Mara Lúcia Teixeira de Souza
Licenciada em História pelo Curso de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense. Atualmente cursa o Bacharelado na mesma Universidade. É professora contratada provisoriamente pela Prefeitura de São Francisco de Itabapoana, onde leciona História para o Ensino Básico. Como bolsista CAPES do projeto ” Construção de Memórias e Histórias de e sob Campos dos Goytacazes”, sob a Coordenação da Professora Marcia Carneiro e supervisão da Professora Carolina Muniz, a autora desenvolveu, junto ao Colégio Estadual Thiers Cardoso, a perspectiva de “Educação por Projeto” com objetivo de promover nos estudantes o senso de pesquisa a partir da observação dos arredores da Escola, então instalada nas proximidades do conjunto arquitetônico colonial da Lapa, bairro da cidade de Campos, relacionando a Educação escolar à Educação Patrimonial
UM PADRE ENTRE A RELIGIÃO E POLÍTICA: HISTÓRIA DE VIDA ENTRE ALIANÇAS E CISÕES NO MUNDO DOS HOMENS
I. MOVIMENTOS SOCIAIS, MOVIMENTOS RELIGIOSOS E PODER POLÍTICO EM TEMPOS REPUBLICANOS – A IGREJA, SEU POVO, TODO O POVO
Macedo da Costa, arcebispo primaz do Brasil (em Salvador – Bahia) a partir de 1890 até sua morte no ano seguinte, acreditava ser impossível o avanço do Estado sem a proteção da Igreja, elaborando um importante programa de reformas estruturais da igreja católica, implementadas na virada do século XX. Cabe reter que, em fins do século XIX, a Igreja Católica buscaria uma solução “tomista”, para a “questão social”, resultado do avanço das desigualdades sociais com o surgimento do proletariado. A Igreja romana proporia, com a Encíclica Rerum Novarum, de 1891, o projeto de contribuir politicamente para a instalação de uma forma de redistribuição da riqueza produzida socialmente sob a ótica do “Bem Comum”, um modelo corporativista que considerava a integração da família ao Estado através da participação sindical do pai, o “chefe da família” (Com Sindicato atrelado a um Estado autoritário e cristão). À mãe, caberia, enquanto “rainha do lar”, educar os filhos e cuidar da casa. Assim como a Igreja passava a considerar a existência do proletariado e a necessidade de, com base na ideia católica do “Bem Comum”, enquanto caridade na perspectiva de “distribuição da riqueza”, contrária à plutocracia e ao liberalismo, o novo Regime político no Brasil, afinado com um ideário liberal, ainda que restrito, considerava a integração do “povo” enquanto cidadania, com direitos e deveres republicanos. No contexto de fundação da República, surgiria, em fins do século XIX, o movimento liderado pelo beato Antônio Conselheiro, com manifestações sociais sertanejas e a cultura mística que caracterizam movimentos messiânicos. O episódio de Canudos foi narrado pelo engenheiro militar Euclides da Cunha. Entre as análises dos movimentos com forte apelo religioso, neste período, ainda se destaca a análise de Rui Facó em os “Cangaceiros e Fanáticos”. Destacam-se, também, os grandes movimentos de massas liderados por Pe. Cícero em Juazeiro, na luta pela libertação de seu povo, com seu espírito místico a propagar superstições e aconselhamentos, tornando-se também grande liderança política. Ocorreram ainda outros confrontos de tipologia messiânica, como o de Contestado, no Paraná, ligados ao catolicismo místico e à crise do mandonismo (coronelismo), estudados por Douglas Teixeira Monteiro (1977).
