Lideranças Femininas – buscando uma fundamentação bíblica para a atuação da mulher nas Igrejas Evangélicas

FLÁVIO DE ABREU BRITO

Formou-se como Teólogo na Faculdade Aplicada de Teologia e Filosofia (FATEF), no Rio de Janeiro. Como Pastor, leva mensagens divinas e faz palestra para casais. Como carteiro, une os humanos. De São Gonçalo, Rio de Janeiro.

 

Lideranças Femininas – buscando uma fundamentação bíblica para a atuação da mulher nas Igrejas Evangélicas

  1. Introdução

 A religião cristã influenciou o processo de desenvolvimento da humanidade, assim como o desenvolvimento econômico e social da humanidade interveio na forma como as instituições religiosas lidaram, ao longo da História, com as transformações sociais. A diversidade das Igrejas cristãs surgiu, especialmente, no processo da Modernidade, em que Reforma Protestante produziu outras perspectivas e mesmo outras expectativas para a relação entre o Deus cristão e a Humanidade. Deste modo, as igrejas que surgiram da ruptura com o catolicismo carregam em suas histórias as marcas das mudanças e das adequações historicamente construídas.

As transformações políticas, sociais e econômicas decorrentes das Revoluções Francesa e Industrial, impuseram mudanças no Mundo do Trabalho, em que o trabalho feminino tornar-se-ia uma força fundamental no processo produtivo. Deste modo, as igrejas cristãs precisariam se adequar à inserção das mulheres no contexto do progresso que incluiu a mulher no mundo do trabalho, fora do lar, assim como na vida política, enquanto cidadã. E esta longa adequação temporal e comportamental deveria ter como modelo de apoio à participação feminina, os exemplos das ações de Jesus Cristo com relação as mulheres que o cercavam. Segundo o Novo Testamento, Jesus não via as mulheres como meras expectadoras do cenário histórico traçado pelo homem, mas como protagonistas das relações sociais. O objetivo deste trabalho é discutir a ordenação da mulher no ministério eclesiástico, tema ainda bastante polêmico, porém necessário. A pesquisa bibliográfica deverá demonstrar os argumentos bíblicos usados como apoio à causa da ordenação feminina, a partir da percepção de igualdade cristã.  Esta pesquisa apoia-se em minha trajetória como membro de Igreja evangélica, na qual sempre convivi num meio bastante masculino, onde a liderança é formada por pastores, presbíteros e diáconos. Ao mesmo tempo olhava ao meu redor e via o árduo trabalho de muitas mulheres que doavam seu tempo e recursos por amor à “obra de Deus”, mas estas, não ocupavam cargos de liderança na estrutura das igrejas desta instituição. A ausência de mulheres em cargos de liderança despertava em mim muitos questionamentos. Ao longo do tempo do meu pertencimento à instituição evangélica estudada me permitiu ver mais de perto que as mulheres que se sentiam chamadas a desenvolver um ministério específico na obra de Deus passavam por um processo de formação em seminário teológico, como o que era exigido para os homens candidatos ao pastorado, contudo, a elas não era concedida a ordenação, apenas o credenciamento como missionárias, lhes sendo vetado o direito de exercer o pastorado e a execução de sacramentos como batismo, ceia, casamento, dentre outros. A questão da ordenação de mulheres ao ministério da Palavra tem sido objeto de discussão por parte de muitos estudiosos e membros, em igrejas e seminários. É um assunto tão delicado que alguns preferem nem mesmo se pronunciar sobre ele. Normalmente, esse tema tem sido discutido mais sob a ótica cultural dos tempos bíblicos em relação ao tempo atual e dos direitos de igualdade entre homem e mulher. Por isso mesmo, tem causado constrangimento em alguns meios, tornando-se um assunto melindroso. O debate tem sido mais em torno desses aspectos culturais e pessoais do que necessariamente exegético e talvez seja essa a razão do incômodo. As posições giram sempre em torno de três opções: A primeira diz que mulher pode ser pastora; a segunda declara que a mulher não pode ser pastora e, a terceira afirma que não tem posição. De forma geral, aqueles que defendem a ordenação feminina ao pastorado usam argumentos baseados no avanço da civilização, na modernização dos tempos, no progresso humano e a crescente participação da mulher em outras áreas da sociedade.

