Calçadas sem Exclusão. Caminhar faz bem, Marabá!

Sergio Moreno Redón

Professor  Unifesspa (IEDAR) 

Marabá é uma cidade sem calçadas?! Uma pergunta que parece retórica, e cuja resposta parece simples, e pode parecer até evidente, especialmente para quem caminha nesta cidade. Tão evidente, que no dia 01/06/2018 a Prefeitura anunciou a construção de 4.400 metros de calçadas para melhorar a acessibilidade, além dos 5 quilômetros que já foram contratados. Esta realidade merece uma reflexão porque afeta à vida cotidiana de todos os marabaenses. A reflexão pretendida aqui é acerca da funcionalidade urbana das calçadas, que requer não apenas da sua existência, mas da sua qualidade e conexão, o que permite a criação de espaços não excludentes, harmonizando os elementos do mobiliário urbano e o ir e vir dos cidadãos, além de gerar benefícios sobre a vida social da cidade.

Fundamentais, as ruas e as calçadas são o espaço público basilar de uma cidade. Básicos porque eles permitem a união entre as residências privadas e o espaço público. Função que é cumprida especialmente pelos fragmentos de calçadas. Neste sentido, pode-se pensar que Marabá, sim, tem bastante fragmentos (calçadas que não se conectam). Porém, falar da existência das calçadas não é só nos referir a sua presença física, e sim a sua outra função de circulação. Porque as calçadas servem, primeiro de tudo, para à circulação de pedestres. E para que sejam úteis nesta tarefa, e maximizar os benefícios de uso individual e coletivo, devem apresentar duas qualidades fundamentais, ‘continuidade” e ‘separação de circulação’. De um lado, a continuidade do conjunto de fragmentos em boas condições, isto é, sem obstáculos (buracos, árvores ou postes, etc.), e sem diferenças consideráveis entre as alturas, inclinações e os materiais utilizados. E de outro lado, a separação de tipos de circulação protege os pedestres dos caminhões, carros, motos e bicicletas, separando os espaços onde cada um circula e minimizando desta forma as invasões de uns no espaço dos outros. Característica tão importante quanto a primeira.

Foto 1. Dificuldade de acesso e continuidade da calçada da Av. Antônio Maia, no centro da Marabá Pioneira. Fonte: Acervo Sérgio Redón.

A existência de boas calçadas tem, além da circulação e da proteção, outros benefícios derivados da combinação dos seus usos e das atividades urbanas. Por exemplo, em áreas comercias intensifica o número de consumidores que circularia. Exemplo disso é a Orla de Marabá. Nos bairros e nas grandes avenidas incita ao uso esportivo e a uma vida menos sedentária, tão necessária hoje. As calçadas, ou calçadões, transformam-se em pistas para caminhadas, pedaladas, lazer, descontração, descanso e atividades recreativas. Tornam-se, portanto, um espaço de socialização e convivência. Também melhores calçadas é a forma principal de oferecer maior autonomia às crianças e às pessoas com algum tipo de deficiência. Além disso, como argumentava a jornalista e ativista norte-americana Jane Jacobs, calçadas mais transitadas geram maior segurança, na acepção de mais olhos vigilantes e mais possibilidades de ser ajudado. É neste sentido, que a mesma autora argumentava que uma cidade se mede pelas suas ruas, quando se fala de uma cidade segura significa que as suas ruas são seguras.

Foto 2. Pista de corrida reformada na Av. Vp-Três, sem faixa de pedestre desde a Praça da Criança na Nova Marabá. Fonte: Acervo Sérgio Redón.

Foto 3. Falta de continuidade e acessibilidade entre a calçada do Hotel Vale Tocantins e a reforma da Av. Vp-Três, na Nova Marabá. Fonte: Acervo Sérgio Redón.

Os exemplos de calçadas ou espaço público com este tipo de benefícios em Marabá são raros. Contudo, destaca outro lugar, a praça de São Felix de Valois, na Marabá Pioneira. Uma praça feita para patinadores e que por este motivo, poder patinar, ela reúne um piso de qualidade, redução e separação clara da circulação de carros e continuidade com as ruas ao redor. Ademais, sua localização, na área central da Velha, entre bairros residenciais, ruas comerciais e área turísticos, faz que os usos sejam diversos, por usuários diferentes e em tempos distintos. Ao contrario desta praça, as calçadas perdem estas funções quando contem ‘barreiras arquitetônicas’ ou estão cheias de obstáculos e inconexões.