Diante do avanço do mundo capitalista, com a passagem por duas guerras, ascensão dos fascismos e suas derrotas com a vitória da democracia representada pelos aliados na Segunda Guerra Mundial, os apelos por uma Igreja voltada para um diálogo com o rebanho, levaria ao Concílio Vaticano II. O Concílio Vaticano II (1961 a 1965) defendeu a abertura da Igreja às missas em línguas nacionais, assim como a aproximação do sacerdote com os participantes do rito. Estas relações, para os conservadores, representariam uma ruptura da Igreja com o sagrado, a sua entrada no “mundo dos homens”. Esta questão sobre a distinção “Mundo de Deus e Mundo dos Homens” é relevante, na medida em que o pensamento de Santo Agostinho, ao contrapor esta relação foi compreendido, principalmente, nos tempos medievais e modernos com uma perspectiva de afastamento das “coisas mundanas”, entendidas como plebeias em contraposição com as relações políticas que colocavam Estado e Igreja enquanto mesmo estamento no Antigo Regime. A resistência tradicionalista procurou agir nos meios populares defendendo a conservação que, segundo esta perspectiva, manteria a relação da Igreja com Deus num patamar “mais puro”. Apesar das resistências, as diretrizes do Concílio Vaticano II permitiram a abertura à participação popular. Atuando em conformidade com as novas transformações e diretrizes do Concílio Vaticano II, vários grupos representativos iriam surgindo, com vistas a uma nova ordem de apoio aos padres, que estavam em número muito reduzido nessa fase e à formação de lideranças leigas; bem como outras lideranças autônomas sem ligação direta com a Igreja. Dentre os movimentos com representativo alcance na região Norte fluminense, destaca-se ainda o MOBON (Movimento da Boa Nova) que surgiu nos anos 1970 na Diocese de Caratinga-MG sob a responsabilidade do Bispo Dom Eugênio Correa, citado por Oliveira, Fabrício. R. Costa em sua publicação: “Religião e participação política; considerações sobre um pequeno município brasileiro”, de 2011. O MOBON promovia cursos com o propósito de organizar as comunidades e formar lideranças para atuar nas mesmas. Nestes cursos periódicos abordavam-se vários temas com foco nas carências e conflitos da comunidade como: Esses Movimentos foram importantes para a formação de lideranças populares leigas, preocupadas não só com as questões religiosas, mas também com as questões sociais da comunidade e suas relações interpessoais. Pois, fazendo parte de um mesmo grupo, tornava-se mais fácil a identificação das dificuldades de cada um e a forma de um ajudar o outro numa tomada de consciência da força comunitária.
Devido à necessidade de mediações de desentendimentos e conflitos, a figura do líder seria construída, com apoio do pároco, com o objetivo de contribuir para resoluções de desacordos e ou conflitos.
Vários temas eram abordados de forma a fortalecer a consciência da vida em comunidade e os princípios para uma vivência em harmonia além da vida religiosa; desenvolvendo-se no indivíduo princípios de ação política e cidadania. Conforme relata um líder do movimento, João Resende em entrevista concedida em 2009:
“A gente foi entendendo que essa fé exigia uma atuação, mas não entrou muito na questão de política não, entrou mais na questão social, sindicato, 1975 mais ou menos, a fase do sindicato. Como é que nós vamos viver a nossa fé se a gente não se organiza sobretudo o trabalhador rural que está à mercê de ninguém? ”
Essa conscientização e formação de lideranças desenvolve-se paralelamente às demandas sócio-políticas das comunidades, pois estando já munidos de uma estrutura engajada no “bem comum”; com base na Teologia da libertação, em que se evidencia o novo contexto socioeconômico. Em terreno fértil à propagação de ideais políticos, surgem os primeiros diretórios de partidos como foi o caso do PT- Partido dos Trabalhadores formando basicamente pelas lideranças religiosas das comunidades rurais. Outros processos de formação comunitário-religiosa surgiram em fins de 1960 e início de 1970 como o MEB-Movimento de Educação de Base, a CPT- Comissão Pastoral da Terra; que se desenvolveram também no Nordeste e na região amazônica, todos sob a ingerência da CNBB, o que legitimou a necessidade de conscientização e busca por melhorias sociais, com ênfase nos princípios religiosos. Conforme destaca KadT: “Fizeram uma diferença significativa na capacidade da comunidade, primeiro de formular certas metas coletivas, e depois de agir com firme propósito de realizá-las. ” (KADT, 2003:382).