Nessa mesma linha, outros consideram simplesmente inevitável que as mulheres sejam ordenadas pastoras, pois, segundo pensam, essa é uma tendência irreversível. Sob o ponto de vista da igualdade, propõe-se debater a ausência de distinção sexual na concepção de uma sociedade cristã em sua origem. Este trabalho de pesquisa pretende refletir teologicamente o tema do sexismo, enquanto a construção histórica, no seio das Igrejas cristãs, de um “lugar da mulher” no âmbito da atuação do sexo feminino nas Igrejas.

Considerando os tempos e as mudanças culturais, o objetivo deste trabalho é ter como referência a Bíblia, como suporte de análise, em diálogo com uma abordagem qualitativa bibliográfica, descritiva de revisão não sistemática da literatura, sendo estruturada em duas etapas metodológicas. A primeira, refere-se a pesquisa bibliográfica na base de dados do Portal Capes e Scielo, ordenado por relevância e usando como palavras ou expressões de busca, chamados de descritores em Teologia: ordenação feminina, liderança e conflito de gêneros, levantamento que foi realizado a partir da estratégia de busca por assunto, tendo como critério de inclusão apenas artigos científicos, disponíveis na língua portuguesa e disponível na integra para acesso no período de 2013-2016. Os Descritores em Teologia são vocábulos estruturados criados pela Capes para servir como uma linguagem única na indexação de artigos de revistas científicas, livros, anais de congressos, relatórios técnicos e outros tipos de materiais e que podem ser usados para pesquisa e recuperação de assuntos na literatura científica e nas fontes de informação disponíveis em Bibliotecas e Base de dados. Desta forma, compreende-se vocabulário estruturado: “Vocabulários estruturados são coleções de termos, organizados segundo uma metodologia na qual é possível especificar as relações entre conceitos com o propósito de facilitar o acesso à informação. Os vocabulários são usados como uma espécie de filtro entre a linguagem utilizada pelo autor e a terminologia da área e também podem ser considerados como assistentes de pesquisa ajudando o usuário a refinar, expandir ou enriquecer suas pesquisas proporcionando resultados mais objetivos ” (DeCs, 2015). Minayo aponta que “a abordagem qualitativa realiza uma aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que ambos são da mesma natureza” (1993, p. 244). A partir deste levantamento, foram identificados 20 artigos referentes a ordenação feminina; 30 artigos referentes a liderança e 5 de conflito de gêneros. Esta pesquisa foi realizada entre os dias os dias 30 de julho a 20 de outubro de 2016. Entretanto, foram selecionados para o assunto ordenação feminina, 6 artigos; para liderança, 7 artigos; para conflito de gêneros, não foram encontrados artigos que corroborassem com o objeto do estudo proposto. Para a categoria de busca foram selecionados 13 artigos.

Acredita-se, que fatores que possam ter contribuído para o quantitativo pouco expressivo deve-se ao grande material disponível em língua estrangeira, muitos trabalhos de conclusão de cursos como teses, livros e artigos não disponibilizados na íntegra para leitura.

A literatura utilizada foi selecionada em torno do problema apresentado ao debate: “o desenvolvimento de estratégias que viabilizem procedimentos a serem adotados na garantia do direito a ordenação feminina nas Igreja cristãs. ”

