No país temos muitos problemas: violência, corrupção, incompetência, impunidade, tráfico de drogas e armas; a lista é longa e parece aumentar sempre. E no horizonte surge uma solução mágica, que não é tocar um tango argentino, no entanto parecida: intervenção militar.
Como todas as mágicas, trata-se de um embuste e de um equívoco, os que sabem do que se trata e ainda assim defendem a panaceia pretendem enganar o distinto público com sabe-se lá que propósitos, os que não tem a menor ideia do que seja uma ditadura, e a pedem mesmo assim, possivelmente são jovens demais, ou adultos totalmente carentes de conhecimento da história brasileira e de outros países que passaram por esta tragédia.
As Forças Armadas têm sua missão e seus deveres, nem uma nem outros incluem governar ou salvar o país de si mesmo, comandar uma tropa, uma divisão ou exército, é processo que se realiza dentro de uma hierarquia bem definida com disciplina rígida; fatores necessários para fins militares, um campo de batalha não é o lugar mais adequado para debates.
Dirigir um país, um estado ou uma cidade é bem diferente. Os cidadãos, as instituições, as empresas, as famílias, os grupos mais diversos, todos têm suas necessidades, suas ambições, suas opiniões, e todos devem ser ouvidos, diretamente ou através de seus canais de representação. Governar é, ou deveria ser, conciliar as demandas da sociedade dentro de princípios legais, morais e orçamentários e realizar o máximo possível do bem comum seguindo diretrizes políticas e ideológicas. Em uma nação de mais de duzentos milhões de habitantes, isto é extremamente complicado.
É inegável o direito que militares reformados têm de apresentar suas candidaturas aos cargos que desejarem, dentro das regras eleitorais; se eleitos, acredita-se que a maioria deles honrará seus mandatos com dignidade e patriotismo. É impensável que após o sacrifício de gerações para chegarmos a uma democracia “não relativa” ainda existam grupos que proponham a solução do atalho castrense.
A proposta da intervenção supõe a instalação de um “governo forte”, aparentemente tudo se resolveria com algumas ordens peremptórias. Os corruptos seriam presos e nenhum ministro do STF os libertaria através de habeas corpus afrontosos à Justiça e à opinião pública; pensando bem, não existiria mais habeas corpus, talvez nem STF. Todo obstáculo às intenções dos salvadores seria removido de imediato, a “mídia” se submeteria voluntariamente a um “controle social”. A paz dos cemitérios cairia sobre a nação.
Não temos um governo forte, talvez atualmente sequer tenhamos o que se possa chamar de governo, mas ainda temos um Estado constituído dentro de princípios republicanos, com três poderes definidos. Se o Executivo é uma lástima, o Legislativo nos cobre de vergonha e o Judiciário é uma esfinge em câmara lenta, ainda assim existem e são fundamentais. Soluções radicais podem ser tentadoras à vista dos descalabros a que assistimos, mas são apenas radicais e não soluções.
Prisões sem processo legal, linchamentos, violência legalizada, todo encurtamento de caminho para obter justiça nada mais é do que vingança e barbárie, e determinado pelo pior que há no ser humano: ódio e medo. Cabendo ainda a questão mais importante: saber quem escolherá inocentes e culpados se não pudemos contar com um sistema judiciário, com uma Constituição e com, vá lá, deputados e senadores.
Se nossos políticos são péssimos, não esqueçamos quem lhes deu mandato, nós. Se nossa educação é lamentável, demos um crédito de confiança a estas pessoas para que procedessem de forma a nos manter na ignorância e escuridão.
O sistema educacional brasileiro tem, entre suas metas, auxiliar família e organizações sociais a promover cidadania e melhorar nossa convivência, não apenas no mundo do trabalho, porém em todas as esferas comunitárias, compreensão política – no seu sentido mais amplo – é essencial.