Esses cursos, frutos do processo de descentralização da paróquia, contribuíram para a formação de novos atores políticos no âmbito regional, como também para o desenvolvimento da capacidade de agir coletivamente. Embora o foco político não fosse destacado por esses indivíduos, a organização deste cenário era favorável à abordagem e discussão do tema, conforme relatos a seguir:
“Esse fato, aliado ao contexto da década de 1970, em que grupos católicos se destacaram pela resistência à ditadura militar e formação da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que tem como função primordial defender trabalhadores rurais e pequenos trabalhadores do campo, as lideranças locais se viram legitimadas a reivindicar direitos…” (OLIVEIRA, Fabrício R. Costa).
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) foi fundada em plena ditadura militar em 1975, no Encontro de Bispos e Prelados da Amazônia que foi convocado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em Goiânia (GO). Surgiu com forma de repúdio à grave situação vivida pelos trabalhadores rurais explorados, posseiros e peões, principalmente na Amazônia, submetidos à regime de trabalho escravo e expulsos de suas terras. Estando ligada à Igreja Católica, a CPT conseguiu manter-se e realizar seu trabalho mesmo no período da repressão, em que lideranças populares e agentes de pastoral eram alvo de perseguição.
“Logo, porém, adquiriu caráter ecumênico, tanto no sentido dos trabalhadores que eram apoiados, quanto na incorporação de agentes de outras igrejas cristãs, destacadamente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – IECLB”8
O Partido dos Trabalhadores, em reunião do dia 5 de abril de 1978 (n.º 1, p. 2.), segundo Informações baseadas no livro de Atas do diretório municipal do PT, apontava:
“Na cidade, o diretório do Partido dos Trabalhadores (PT) foi formado basicamente, pelas lideranças religiosas das comunidades rurais. Dos vinte e um membros que constituíram o diretório do PT local, dezesseis eram homens, quinze eram lavradores e lideranças de comunidades rurais. Um homem era cabeleireiro que vivia no centro do município e das cinco mulheres quatro eram professoras e uma era estudante.”
II. LIDERANÇAS NACIONAIS E REGIONAIS EM DESTAQUE – O CASO “CAMPISTA”: O PADRE ANTÔNIO RIBEIRO DO ROSÁRIO
No Nordeste, o Pe. Cícero (1844-1934) foi considerado um grande guia para seus fiéis, desafiando abertamente a Igreja quando foi reprovado pela forma de exposição do “milagre da hóstia”(1889), chegando a ser suspenso de suas ordens. Passou a atuar como religioso leigo, acolhendo e aconselhando os fiéis, mantendo grande influência das massas na busca por amenizar seus flagelos, chegando a ser eleito prefeito de Juazeiro/BA. Já Antônio Conselheiro não se considerava um Messias, mas organizou a cidade de Canudos como uma cidade Santa, tendo alcançado grande repercussão nacional pelas proporções de fiéis que acompanharam o movimento como também pelas seguidas derrotas sofridas pelas forças da repressão em investidas violentas contra os camponeses. Até que, em 1897, Canudos fosse totalmente arrasada e seus moradores dizimados. Considerado como um movimento messiânico, o Contestado, ocorrido entre 1912 e 1916, numa região compreendida entre Paraná e Santa Catarina, em que aconteceu a disputa dos camponeses pela terra. A extensa região fronteiriça foi disputada pelos dois Estados, levando mais de 6000 pessoas à morte, em confrontos com bandidos armados e com o exército, ou sendo vitimadas pela fome. No cenário regional de Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro, um importante líder religioso se destaca na pessoa do Padre Antônio Ribeiro do Rosário, comprometido com a causa social em sua missão sacerdotal, cumprindo também mandatos das eleições de 1940 a 1980, como vereador chegando a ser presidente da Câmara Municipal por um ano. Conciliando em geral pacificamente, a vida sacerdotal e política durante décadas; sua obra e sua luta nos aprofundaremos mais adiante.