ORDENAÇÃO DE MULHERES AO MINISTÉRIO DA PALAVRA

Um dos focos originais do feminismo cristão, especialmente nas Igrejas protestantes, foi o movimento pela ordenação de mulheres, que alcançou um resultado significativo: na reunião de 1958 do Conselho Mundial das Igrejas, de 168 grupos, 44 admitiam ordenar mulheres. Nessa época, surgem os Estudos da Mulher (Women’s Studies) que se estabeleceram nas universidades. Tinham como objetivo conhecer melhor a vida e a situação das mulheres na história – revisando e re-interpretando a versão “oficial” narrada por homens – e aprofundar as distintas disciplinas científicas e humanistas a partir da ótica feminina. Seguindo as análises bíblicas correntes: “homens e mulheres são iguais, mas funcionalmente diferentes”. Porém, isto não deveria ser impeditivo ao exercício do ministério por mulheres.  Como sugerem Cunningham e Hamilton (2008), em artigo que exemplificam com versículos bíblicos: a)- Em Romanos 16, vemos Paulo exaltando as mulheres no ofício eclesiástico, onde destacam-se Febe e Júnias, sendo que esta última era “Notável entre os apóstolos”. b)- Em Gálatas 3:28, a afirmação de que “todos são iguais em Cristo Jesus, não havendo mais Livre ou escravo, macho nem fêmea, pois todos são iguais em Cristo Jesus”. Logo, a prática de impedimento das mulheres ao ministério feminino deveria ser considerada absurda, uma vez que as diferenças foram quebradas. c)- A subordinação feminina foi algo decretado por Deus devido à queda do homem (Gn 3:16), sendo que esta teria sido removida por Cristo no Calvário, não havendo mais a necessidade de tal submissão perniciosa. d)- Paulo parece ser contra o ministério feminino, mas isso se deu por causa do contexto cultural da época. Devido à sua origem farisaica, Paulo teria evitado desagradar a ala masculina da igreja, afirmando discretamente tal ensino revolucionário. e)- o ministério feminino é uma tendência atual.

Segundo Lopes (1997)  os diferencialistas,  entendem que desde a criação e portanto, antes da queda, Deus estabeleceu papeis distintos para o homem e a mulher, visto que ambos são peculiarmente diferentes. A diferença entre eles é complementar. Ou seja, o homem e a mulher, com suas características e funções distintas, se completam. A diferença de funções não implica em diferença de valor ou em inferioridade de um em relação ao outro, bem como as consequentes diferenças sócio- culturais nem sempre refletem a visão bíblica da funcionalidade distinta de cada um. O homem foi feito como cabeça da mulher, esse princípio implica em diferente papel funcional do homem, que é o de liderar. Não implica que o mesmo é superior a mulher, em qualquer sentindo. Assim os diferencialistas mantêm a diferença de papeis implica inevitavelmente em julgamento de valor. (LOPES, 1997).

