Airton dos Reis Pereira /UEPA
Mírian Rosa Pereira /UEPA -CAPS
Shirlei Dias Ribeiro /UEPA -PIBIC
Claudiane Serafim de Sousa /UEPA -Bolsista
Em 2016, um grupo formado por professores e técnicos-administrativos da Universidade do Estado do Pará (UEPA), Campus de Marabá, conseguiu aprovar junto à Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas (FAPESPA) uma proposta de pesquisa sob o título “Saberes e Práticas da Formação Docente: da avaliação da educação inclusiva à produção de materiais didáticos destinados às pessoas com deficiência” a qual tinha como objetivo analisar as práticas dos professores de ciências naturais, da educação básica da rede pública de Marabá (PA), na perspectiva da educação inclusiva, e, ao mesmo tempo, contribuir na produção de materiais didáticos acessíveis na área do ensino de ciências naturais destinados à inclusão de alunos com deficiências (baixa visão e cegos).
Depois de contatos com a Secretaria Municipal de Educação e com diversas escolas estaduais, vinte professores de ciências naturais e pedagogas lotadas no Atendimento Educacional Especializado (AEE) em Marabá foram envolvidos no projeto. Com o decorrer do tempo dez pedagogas do município de Itupiranga, 40 quilômetros de Marabá, também foram integradas ao projeto.
Foi adotado como procedimentos metodológicos a Pesquisa-ação e a História Oral. Ou seja, foi decidido que seria importante que a pesquisa fosse realizada ao mesmo tempo em que os sujeitos envolvidos no projeto pudessem aprimorar a sua prática (TRIPP, 2005; FRANCO, 2005). Diversas foram as reuniões e encontros de formação. Diversos foram também os encontros destinados à confecção de materiais didáticos inclusivos. Estes momentos foram destinados à reflexão sobre a realidade educacional, a prática docente em sala de aula, mas também sobre as decisões a respeito dos tipos de materiais didáticos a serem produzidos, além de encontros específicos dedicados à confecção dos referidos materiais.
Mas essas atividades foram também espaços importantes de integração, troca de experiências, intercâmbio e solidariedade entre os professores da educação básica e os membros da universidade responsáveis pelo projeto. Algumas das atividades foram filmadas e algumas entrevistas coletivas foram gravadas e transcritas. Mas foram também realizadas entrevistas individuais com pessoas chaves que vinham participando ativamente de todo o processo de execução do projeto. Entendia-se que por meio dos relatos orais se pudesse captar, mais facilmente, os posicionamentos políticos dos sujeitos na pesquisa, além de possibilitar apreender, com maior clareza, os motivos que levavam esses professores tomarem algumas decisões (ALBERTI, 2005).
Durante o processo de execução do projeto, algumas bolsistas de iniciação científica foram integradas ao grupo de professores e técnicos-administrativos os quais participaram ativamente das tomadas de decisões e das atividades desenvolvidas.
Uma das coisas que foram possíveis constatar ao se trabalhar com a pesquisa-ação e com a história oral é que o grupo formado por estes professores, técnicos-administrativos e bolsistas da universidade foi também capacitado à medida que coordenava os encontros de formação e de produção de materiais didáticos impactando diretamente na forma como esses servidores passaram a ver a educação inclusiva dentro da própria universidade.
Ao entrevistar essas servidoras, foi muito interessante compreender não só o processo de formação que elas tiveram sobre a educação inclusiva durante os seus cursos de graduação, mas a contribuição que o projeto de pesquisa deu sobre a educação inclusiva no âmbito da universidade. As entrevistas revelam como os servidores estão preparados para atuarem em conformidade com o processo de inclusão educacional, que envolve a sua formação inicial e continuada. A esse aspecto, foi possível verificar que das sete servidoras entrevistadas, apenas uma teve na sua formação inicial algumas disciplinas voltadas sobre a educação inclusiva e duas participaram de processos de formação continuada sobre essa temática antes de ingressarem no projeto de pesquisa.
