Plinio Corrêa de Oliveira: a formação de um intelectual católico ultramontano (1928-1943)

Víctor Almeida Gama, bacharel em História pela Universidade Federal Fluminense, mestrando em Ciências da Religião pela PUC-Minas, membro do Laboratório de Estudo da Direita e do Autoritarismo (LEDA/UFF) e do Laboratório de Estudos em Religião, Modernidade e Tradição (LERMOT / PUC-MG).

 

Plinio Corrêa de Oliveira: a formação de um intelectual católico ultramontano (1928-1943)

O estudo dos intelectuais foi, por longo tempo, um campo carente de quem se dedicasse a recompor o histórico de suas atividades, analisá-las e considerá-los como atores políticos importantes nos processos históricos (SIRINELLI, 1996). Um campo de estudos amplo, repleto de possibilidades e que progressivamente tem ganhado espaço.

Estudar os intelectuais – e no caso um intelectual católico conservador –, se apresenta como um grande desafio, uma vez que há pouca recepção de figuras tão controversas, e essas figuras são, muitas vezes, envoltas em nebulosas que envolvem sua imagem pública. É o caso de Plinio Corrêa de Oliveira.

Não é simples expor em breves linhas seu caráter multifacetado como intelectual, tampouco a profusão de sua produção. Associando a vida intelectual a uma profunda apetência mística, sua vida de filósofo é pouco destacada e rica em produção, ainda não explorada. Nosso objetivo neste breve texto, é o de acenar para a importância de sua matriz intelectual católica para compreender a profundidade de seu pensamento.

Muito além de um militante católico, que se engaja nas causas do catolicismo integrista no início do século XX, atuando de modo especial nas congregações marianas e na Ação Católica, Plinio Corrêa de Oliveira foi, indubitavelmente, um pensador.

Sua carreira de ativista católico que milita contra a lei do divórcio, a reforma agrária, o comunismo, a esquerda católica e o que entendia ser o avanço da imoralidade televisiva, mereceu-lhe a fama que recebeu por meio do movimento por ele fundado, a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, a TFP. Alinhado a um conservadorismo rigoroso, esse grupo de católicos engajados torna-se o porta-voz do pensamento pliniano.

A peleja contra tais princípios motiva-o ao longo de 67 anos de vida pública. Essa disposição é resultado da síntese de um conflito que ocorre em primeiro lugar no ambiente familiar, cuja atmosfera tradicionalista impera e dá a nota das relações familiares. Uma família que se pode chamar, segundo Compagnon, de antimoderna. (COMPAGNON, 2014)

Anttimodernos porque recusam as transformações que rompem com as tradições, porque são contra a insurreição do novo como valor absoluto enquanto as tradições agonizam em meio a este movimento da história. Entendem a novidade e as transformações como uma miragem no horizonte da história provocada pela afirmação do progresso.

Seu biógrafo, De Mattei, o coloca na linhagem intelectual formada pelos ultramontanos do século XIX1, dentre os quais se destaca o francês Joseph de Maistre, o conde Louis de Bonald e o marquês espanhol Donoso Cortés. Católicos que perplexos diante dos avanços das revoluções liberais, com a dissolução, pela Revolução Industrial, do modelo social que vigorara até o Antigo Regime e com os efeitos políticos da Revolução Francesa na “filha primogênita da Igreja”, constituem uma verdadeira escola de pensamento. Também Coppe Caldeira destaca a sua filiação ultramontana, colocando-o como um expoente tardio desta corrente no Brasil.

Uma escola de pensamento, entendida como um agrupamento de intelectuais que operam a partir de uma mesma visão de mundo, fundamentados em valores comuns e que se utilizam de conceitos próprios.

É a partir dessas categorias, isto é, de um intelectual engajado e integrante de uma escola de pensamento, que buscaremos oferecer uma breve exposição sobre a formação intelectual de Plinio Corrêa de Oliveira e de como ela teria sido fundamental para a postura que assume, na contramão dos valores e sensibilidades da modernidade, apegando-se a um catolicismo, um modelo político e social por muitos considerados já superados pelo progresso, pela ciência, pela autonomização do indivíduo e pela secularização.