Na busca por um equacionamento das injustiças sociais cometidas pelos detentores do poder, buscando dentro do ideal pacifista, uma mediação entre oprimidos e opressores, pelos idos de 1860/70, Antônio Conselheiro chama atenção de autoridades pelo número crescente de seguidores que carrega, entre eles “gente inferior”, exescravos, vagabundos e marginalizados. Considerado pelas autoridades como um visionário, desequilibrado, místico, perturbador da ordem, anarquista, como relatou de forma preconceituosa Euclides da Cunha em sua obra: “ tendência acentuada para a atividade mais inquieta e mais estéril, a descambar para a vadiagem mais franca.”
Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro, foi um líder do Povo, um pacifista, movido pela busca de justiça e da Igualdade para o povo do Sertão, já tão sofrido com a seca, a fome, a escassez de terra para o plantio e a prevalência da opressão e exploração pelo coronelismo.
Antônio Conselheiro tinha como base de suas pregações os santos Evangelhos, proclamados também em latim, mas também fala contra o latifúndio e diz que a salvação do homem virá pelas suas obras, configurando um cristianismo primitivo ou catolicismo rústico dos Sertões da Bahia, forma de expressão e fuga. Esse discurso, mesmo sendo católico, não agrada aos padres, que começam também a vigiá-lo. Ele acredita que esses padres estariam sempre ao lado dos fortes e ricos e fica ao lado dos humildes,
Perseguido, preso injustamente acusado de assassinato, foi torturado em Fortaleza para que não voltasse à Bahia. Antonio Conselheiro não era visto com bons olhos pelos padres de lá, pois também desafiava as suas autoridades. Enfim foi liberto, pois nada se provou contra sua pessoa.
Essa religiosidade mística configura uma variante do cristianismo no sertão uma forma ideológica de distanciamento e defesa das classes dominantes conforme concluiu Facó, em sua obra.
“Ao elaborarem variantes do cristianismo, as populações oprimidas do sertão separavam-se ideologicamente das classes e grupos que as dominavam, procurando suas próprias vias de libertação. As classes dominantes, por sua vez, tentando justificar o seu esmagamento pelas armas – e o fizeram sempre – apresentavam-nas como fanáticos, isto é, insubmissos religiosos, extremados e agressivos. ” (FACÓ, Rui.1976)
Em âmbito regional, na cidade de Campos dos Goytacazes, município do Norte do Estado do Rio de Janeiro, o Padre Antônio Ribeiro do Rosário, o popular Padre Rosário, iniciou sua vida religiosa por vocação aos 19 anos ingressando no seminário em São Paulo em 1929, seguindo para seminário em Mariana em Minas Gerais. Tendo concluído sua formação eclesiástica, retornou a Campos, onde recebeu sua ordenação sacerdotal em 1932. Desde então atuou em várias paróquias da cidade, fundando o Instituto Santa Terezinha em agosto de 1965, o Colégio Eucarístico, atuando em favor dos pobres. Passando pela cidade de Varre-Sai, onde construiu um colégio e a Igreja de Santa Terezinha. Foi vigário da Igreja Santo Antônio em Guarus e depois, em Morro do Coco, distrito de Campos. Pelos idos de 1940 teve a iniciativa de criar uma escola para a formação eucarística de crianças e jovens. Com o apoio do arcebispo Dom Otaviano, o novo educandário foi aberto em 25 de março de 1941, em prédio na Avenida Alberto Torres, tendo em pouco tempo com seu progresso vindo a mudar-se para outra área maior, adquirida a preço módico do Senhor Roberto de Capol, um dos dirigentes da Usina Santa Cruz. Esta obra inicial só fazia crescer sob a administração do Padre Rosário, que com sua transparência e determinação na assistência aos desfavorecidos, tinha o reconhecimento e apoio de algumas autoridades importantes na cidade, como a pessoa do Dr. Hugo Vocurca Filho, que remodelou o prédio primitivo anexando três pavimentos. Posteriormente, sob as graças e apoio do Senador Vasconcellos Torres, admirado por muitos, além de doar sua verba anual de senador para as obras assistenciais do Padre Rosário, também o levou de avião para Brasília, no Gabinete do Ministro da Educação, conseguindo uma doação de uma quadra de esportes para a alegria dos alunos do Colégio Eucarístico. Em princípio, o Pe. Rosário não se via em nenhuma vocação política, mas atendendo a pedido de seus superiores à necessidade de um representante católico na Câmara Municipal de Vereadores, concorreu às eleições de 1947, sendo eleito vereador pela primeira vez com 691 votos. Nunca pensei em concorrer a cargos eletivos, mas sem saber o Senador José Carlos Pereira Pinto e o Dr. Manoel Ferreira Paes foram a Dom Otaviano Pereira de Albuquerque pedirem autorização para me convidarem a concorrer a uma cadeira de vereador.”(ROSÁRIO, 1985: 168).
