Luciano Campos Tardock é formado em história pela Universidade Salgado de Oliveira. É professor e publica na página do Memória de São Gonçalo, onde busca resgatar um pouco da memória da cidade. Atualmente escreve para o site da Câmara Municipal de São Gonçalo.
Zélio de Moraes, espiritualidade e política em São Gonçalo
Último domingo fui fazer um programa bem gonçalense. Fui tomar caldo de cana e comer pastel na feira de Neves. Quem não foi, vá! É um programa bem legal e barato. Dá pra trocar uma boa ideia com os amigos por lá. Na saída, a Camila me perguntou se eu sabia informar onde era a casa do Zélio de Moraes, o anunciador da Umbanda e que havia vivido em São Gonçalo, segundo município mais populoso do Estado do Rio de Janeiro e que integra, como cidade periférica, o Grande Rio, a região metropolitana da cidade-capital fluminense.
Como estávamos bem próximos, resolvi dar uma passada por lá e apresentar o espaço onde a religião anunciada se estabeleceu.
Pra quem não se lembra ou não sabe: Em outubro de 2011 a casa onde Zélio viveu começou a ser demolida. A então prefeita, Aparecida Panisset, que também atuou como professora de História, alegou motivos diversos, pouco fez. O terreno foi vendido e a casa demolida pelo novo proprietário. Fim da história. A questão é, o espaço guardava uma quantidade imensa de histórias e memórias, que deveriam ter sido respeitadas como espaço de uma história única para a religiosidade brasileira. Foi o espaço onde Zélio, com pouco mais de 17 anos, começou seus trabalhos de caridade em 1908.
Mas muito é falado sobre o Zélio como o anunciador da Umbanda, talvez, o que muitos ignoram é que ele foi um cidadão bastante ativo na política de São Gonçalo, dentro da Câmara de Vereadores. Atuou como vereador no período de 1927, quando o prefeito de São Gonçalo era o Capitão Mentor de Souza Couto. As causas de Zélio sempre estiveram ao lado dos desvalidos, buscando sempre a melhoria na qualidade de vida destes, principalmente na melhoria da qualidade da educação pública de São Gonçalo. Também atuou como farmacêutico na Pharmácia Nossa Senhora da Piedade, na mesma rua em que viveu durante tanto tempo, na Floriano Peixoto, número 44. De acordo com um texto Jorge César Pereira Nunes:
Zélio, entretanto, não se dedicava apenas à umbanda. Como era norma não receber recompensa pelo bem distribuído, também trabalhava como comerciante. Em 1924, fez uma incursão na política e foi eleito vereador. Três anos depois, foi reeleito e escolhido por seus pares para ser secretário do Legislativo gonçalense. No poder público, dedicava-se principalmente à difusão de escolas públicas, tanto que ele mesmo criara uma, gratuita, de curso primário, em seu centro espírita para atender as crianças de Neves.
Zélio viveu em São Gonçalo até 1963, quando passou a liderança da Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade para suas filhas enquanto ele foi morar em Cachoeiras de Macacu, fundando a Tenda Espírita de Pai Antônio. Sempre foi visto como um estimado cavalheiro em São Gonçalo. A imagem do cidadão nunca se confundiu com a do religioso, o que talvez tenha permitido o mesmo atuar dentro ou fora da política de maneira idônea, acima de tudo.
Imagem do periódico A Gazeta, de 24 de agosto de 1929, onde o nome de Zélio era apresentado pelo partido governista. Zélio Contava com 38 anos na ocasião.
Cento e onze anos depois da anunciação da Umbanda em São Gonçalo, poucos se recordam da pessoa de Zélio de Moraes e da participação que teve na cidade. A Umbanda ganhou o Brasil inteiro enquanto que seu anunciador se tornou uma pequena rua no bairro do Porto Novo. Hoje, em 2019 talvez o cenário para a Umbanda seja desolador. Diversos terreiros, centros e tendas vem sofrendo ataques Brasil a fora. Recentemente um terreiro foi atacado em São Gonçalo. Quando postei sobre o ocorrido em meu perfil pessoal, me perguntaram o que esse caso de ataque tinha relacionado com a história de São Gonçalo. Bem, tem tudo. A Umbanda, como religião, é um dos elementos que agrega mais facilmente as diferentes linhas culturais do Brasil. É ela que deu passagem aos espíritos que eram deixados de lado nas sessões da Federação Espírita Brasileira no início do século XX e ela está intimamente ligada a história de São Gonçalo.
Zélio ao lado de sua esposa, Maria Isabel Morse de Moraes. Acervo TENSP.
Cento e onze anos depois, talvez o principal legado quanto a história do Zélio de Moraes seja sua participação como cidadão e como religioso, de maneira harmoniosa. Os últimos anos de Zélio foram longe de sua terra natal, mas, sua marca ficou ligada para sempre em São Gonçalo, uma história de espiritualidade e cidadania, caminhando lado a lado.
Referências:
A Noite, 1930-39
Diário de Notícias, 1930-39
Jornal do Comércio, 1920-29
O Fluminense, 1920-29
Jornal Extra, Outubro de 2011.
BBC, Junho de 2018.
A Umbanda Nasceu aqui, Jorge Nunes, 2016.