Nina Rodrigues e o pensamento eugênista: raiz do preconceito étnico-racial no pensamento brasileiro.
Luan Reis da Silva
Resumo:
O presente artigo busca a partir de reflexões da atualidades identificar permanências em relação ao preconceito racial no Brasil. Propomos um debate em relação a historiografia positiva e o pensamento eugênico, utilizando do pensamento de Nina Rodrigues enquanto fonte deste tipo de ideia cientifica, buscando identificar o alicerce do preconceito cultural e religioso. o artigo está dividido em: “Ciência positiva e Eugênia de mãos dadas: instrumentos “científicos” de legitimação do Racismo estrutural no pensamento brasileiro”; “Pensamento de Nina Rodrigues em relação a cultura e religião afro-brasileira”; “Complexidade da figura arquetipica de Exú”.
Palavras-chave: Eugênia, Positivismo, Mitologia Iorubá.
Introdução:
O ano de 2019 foi marcado por inúmeros ataques aos terreiros de Candomblé e Umbanda. Não é de se estranhar ler esse tipo de noticia, apesar de ser atitudes inadmissíveis vivemos em um país que tem enraizado inúmeros tipos de preconceito, seja de credo, étnico-racial, gênero ou classe. É importante entender como a onda conservadora neopentecostal -que atinge atualmente o Brasil- são legitimados. Não obstante, temos um presidente eleito propagando inúmeros discursos de ódio e preconceito, demonizando tudo e todos que não se enquadram na lógica heteronormativa, étnica, cristã e de classe. “Deus acima de tudo, Brasil acima de todos”1, com esse slogan já podemos identificar o projeto homogeneizador em curso em nosso país. Que Deus é esse que está acima de tudo? Os deuses dos panteões dos povos indígenas e povos negros estão nesse conceito de “Deus”? Esse Brasil que está acima de todos, é o país multiétnico? Multicultural? Que possuí inúmeras identidades? Complexo em suas relações? Os seguidores de tais doutrinas sentem-se legitimados a atacar outras cosmogonias, seja pelo discurso político ou religioso dentro das igrejas evangélicas.
Os ataques ocorreram para além do campo simbólico, acometendo também os corpos e instrumentos de culto dos praticantes de outra visão cultural e religiosa, um total desrespeito com as pessoas que partilham dessa cultura e crença. Segundo o Babalawo Ivanir dos Santos 2, em entrevista a Folha de São Paulo, em setembro deste ano a comissão de combate a intolerância religiosa recebeu um total de 200 casos de ataques à terreiros. Inclusive a cidade de Campos dos Goytacazes, ocorreu um grande número desses ataques; os “traficantes de Jesus” obrigaram inúmeros terreiros da região a fechar as portas, com o discurso de que essas pessoas são adoradoras do “Diabo”. Que tipo de pensamento está norteando esses ataques? Por que o racismo religioso continua tão presente em nossa sociedade? Na tentativa de elucidar essas questões, precisamos nos debruçar sobre a história, pois a partir dos processos históricos conseguiremos refletir que tipo de memória e estigmas são deixados pela sociedade.
O presente artigo busca analisar criticamente o pensamento eugenista no Brasil, a partir da leitura do livro de Nina Rodrigues “Os Africanos no Brasil”, relacionando com a historiografia positiva, a qual pode ser entendida como um instrumento de legitimação das religiões de matriz africana, como diz na matéria da Folha de São Paulo.
do preconceito étnico-racial e religioso; afinal essa cultura tem cor e classe. Tentaremos apontar os perigos que estão amalgamados no pensamento de uma única história e cosmogonia da humanidade; e a forma como a persistência de preconceitos foram desenvolvidos e legitimadas pelo progresso cientifico.
Ciência positiva e Eugênia de mãos dadas: instrumentos “científicos” de
legitimação do Racismo estrutural no pensamento brasileiro.
O positivismo foi uma corrente filosófica. August Comte (1798-1857), Francês, foi o fundador e um dos maiores representantes deste tipo de pensamento, no século XIX. A historiografia deste período, no intento de fazer com que a História fosse legitimada enquanto ciência, partilha dos pensamentos da filosofia positiva. Segundo José de D´Assunção Barros, os positivistas buscavam escrever a história a partir da objetividade; na escrita de uma “história universal” da humanidade; pautada na “imparcialidade” do sujeito produtor do conhecimento. Para ele três aspectos são essenciais para o entendimento deste conceito histórico: “Objetividade”, “padrão metodológico” (de acordo com o modelo das Ciências Naturais) e a neutralidade –do sujeito- na produção do conhecimento histórico. Essa linha de pensamento, recebe influência direta do Iluminista do século XVIII. Para Barros, o pensamento positivo acrescenta o conceito de ordem, fazendo com que tenham uma caracteristica conservadora ao movimento.
Em meados do séc XIX, o evolucionismo historicista torna-se uma tendëncia importante e exemplificam-se nas obras dos historiadores Taine, Renan e Buckle, contribuem consolidação do movimento.
A História da civilização na Inglaterra, publicada por Henry Thomas Buckle (1821 – 1862) em 1857, por exemplo, está repleta de referências à ideia de “progresso” – geralmente relacionada aos avanços tecnológicos e ao conjunto das explicações científicas para os diversos fenômenos naturais e sociais – e também aparecem as referências aos “estágios da civilização”, estabelecendo-se uma hierarquia entre sociedades que situam a Europa no topo das civilizações e situando os povos americanos e africanos em uma escala inferior, primitiva.