Na defesa da Ordenação Feminina, uma passagem muito usada para apoiar a visão da ordenação feminina é  Gálata 3:28, que declara: “não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Muitos encontram respaldo neste trecho bíblico para afirmarem que Cristo aboliu toda a diferença entre homem e mulher. Para eles, Cristo quebrou a maldição de Gênesis sobre a mulher, e deu a ela o direito de ter as mesmas funções eclesiásticas que os homens. Como sempre, a boa exegese sempre nos leva a fazer uma pergunta ao texto. Nesse caso específico, a melhor pergunta a ser feita seria: Nesse texto o apóstolo Paulo está falando da abolição da subordinação feminina e de igualdade de funções ministeriais entre homem e mulher? A resposta pode começar a ser encontrada no contexto de Gálatas. Ao que tudo indica, Paulo escreveu essa carta para responder a questões levantadas sobre a nossa justificação diante de Deus. Sua afirmação central é a de que todos, independente da sua raça, cor, posição social e sexo, são recebidos por Deus da mesma maneira: pela fé em Cristo. Definitivamente Gálatas 3:28 não está tratando do desempenho de papéis na igreja e na família, mas da nossa posição diante de Deus. A salvação em Cristo justifica igualmente homens e mulheres diante de Deus, mas não altera o papel de ambos estabelecido previamente na Criação. É importante sempre ter em mente que a questão da subordinação feminina tem sua base na Criação em Genesis 1, 27 “Criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou. ” A cruz de Cristo aboliu as diferenças cerimoniais para que todos pudessem aproximar-se de Deus, mas em nenhum momento pôs um término nas funções ou papéis fundamentais do homem e da mulher estabelecidos por Deus muito antes da Queda. Cisterna (200?), declara que, “no reino de Deus, homem e mulher são iguais; na natureza, é interdependente, na sociedade, igreja e família, a mulher se submete”. A igualdade que hoje há em Cristo não afetou ou alterou o papel do homem ou da mulher. O marido continua sendo o cabeça e a mulher continua sendo submissa. Essa posição honrosa de ambos contribui inclusive para o entendimento da nossa eclesiologia. É o paralelo do casamento humano com as bodas de Cristo e sua igreja, a noiva. No livro de I Coríntios, 11, 7-11 aborda o fato da igualdade entre homem e mulher. O homem não deve cobrir a cabeça, visto que ele é imagem e glória de Deus; mas a mulher é glória do homem. Pois o homem não se originou da mulher, mas a mulher do homem; além disso, o homem não foi criado por causa da mulher, mas a mulher por causa do homem. Por essa razão e por causa dos anjos, a mulher deve ter sobre a cabeça um sinal de autoridade. No Senhor, todavia, a mulher não é independente do homem nem o homem independente da mulher. Porém em Efésio 5, 22-25, ilustra que ambos devem ter respeito e amor, onde a diferença não existe. Mulheres sujeite-se cada uma a seu marido, como ao Senhor, pois o marido é a cabeça da mulher, como também Cristo é a cabeça da igreja, que é o seu corpo, do qual ele é o Salvador. Assim como a igreja está sujeita a Cristo, também as mulheres estejam em tudo sujeitas a seus maridos. Maridos ame cada um a sua mulher, assim como Cristo amou a igreja e entregou-se por ela. Há ainda outro fator a ser observado. Aquilo que é bom para a Igreja é bom para a sociedade também. No coração de uma mulher cristã deveria haver o sentimento de promover a liderança de seu marido, bem como no coração de um homem cristão deveria haver o sentimento de liderar sua esposa em amor. Esse sentimento de submissão “no temor de Deus” Efésio 5, deveria ser o tom do “bom andamento da vida”, Para ele esse compasso de submissão deveria existir naturalmente no lar, “da esposa para o marido, dos filhos aos pais”, e também “no emprego, dos empregados aos chefes”, todos, enfim, refletindo a submissão” da Igreja para o seu Mestre, Cristo”. A deterioração desse valor dentro da Igreja tem afetado em grande parte as famílias por todo o mundo. A Igreja tem a oportunidade de colocar-se como um padrão diferente do mundo, mas infelizmente tem se adaptado com muita facilidade às suas pressões. Para Johnson (2002) declara que: Um dos danos irreversíveis está no fato de não termos o registro das palavras das mulheres discípulas de Jesus pregando sua mensagem, discutindo entre si o que a fé significa, e contribuindo para as decisões de uma comunidade pós-ressurreição – embora traços dessas atividades possam ser encontrados nas Escrituras. Temos pouco conhecimento da experiência de fé, discernimento teológico, e dons pastorais de milhões de mulheres que formaram a metade da comunidade Igreja nos séculos subsequentes – embora suas preces, suas buscas por Deus, e suas iniciativas criativas (…) tenham sido por nós herdadas. Se as mulheres exerceram os mesmos ministérios que os homens no período da igreja apostólica, por que não há nenhuma menção no Novo Testamento de apóstolas, presbíteras, pastoras ou bispas? Por todo o Novo Testamento não se encontra qualquer recomendação apostólica nesse sentido. Nem uma sequer! As cartas conhecidas como “Pastorais”, em que Paulo instrui Timóteo e Tito, e que são usadas como texto base para a ordenação dos oficiais da Igreja, nada falam quanto à ordenação de mulheres. Mais uma vez, então, a pergunta que deve ser feita ao texto em questão é: o fato de as mulheres receberem o Espírito Santo significa obter autorização para a ordenação ministerial? A reflexão cristã sobre a mulher não é nova, ao contrário, atravessa a história cristã. Porém, nos tempos atuais, essa reflexão é provocada pelo aparecimento do feminismo. Até época relativamente recente, a mulher era considerada inferior ao homem e deveria submeter-se a ele. Basicamente essas são as passagens utilizadas para sustentar a ordenação feminina ao pastorado. Mas elas devem ser analisadas com atenção, pois o fato de terem recebido os dons do Espírito (inclusive aqueles relacionados com o ensino), nenhum dos textos traz sustentação para que elas sejam ordenadas. Quando Cristo desejou estabelecer pastores para sua Igreja, ele nos deixou o registro bíblico de homens sendo incumbidos dessa função. Mesmo sendo um Senhor gracioso que considera todos iguais para receberem misericórdia e graça; que ama indistintamente suas ovelhas e morreu por todas de igual forma, ele não mencionou mulheres como pastoras. Ele as amou, serviu e foi servido por elas. Não as ignorou, mas, pelo contrário, foi-lhes um protetor num mundo desigual. Foi o libertador de tantas opressões que elas sofriam, mas nada falou sobre serem pastoras. Além disso, a igreja sempre declarou ser sustentada sobre o ensino dos apóstolos e eles, da mesma forma, não parecem sustentar essa posição. Todos os textos acima demonstram que as mulheres cristãs, juntamente com os homens, participam da graça de Deus, e dos dons do Espírito, sem restrições. Entretanto, toda boa homilética (arte de pregar) afirmará que elas nada têm a dizer sobre ordenação ao ministério pastoral, nem a favor, nem contra, pois tratam de outros assuntos, não podendo ser usadas para sustentar essa posição. Há, todavia, pelo menos três passagens bíblicas que oferecem princípios sobre o assunto por tratarem do ensino e, aparentemente, impõem restrições à ordenação pastoral feminina e que por essa razão também devem ser analisadas. 4.2 Oposição a Ordenação Feminina Em I Coríntios 11, 2-3, Aqui Paulo aborda o problema causado por algumas mulheres que estavam orando, profetizando (e provavelmente falando em línguas) com a cabeça descoberta, isto é, sem o véu, contrariando assim o costume das igrejas cristãs primitivas. Ao exortar para se lembrarem das tradições, deixa claro a inferioridade da mulher perante ao homem. Eu os elogio por se lembrarem de mim em tudo e por se apegarem às tradições exatamente como eu as transmiti a vocês. Quero, porém, que entendam que o cabeça de todo homem é Cristo, o cabeça da mulher é o homem e o cabeça de Cristo é Deus. (I CORINTIOS 11, 2-3) Isso pode ser confuso e soar como “politicamente incorreto” caso não tenhamos um coração espiritualmente disposto nas mãos do Senhor. No texto em questão, Paulo argumenta teologicamente, a partir da subordinação de Deus Filho a Deus Pai. A subordinação da mulher ao homem não a torna inferior. Assim como Pai e Filho, que são iguais em poder honra e glória, desempenham papéis diferentes na economia da salvação (o Filho submete-se ao Pai), homem e mulher se complementam no exercício de diferentes funções, sem que nisso haja qualquer desvalorização. Para o professor de Novo Testamento, Lopes (1997) declara que, “uma vez que Paulo apela à relação entre os membros da Trindade, fica claro que ele não olha para as relações descritas neste texto como meramente cultural”. Logo se percebe a importância de 1 Coríntios 11 para a questão desse debate sobre a ordenação feminina. A mulher deve estar debaixo da autoridade espiritual exercida pelo homem e, ao participar do culto, não pode exercê-la sobre ele. Ao comentar essa passagem. Lopes apud Shedd (1997), afirma que “com o véu” (sinal de submissão), “a esposa protegia sua própria dignidade”. Alguém, então, poderia argumentar que deveríamos voltar a usar o véu como era o caso da igreja em Corinto. Mas o véu, no entanto, era apenas a maneira grega do século I de demonstrar subordinação. Não