escuro esse céu
quase um véu
um manto amarelo
mudo
silencioso
um pincel criou corvos poderosos
em voo incansável
agitando de dia e de noite
o orbe da arte(O Céu de Van Gogh II, FURINI, 2018: pg. 48)
INcontros: Como se desenvolveu sua trajetória literária?
IF: De maneira lenta, com algumas interrupções. Comecei a fazer poesia antes de saber ler e escrever. Eu gostava de rimar, fazia pequenos poemas e solicitava à uma tia que escrevesse. Na adolescência escrevi poemas de amor. Quando iniciei o curso de filosofia, minha paixão era Platão, e ao ler que ele deixou de lado a poesia porque os poetas preferem a beleza à verdade, decidi deixar a poesia. Lia poemas, algumas vezes, mas só isso…
No início dos anos 80 voltei a escrever poesia, mas com fundo filosófico. Em 1983, reuni alguns poemas e publiquei o primeiro livro: “O homem e Deus”. Em 1987, conheci pessoalmente Helena Kolody*, frequentando algumas vezes a sua casa. Adorava a maneira delicada dela! Um dia, cheguei no horário em que ela estava lavando os pratos. Helena era professora aposentada e fazia os trabalhos de casa.
Observei a metade de uma folha de caderno com um poema colado sobre os azulejos da cozinha, na frente da pia. Era um pequeno poema, escrito à mão. Explicou-me que tinha o hábito de escrever seus poemas em folhas e todos os dias colava uma folha com um poema na cozinha. Assim, enquanto lavava os pratos, gostava de analisar cada palavra do poema e pensar se existia outra palavra mais adequada.
Quando encontrava uma palavra que traduzia a sua ideia de maneira mais forte ou mais completa, ela a trocava. Se percebia que a palavra escolhida não precisava ser trocada, a deixava. Realizava essa tarefa com cada uma das palavras do poema. Após esta explicação, fomos para a sala, e ela leu só para mim alguns poemas de sua autoria. Achei esses poemas perfeitos! Senti que nunca chegaria à essa perfeição, e desisti de escrever poesia.
Eu sentia o profundo desejo de escrever, mas não me dava essa chance porque achava que não estava preparada para o caminho poético. Durante uma década me neguei o direito de escrever poesia. Um dia, comentando o fato em um dos cursos que ministrava no Solar do Rosário, um médico que estava escrevendo um romance questionou minha decisão.
Ele disse que se fosse desse jeito ninguém mais escreveria nada depois de Shakespeare, pois este escritor havia abordado os grandes temas que tocam as emoções humanas: o amor, o ódio, os ciúmes, a inveja, etc. Ele enfatizou que minha atitude era errada. Eu repensei o assunto, e cheguei a conclusão que meu aluno estava certo.
Cada ser humano tem o seu estilo, e todos tem direito de autoexpressar-se através da poesia. Decidi fazer um teste. Se estivesse no meu destino ser poeta, eu ganharia um concurso literário no ano de 2002. Enviei poemas para três concursos e conquistei o primeiro lugar com “O Poeta”, no Concurso organizado pela Prefeitura de São José dos Pinhais. Então, mais confiante, pensei que eu tinha que me dar a chance de escrever, pois sempre havia amado a poesia.
INcontros: Qual a temática do livro, sobre o que ele trata?
IF: As poesias do livro “Os Corvos de Van Gogh”, foram inspiradas nas telas do grande artista, especialmente no quadro “Campo de trigo com corvos”. Essa tela parece questionar os amantes da arte, pois enquanto alguns pensam que os corvos se estão afastando do observador, outros pensam que os corvos se estão aproximando. Os corvos vão ou vêm?
No poema “Infindável” abordo esse assunto:
Os observadores deleitam-se com um vai-e-vem de corvos
infindável.
Voam as almas sobre o trigal mastigando as espigas da arte,
e antecipando a noite
(enquanto as aves sorrateiras vão e voltam
– sem pausa).

