No último dia 25 de julho, comemorou-se pela 17ª vez, o dia Internacional das mulheres negras da América Latina e do Caribe. Esta data foi estabelecida em 1992, quando da realização do 1º Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas que foi realizado na República Dominicana. Neste primeiro encontro, reuniram-se diferentes grupos feministas sob o objetivo de combater o machismo e o racismo. Porém, no Brasil, a data só passou a ser considerada oficialmente a partir da Lei 12.897 de 02 de junho de 2014, que foi sancionada pela então Presidenta da República, Dilma Rousseff. Tal Lei estabeleceu que o dia 25 de julho, também como sendo o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.
Tereza de Benguela ou Rainha Tereza, como também é denominada, viveu no século XVIII, no Vale do Guaporé, região pertencente ao atual Estado do Mato Grosso. Tereza ficou registrada na História como sendo a líder do Quilombo do Quariterê, onde hoje se encontra o município de Vila Bela da Santíssima Trindade. Segundo registros, o Quilombo liderado por Rainha Tereza, resistiu por 65 anos (de 1730 a 1795) até que fora destruído por bandeirantes a mando do Capitão donatário de Mato Grosso. Essa bela história de luta e resistência de Rainha Tereza foi registrada no Samba Enredo da Escola de Samba Unidos de Viradouro, no carnaval de 1994. Para aqueles que desejam conhecer, segue o link: https://youtu.be/SoXweMbmUgM.
A constante luta por reconhecimento social de negros e negras no Brasil
Historicamente, somos um país que tenta embranquecer nossa História e, se possível, ignorar toda e qualquer protagonismo dos negros/negras que auxiliaram arduamente na constituição da nação brasileira, daí a importância da divulgação do dia 25 de julho, como um dia importante para as mulheres afrodescendentes, não só do Brasil, mas também de toda América do Sul e do Caribe. Para exemplificar tal constatação, destaco a seguir, trecho de um artigo publicado em 1930, no Jornal Folha da Manhã, em São Paulo e que tratava de possíveis ações políticas dos negros:
Seguir os brancos nas suas conquistas e iniciativas felizes […] será o marco inicial da segunda redempção dos negros […].Salientamos que a sua liberdade não foram elles [negros] que conseguiram. As tentativas que emprehenderam mallograram desastrosamente. E da mão do branco que odiavam receberam a liberdade dos seus sonhos! (DOMINGUES, 2002, p. 574).
Identifica-se, neste pequeno trecho, que o autor desvaloriza toda e qualquer possível iniciativa dos negros/negras quanto ao que lhes é mais precioso: a liberdade. E, daí por diante, o que se identifica é uma desvalorização maciça da história e da cultura dos povos africanos, de suas manifestações culturais, de suas crenças, vestimentas, aparência física e até da manifestação de caráter. É, portanto, com base nesse desprezo histórico a tudo que se refere aos afrodescendentes que, infelizmente ainda nos dias atuais, muitos/as alimentam seu racismo e seu menosprezo às manifestações culturais de mulheres e homens negros, mesmo quando estes chegam a alcançar destaque em diferentes áreas da sociedade brasileira.
Enfim, alguns de vocês, leitores e leitoras, podem achar que eu estou exagerando e que hoje já é possível identificar que a sociedade brasileira superou tal preconceito e, que sim, já há reconhecimento igualitário para brancos/as e negros/as, nas diversas áreas da sociedade. Desta forma, resta-me uma pergunta simples:
Considerando a literatura brasileira, pense e responda rápido, quantos escritores, negros/negras contemporâneos, você conhece e já leu?
Infelizmente, não tenho como obter sua resposta, mas, se você for honesto/honesta consigo mesmo/a, creio que talvez não tenha se lembrado de muitos/as ou quem sabe, de nenhum.
Dentre as possíveis respostas para esta questão, seguem alguns destaques, em ordem alfabética:
– Ana Maria Gonçalves, é natural de Minas Gerais e possui como principais obras: Ao lado e à margem do que sentes por mim (2002) e Um defeito de cor (2006);
– Bianca Santana, escritora, jornalista e taróloga paulistana, autora do livro: Quando me descobri negra (2015).
– Conceição Evaristo, também mineira, é autora das obras: Ponciá Vicêncio (2003) e Becos da Memória (2006); Insubmissas lágrimas de mulheres (2011); Olhos d`água (2014); Histórias de leves enganos e parecenças e outros (2016);
– Cuti (Luiz Silva), professor da Unicamp e autor de Contos Crespos (2008);
– Paulo Lins, nasceu na cidade do Rio de Janeiro e, atualmente tem 61 anos. Possui como livro de maior sucesso: Cidade de Deus (1997), que foi adaptado para o cinema, pelo Diretor Fernando Meirelles, no ano de 2002.