é necessário usar o véu hoje, mas o princípio da subordinação continua. O apóstolo defende a participação diferenciada da mulher no culto usando argumentos permanentes, que transcendem cultura, tempo e sociedade, como a distribuição ou economia da Trindade (v.3), o modo pelo qual Deus criou o homem (v.8-9) e ainda apelando para o costume das igrejas cristãs em geral (v.16). Para Lopes apud Shedd (1997), “Paulo apela para princípios. Usar ou não véu depende do que significa para a época ou sociedade atual”. Além disso, é bom notar que 1 Coríntios 11 começa lembrando aos leitores que as questões de autoridade, submissão e ordem no culto público deveriam ser tratadas com uma instrução apostólica (v.2). O parágrafo termina afirmando que “ser contencioso” (como algumas mulheres de Corinto) não era um “costume” apostólico, nem deveria ser em nenhuma “igreja de Deus” (v.16). No mesmo livro de I Coríntio, admite essa inferioridade feminina: Pois Deus não é Deus de desordem, mas de paz. Permaneçam as mulheres em silêncio nas igrejas, pois não lhes é permitido falar; antes permaneçam em submissão, como diz a Lei. Se quiserem aprender alguma coisa, que perguntem a seus maridos em casa; pois é vergonhoso uma mulher falar na igreja. Acaso a palavra de Deus originou-se entre vocês? São vocês o único povo que ela alcançou? Se alguém pensa que é profeta ou espiritual, reconheça que o que estou escrevendo a vocês é mandamento do Senhor. Se ignorar isso, ele mesmo será ignorado. (I CORINTIO, 14,33-38). O texto acima indica uma seqüência dentro de um mesmo tema: a ordem no culto público. “… Como em todas as igrejas dos santos. As vossas mulheres estejam caladas nas igrejas; porque não lhes é permitido falar; mas estejam sujeitas, como também ordena a lei. E, se querem aprender alguma coisa, interroguem em casa a seus próprios maridos; porque é vergonhoso que as mulheres falem na igreja” (v. 33-35). A frase, “não lhes é permitido falar”, tem conotação de autoridade. Elas podiam falar nos cultos, mas não de forma a parecerem insubmissas, como mostra o verso 34b. Paulo também cita “a lei”, que é o Antigo Testamento. No contexto imediato, Paulo fala do julgamento dos profetas no culto (v. 29), o que envolveria certamente questionamentos, e mesmo a correção dos profetas por parte da igreja reunida. Para o professor de Novo Testamento e autor reconhecido internacionalmente, aqui uma alusão à Criação que deve ser observada universalmente. Paulo está possivelmente proibindo que as mulheres questionem ou ensinem os profetas em público. Certamente havia na igreja de Corinto um problema de arrogância jactanciosa por parte de algumas mulheres. Em 1 Timóteo 2.11-15. “A mulher deve aprender em silêncio, com toda a sujeição. Não permito que a mulher ensine nem que tenha autoridade sobre o homem. Esteja, porém, em silêncio. ” Aqui vemos a palavra de Paulo para que “a mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição”. A ordem apostólica não permite “que a mulher ensine, nem que exerça autoridade sobre o homem”. A palavra “ensinar”, em Timóteo, está relacionada com a frase “em posição de autoridade”, no sentido restrito de instrução doutrinária auto-retrativa, feita com o peso da autoridade oficial dos pastores. Não seria lógico concluir que essa proibição de a mulher exercer autoridade sobre os homens exclui as mulheres do ofício pastoral. De acordo com Paulo, o oficio pastoral está relacionado essencialmente ao ato de governar e presidir a casa de Deus. É necessário, pois, que o bispo seja irrepreensível, marido de uma só mulher, moderado, sensato, respeitável, hospitaleiro e apto para ensinar; não deve ser apegado ao vinho nem violento, mas sim amável, pacífico e não apegado ao dinheiro. Ele deve governar bem sua própria família, tendo os filhos sujeitos a ele, com toda a dignidade. Pois, se alguém não sabe governar sua própria família, como poderá cuidar da igreja de Deus? (I TIMOTEO, 3, 4-5). Não se limita a essa função, mas deve passar por ela, mas “as proíbe de ensinar homens”. As epístolas pastorais, as atividades de governo (na igreja) são atribuídas a presbíteros. Claramente, então, a proibição de Paulo de que uma mulher exerça autoridade sobre um homem exclui a mulher de se tornar líder no sentido em que esse ofício é descrito por ele. Desta forma, conclui que uma mulher estaria impedida de ocupar qualquer função em uma igreja que seja equivalente ao ofício de governo eclesiástico descrito por Paulo. Para ele essa conclusão é perfeitamente aplicável em nossos dias, uma vez que o apóstolo tem em mente a Criação e as funções do homem e da mulher que advêm dela e não sua cultura particular.

