Gosto de mar.
Ouvir o barulho do mar. Seu rufar que não cessa. Seu rugido que parece bramir com os barulhos internos que trazemos, e que, ralhando juntos, não sei por quê, beiram ao silêncio. Algum sentido se faz!
Gosto do mar porque delineia a Terra, reúne as coisas longínquas.
Gosto de mar porque gosto de água. Que refresca, lava e espelha.
Gosto de rios também!
Como seria bom pegar uma embarcação na Avenida do Estado e descer no Brás ou no Bairro do Limão.
Queria rios de águas limpas! Se não limpas o suficiente para beber, ao menos para banhar. Ao menos, quem sabe, para navegar.
Sonho alto! Eu sei.
Na margem dos rios: árvores e flores, pistas de bicicleta e de corrida. Quadras de tênis e vôlei. Bosques e labirintos pra brincadeiras.
Quem teve a ideia de aprisionar os rios em corredores?
E já feita a lambança, torço pelo momento de reflexão em que alcançaremos que não é possível continuar a jogar nossa sujeira neles. Um momento em que tudo isso seja ainda reversível, pois quem irá suportar o mau cheiro do esgoto a céu aberto daqui a dez anos? Daqui a cinco, quem sabe?
O rio na cidade não passa de um problema! Que pena!
E pensar que poderíamos embarcar num catamarã aqui em Santo André e descer em Itu, por exemplo. Mas ninguém pensa em rio como alternativa de transporte, como local de recreação, prática de esporte, visitação turística.
Nem lembramos, na cidade, que rio serve pra transportar, que em rio dá pra pescar, dá pra remar, até nadar.
O rio na cidade não passa de um problema!
Quem foi a primeira “mente brilhante” a ter ideia de construir as principais vias na beira dos rios: as marginais….?!
Então, onde poderia haver verdadeiros oásis, o que há é desrespeito com a natureza, rios aprisionados em asfalto e poluição de automóveis pra condecorar. E, é claro, perigo de enchente .
Misto de burrice e falta de gosto.
Tanto lugar pra construir vias e avenidas! Por que não deixaram os rios correrem em paz ? E seus entornos naturais, belos?
Falta de gosto para o belo, é o mal que nos assola.
Num Brasil cheio de belezas naturais, o que sobra é o mau gosto generalizado do que é mais prático e rendoso (ao bolso).
E todos pagamos o preço da deselegância e ganância! Principalmente os mais pobres.
Pois depois de aprisionarem os rios e fazerem dele um problema, a quem restou morar em seus arredores mau cheirosos?
Os rios na cidade não passam de um problema!
Quase sem esperança! Mas pra que ela ainda persista em algum canto, vamos de Manoel:
“Desde o começo do mundo água e chão se amam e se entram amorosamente e se fecundam.
Nascem peixes para habitar os rios.
E nascem pássaros para habitar as árvores.
As águas ainda ajudam na formação dos caracóis e das suas lesmas.
As águas são a epifania da criação.
Agora eu penso nas águas do Pantanal.
Penso nos rios infantis que ainda procuram declives para escorrer.
Porque as águas deste lugar ainda são espraiadas para alegria das garças.
Estes pequenos corixos ainda precisam de formar barrancos para se comportarem em seus leitos.
Penso com humildade que fui convidado para o banquete dessas águas.
Porque sou de bugre.
Porque sou de brejo.
Acho agora que estas águas que bem conhecem a inocência de seus pássaros e suas árvores.
Que elas pertencem também de nossas origens.
Louvo portanto esta fonte de todos os seres e de todas as plantas.
Vez que todos somos devedores destas águas.
Louvo ainda as vozes dos habitantes deste lugar que trazem para nós, na umidez de suas palavras, a boa inocência de nossas origens.
(Manoel de Barros – Menino do Mato – VI)
Ouça esta canção e entenda com o coração o que não está dito.
Muito bem explanado!
Nos habituamos com o descaso, ignorando a simplicidade e a eficiência que um rio poderia nos proporcionar. Muitas vezes passamos ao lado deles e nem mais pensamos que esse esgoto de grande proporção a céu aberto, poderia facilitar muito a nossa vida. E o tempo passa…
Não é mesmo, Tom? Precisamos repensar valores e padrões e nos deixar ser guiados pelo Belo, no mínimo!