Apurar a maneira que o ambiente psicossocial laboral abala a saúde das pessoas é um dos desafios dos profissionais que visam explorar a disciplina da saúde do trabalhador. O estresse habitual e acumulativo contribui para a baixa produtividade; diminuição da autoestima; sentimentos de incapacidade; medo das cobranças que já existem se intensificarem e principalmente: o ambiente do trabalho se estende para as outras esferas da vida, o que prejudica a sociabilização, os relacionamentos, os momentos de lazer, memória, atenção, criatividade, entre outros. Esses fatores são observados por mim em minha prática clínica, uma vez que o sujeito que se apresenta, mesmo tendo presença em vários âmbitos, nunca consegue se desligar deste lugar que o consome.
Em uma matéria do Jornal da USP [1] foi estabelecido o retrato dos funcionários, especificamente os técnicos administrativos, que se afastaram no decorrer dos anos de 2012 a 2016. A pesquisa contou com uma informação notável: os servidores que se afastaram por doenças mentais, tiveram um período de ausência maior do que as outras pessoas que se afastaram por questões físicas. A maior incidência é dos episódios depressivos; todavia transtornos de ansiedade, dependência alcoólica e estresse também foram a razão desse acontecimento. Na mesma notícia, constatou-se que os profissionais que avaliaram as relações sócio profissionais como insatisfatórias apresentaram psicopatologias que não permitiram prosseguir com suas funções.
Trazer números que justifiquem e que proporcionem coerência ao focar nossa atenção e nosso empenho para que a saúde psíquica dessas pessoas seja valorizada e especialmente, entendida como fator essencial no desempenho e na qualidade dos serviços prestados, é uma estratégia inteligente para que os gestores entendam que qualidade de vida e trabalho necessita estar agregados. Sabendo-se que as informações compartilhadas no parágrafo anterior nos indicam uma defasagem da produção, e que, por mais que os auxiliares administrativos da USP tenham características específicas deste recinto, é importante que entendamos a necessidade de que a saúde mental deve ser vista como um dos principais recursos utilizados para uma boa mão de obra.
O estresse ocupacional é inerente a qualquer profissão e lugar, entretanto, quando o indivíduo passa por inúmeras exposições de forma que o mesmo precisa incessantemente administrar os resultados desse estresse, esse fator se torna determinante para a evolução da síndrome de burnout. (ABREU, et al., 2002)
Na década de 1970, o psicólogo H.J. Freudenberger se empenhou em investigar e especificar sentimentos e comportamentos relacionados a demasiadas demandas de trabalhos, até que em 1974, o profissional expôs as características principais do que chamamos de síndrome de burnout: sentimentos recorrentes de frustrações, esgotamento físico e mental advindos de intensos esforços e artifícios para lidar com as atividades laborativas que ocasionam os sintomas supracitados. (TUCUNDUVA, et al., 2006)
A síndrome se manifesta como se fosse uma defesa, uma adaptação indevida ao local de trabalho. Dessa forma, a despersonalização, ou seja, uma indiferença, apatia, atitudes que vão provocar um distanciamento e uma crença de que o trabalho não é importante. (CASTRO, ZANELLI, 2007)
Esta é uma das três variáveis que acredito ser a principal particularidade do diagnóstico, o que facilita a compreensão e no auxílio dos recursos terapêuticos que deverão ser abrangidos. Ademais, para concluir esse diagnóstico, o sujeito deve apresentar exaustão emocional e também uma significativa diminuição da realização pessoal. (CASTRO, ZANELLI, 2007) Muitas das vezes, essas três variáveis podem ser confundidas com outros transtornos, como a depressão, por exemplo, o que prejudica o prognóstico do paciente e consequentemente o tempo investido em sua melhoria, visto que o trabalho pode afetar diretamente a saúde como um todo. Os profissionais da saúde, assim como os gestores, deveriam se atentar a qualidade de vida aliada ao trabalho.
E por falar nesses profissionais, essa síndrome, segundo Carvalho et al. (2011) predomina em quem possuem funções de cuidados com o próximo, ou seja, médicos, enfermeiros, psicólogos, professores, entre outros.
Compreendida a importância dessa interseção entre saúde mental e ambiente de trabalho, encerro meu texto oferecendo uma reflexão para essa discussão. O poema a seguir, de minha autoria, foi criado com o objetivo de comemorar o dia da (o) psicóloga (o) do ano de 2016, em um concurso da minha então faculdade. Hoje, compartilho com vocês com o intuito de frisar que a sensibilidade é um caminho tão primordial, mas que por vezes, tem se tornado secundário. É curioso observar o quanto as metas e a produtividade são valorizadas e o quanto o sentimentalismo e a subjetividade, característicos da nossa existência, são considerados vulnerabilidades quando, a meu ver, são o caminho para nossa autenticidade e completude. Como estar inteiros no trabalho se tivermos uma incompletude fundante?
BRADO SILENTE
(Rodrigo Luis Souza Silva)
Mais do que uma palavra possa dizer
Mais do que um silêncio possa falar,
Um saber de ser
Um saber de dar
Nos corredores tumultuados
Ou em quatro paredes, onde a voz possa soar:
É valioso dar clamor aos abnegados
E afago aos que conseguem falar
Mais do que um olhar possa ver
Mais do que a escuridão possa revelar,
É preciso interceder
É preciso ponderar
No decurso da experiência
Ou em paradas, onde o obstáculo surgir:
Nos percalços da existência
Superar e prosseguir.
REFERÊNCIAS
[1] Disponível em:
https://jornal.usp.br/atualidades/transtornos-mentais-afastam-funcionarios-por-mais-tempo-da-usp/
ABREU, K. L. de et al . Estresse ocupacional e Síndrome de Burnout no exercício profissional da psicologia. Psicol. cienc. prof., Brasília , v. 22, n. 2, p. 22-29, June 2002 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932002000200004&lng=en&nrm=iso>. acesso em 15 Nov. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-98932002000200004.
CARVALHO, D. V.; LIMA, E. D. R. . Sintomas físicos de estresse na equipe de enfermagem de um centro cirúrgico. NURSING, n. 34, p. 31-4, marc. 2001.
CASTRO, F. G. de; ZANELLI, J. C.. Síndrome de burnout e projeto de ser. Cad. psicol. soc. trab., São Paulo , v. 10, n. 2, p. 17-33, dez. 2007 . Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-37172007000200003&lng=pt&nrm=iso>. acesso em 15 nov. 2018.
TUCUNDUVA, L. T. C. de M. et al . A síndrome da estafa profissional em médicos cancerologistas brasileiros. Rev. Assoc. Med. Bras., São Paulo , v. 52, n. 2, p. 108-112, Apr. 2006 . Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-42302006000200021&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 12 Nov. 2018. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302006000200021.