apenas porque já não tenho a mesma fé na vida, ando cautelosa, tomo cuidados. A questão é que não posso mais abrir mão dos meus limites. Ainda que não sejam compreendidos. Ainda que para alguns desavisados, isso desperte alguma mágoa (por desconhecimento, falta de vivência de levar para o pessoal uma restrição que não é voluntária).
Têm vezes que mergulho fundo, mas já não é sempre. Posso sentir prazer no rasinho, ondas até o joelho, ou até, apenas, a molhar-me os pés.
Foi só assim que o respeito ao limite do outro se aperfeiçoou.
Me considero mais feliz. Parece que a maturidade (bem-vinda) se avizinha.
Pra vocês, um poema de Mário Benedetti, escritor uruguaio. Um poema que fala também de limite. Talvez, com mais razão se poderia dizer que fala sobre o não-limite. E é claro que isso tem haver com amor!
Depois, um poema meu. Fiquem até o fim, e comparem!
Beijos a todos e bom domingo!
Falo da tua solidão
Falo da tua infinita solidão
disse o fulano
queria entrar à força na tua memória
me apoderar dela
desmantelá-la desmenti-la
despojá-la de seu último reduto
tua solidão me aflige/me alucina
disse o fulano com doçura
queria que nas noites me desejasses
sentisses saudades
me recebeces sozinha
mas acontece que/
disse calmamente a sicrana/
se tua bendita solidão
se funde com a minha
já não saberei se sou ti
ou tu terminas sendo eu
qual das duas será
depois de tudo
minha solidão legítima?
olhando-se nos olhos
como se perdoassem
se perdoando
adeus
disse o fulano
e a sicrana
adeus.
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amor-feijoada
está tudo estragado
depois que você passou a corda no meu pescoço
e laçou minhas pernas
– eu que era um novilho ingênuo
e trotava sem medo –
algum ingrediente azedou
e fez de nós um mexidão indigesto e mal cheiroso
está tudo estragado
o cozido já não presta
tornamo-nos asquerosos pedaços de animal pululando na panela fumegante
e um pedaço ou outro da gente
se conecta por pontes de gordura
e se beija
mas está tudo estragado
os pedaços já se perderam
e não se sabe mais se esta orelha é sua
se aquele rabo é meu
nossas línguas ferventam juntas
e nossas fibras se confundem
tornamo-nos uma imensa feijoada azeda
numa panela de barro velho
prestes a espatifar no piso de vermelhão.
Ouça esta canção e entenda com o coração o que não está dito.