A VISÃO DAS RELIGIÕES QUANTO A ORDENAÇÃO FEMININA

Os primeiros missionários da Assembleia De Deus chegaram ao Brasil em 1911. Marcados pela repressão, a identidade institucional nos primeiros 40 anos da Assembléia de Deus, como tantas outras instituições, foi influenciada, no processo social,  pelo ideal da partilha, da  igualdade entre seus membros. O ethos sueco-nordestino não cogitou a inclusão de mulheres no ministério, apesar da igreja ter contato, em sua origem, com o trabalho continuo e reconhecido da missionária Frida Vingren, esposa do missionário Gunnar Vingren. Frida assumiu o ministério da igreja ela cantava, tocava e pregava em todas as ausências do marido. Frida assumiu a liderança da igreja. Foram os efeitos produzidos pelo imaginário social da época que não permitiram aos líderes nortistas e nordestinos abrirem a questão do ministério feminina o que os levou a lutar contra o modelo eclesiástico que se configurava a partir da Liderança exercida por Frida Vingren (Castelhano, 2005, p. 61). A prática ministerial de Frida, mesmo que sem a legítima ordenação, provocou tamanho incomodo entre os líderes do Norte e Nordeste que a temática do ministério feminino foi introduzida na primeira convenção de 1930. As irmãs têm todo o direito de participar na obra evangélica, testificando de Jesus e da salvação, e também apresentando instrução se assim for necessário. Mas não se considera justo que uma irmã tenha a função de pastor de uma igreja ou ensinadora da mesma, salvo em casos de exceção mencionados em MT. 12, 3-8. Assim deve ser, especialmente quando não existem na igreja irmãos capacitados a pastorear ou ensinar (CASTELLANO, 2005, p. 68). As mulheres pentecostais têm um papel fundamental na organização e manutenção das estruturas laicas das igrejas pentecostais, como podermos ver na biografia de Frida Vingren. Contudo, elas são marginalizadas, inferiorizadas e preteridas dentro das estruturas significantes de poder. Estão à margem e dificilmente, dentro do modelo patriarcalista das igrejas pentecostais clássicas, chegarão ao centro do poder. A liderança nacional desde a 1ª. Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil (caso Frida Vingren, por exemplo) tem feito de tudo para tirar de foco a discussão sobre o ministério feminino na Igreja. O Ministério de Madureira tem consagrado mulheres para o exercício do diaconato e para o ministério missionário. As mulheres dos pastores presidentes – anteriormente consideradas “a esposa do pastor”, agora têm sido reconhecidas como missionárias. O Ministério do Belém – ligado a CGADB, nem ao diaconato tem consagrado mulheres. As mulheres não são consultadas acerca das grandes decisões e iniciativas institucionais. 5.2 Muçulmânica: “No Islã, homens e mulheres têm o mesmo valor”. Os mulçumanos defendem a tese de que o seu profeta trouxe isonomia entre homens e mulheres, além de uma grande valorização ao sexo frágil. Nos dias atuais, apesar do pouco conhecimento do Ocidente sobre as culturas orientais, principalmente muçulmana, sabe-se que as conquistas femininas nos países em que o Islã é a religião hegemônica, também são, como no Ocidente, lutas desiguais e cotidianas. Nas sociedades romana e grega, nos tempos da fundação do Islã, tem-se conhecimento de documentos que mulheres poderia exercer algum tipo de poder ou direito, tanto quanto o esposo, e tinham seus direitos civis assegurados por lei. Há, também, indícios de sociedades matriarcais na Antiguidade.

O orientalista Margoliouth, em sua obra “Maomé e a ascensão do Islã,” esclarece que “em algumas [tribos árabes antes do Islã], o nascimento de uma filha era ocasião de felicitações especiais, em alusão ao dote ou dinheiro que traria aos pais”. Mostra, ainda, que, em alguns casos, ”a dissolução do casamento era prerrogativa da mulher, não do homem”. Sendo assim, o que vemos na historiografia do Oriente é que, na época do Profeta, há indícios de existência de  mulheres que possuíam status na sociedade e condições sociais diversas das definidas no Corão. Karen Armstrong, historiadora das Religiões, no seu livro “Maomé: uma biografia do Profeta”, descreve Khadija, a primeira esposa do profeta como uma viúva rica e bem-sucedida.

