Leia a contribuição da leitora Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti na coluna Espaço do Leitor
Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti
Universidade Federal da Bahia/Universidade Católica de Salvador
Dammi I colori…
Recondita armonia di bellezze diverse!
È bruna Floria, l’ardente amante mia,
E te, beltade ignota
cinta di chiome bionde!
Tosca, Puccini.
Os sons e os signos sempre foram parte das expressões de Humanidade. Registros da História, sejam orais ou o simples fato de lembrar. O encantamento e o deslumbramento quando se ouve uma voz lírica potente e atemporal são marcas que não podem deixar de estar associadas à Maria Callas. Dentre as famosas óperas do Belo Canto, repertórios como Norma, La Sonnambula e I Puritani, de Bellini; Lucia di Lammermoor, L’Elisir d’Amore e Don Pasquale, de Donizetti; e O Barbeiro de Sevilha, de Rossini, foram consagrados pela interpretação de Cecilia Sophia Anna Maria Kalogeropoulou.
Antonio Tommasini escreveu no New York Times: porque depois de morta, Callas ainda fascina e impressiona tanto? Simplesmente poderia responder – por ser ela mesma cada uma de suas interpretações. Do glamour restou-lhe em seus últimos dias o silêncio: dizem os biógrafos que sua vida foi agitada, polêmica e cheia de excentricidades e que morreu sozinha e sem uma causa determinante. Talvez o que mais importe seja justamente que, para além de sua vida pessoal, deixou marcadas as vozes de tantas mulheres, de tantas personagens que se tornaram únicas. As violências, o sucesso escalar, a solidão e o isolamento marcam vida e final dos dias de Callas.
Nascida em New York em 1923. Filha de imigrantes gregos, retornou à Grécia com sua família em 1937 por dificuldades econômicas vivenciadas nos Estados Unidos. Estudou no Conservatório de Atenas com Elvira Hidalgo, renomada soprano e professora. Realizou seu debut com a obra Tosca de Pucini (1941), papel que seria sua marca e interpretaria em diversas ocasiões. Cantou em Atenas durante anos antes de realizar a grande experiência: a estréia de La Gioconda de Ponchielli, na Arena de Verona (1947). Dos fatos relevantes desse episódio fica o encontro com o diretor Tullio Serafin (1878/1968), que se converteu em mentor musical.
Na vida amorosa, somente em 1949, Callas encontrou seu primeiro marido, Giovanni Meneghini que, juntamente com Serafin, foram os responsáveis pela carreira e abertura de fronteiras para a voz dela. No Scala de Milão seu triunfo veio em 1950, com Aida. A conquista do público norte-americano se deu em 1956, em sua cidade natal, com a apresentação de Norma, de Bellini.
Foi, sem dúvida, uma descobridora de obras operísticas que estavam esquecidas como as peças de Cherubini, Gluck, Haydn e Spontini, ademais de ter sido dirigida por renomados regentes internacionais como Leonard Bernstein, Carlo Maria Giulini e Herbert Von Karajan.De suas parcerias, a marcante presença de dois cantantes: Giuseppe di Stefano, tenor, e Tito Gobbi, barítono, com os quais compartilhou e gravou inúmeras peças.
Sua vida pessoal e amorosa se transformou em alvo quando, em 1959, Callas abandonou seu marido pela companhia de Aristóteles Onassis. Neste período, houve um retiro da cena internacional e, em 1965, realizou sua última apresentação de Tosca em Covent Garden, em Londres. De uma relação tempestuosa, Maria também foi deixada por outra grande personagem do período: Jacqueline Kennedy. Apesar de tempos de retiro e reclusão, contribuiu na formação de músicos nas aulas magistrais da Juilliard School de New York, entre os anos de 1971 e 1972.
De soprano a mezzosoprono, vestiu-se de Carmen, assim como também de Lucia de lamermoor. Os matizes de sua voz a transformaram em a “diva da Ópera”, além de interpretações dramáticas e interpretações que calavam, num momento, para em seguida ser ovacionada pelo público. Sua vida foi tão polêmica que os holofotes confrontavam sua privacidade e sua voz, assim como às heroínas que incorporava no palco, silenciava o seu pranto e angústia.
De Medéia e Norma à Tosca, de Violetta à Lucia, Gioconda ou Amina, Callas representou papéis femininos fortes e que não deixam sombra: sua dedicação ao trabalho era sua própria existência, como afirmou em entrevista certa vez. Em uma de suas master class afirmou: “um cantor deve cantar em todas as tessituras”.
Sua voz não foi silenciada com a última apresentação oficial em 11 de Novembro de 1974 no Japão. Depois de trinta anos de sua morte, os matizes e floreios de sua voz ainda fascinam e deixam a tecnologia transformá-la em personagem atemporal, em um clássico no sentido de Ítalo Calvino: aquele que não deve ser escutado, mas reprisado e no tempo de redescobrir… “Brava Callas!, Brava Maria!”. A vida pode ser interpretada e registrada de muitas formas e a ópera é uma das facetas mais dramáticas da contemporaneidade, vivida por ela em “inúmeras” vozes femininas.
Fontes das imagens:
Imagem 1: Fonte: https://www.telegraph.co.uk/opera/what-to-see/tantrums-tapeworm-diet-aristotle-onassis-disintegration-maria/ Acesso em 13/03/2018.
Imagem 2: Fonte: Maria Callas e Tullio Serafin. http://www.ilpopoloveneto.it/notizie/spettacoli/teatro/2018/02/02/54974-50-tullio-serafin Acesso em 13/03/2018.
Imagem 3: Fonte: Capa do LP e fotografia (1955). Disponível em https://www.arlequim.com.br/detalhe/1710548/Lucia+Di+Lammermoor+(Berlin+29-+09-+1955).html
Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti
Pós-doutorado pela Universidade de Salamanca (CNPq e CAPES, Brasil). Doutora em Direitos Humanos pela Universidade de Leon, Espanha. Professora e investigadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia e do Programa de Pós-Graduação em Família na Sociedade Contemporânea, da Universidade Católica do Salvador. Investigadora associada ao Instituto de Sociologia da Universidade do Porto e integrante do Núcleo de Estudos sobre Gênero e Direitos Humanos (NEDH/UCSAL).
Email para contato:
vanessa.cavalcanti@uol.com.br
Lattes
http://lattes.cnpq.br/6538283866214716