Na vida política, o Padre exerceu mandatos de setembro de 1947 à janeiro de 1983. Foi eleito 8 vezes como vereador, se tornando Presidente da Câmara Municipal em 1971 por breve mandato. Estando à frente da Paróquia Nossa Senhora do Rosário do Saco, ainda na antiga igrejinha, iniciou a obra da nova Igreja Matriz, com poucos recursos buscando ajuda aqui e ali seguiu na fé e na convicção da Graça de Deus, enfrentando grandes desafios numa comunidade tão carente e desamparada. A empreitada foi iniciada em agosto de 1944 sob o regime da Ditadura no país e à sombra das tensões com a 2ª. Guerra Mundial. “era uma época de incertezas”, declara em seu livro. Não obstante sua determinação e fibra calçada na fé e na servidão, conquistou o apoio de dois grandes beneméritos industriais da cidade: Sr. Bartholomeu Lysandro e Sr. Manuel Ferreira Machado, sendo nomeados protetores da igreja. Estes muito contribuíram em doações e empréstimos para a obra, os quais o Pe. Rosário se desdobrava como podia com a comunidade para honrar os empréstimos feitos. Certa ocasião, em meio às dificuldades da construção da igreja da Paróquia Nossa Senhora do Rosário do Saco, mais uma vez o Sr. Bartholomeu Lysandro oferece ajuda em forma de um empréstimo de cinquenta contos de réis para as obras, dando novo fôlego ao andamento dos trabalhos. Entretanto, preocupado com o grande compromisso financeiro, assim que juntou algum dinheiro foi logo indo pagar ao benfeitor uma primeira parcela de dois contos apenas. Ao qual o Sr. Bartholomeu Lysandro disse que não pagasse nada naquele dia, e no mês seguinte também a mesma coisa. Então percebeu que na verdade, a dívida estava sendo cancelada, conforme confirmou um portador pela determinação do Sr. Bartholomeu Lysandro. Outro importante benfeitor foi o Sr. Ferreira Machado, o industrial foi procurado pelo Padre Rosário em meio a grandes dificuldades em outra etapa da obra da igreja, o qual recebeu uma providente quantia em dinheiro em empréstimo, confirmando que honraria o compromisso confirmado pelo vale assinado. Assim que juntou uns dois ou três contos foi a sua casa e o encontrou doente, de cama; comprometendo-se a voltar ao escritório para abater parte da dívida. Entretanto o Sr. Ferreira Machado veio a falecer, sendo o padre solicitado para celebrar a missa de sétimo dia. Ao fim do ato religioso a viúva Sra. Xanica foi procurar o padre na sacristia apresentando o vale assinado referente a dívida, rasgou-o dizendo: “Com licença, fica para Nossa Senhora do Rosário”. Essa benevolente senhora ajudou em muitas outras ocasiões. Dona Xanica doou um dos sinos da igreja e também um vitral. Acompanhando de perto a obra, perguntava ao padre quando ia fazer o altar mor, querendo ajudar; mas padre Rosário sempre adiando pela falta de dinheiro. Relembra com entusiasmo: ”Um dia Dona Xanica perdeu a paciência: “Olhe, mande fazer o altar que eu pago tudo!” (ROSÁRIO, 1985:131). A Matriz, então, recebeu um belo altar de mármore cor-de-rosa, sobre um vistoso piso de granito preto. Com seu espírito altruísta, destemido e humilde, o Padre conseguiu articular grandes alianças com as autoridades locais e a iniciativa privada, sempre com a devida obediência à autoridade Eclesiástica. Porém, não sendo suficientes estes esforços, embrenhou-se sem nenhuma experiência no mundo artístico ao escrever uma peça de teatro infantil que alcançou grande repercussão regional e estadual com destaque na mídia jornalística da época, chamada: “Quando a fada fez anos”. A qual muito ajudou a arrecadar