No Catolicismo Romano, a questão da ordenação sacerdotal para as mulheres no catolicismo é ainda polêmica. Em 1994 João Paulo II lançou a carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis, na qual o tema é dado por encerrado a partir de argumentações de caráter teológico que podem ser sintetizadas nos seguintes pontos: a) a missão sacerdotal foi confiada apenas aos homens por Cristo que chamou 12 apóstolos; b) a necessidade ou valorização da preservação da tradição ou da prática da Igreja ao longo dos séculos nesse tema; c) como consequência do segundo item, aborda-se a irrevogabilidade do Magistério da Igreja Para Nunes (1998, p. 11). Assinala-se que no catolicismo os homens não são apenas detentores do poder sagrado de mediação entre os indivíduos e a divindade através do exercício do ministério sacerdotal, mas são eles que irão elaborar a narrativa oficial em que se naturalizam padrões sobre o que seria inerente ao mundo feminino e o que pertenceria ao mundo masculino.  Marianus (1785), escreveu em sua “Storia sui temporis” o “papa Leão morreu nas calendas de agosto. Foi sucedido por Joana, uma mulher, que reinou durante dois anos, cinco meses e quatro dias”. A primeira pessoa a registrar tal assunto foi Anastasius, o bibliotecário, autor do Líber Pontificalis ,uma coleção de biografias papais que vai até Nicolau I (858 – 67). Anastasius viveu no mesmo período de Joana e em seu escrito biográfico podem ser encontradas palavras idênticas às de Martinho. Seu manuscrito pode ter sido uma das fontes para o Chronicon Pontificum et Imperatum. Fernandes (2005) declara que, nesse contexto, homens e mulheres são chamados a apresentar as razões ou as justificativas para suas novas identidades, buscando evitar ou minimizar a consolidação de espaços de opressão ou marginalização do outro, em suma, espaços de violência humana.

Em seus estudos com vários discursos dos jovens, ele se manifesta de modo a reforçar a institucionalidade da Igreja. Seu discurso revela valorização da norma e da disciplina:

Atribuir um lugar às mulheres, entretanto, não representa igualdade de condições na esfera hierárquica. Ao mesmo tempo, pode não significar uma necessária subordinação feminina tendo em vista a existência de grupos de mulheres no catolicismo que atuam de forma mais questionadora diante da hierarquia. Ainda assim, a distribuição da autoridade na Igreja Católica não tem se alterado de forma significativa a partir dos questionamentos das mulheres, sejam elas leigas, sejam religiosas.

CONCLUSÃO

Se levarmos em conta o ensino do Novo Testamento acerca do ministério feminino ordenado, temos uma análise mais profunda sobre a igualdade, que encoraja e defende a ordenação feminina em nossas igrejas. O fato é que homens e mulheres, enquanto sujeitos, estão utilizando o espaço religioso como meio de transformar suas condições de vida seja para um novo espaço social dotado de status e prestígios, seja pelas ferramentas oferecidas por este campo para a superação dos problemas cotidianos, subjetivos e objetivos do mundo social. As mulheres continuam presas a algumas relações de poder e dominação porque suas ações de resistências ainda não as causas estruturais das contradições, pois enquanto suas práticas cotidianas de acomodação/resistência continuarem no caminho da negociação individual, as relações de poder –dominação de gênero, raça, idade e classe social persistirão. Percebemos, então, que o perfil da mulher que serve como “norte” a ser alcançado por todas que se convertem ao cristianismo, é o de uma mulher que busque a pureza e deseje manter-se pura diante de Deus e da sociedade. Uma mulher que entenda a grandeza de ser uma mãe zelosa, uma filha dedicada e uma esposa fiel. Que seja virtuosa e edifique seu lar. Que entenda a grandeza de sua missão ao proporcionar ao mundo cidadãos de bem. Isso só é possível à mulher que teme a Deus. Essa mulher é também a que está apta para fazer missões e cumprir o ide de Jesus, levando seu Evangelho ao mundo e está preparada para administrar e ensinar.

REFERENCIAS:

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Professora Doutora do Departamento de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendência (LEIT) e do Laboratório de Estudos das Direitas e do Autoritarismo (LEDA). Membro do Grupo de Estudos do Integralismo (GEINT).

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