Anos de formação

A formação de um intelectual está intimamente ligada ao seu ambiente familiar. As influências, as recusas e a própria espacialidade são agentes formadores que devem ser considerados. No caso de Plinio, é notável ao longo de sua vida a forte influência que sua família, e de modo especial sua mãe, exercerão sobre a composição de seu pensamento. Numa recente biografia escrita por Lindenberg, primo-irmão de Plinio, ele destaca o fundamental papel desempenhado por este primeiro espaço de socialização que teria sido sua família. Ali, segundo o autor, é onde estariam os dados essenciais para se conhecer a sua personalidade enquanto pensador, um “idealista e ainda desconhecedor das grandes batalhas que teria de enfrentar”. (LINDENBERG, 2015)

Entre conflitos, discussões e concordâncias havidas nesta relação dialética estabelecida no seio familiar, Plinio começaria a elaborar sua visão de mundo. Embora os temas políticos se restringissem às conversas dos adultos, as crianças podiam assistir. Segundo Lindenberg, de tudo se falava: “política de Getúlio Vargas, monarquia versus república, divórcio e fatos do dia-a-dia”. (LINDENBERG, 2015)

É neste ambiente familiar que ele receberá como valores a admiração pelos superiores, o amor pelo passado, o respeito pelas tradições e a apetência à pompa e ao cerimonial. (OLIVEIRA, 2008)

Nascido em 1908, Plinio foi capaz de viver nos últimos suspiros da Bélle Époque, aquele período caracterizado por seu biógrafo como momento da “explosão de otimismo, de confiança eufórica nos mitos da razão e do progresso” (DE MATTEI, 1997) Por outro lado, para sua família, oriunda de uma aristocracia alquebrada pela instauração da república, aquele momento histórico seria o da revivescência do prestígio da aristocracia, da monarquia, das tradições e dos valores do passado.

Uma ideia de preservação de valores do passado solapados pela consciência moderna é profundamente acentuada na família dos Corrêa de Oliveira. Plinio começa então a se compreender como portador de uma tradição, confiada a si por sua família, de retransmitir esses valores que se consubstanciavam nos Corrêa de Oliveira.

“Desde muito pequeno, sentia flutuar em torno de mim uma certa atmosfera a meu respeito, da parte de pessoas que moravam em casa. Isso não era visto com caráter religioso, mas sobretudo tendo em conta o legado cultural, literário e político do meu bisavô materno, o Dr. Gabriel José Rodrigues dos Santos. Contavam-me fatos da vida dele, como por exemplo, o discurso com

o qual ele derrubou o gabinete do marquês de São Vicente. E isso era considerado o auge da glória. Eles sentiam que eu era destinado a tomar essa herança jacente – não assumida ainda por ninguém de minha geração –, como também os talentos a habilidade e saliência do conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira2.” (OLIVEIRA, 2008)

Este apego às tradições será uma constante no pensamento do jovem Plinio, que evidencia já desde os tempos de tenra infância um desconforto com os comportamentos, valores e práticas de um mundo que mais tarde ele dirá ter sido influenciado pelo espirito americanizado, que assume o lugar cultural ocupado até então pela Bélle Époque com seus influxos culturais europeizantes.

Enquanto a influência cultural europeia retrocedia, os Estados Unidos despontava nessa época de transição, contestando o predomínio cultural europeu e, de modo especial, da França. Um novo estilo de vida se instala a partir dos influxos americanos. A arquitetura, a indumentária, e sobretudo os comportamentos foram intensamente alterados pelo estado de espírito que para ele, teria sido provocado pela disseminação do cinema hollywoddiano.

Seria neste momento que o jovem Plinio, ainda no Colégio São Luís, dos jesuítas de São Paulo, começa a notar a flagrante diferença entre o ambiente da casa materna, com seus valores, hábitos e crenças, para o novo espírito que se instalava com a ruína da euforia com o progresso e da intensa vida cultural nascidas na Bélle Époque. Aquele mundo apreciado por si e sua família, agora dá lugar a uma nova forma cultural nascida das transformações do pós-guerra.

O colégio torna-se a arena do embate entre o jovem Plinio que sustentava seu apego aos valores e tradições familiares assentadas no passado e os demais alunos, cuja formação e orientação eram de alinhamento com a modernidade e com o dinamismo da nova vida cultural. Sobre este período, dirá que conheceu ali a mentira e a maldade do mundo (OLIVEIRA, 2008), personificadas no comportamento hostil de seus colegas em relação aos seus costumes, considerados antiquados.

Segundo nossa compreensão, o ambiente escolar teria sido para Plinio o espaço onde seu antimodernismo teria se fundado como uma postura conscientemente assumida, a partir da cristalização de seus valores pelo choque cultural.

Essa disposição antimoderna desembocará, mais tarde, numa aderência ao ultramontanismo como matriz ideológica, como o próprio Plinio afirmará. Ao ingressar nosmovimentos de atuação leiga da Igreja Católica aos vinte anos, dirá já ter aderido ao ultramontanismo, tendo quase que todas as ideias que sustentou ao longo de sua vida já consolidadas. (IPCO, 2015)

No ultramontanismo se encontra essa rejeição à modernidade, somadas a um modelo de catolicismo intransigente e integral, isto é, que adere ao dogma católico na sua integralidade e que pretende se apegar rigorosamente à ortodoxia doutrinária como ordenadora de sua visão de mundo.