fundos para suas obras assistenciais. Grande assistência prestou também ao isolamento dos tuberculosos e leprosos, localizados na Paróquia do Saco, considerando vergonhosa a existência destes dois “pardieiros” na cidade de Campos, com os pacientes praticamente sem assistência médica a esperar sua “transferência” para a “chácara grande” (como chamavam o cemitério que dava para ver da janela). Até que estes pacientes foram transferidos para o hospital de hanseníase e quanto aos tuberculosos, foi também construído o Hospital Ferreira Machado, em que passaram a ter excelente tratamento. O Pe. Antonio Ribeiro do Rosário atuou em defesa da população carente, destacando-se no âmbito político com a criação do Banco de Sangue, a criação de feriados religiosos na cidade, participando de projetos que visavam o desenvolvimento da cidade, sendo um digno representante da população no legislativo municipal. Foi também poeta, dramaturgo, professor, autor de várias obras literárias e teatrais; sendo Monsenhor, não permitiu que essa posição honorífica fosse utilizada em seu ministério sacerdotal. Parafraseando o inesquecível sacerdote Pe. Alfredinho cabe dizer: “Para Monsenhor Rosário os pobres foram seus mestres”. (GOMES, 2014, p. 05)10.
III. VIDA POLÍTICA DO PADRE
Tendo sido reeleito por nove candidaturas consecutivas como vereador, fato raro no país, criou-se o mito da “cadeira cativa” do padre Rosário, em boato espalhado por alguém no período das campanhas em que era pedido seu voto. Entretanto por mais de 20 anos recusou-se à candidatura à Presidência da Câmara, sempre apoiando seu amigo Severino Veloso, que aspirava ao cargo. Porém, na legislação de 1971 a bancada do Movimento Democrático Brasileiro muito insistiu para que ele se candidatasse e acabou cedendo. Seu amigo Severino Veloso não gostou muito, mas em gesto honroso, retirou sua candidatura fazendo discurso no plenário para apoiassem o padre. Foi eleito por unanimidade permanecendo um ano no poder. Posteriormente o Severino Veloso veio a ser Presidente da Câmara com todo seu apoio certamente. Ao longo de seus 35 anos na Câmara, não queria mais ser reeleito e temia morrer padre vereador. Então por insistência de seu amigo e benemérito José Carlos Barbosa, resignou-se a candidatar-se pela última vez e, não foi eleito, mas ficou satisfeito. Não obstante sua luta e adversidades, levava a vida com simplicidade conforme Deus provia através de suas missões. Em início de sua vida sacerdotal, na década de 30 e no auge de sua juventude, andava “aos quatro ventos” a cumprir suas missões, fosse à pé, à cavalo, de bicicleta, de carroça e até de moto, seu antigo sonho realizado muito tempo depois. Sendo sempre avisado pelos fiéis: “…cuidado com essa correria! parachoque de motoqueiro é a testa!” Até que sofreu um acidente vindo a quebrar a perna. Em outra ocasião foi espalhado o boato de sua morte; por ter sido visto por passageiros de um ônibus, sua batina na beira da estrada juntamente com a moto. Na verdade a moto quebrara novamente e o padre parou para consertar deixando a batina estendida…
UM PADRE PRESO!
Passados alguns anos, conseguiu enfim comprar um automóvel, vindo a passar por um grande infortúnio, numa ocasião de tempo chuvoso; foi cauteloso mas veio a atropelar uma moça causando leves ferimentos. Rapidamente foi cercado por policiais, ficando preso no pronto socorro saindo apenas para comprar os remédios para a vítima. Até ser encaminhado após altas horas para prestar depoimento, tendo seu carro apreendido no pátio da polícia.