Foto 4. Cidadãos curtindo na Praça de São Felix de Valois, Marabá Pioneira. Fonte: Acervo Sérgio Redón.

A insuficiência geral das calçadas expõe cotidianamente a todos nós, marabaenses ou não, ao perigo, à exclusão e a uma cidade mais insegura. Perigo quando tem que compartilhar o mesmo espaço cidadãos e caminhões. As crianças quando vão à escola, os pais quando vão recolhê-los, e qualquer um quando vai trabalhar, comprar ou simplesmente sair na rua. Sendo ainda pior para as camadas mais pobres, que carecem de veículos, ou para as pessoas com algum tipo de deficiência. Exclusão, porque qualquer espaço público que não inclua a todos é, por definição, excludente. O que explica a pouca atenção que é dada ao tema. E se não participamos do espaço público, como vamos reivindicar um melhor espaço público? E mais insegura, porque as ruas sem pessoas expulsam as pessoas, mais do que atraí-las.

Esta grave situação, acredito eu, intensifica a inversão de valores na mobilidade urbana, e uma falta de debate deste fenômeno. Nesta hierarquia de importâncias, a realidade é que tem mais direito quem tem o carro maior. Por tanto, é imprescindível restabelecer a ordem lógica em benefício de uma cidade que proteja e integre os cidadãos em situação desvantajosa. Em primeiro lugar, dando prioridade aos que caminham, seguido daqueles que se deslocam em veículos sem motor, como patins, skate ou bicicleta, e só depois, a aqueles que se deslocam em moto, carro, camionete, ônibus e caminhão.

E esta mudança deve começa pela intervenção em locais estratégicos, perto dos espaços coletivos, públicos e privados, como por exemplo, hospitais, áreas comerciais e de serviços, universidades e escolas. Principalmente nas escolas, onde está o futuro da cidade. Perto de uma escola não deveria estar permitido circular à mesma velocidade que na BR, realizar paradas temporárias nas faixas de pedestre e, sobretudo, a entrada de caminhões. Perto de uma escola, as calçadas deveriam oferecer as melhores condições.

Foto 5. Sem acesso para pedestre desde a Av. Vp-Três no Hospital Municipal, na Nova Marabá. Fonte: Acervo Sérgio Redón

Poucas cidades brasileiras estão completamente servidas de boas calçadas ou espaços públicos, mas esta realidade, produto também de carências históricas do planejamento urbano, não deveria justificar que Marabá, com quase 270.000 habitantes e aspirações de “capitalidade”, não tenha calçadas. Deve-se pensar uma Marabá com calçadas funcionais e integradoras das necessidades dos cidadãos, incluindo as de lazer e recreação. Uma Marabá que seja mais como a praça São Felix de Valois. Uma Marabá para viver e não só para trabalhar. Uma Marabá com qualidade do espaço público, onde os bebês possam engatinhar e todos os citadinos em geral sintam-se seguros e a vontade para socializar. A receita para se chegar a esta Marabá é um planejamento e uma organização urbana que agregue as calçadas na sua execução.

Referências

Jacobs, Jane. Morte e Vida de Grandes Cidades. São Paulo: Saraiva. 2000. [Primeira edição 1961]

Prefeitura de Marabá. Obras: Prefeitura já construiu mais de 4.400 metros de calçadas para melhorar a acessibilidade. http://maraba.pa.gov.br/obras-prefeitura-ja-construiu-mais-de-4-400-metros-de-calcadas-para-melhorar-a-acessibilidade/

 

Possui Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco- UFRPE, Especialização no Ensino de História -UFRPE, Mestrado em História pela Universidade Federal de Pernambuco- UFPE, Doutorado em História pela Universidade Federal de Pernambuco- UFPE - área de concentração História do Norte e Nordeste do Brasil. Tem experiência na área de História Cultural, Brasil Republicano, História da Educação, Ensino de História, Cultura Popular e Patrimônio e Educação à Distância. É Professor Adjunto da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará e membro do grupo de pesquisa Interpretação do tempo: ensino, memória, narrativa e politica (iTempo - CNPq/Unifesspa). Atualmente vem desenvolvendo pesquisas na área do Ensino de História tendo como eixo investigativo o uso da fotografia em sala de aula e novas linguagens. Autor e coordenador dos livros A história e suas práticas de escrita, editados pela Editora da Universidade Federal de Pernambuco.

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