Partidário de um catolicismo radical, fiel ao papado, convicto de que a Igreja Católica é a coluna do mundo, de que o Protestantismo seria responsável pela organização político-social de um moderna, crente num processo de decomposição da civilização e devoto de Maria. Assim se autodefine na época de juventude.

Primeiros anos de militância católica

É neste momento que ingressa na Congregação Mariana, confraria católica fundada pelos jesuítas em 1563 e que no Brasil alcançou grande profundidade entre a juventude católica. Foi membro e diretor da junta arquidiocesana da Ação Católica, movimento surgido sob a inspiração do documento Ubi Arcano Dei (1922) de Pio IX, que conclamava a uma intensificação da atuação leiga na Igreja. Sob a influência destes dois ambientes é que Plinio se engaja numa militância em favor das causas católicas.

Em 1933é eleito deputado pela Liga Eleitoral Católica, a LEC. Nascida sob recomendação do cardeal Sebastião Leme, tinha em Plinio seu secretário geral. O objetivo da liga era influir na nova constituinte, pleiteando espaço para os princípios católicos. Ao longo de seu mandato, se destaca por buscar assegurar o papel de prestígio da religião católica no contexto da nova constituição.

Após esse período, atua como diretor do jornal O Legionário. Órgão da Congregação Mariana da paróquia de Santa Cecília, em São Paulo, o jornal torna-se vetor do pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira, e é partir dele que se pode notar as primeiras influências intelectuais que guiarão o líder católico.

Em 12 de outubro de 1941 escreve um artigo nO Legionário acerca das comemorações do cinquentenário de nascimento de Jackson de Figueiredo, figura de proa do catolicismo integrista brasileiro. Fundador da revista A Ordem, Jackson defendia um modelo de catolicismo intransigente e romanizado, que tinha sua referência no papado como máxima norma de conduta e de fé. Ultramontano, exerceu neste primeiro momento uma forte influência sobre Plinio, que já aderia ao pensamento do catolicismo ultramontano antes mesmo de seu primeiro contato com o movimento católico na juventude.

Neste artigo acima mencionado, deixa transparecer sua gratidão a Jackson, precursor de uma luta que Plinio assumirá como sua contra o Liberalismo e o Socialismo dentro das fileiras do catolicismo romano. Ali faz uma ode à figura do falecido líder católico, ressaltando sua intolerância como virtude máxima, intolerância que Plinio herdará como valor: com os inimigos de Deus e da religião, apenas o combate! (OLIVEIRA, 1941)

Também se encontra com relativa frequência nos artigos dO Legionário menções elogiosas ao francês Joseph De Maistre. Opositor da Revolução Francesa e de seus efeitos sobre a sociedade francesa e sobre a Igreja, autor do célebre livro Du Pape, onde defende o papado naquele momento ameaçado pelas revoluções liberais rasgavam a Europa, De Maistre será uma referência para Plinio, que mais tarde, em sua obra capital, Revolução e Contrarrevolução, fará menção especial ao francês como autor de uma obra que buscava desvendar a origem do que ele entendia como erros modernos, tais como o liberalismo, o socialismo, o naturalismo, o racionalismo entre outros.

Raízes tomistas

“Sou um tomista convicto”. Assim inicia Plinio seu autorretrato filosófico, escrito em 1976 a pedido do padre jesuíta Estanislau Ladusãns para a Enciclopédia do pensamento brasileiro, que seria publicada pelo padre letoniano, membro da Academia

Brasileira de Filosofia. Falecido em 1993 o referido sacerdote, não foi possível incluir a tempo o texto na segunda edição da enciclopédia.

Além de sua matriz ideológica, o ultramontanismo, a figura multifacetada de Plinio também se deixa atravessar pelas influências tomistas, fazendo desta escola sua matriz filosófica.

São Tomás de Aquino, o chamado “doutor angélico”, maior expoente da escolástica, edifica sua filosofia sobre a razão aristotélica, construindo uma obra-prima do pensamento humano que será sua Summa Theologica. Sua filosofia será reconhecida pelo papa Leão XIII como a base de toda filosofia cristã em suaenciclia Aeternis Patris (1879).

Seu apego ao papado, o levará a assumir o tomismo como a origem de sua própria filosofia, como destaca De Mattei (DE MATTEI, 2015) Uma filosofia que, embora assentada sobre as bases escolásticas, tem a sua particularidade.