Autores afrodescendentes na literatura infantil
Ao desenvolver atividades que tratem da Educação em Direitos Humanos, seja por meio da educação formal ou pela educação não formal, um dos principais objetivos é o de promover a cultura de paz, a partir da realidade cotidiana. Para tanto, acredito que seja necessário estar atento/a à diversidade e, no que se refere a valorização da cultura afro, uma das estratégias para esta divulgação da mesma, é por meio da literatura infantil, pois, é a leitura capaz de promover imaginação, entusiasmo, expectativas, curiosidades, sentimentos e emoções que tendem a compor expressões e comportamentos futuros. Considera-se, portanto pertinente, elencar aqui alguns dos autores/as negros/as que compõem nossa literatura infantil atual:
Carmem Lúcia Campos:
Edimilson de Almeida Pereira:
Elisa Lucinda:
Junião:
Kiusam de Oliveira:
Lázaro Ramos:
Madu Costa:
Capa do livro Meninas Negras. Autora: Madu Costa.
Neusa Baptista Pinto:
Como defensora da Educação em Direitos Humanos, penso que, na medida em que as novas gerações possam se apropriar de uma literatura infantil diversa, a sociedade brasileira poderá rever algumas das infelizes concepções de superioridade que ainda encontram-se arraigadas em nossa sociedade e que precisam ser eliminadas com urgência!
Referências:
CAMPOS, Carmem Lúcia. A bisa fala cada coisa. São Paulo: Panda Books, 2016.
COSTA, Madu. Cadarços desamarrados. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2009.
COSTA, Madu. Meninas Negras. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2010.
CUTI. Contos Crespos. Mazza Edições, 2008.
DOMINGUES, Petrônio José. Negros de almas brancas? A ideologia do branqueamento no interior da comunidade negra em São Paulo, 1915-1930. In: Estud. afro-asiát. vol.24 no.3 Rio de Janeiro, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-546X2002000300006
EVARISTO, Conceição. Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2003.
EVARISTO, Conceição. Becos da Memória. Rio de Janeiro: Pallas, 2006.
EVARISTO, Conceição. Insubmissas lágrimas de mulheres. Rio de Janeiro: Male Editora, 2011.
EVARISTO, Conceição. Olhos d`água. Rio de Janeiro: Pallas, 2014.
EVARISTO, Conceição. Histórias de leves enganos e parecenças e outros. Rio de Janeiro: Male Editor, 2016.
GONÇALVES, Ana Maria. Ao lado e à margem do que sentes por mim. Salvador: Borboletras, 2002.
GONÇALVES, Ana Maria. Um defeito de cor. Rio de Janeiro: Record, 2006.
JUNIÃO. Meu pai vai me buscar na escola. Rio de Janeiro: Zit Editora, 2016.
LINS, Paulo. Cidade de Deus. Rio de Janeiro: Tuquets, 1997.
LUCINDA, ELISA. A menina transparente. Rio de Janeiro: Galera Record, 2010.
OLIVEIRA, Kiusam de. O mundo no black power de Tayo. São Paulo: Peirópolis, 2017.
OLIVEIRA, Kiusam de. O mar que banha a ilha de Goré. São Paulo: Peirópolis, 2018.
OLIVEIRA, Kiusam de. Omo-oba histórias de princesa. São Paulo: Mazza Editora, 2009.
PINTO, Neusa Baptista. Cabelo ruim? A história de três meninas aprendendo a se aceitar. Cuiabá (MT): Tanta Tinta, 2010.
PEREIRA, Edimilson de Almeida. Poemas para ler com palmas. São Paulo: Mazza Editora, 2017.
PEREIRA, Edimilson de Almeida. Histórias trazidas por um cavalo-marinho. São Paulo: Paulinas, 2005.
PEREIRA, Edimilson de Almeida. São Paulo: Paulinas, 2007.
RAMOS, Lázaro. A velha sentada. São Paulo: Uirapuru, 2010.
RAMOS, Lázaro. Cadernos de Rimas do João. Rio de Janeiro: Pallas, 2015.
RAMOS, Lázaro. Caderno sem rimas da Maria. Rio de Janeiro: Pallas, 2018.
SANTANA, Bianca. Quando me descobri negra. São Paulo: SESI, 2015.
Parabéns Doutora Silmar, orgulho de ter sido sua aluna na pós graduação em educação em direitos humanos na UFABC.
Gratidão sempre.
Obrigada, Julia! Muito bom saber que está nos acompanhando! Abraço, Silmar Leila.
Estou encaminhando este artigo as minhas ex-alunos do curso de Pedagogia da Faeterj de Três Rios/RJ, muito enriquecedora a reflexão, parabéns!
Que bom que gostou, André! Continue sempre participando de nossa coluna. Abraço, Silmar Leila.
Leitura mais do que necessária. Meus parabéns Silmar pelo nosso dia, e por ter feito da escrita uma forma de protesto!
Excelente artigo. Me possibilitou descobrir que ao ler uma produção de autores/escritores negros, criamos em nosso interior exemplos que levamos para a vida e passamos a conviver com eles, de modo a nos impulsionar para caminhos que não havíamos pensado antes.