O questionamento sobre a formação dessas profissionais demonstrou que elas se sentem preocupadas com lacuna proveniente desses processos formativos e que a participação no referido projeto de pesquisa se revelou como um desafio dada a realidade dos cursos de graduação de uma forma geral, mas por outro lado, foi visto não só como debate sobre a inclusão de pessoas com deficiência, mas a sua própria inclusão nas discussões sobre a temática estudada:
eu costumo afirmar que realmente houve inclusão nesse projeto. Porque é o primeiro projeto no Campus de Marabá que houve a inclusão de nós técnicos. Eu sou funcionaria da UEPA, mas eu sou técnica administrativa, então todos os projetos que já aconteceram no Campus são para docentes e discentes, mas esse projeto realmente trabalha a inclusão, pois foram incluídos os técnicos administrativos. Essa inclusão enriqueceu a nossa vida profissional. É imensurável o aprendizado que tivemos, o quanto ele nos valorizou. No momento que fomos convidadas, tanto eu como as minhas colegas, no primeiro momento a ideia era dizer não, até porque era tudo novo para nós, tínhamos medo de não dar conta de participar (S1. Entrevista concedida em 13/02/19).
Compreender como essas profissionais atuam e se sentem sobre o seu trabalho frente a inclusão social e educacional, é um fator muito importante para o movimento de inclusão de uma forma ampla, pois parte da necessidade de conhecer, aprender e mudar suas ações diárias, na busca da qualidade do serviço que será ofertado, neste caso, o atendimento na universidade. Nesse sentido, na formação e para a atuação dessas profissionais é necessário discutir a inclusão social e “refletir sobre certos conceitos […], concepção de homem, educação e sociedade como seus determinantes econômicos, sociais e políticos” (FERREIRA; FERREIRA; FERREIRA, 2010, p. 6149).
Sobre o município de Marabá (PA), no qual encontra-se também a UEPA, as profissionais entrevistadas argumentaram sobre as suas percepções acerca do processo de inclusão e acessibilidade, evidenciados tanto na cidade de forma geral, como também na própria instituição de ensino superior em que atuam. Cabe ressaltar que foi unânime ao afirmarem que a cidade caminha a passos lentos para se alcançar de fato uma cidade mais inclusiva e acessível, mas que segundo a Servidora 2, “teve uma evolução muito satisfatória, mas em relação a qualidade da inclusão… nós precisamos caminhar muito” (S2. Entrevista concedida em 15/02/19).
Na questão da acessibilidade e inclusão na própria instituição em que atuam, as profissionais ressaltam que as mudanças estruturais e atitudinais surgiram, de forma mais expressiva, a partir do ingresso do primeiro aluno deficiente visual no campus universitário em 2009 e esse fato foi bastante citado nas entrevistas, como ressalta a Servidora 2, sobre as mudanças que ocorreram. Afirma ela: “começamos a pensar na estrutura física e depois que nós partimos para a estrutura acadêmica, que foi muito difícil, pois era uma experiência nova para nós enquanto Campus da UEPA” (S2. Entrevista concedida em 15/02/19).
Recentemente, o campus recebeu matrículas de cinco alunos surdos na turma de graduação em Letras, com habilitação em Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), demandando também a reformulação de aspectos da comunicação institucional e acadêmica com esses alunos surdos. A esse aspecto, os relatos das profissionais revelam que elas têm tido contatos limitados com esses alunos devido o horário de aulas ser no período noturno. Mas segundo elas, a presença desses alunos na universidade tem levando-as a refletir sobre a forma de comunicar, demonstrando que precisam se capacitar para que possam se comunicar de forma mais efetiva com esses alunos e com a comunidade surda de forma geral como bem destaca a Servidora 6:
As vezes a gente precisa passar alguma informação acadêmica para eles, para que eles possam ter acesso. Os outros alunos da turma às vezes que fazem essa intermediação conosco, para que haja um entendimento. Para melhorar isso, a gente tem que fazer alguma formação, ao menos o básico, para poder ocorrer a comunicação (S6. Entrevista concedida em 18/02/19).
