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Cristina Miyuki Hashizume
Hamilton de Oliveira Telles Junior
Passadas sete décadas da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU (1948), faz-se mister refletir sobre a necessidade ainda premente de avanços necessários para se atingir a garantir minimamente os direitos preconizados à época. No que tange ao aspecto educacional, discussões e novas práticas que assegurem direitos ainda estão em vias de ser construídas. Já percebíamos avanços consideráveis na última década, mas atualmente nos vemos frente a um grande desafio pela manutenção dos avanços na área.
A educação em Classe Hospitalar tem oito décadas de história, e no Brasil teve sua implantação em 1950 e, gradativamente foi sendo implementado nas diversas instituições de saúde, o que trouxe algumas problematizações relacionadas à interface entre saúde e educação. Em setembro de 2018, com a Lei 13.716, os hospitais têm a obrigação de assegurar o atendimento educacional, durante o período de internação, ao aluno da educação básica. Frente a esse novo cenário, o tema se faz importante no que diz respeito à garantia do acesso à educação de forma igualitária às demais crianças em idade escolar. Nesse sentido, nosso objetivo é o de refletir sobre o acesso ao direito à educação das crianças hospitalizadas, levando em conta a legislação brasileira, a fundamentação teórica que sustenta a existência da classe hospitalar, e destacar a sua importância na atenção a uma política pública que tem evoluído em seu objetivo de maneira lenta e precisa de visibilidade para sua consecução.
Ceccim e Fonseca (1997) defendem que a educação em classes hospitalares deve apoiar-se em propostas educativo escolares, e não em propostas de educação lúdica, educação recreativa ou de ensino para a saúde. Ou seja, o acesso ao conhecimento deve ser garantido, restabelecendo-se a saúde, mas também promovendo o desenvolvimento, pois “a aprendizagem é sempre e reciprocamente psíquica e cognitiva, […] sendo determinantes ao desenvolvimento da cognição e do desenvolvimento psíquico” (p. 40). Cury (2008) e Menezes (2004) ressaltam o caráter pedagógico e terapêutico da classe hospitalar, que corrobora o direito do cidadão no acesso à educação, sendo o hospital local garantidor do direito igualitário à educação e à cidadania para as crianças internadas.
TODOS TEMOS DIREITO À EDUCAÇÃO
Pensando numa educação garantidora do direito à formação, é importante levarmos em consideração o caráter peculiar dos diferentes cenários que demandam pesquisas, intervenções e problematizações. É na interdisciplinaridade entre saúde e educação que políticas públicas podem materializar práticas que minimizem o sofrimento das pessoas, que desprotegidas vivem a realidade da fome, da miséria, da insegurança e da desumanização nelas embutida. (VALENTE, 2002). Em estudo interdisciplinar, Dietrich & Hashizume (2017) apresentam importantes exemplos de projetos em escolas capazes de suscitar no cotidiano docente o debate sobre temas em diferentes contextos, inclusive na saúde. Nesse sentido, entende-se que, em que pese o fato de que algumas necessidades básicas para sobrevivência ainda não serem garantidas no Brasil, a educação se mostra como importante locus para atuação das políticas públicas garantistas e consequente atuação de educadores e psicólogos escolares, cuja atuação pode impedir que episódios radicais e totalitários causadores de muito sofrimento para a humanidade se repitam.
A Lei 1.044 aponta a prioridade de atendimento aos que necessitam de atendimento especial com o acompanhamento da escola, enquanto o ECA (Lei 8.069/90) dispõe sobre os direitos a educação quando em condições de internação (BRASIL, 1990). A Resolução 41/95 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, chancelada pelo Ministério da Justiça, no item 9 explicita o “direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento do currículo escolar durante sua permanência hospitalar” (BRASIL, 1995). A Lei 9.304/96, em seu artigo 58º, esclarece que educação especial é modalidade da educação escolar oferecida na rede regular de ensino para educandos portadores de necessidades especiais, assegurando o atendimento em outros ambientes (BRASIL, 1996). E em 2002, um documento sobre Classe Hospitalar foi publicado pelo MEC e Secretaria de Educação Especial preconizando atendimento domiciliar, estratégias e orientações (BRASIL, 2002). Também faz-se importante relembrar que recentemente, em setembro de 2018 a Lei 13.716, que inclui o “artigo 4ª-A” (LDBEN) passou a assegurar o atendimento educacional durante o período de internação ao aluno da educação básica (BRASIL, 2018).
A educação como um direito humano deve levar em consideração a situação peculiar de internação do aluno, que demanda atenção especial no que se refere à sua convivência com a doença, sofrimento em relação à dor em si, além do convívio constante com a doença em diferentes aspectos.
UM DIREITO INTERSETORIAL: DA EDUCAÇÃO À SAÚDE
Ceccim (1999) afirma que o relacionamento com a doença infantil/enferma, quando mediado pela emergência de atenção às demandas biológica e psicológica da criança, possui uma outra importante dimensão que se refere à escuta pedagógica do desenvolvimento infantil: a dimensão vivencial. Essa dimensão afeta as expectativas de cura, sobrevida e qualidade de vida afetiva, retorno às atividades anteriores e continuidade dos laços com o cotidiano. Assim, a inclusão do atendimento pedagógico na atenção hospitalar, inclusive no que se refere à escolarização, interfere e impacta no aspecto vivencial da criança, pois ressalta aspectos relacionados à saúde, mesmo em face da doença, ao mesmo tempo em que respeita e valoriza os processos afetivos e cognitivos de construção de um conhecimento relevante sobre o processo de aprendizagem da criança, o que Ceccim (1999) chama de uma inteligência de si, de uma inteligência do mundo, de uma inteligência do estar no mundo e inventar seus problemas e soluções. O acompanhamento pedagógico e escolar da criança hospitalizada favorece a construção subjetiva de uma estabilidade de vida que ultrapassa a mera elaboração psicológica da enfermidade e da hospitalização, atuando como continuidade e segurança emocional e pedagógica diante dos laços sociais da aprendizagem, o que inclui a relação com colegas e relações de aprendizagens mediadas pelo professor na “escola no hospital”.