“Campo de trigo com corvos”, Van Gogh, 1890. Óleo sobre tela, Van Gogh Museum, Amsterdam.
INcontros: Quais as referências artísticas que influenciaram o seu trabalho?
IF: Com referência às artes plásticas, essa obra foi baseada do primeiro ao último verso, nos quadros de Van Gogh.
Sempre amei os trabalhos dos poetas Amado Nervo, Rubém Dario, Jorge Luiz Borges, Arturo Capdevila, Alfonsina Storni, Olga Orozco, Alejandra Pizarnik, Gabriela Mistral. Mais tarde conheci Fernando Pessoa, Ferreira Gullar, Neide Archanjo, e outros. Mas não sei se fui influenciada pela leitura de algum desses autores. Ao escrever, tentei aprofundar-me nas imagens e deixei fluir os conteúdos do inconsciente.
INcontros: O que os leitores vão ter como inovação, em relação aos seus trabalhos anteriores?
IF: O fato de que o livro “Os Corvos de Van Gogh” é temático. Está baseado somente nas obras de Van Gogh.
INcontros: O que este livro representa para você como autora?
IF: Este livro é muito importante para mim, porque representa uma parte de minha alma. Todos temos corvos interiores, que estão em um eterno vai e vem. Estes são os elementos de nossa vida e de nossa psique que não foram resolvidos e que parecem afastar-se de nosso campo vivencial, mas reaparecem para ser contemplados, analisado e superados.
Do ponto de vista da técnica, nesse livro tentei adequar o vocabulário aos traços dos quadros de Van Gogh, fugindo do sentimentalismo e tentando representar a emoção desses quadros com sobriedade.
ISABEL FURINI

Foto: Decio Romano, “Cutucando a Inspiração”, Teatro Universitário de Curitiba (TUC)
Escritora, poeta, palestrante e educadora. Autora de 35 livros, dentre eles, “Os Corvos de Van Gogh” (poemas) e “Vírgulas e outros silêncios”. Seus poemas foram premiados no Brasil, Espanha e Portugal. É criadora do Projeto Poetizar o Mundo, membro da Academia de Letras do Brasil/Paraná, Presidente da AVIPAF (Academia Virtual Internacional de Poesia, Arte e Filosofia) e coeditora da Revista Carlos Zemek de Arte e Cultura. Recebeu Comenda Ordem de Figueiró, Artes e Cultura do Brasil no Rio de Janeiro; foi nomeada Embaixadora da Palavra pela Fundação Cesar Egido Serrano (Espanha, 2017); Participou de Antologias poéticas em Portugal, Argentina e Chile; Foi convidada para palestrar sobre a arte de escrever, na Feira Internacional do Livro de Foz de Iguaçu, na Feira do Livro e da Leitura de Campo Mourão–PR, e na Felima (Festival Literário Internacional de Machadinho, RS); Realizou recitais poéticos na 36ª Semana Literária do SESC & XV Feira do livro da UFPR, em 2017, e um Recital Poético bilíngue (espanhol/inglês) na Biblioteca Pública de Burlingame, Califórnia, USA, em 2018.

Capa do livro Os corvos de Van Gogh, 2a. Edição, Editora Virtual Books. Fonte da imagem: https://www.paranaimprensa.com.br/2018/12/03/isabel-furini-lanca-os-corvos-de-van-gogh/
*Nota: Helena Kolody (1912-2004) poetisa paranaense, nascida em Cruz Machado, viveu praticamente toda sua vida em Curitiba. Ao longo da sua trajetória artística recebeu vários prêmios e homenagens, foi eleita para a Academia Paranaense de Letras e o filme “A Babel de Luz”, do cineasta Sylvio Back, homenageou os 80 anos da poetisa. O filme recebeu o prêmio de melhor curta-metragem e melhor montagem, do 25° Festival de Brasília.
Agradeço essa publicação focando o livro de poemas de minha autoria “Os Corvos de Van Gogh”.
Que importante contribuição para a literatura é esse INcontros, a leitura do livro Os corvos de Van Gogh, me proporcionou muito prazer, fã do grande pintor, vi ali traduzidos muitos sentimentos que traduzem meu pensar poético.
Foi extremamente interessante ler a sua entrevista, quando cita sua rica experiência com a grande Helena Kolody já nos passa muita curiosidade em sabermos mais sobre você, Isabel Furini. Helena Kolody de Cruz Machado, cidade vizinha de União da Vitória. Escrever poemas e lançar livro inspirada nas telas de Van Gogh é para pessoas que realmente entendem a alma humana.
“Este livro é muito importante para mim, porque representa uma parte de minha alma. Todos temos corvos interiores, que estão em um eterno vai e vem”.
Além de serem poemas que nos levam à reflexão nos deixam o sabor poético de cada palavra que construiu os versos e consequentemente os poemas. Parabéns, Isabel Furini!
Boa noite, ótima e interessante entrevista, parabens Isabel Furini, pela sensibilidade e amor à Poesia! Sobre o livro “Os Corvos de Van Gogh'” é lindo e emociona.! Abraços, Vanice Zimerman.