A participação dessas servidoras no projeto de pesquisa, sobretudo na interação com os professores da educação básica e do AEE, consolida-se como um processo de aprendizado, de capacitação:
quando nós fomos convidadas para participar desse projeto, foi uma oportunidade maravilhosa, excelente, porque é sempre gratificante e enriquece nosso conhecimento em relação a inclusão porque quando você, quando a gente passa a pensar no aluno deficiente, você imagina como que ele vai estar na sala de aula, como esse aluno vai ser atendido e quando a gente passa a ver que a adaptação do material para este aluno é possível, é um outro mundo, um outro conhecimento que é acrescentado à nossa vida profissional. O projeto nos possibilitou isso (S3. Entrevista concedida em 13/02/19).
Assumir que a inclusão perpassa todos os aspectos da vida em sociedade é também compreender que esta “se fundamenta numa filosofia que reconhece e aceita a diversidade na vida em sociedade. Isto significa garantia de acesso de todos a todas as oportunidades” (MENDES, 2002, p. 28). E isto fortalece a necessidade de discutir inclusão em todos os setores das instituições de ensino, quer seja na educação básica, quer seja no ensino superior.
A proposta revolucionária de participação dos servidores da UEPA em um projeto de pesquisa sobre a temática de inclusão educacional pode, talvez, influenciar outras instituições de ensino superior a repensarem as dinâmicas acadêmico-administrativas que as mesmas têm desenvolvido em seus campi.
As perspectivas de ações futuras, segundo essas servidoras, demonstram que houve uma melhor compreensão do papel do servidor na instituição, da preocupação da qualidade do sistema de comunicação entre os servidores e pessoas com deficiência, como também a preocupação com relação a acessibilidade da infraestrutura do campus e da cidade Marabá como um todo.
As relações estabelecidas no âmbito do projeto de pesquisa “Saberes e práticas da formação docente” proporcionaram uma maior aproximação entre a realidade da educação básica com a universidade. Os questionamentos dos professores da educação básica envolvidos no projeto, com relação às dificuldades, aos desafios, mas também aos anseios por uma educação de qualidade e, de fato, inclusiva, foram fundamentais, segundo as servidoras, para se pensar a sua atuação enquanto profissionais da universidade. Ou seja, para essas servidoras a universidade deve dialogar com a comunidade de uma forma geral, sobretudo possibilitar reflexões sobre as garantias de direitos da pessoa com deficiência.
Assim, a partir da percepção de que a inclusão envolve muito mais do que a utilização da grafia Braille para atender pessoas cegas ou a LIBRAS para atender as pessoas surdas, devemos entender que a diversidade existe e que todos são capazes e devem ter condições de exercerem sua cidadania frente aos diversos setores da sociedade. A partir desse entendimento é que se construirá uma sociedade mais justa, solidária e inclusiva.
Referências
ALBERTI, V. Manual de história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
FRANCO, Maria Amélia Santoro. Pedagogia da Pesquisa-Ação. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 483-502, set./dez. 2005.
FERREIRA, Lúcia Gracia; FERREIRA, Lucimar Gracia; FERREIRA, Márcia Gracia. A inclusão social e escolar: enfoque nas escolas públicas de educação infantil de Itapetinga-BA. In: Anais do XII Congresso Nacional de Educação. Paraná: PUC/PR, 26-29 de outubro de 2015. Disponível em: http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/22562_9959.pdf. Acesso: 28 mar. 2019.
MENDES, E. G. Desafios atuais na formação do professor de educação especial. Revista Integração, v. 24, Ano 14, Brasília: MEC/SEESP, 2002.
TRIPP, David. Pesquisa-ação: uma introdução metodológica. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 3, p. 443-466, set./dez. 2005.