Nossos dirigentes máximos parecem ter se especializado em produzir factoides e histórias da carochinha nos quais esperam que acreditemos com fervor: desde visões miraculosas até mamadeiras em formatos exóticos, passando pelos retornos ao passado em termos comportamentais e proposições de tarefas absurdas para quem conhece as atribuições efetivas de determinadas áreas. Temos sido expostos a todo tipo de afirmações fantásticas e, de certa forma, desligadas da veracidade mínima esperada de pessoas em posição de proeminência.
Educados num país de tradições religiosas, herdamos todas as características de um imaginário ancestral, e temos dificuldade em separar o racional do sobrenatural, que neste tipo de cosmovisão não correspondem exatamente a duas ordens irredutíveis e inconciliáveis ou mesmo contrárias. Assim, assumimos que forças desconhecidas, espíritos do Mal, entidades diabólicas, fantasmas, monstros, bem como santos, anjos e forças do Bem podem interferir no cotidiano, transformando nossas vidas.
A separação entre estas esferas se efetivou um pouco mais completamente a partir do século XIX, em que certo desenvolvimento das ciências e da tecnologia permitiu uma visão mais distanciada da magia, da superstição, do ocultismo e mitologias; e outros povos, principalmente os considerados mais pobres, quando não o fizeram passaram a ter neste fato um claro sinal de sua inferioridade cultural, quando comparada ao estágio teoricamente mais avançado, promotor de progresso e conhecimento da sociedade ocidental.
O fundamento desta convicção estava assentado sobre o uso da razão, e consagramos o racionalismo pelo modelo teórico evolucionista o qual pregava a dessacralização da vida cotidiana e também do universo social, econômico e político.
No entanto, a julgar pelo estado atual da política brasileira, uma certa ausência do princípio de causalidade tem outorgado aos espaços fictícios uma legitimidade que não problematiza a dicotomia entre o real e o imaginário, já que verossimilhança não tem ocupado o cerne dos discursos de nossos governantes.
Narrativas predominantes estão, muitas vezes, numa perspectiva empírica da realidade, sem ao menos referir-se ao absurdo, porém instalando um universo irreal que não causa qualquer estranhamento, questionamento, ou espanto, embora não estabeleça nenhuma conexão entre o convencionalmente dado como real e sua total contradição, o irreal.
O universo destas historietas, fechado em si mesmo, é excludente e hermético, e ao mesmo tempo corriqueiro, estabelecido sobre bases ilusórias, mas aparentemente assentado sobre o mundo familiar e de bons sentimentos pátrios e de costumes apropriados.
Histórias improváveis, de mensagens moralizantes, verdadeiros contos de fada para adultos de imaginação hiperativa, que desconstroem a concepção antinômica entre real e imaginário – cada vez mais, a imaginação não apenas faz parte da realidade, como se uma não pudesse ser conhecida e concebida sem a outra, como a magia fica impregnada no mundo material.
Quando se declara a exclusão como norma e necessidade de agrado à autoridade, quando projetos grandiloquentes são apresentados – e logo depois retirados, poucas vezes se voltou tanto atrás em decisões globais disparatadas, deixando alívio por um lado e assombro por outro -, quando começam a proliferar dúvidas quanto a um golpe ou a total insanidade, quando já não sabemos onde está o fato ou a ficção, talvez seja tempo de parar.
Enfrentar o verídico, sem falsas ilusões de um passado mítico ao qual retornar, entendendo-nos humanos e falíveis, porém não ilógicos e destituídos de bom senso e cognição, além de detentores de um pouco de sabedoria acumulada durante todo este périplo republicano, como um povo que errou (muito) e acertou (um pouco), entretanto sempre na trilha do autêntico.
É indispensável que voltemos às teorias racionalistas e positivista moderna assumindo um discurso de apoio à supremacia do real sobre o irreal, do lógico sobre o ilógico, do racional sobre o irracional.