Ana Regina Barbosa Spinardi
Cristina Miyuki Hashizume
Parece ontem que foi promulgada e divulgada, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a lei 10.639, que obriga a inclusão da história, da arte, literatura e cultura africana e afro-brasileiras nos currículos escolares de todas a rede nacional de ensino. Essa lei, em 2008, é complementada por outra lei, a 11 645 que inclui as lutas, a História dos Povos, e as culturas dos povos indígenas. Tal obrigatoriedade foi necessária tendo em vista o Brasil ser o segundo maior país em quantidade de afrodescendentes do mundo. E há motivos a comemorar? O que mudou? Em que avançamos? Mudou a forma de pensarmos a nós mesmos, como descendentes de seres sequestrados em seu continente? O que temos, após esse período? Uma lei ainda a ser implementada? Mas a comemoração é ainda parcial. Grande parte de jovens dispostos às lutas diárias ainda precisam ser reconhecidos como parte integrante da sociedade, que é fruto dessa luta. A própria lei 10.639/03 precisa ser compreendida como conquista popular e histórica, da organização dos movimentos negros e indígenas. A lei ajudou a potencializar a luta e fomentar a consciência contra o racismo enquanto movimento de todos. Racismo não se elimina com decretos, mas com mudança de paradigmas, gerando novas gerações de jovens protagonistas.
A lei de inclusão e as Diretrizes Nacionais de Educação das Relações Étnico-raciais dão o norte da ação. Mesmo presentes na escola de forma incipiente, a obrigatoriedade da lei gerou uma expectativa de que a inclusão se tornaria mais real. Porém tal prática demanda ainda um longo caminho: por exemplo, na análise da intencionalidade das ações pedagógicas, ainda fica nítida uma base ideológica de racismo e exclusão, principalmente aos afrodescendentes. Um outro exemplo importante é a análise do Projeto Político Pedagógico, em especial, da educação infantil. Entendemos que a identidade começa nos primeiros anos de vida momento em que pode desenvolver atitudes, conhecimentos e ser uma pessoa que pode fazer escolhas, enxergar por si mesma a vida e ser segura para prosseguir em seus estudos ou mesmo no percurso pela vida. Estudos da Psicologia Educacional já demonstraram como essa fase do desenvolvimento é importante na constituição da subjetividade do sujeito. Como formadores, acreditamos que tais intervenções na mais tenra idade afetam não apenas a subjetividade como um aspecto interno do sujeito, mas também a sua relação com o meio grupal e social, a ponto de devermos reconhecer a especificidade do modo de ser negro.
Após análise do PPP de uma CEI de São Paulo, capital, observamos que embora a preocupação com a raça e etnia sejam presentes, não fica claro/ definido no documento como serão as abordagens, as atividades pedagógicas cotidianas, as brincadeiras, as músicas, as autorias, as menções às Histórias das crianças e de suas famílias, suas origens, suas características físicas. A apresentação física deve ser enaltecida e discutida junto a essas crianças, pois sem isso, pode haver descaracterização identitária dessas marcas físicas: cor de pele, cabelos, lábios, nariz, dentre outros. Devido à forte miscigenação de nosso povo brasileiro, todos temos em nosso tronco genealógico um ascendente africano ou indígena. Em que pese essa característica, a ênfase na formação escolar ainda é na cultura europeia, proporcionando um apagamento de marcas culturais outros grupos étnicos. Nesse sentido, é necessário reconhecer isso e ampliar o conhecimento sobre todos os grupos inter-raciais, oportunizando desde os primeiros anos de vida situações que são imprescindíveis à autoestima e valorização de multiculturas e repertórios vividos e trazidos por todos que estão nas escolas.
Falar de racismo e de educação igualitária é militar em prol da garantia dos direitos humanos necessários à convivência sadia e inclusiva de todas e todos, tornando a escola um espaço amplo, democrático e de educação antirracista. A tolerância da diversidade fomentará um novo olhar sobre a educação, saúde, leis e práticas escolares.