Em outra ocasião, em período de grande enchente, estava o padre Rosário na praça a ajudara os desabrigados usando um caminhão que fazia serviços para a igreja. Neste período tinha chegado à cidade o Secretário de Segurança, e sendo abordado por dois policiais do DOPS, agindo com truculência, encaminharam todos de caminhão à delegacia falar direto com o Secretário. Foi apresentado acusado de subversivo fazendo aglomeração na praça, trazendo até os flagelados como testemunhas. Nessa dupla missão terrena, o padre procurava conciliar seus deveres sacerdotais e atribuições legislativas ele declara:
“ Tive na Câmara dias de alegria e também dias de angústias e de incertezas. Privando com vereadores de vários partidos, era natural que houvesse entre nós atritos, que por vezes degeneravam em asperezas. Mas, digo-o com satisfação – não ganhei nenhuma inimizade em tão longo tempo. …tenho em meu favor a palavra autorizada dos meus superiores hierárquicos – Dom Otaviano Pereira de Albuquerque e Dom Antonio de Castro Mayer: ambos tiveram empenho em me manter na Câmara Municipal, como defensor dos direitos espirituais de Campos.” (ROSÁRIO, Antonio Ribeiro do. Memórias e Reflexões de um Padre-suas lutas e fracassos.1985, p. 223)
O Pe. Antonio Ribeiro do Rosário faleceu em 07 de março de 2004 aos 95 anos.
IV. COMUNIDADES RELIGIOSAS E SUAS REPRESENTATIVIDADES NA POLÍTICA – CENÁRIO ATUAL
Em meio a tantas demandas em questões de difícil consenso como; aborto, combate à homofobia, corrupção, intolerância religiosa, eutanásia…; a bancada religiosa vem se posicionando em defesa de posições ditas conservadoras. Sua representação vem ocupando espaços significativos no Parlamento Nacional, conforme identifica Vital, da Cunha Christina. 2012, em seu livro – Religião e Política – uma análise da atuação de parlamentares evangélicos sobre direito das mulheres e de LGBTs no Brasil, destacando os seguintes segmentos:
– Frente Parlamentar Evangélica, 2003;
– Pastoral Parlamentar Católica, 1991;
– Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, 2007;
– Frente Parlamentar em Defesa das Comunidades Tradicionais de Terreiros, 2011.
Bem como organizações da sociedade civil e associações de classe (União de Juristas Católicos do Rio de Janeiro e de São Paulo) que, mantendo suas diferenças e particularidades próprias, se posicionam em comum acordo nas pautas em defesa dos direitos humanos e da cidadania, bem como uma melhor interação entre Estado e sociedade.
V. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em meio a um complexo processo de transição de poderes no que se refere à perda de poder da Igreja após a Proclamação da República, os novos atores sociais buscaram adaptações de várias formas para manter-se o equilíbrio e a ordem do governo. Sendo uns de forma pacífica, outros em confrontos armados, uns levantando bandeiras contra o coronelismo e os mandos da Igreja, outros anonimamente em processos culturais místicos e sociais, arraigados como forma de defesa. Não obstante a esta cisão, já passados 126 anos da separação entre Estado e instituições religiosas, esta não foi totalmente consolidada e não acredito que virá a sêlo um dia. Até aqui são evidentes os laços que ainda permeiam esta relação; em que o indivíduo esteja imbuído do espírito social, político e religioso concomitantemente.
“Por mais que a constituição e leis nacionais afirmem de forma consistente a separação entre os campos político e religioso, a interação e implicações múltiplas entre estas duas instâncias da vida social é extremamente presente, como vimos no contexto de militantes políticos locais. As relações entre religião e política, no Brasil, superam diferentes períodos e contextos, passando por readaptações e transformações contínuas e dialogando estreitamente com as condições sociais, políticas e econômicas.” ( OLIVEIRA, :108).