É a partir dessas influências que se pode encontrar as pistas que desvendam toda a atuação do movimento TFP, fundado por Plinio, e que desempenhou um papel político importante na história recente do Brasil. Sua filosofia da ação, católica, intransigente e antimoderna, tem como origem a filiação a um ultramontanismo tardio e ao tomismo como orientador filosófico.

A contrarrevolução: conceito chave do pensamento pliniano

A orientação do pensamento pliniano é sobretudo a de um catolicismo integrista. Entendido nos termos de Fenton, o catolicismo integrista é a doutrina do catolicismo integral, isto é, da atitude católica que se fundamenta no dogma compreendido na sua integralidade. (FENTON, 1944)

Partindo desse entendimento de um catolicismo que deveria ser aderido na sua integralidade, Plinio compreende a dissolução da cristandade medieval como um processo de desprestígio do dogma católico ao longo de mais de cinco séculos e que ainda perdura.

Processo que iniciado com a Reforma Protestante no século XVI, passa pela Revolução Francesa e pela revolução Bolchevique como estágios subsequentes deste

movimento de rompimento da ordem social estabelecida, segundo a compreensão pliniana, sob as bases do catolicismo romano.

Ancorado em autores da linhagem ulltramontana como Henri Delassus, que em 1910 escreve A conjuração anticristã, em que reflete sobre parte deste processo denunciado mais tarde no principal livro de Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contrarrevolução, em 1959.

No livro, ele elabora a tese da existência de um processo plurissecular com o objetivo de demolir o edifício da cristandade. Como resposta, ele propõe a contrarrevolução, isto é, uma atitude inversa de combate e resistência a esse processo. São esses dois conceitos que nortearão, dali em diante, todo o seu pensamento.

Considerações finais

A ação e o poder de influência dos intelectuais são fatores determinantes nos processos históricos e ainda não suficientemente investigados. O papel que exercem é, muitas vezes, determinante para os rumos da história.

No caso de Plinio Corrêa de Oliveira, investigar suas filiações ideológicas, influências e cruzamentos com o pensamento de outros intelectuais é fundamental para compreender toda atuação política da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP. Também de como foi possível importar um ultramontanismo radicado na Europa no Brasil, por meio de seu movimento.

Durante muitos anos, de modo especial no final no século XX, houve quem apostasse no declínio das forças conservadoras, o que se mostrou falso, uma vez que estes setores apresentaram uma capacidade de renovação de suas próprias ideias e de releituras daquelas que pareciam já ultrapassadas pelo ímpeto de novidade que caracteriza a modernidade.

O ultramontanismo pliniano é uma dessas ideias que ainda hoje consegue atrair, seja por sua oposição às políticas de esquerda, seja por seu forte apelo religioso. No momento de seu falecimento a TFP, porta-voz de seu pensamento, se expande para aproximadamente 28 países, evidenciando que o antimodernismo católico,

contrarrevolucionário, ultramontano e tomista de Plinio Corrêa de Oliveira ainda sobrevive.

Referências

CALDEIRA, Rodrigo Coppe. O influxo ultramontano no Brasil e o pensamento de Plinio Corrêa de Oliveira. Dissertação (mestrado em Ciências da Religião) Universidade Federal de Juiz de Fora. Juiz de Fora, 2005.

DE MATTEI, Roberto. O cruzado do século XX. Porto: Civilização, 1996.

DE MATTEI, Roberto. Plinio Corrêa de Oliveira, profeta do reino de Maria. São Paulo: Artpress, 2015.

OLIVEIRA, Plinio Corrêa de. Minha vida pública: compilação de relatos autobiográficos de Plinio Corrêa de Oliveira. São Paulo: Artpress, 2015.

OLIVEIRA, Plinio Corrêa de. Revolução e Contrarrevolução. São Paulo: Artpress, 2009.

OLIVEIRA, Plinio Corrêa de. Notas Autobiográficas. São Paulo: Editora Retornarei, 2008.

SIRINELLI, Jean-François. Os intelectuais in: RÉMOND, René (org.). Por uma história política. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/Ed. FGV, 1996, p.231 – 237.

ZANOTTO, Gizele. Uma rede de sociabilidade integrista: a expansão tefepista para Argentina e Chile (1967) in: BOHOLAVSKY, Ernesto; MOTTA, Rodrigo Patto Sá; BOISARD, Stéphane (org.). Pensar as direitas na América Latina. São Paulo: Alameda, 2019.

Outras fontes

Apóstolo da intolerância. In: O Legionário, n°

Professora Doutora do Departamento de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendência (LEIT) e do Laboratório de Estudos das Direitas e do Autoritarismo (LEDA). Membro do Grupo de Estudos do Integralismo (GEINT).

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