arei a terra branca
e com o animal
– aguilhado –
o sulco a vala
a força o guia
os nomes de antes
*
sem porta ou janela
sem viela de acesso
com os passos em volta
entrei
no silêncio e no silêncio
encontrei a sua morada
na entrada não havia entrada
na varanda a varanda
não tinha
era só a casa
sozinha
sozinha
com ninguém do lado
era só a casa vazia
que de tão profunda era rasa
e nada lá dentro existia
nem os móveis nem a volta
nem a casa
*
trago sempre
um fio
um elo
entre os lados
trago sempre uma espada
se no repente da luta
a mão perde o pavio
um golpe macio breve
a figura decepada no chão
ainda quente
um animal ausente
o corpo
um homem
e a cabeça não
*
imitar com infantilidade
a voz de um deus menino
e – na primeira palavra –
arrebentar o peito contra o mar
feito ícaro submerso
no sol impraticável
de penas artificiais
quando a cera postiça
desfaz a altura instrumental
e arquiteta o tombo dos que
– vencendo o labirinto –
deixam-se iludir pela fulgor
das coisas de fora
*
a palavra chama
como fogo vasto
em pasto seco
como um eco no escuro
um beco um furo
queimando
*
lavrando o campo
a semente
em cada bosque
– no verso –
busca
uma árvore
por existir
um fruto
por amanhecer
*
chama
e ninguém dirá
que a fome devora
e também o fastio
se o arrepio é tarde
no vazio do vazio
– já estamos à beira
e basta um passo
ninguém dirá
*
NOME
anterior à palavra casulo
colocaram ainda recente
a trabalhar de dentro
um corpo em maturação
*
PROMETEU
1.
que vinha trazer o fogo
que logo vinha
– disse –
trazer a chama
a mecânica sutil dos luminares
a maneira correta de incendiar
a escuridão sem lado
2.
que vinha com a noite inteira
depois da primeira hora
deitar o motor da fome
sobre o fado
o caminho feito
sobre o leito da escuridão e da espera
3.
que vinha espantar o negrume e o perfume
do medo
ateando
no vazio sem nome
um cuidado um ruído
um desvio
um segredo
que vinha
*
O ÚLTIMO DESEJO DE NICANOR PARRA
como antes virgílio ao pé do fim
peço generoso leitor
queima este livro