Um exemplo desta influência é nosso calendário civil, onde são mantidos vários feriados nacionais e municipais em homenagens a santos católicos, muito contrariando os ateus de plantão. Tratar-se-ia de desconhecimento ou simplesmente desrespeito ao que rege a Constituição? Talvez não estivessem tão contrariados com um feriadão prolongado de dia Santo quanto ficam satisfeitos em atender à ordem do Estado Laico para retirada dos crucifixos das instituições públicas. A quem incomoda este simbolismo cristão?
Não teriam nossos legisladores preocupações maiores do que a retirada deste e outros simbolismos cristãos a que se remetem ao que é coerente, lícito e virtuoso como a propagação do bem comum? A emersão do lodo da corrupção em rede nacional do atual quadro decadente da política brasileira demonstra que não.
Inserindo-se a vida e obra do Pe. Rosário neste contexto, é identificada uma forma própria de adaptação, firmada na fé com muito trabalho e alianças comprometidas com a manutenção da obra assistencialista aos mais necessitados e o bem comum. Permanecendo-se isento de favorecimento a interesses particulares.
Demonstrando que é possível uma transição de sistemas estruturais políticos, religiosos e sociais de forma pacífica e equilibrada; e sim, é possível religião e política atuarem lado a lado.
“É preciso servir aos frágeis ao invés de se servir deles.” (Papa Francisco.2014)
Após este distanciamento oficial das partes e busca pela adaptação, o que se observa nesse contexto é um crescente número de religiosos católicos, evangélicos e outras denominações afins, buscando lugar na bancada legislativa em novas formas de governo e atuação. Não obstante à crítica de Pe. Rosário, quanto à atuação dos vereadores de agora e de outrora em seus mandatos: …”Atualmente (1985), com a supervalorização do Poder Executivo, o vereador é pouco mais do que figura decorativa.” Entretanto, a atuação religiosa é também utilizada como ponto de apoio de alguns políticos e lideranças comunitárias no uso de suas atribuições, com vistas à uma maior receptividade por parte das grandes massas carentes. Estas massas de desfavorecidos não têm voz e seu lamento não é ouvido, senão por aquEle que pode salvar e libertar: Deus, por meio de nosso Senhor Jesus Cristo. “Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim.” (Bíblia. João 14:6 )
VI. Bibliografia:
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BOFF, Leonardo (1982), Igreja, carisma e poder. Petrópolis: Vozes.
CASANOVA, José (1994), Public Religions in the Modern World. Chicago/London: The University of Chicago Press.
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OLIVEIRA, Fabrício Roberto Costa. Religião e participação política: considerações sobre um pequeno município brasileiro In e-cadernos ces [Online], 13 | 2011, colocado online no dia 01 Setembro 2011, consultado a 15 Agosto 2017. URL : http://eces.revues.org/568 ; DOI : 10.4000/eces.568
FACÓ, Rui. Cangaceiros e Fanáticos. São Paulo: Civilização Brasileira, 1976.
GOMES, Ricardo. Memória Biográfica do Monsenhor Antônio Ribeiro do Rosário. 2014. Campos dos Goytacazes.
HERMANN, Jacqueline – Religião e política no alvorecer da República.
LEVI, Giovanni. Sobre a micro-história. In BURKE, Peter (org.). A escrita da História – Novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992, pp. 133- 161.
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Fontes Primárias:
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Livro de Atas da Câmara Municipal de Campos dos Goytacazes, 1971-1973. Oliveira, Pedro Ribeiro de (1992), “Estruturas de Igreja e Conflitos Religiosos”, in Pierre Sanchis (org.), Catolicismo: modernidade e tradição. Grupo de Estudos do Catolicismo do ISER. São Paulo: Edições Loyola, 41-66.
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Referências Virtuais:
https://www.ebiografia.com/antonio_conselheiro
http://www.epublicacoes.uerj.br/index.php/SexualidadSaludySociedad/article/view/383/823
https://pt.wikipedia.org/wiki/Monsenhor
http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/index_po.htm
https://www.cptnacional.org.br/index.php/quem-somos/- histórico da romanização da igreja católica no Brasil –
www.histedbr.fe.unicamp.br/acer_histedbr/seminario/seminario4/…/trab051.