A hospitalização impõe limites à socialização e interações, provocando o afastamento da escola, do ciclo de amizades, da rua e da casa, além de ressituar o aluno em novas regras sobre o corpo, a saúde, o tempo e os espaços. O ensino e o contato da criança hospitalizada com o professor no ambiente hospitalar, quando cônscios da importância da classe escolar como espaço de direito à educação, podem facilitar numa vivência prazerosa e social e cognitivamente produtiva para o aluno. O professor, apoiado na gestão escolar presente, é capaz de proteger o desenvolvimento da criança, contribuindo para a sua reintegração à escola após a alta hospitalar. A classe hospitalar opera no desenvolvimento psíquico e cognitivo representados pelo adoecimento. Mais do que dar continuidade do ensino de conteúdos da escola de origem do aluno, possibilita uma proposta diferenciada educativa com conteúdos próprios para cada faixa etária das crianças hospitalizadas, levando-as a sanarem dificuldades de aprendizagem e oportunizando novas aprendizagens a partir da estimulação de novos processos intelectuais, que suscitarão diferentes aprendizagens. O professor capacitado e consciente do direito fundamental à classe escolar poderá colaborar na expressão e elaboração de sentimentos trazidos pelo adoecimento e pela hospitalização, propiciando à criança novas condutas emocionais, aprendizagens estas que ultrapassarão o período em que estiverem no hospital.
Dada a importância do assunto, devemos situar devidamente que a qualidade desse processo de ensino-aprendizagem não é decorrente apenas da atitude pessoal do professor, mas deve ser alvo de formação em serviço desse profissional. Estudos sobre o tema também podem suscitar programas de formação junto a hospitais que reflitam sobre a interferência da condição de adoecimento na aprendizagem da criança, e do mesmo modo, de como as classes hospitalares interferem na cura da criança hospitalizada. Nesse aspecto, faz-se importante a participação da gestão escolar na construção de práticas sistematizadas institucionais que favoreçam um trabalho qualificado junto à classe hospitalar.
O contato com o professor e com uma “escola no hospital” funciona mediando padrões da vida cotidiana das crianças, ligando a vida em casa com os processos de aprendizagem na escola. Corroboramos Ceccim (1999) que defende que a educação no hospital integraliza o atendimento pediátrico através da atuação no reconhecimento e respeito às necessidades intelectuais e sócio-interativas, determinantes para o desenvolvimento da criança.
O tema ainda é novo para gestores da educação e dos hospitais, para professores e para a sociedade como um todo, haja vista determinação legal recente (set/2018). Garantir-se a produção de conhecimento qualificado e a divulgação em espaços como este é contribuir para a formação dos educadores, tornando tanto professores como comunidade escolar, protagonistas em relação a este direito e aos desdobramentos psicológicos e pedagógicos decorrentes de sua violação. A legislação, apesar de garantir o direito aos alunos hospitalizados, ainda se encontra no plano teórico, sendo necessários mais estudos para se refletir sobre a importância de um protagonismo acadêmico-militante que seja capaz de formar educadores, comunidade escolar, que ajam nas escolas visando a garantia efetiva desse direito.
Em sete décadas de luta, as Classes Hospitalares passaram de iniciativa a direito, sendo, recentemente, necessário um vasto trabalho que possa abrir novas frentes de pesquisas e intervenção, visando somar conhecimento e ações no sentido de colaborar para a garantia e o exercício desse direito, já assegurado pela lei, mas que ainda não vê repercussão compatível na ação dos profissionais da saúde e educação.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Ministério da Educação. Classe Hospitalar e Atendimento Pedagógico Domiciliar: Estratégias e Orientações. / Secretaria de Educação Especial. – Brasília: MEC; SEESP, 2002.
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CECCIM, R.B.; CARVALHO, P.R.A. (org.) Criança hospitalizada: atenção integral como escuta à vida. Porto Alegre: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1997.
CURY, Carlos R. Jamil. A educação básica como direito. Cadernos de pesquisa, v. 38, n. 134, p. 293-303, 2008.
DIETRICH, A.M.& HASHIZUME, C.M. (Orgs.) Direitos Humanos no chão da escola. Santo André: EDUFABC, 2017.
MENEZES, Cinthya Vernizi Adachi de et al. A necessidade da formação do pedagogo para atuar em ambiente hospitalar: um estudo de caso em enfermarias pediátricas do Hospital de Clínicas da UFPR. 2004.
VALENTE, Flavio Luiz Schieck. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas.
In: Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. 2013. p. 271-271.
Hamilton de Oliveira Telles Junior
Doutorando em Educação na Universidade Metodista de São Paulo. Mestre em Políticas Públicas pela Universidade de Mogi das Cruzes. Graduado em Psicologia e licenciado em Pedagogia. Especialização “Lato-Sensu” em “Informática (UFLA). Tem experiência na docência do Ensino Fundamental, gestão escolar privada e da rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo. Professor em cursos de Graduação e Pós-Graduação.
Muito se fala em inclusão, mas entendemos que manter a escolaridade é tão importante quanto. A criança internada sofre pelos sintomas da doença, pela perda dos amigos e pela falta de interação social. A educação no ambiente hospitalar é o elo para manter seus vínculos e minimizar os sofrimento. É preciso que se torne presente em todos os hospitais do país.