A partir dessa visão hierarquizada dos povos, onde os europeus estão no topo da pirâmide evolutiva, vemos como a História deste período, foi utilizada como instrumento legitimador para a colonização de povos que possuíam outras visões de mundo. Visões não ligadas a produção industrial, ao capitalismo, à burocracia do Estado moderno e a superioridade do humano a natureza. Sob o estigma do atraso dos povos não europeus, o Brasil estaria fadado à selvageria, pois grande parte da sua população era mestiça, a miscigenação vira um conceito de disputas e legitimação colonizadora. A eugenia é o conceito utilizado por médicos, para a validação da inferioridade das populações não brancas. Possuindo inúmeros adeptos no Brasil. Analisaremos o conceito de eugenia no Brasil, fazendo a sua relação com a História positiva.
Na introdução do livro “Raça Pura” de Pietra Diwan, a autora nos convida a entender a eugenia como uma disciplina (pseudo) cientifica, onde busca realizar o “método de seleção humana baseada em premissas biológicas” (Diwan, 2007, p. 10). A autora utiliza da “metáfora da árvore” para exemplificar as disciplinas que estão na raiz do pensamento eugênico. Pietra Diwan diz “genética, antropologia, estatística, genealogia, biografia, medicina, psiquiatria, cirurgia, economia, leis e testes mentais figuram entre as disciplinas dispostas nas raízes dessa árvore eugênica” (Diwan, 2007, p. 14). A História, nesta perspectiva, estaria em segundo plano, pois neste ideário social a escrita da História estaria ligada aos grandes feitos. Proposta similar ao da historiografia positiva, dá grande História, da busca por leis gerais com base nas ciências naturais, como exposto no inicio deste artigo. O pensamento eugênico está totalmente ligado a dominação e exclusão do que na ideia cientifica estava emparelhada aos povos não evoluidos, aos não brancos, não europeus. A preocupação dos médico-cientistas estava no melhoramento da raça humana, tendo em voga questões como: “os fenômenos ligados à população, tais como epidemias, a miséria e o trabalho industrial, criarão novas estratégia de controle do corpo” (Diwan, 2007, p. 14).
A entrada do pensamento eugenico no Brasil, ocorreu a partir de viagens dos filhos da elite imperial brasileira à Europa, também a partir das expedições cientificas que vieram ao país. Segundo essa perspectiva, o Brasil não conseguiria chegar ao progresso, pois os povos daqui eram mestiços. De acordo com este pensamento, a mestiçagem era um fator anti-evolutivo, pois a mistura faria com que os genes mais fracos permanecessem nas raças, gerando defeitos e imperfeições, seja no biológico ou no cultural/religioso. Apesar das raças brancas, indigena e negra serem consideradas raças puras, havia a superioridade da raça branca, identificado pelo “progresso” cientifico e tecnologico europeu. Segundo Pietra
A constatação, por parte dos europeus, da impossibilidade de progresso do Brasil dada a sua composição racial criou na intelectualidade brasileira a necessidade de formar uma concepção sobre o Brasil. O sucesso do positivismo de August Comte na Europa inspirou também muitos pensadores brasileiros. A filosofia positiva preconizava a reforma da sociedade tendo em vista seu funcionamento racional, tal qual um organismo ou máquina. (Diwan, 2007, p. 10)
Podemos identificar que essas duas correntes partilhavam inúmeros preceitos. A cultura popular com raízes africanas, pode ser entendida a partir desse pensamento enquanto atrasada, pois os negros, apesar de serem igualmente uma raça pura, eram inferiores aos brancos. A inferioridade dessas raças está ligada a perspetiva de falta da racionalidade, e por possuirem uma organização social e cultural diferentes dos padrões europeus; os povos africanos possuíam um outro tipo de relação com o mundo. A ciência -seja humana ou natural- portanto legitima o racismo estrutural durante esse período histórico. Podemos identificar na nossa sociedade a permanência deste pensamento, principalmente no que concerne as identidades culturais não hegemônicas, legado dos Indios e Africanos, persistindo ao longo do tempo através dos mestiços. Para o grupo chamado “Escola Nina Rodrigues”, que partilhavam desta ideia, a miscigenação era a razão para a criminalidade, loucura e doenças. Prosseguiremos agora analisando o pensamento de Nina Rodrigues no livro “Os Africanos no Brasil”, dando foco às questões relacionadas a cultura e religião de matriz africana, tentando identificar como esse grupo étnico era enxergado pela intelectualidade e sociedade brasileira do fim do século XIX, início do XX. Identificando também as rupturas e continuidades deste tipo de pensamento no Brasil contemporâneo.
Pensamento de Nina Rodrigues em relação a cultura e religião afro- brasileira
Nina Rodrigues (1862-1906) escreve a partir da lógica eugenista. Lógica legitimada pela Ciência que buscava o progresso e a ordem. A aplicação do conceito de Darwin as questões sociais, fizeram com que não pudéssemos compreender a complexidade que compõe as relações sociais. Utilizo-me do conceito de complexidade de Edgar Morin para refletir sobre a temática proposta.
Segundo Morin a ciência positiva de certa forma e questões individuais e singulares, buscando compreender apenas o todo, focando em leis gerais, analisando às questões cientificas a partir de identidades simples e generalizantes esquecendo das especificidades dos grupos identitários. Amalgamados na ideia de progresso das sociedades, tendo como exemplo o desenvolvimento científico e tecnológico europeu. Para o autor é extremamente necessário o entendimento de questões gerais, mas para a compreensão da complexidade das relações sociais, é necessário o entendimento do micro e a relação com o macro, que em muitas vezes podem ser antagônicas.
Analisando o contexto histórico em que o autor está escrevendo, compreendemos a partir de que perspectiva os sujeitos históricos estão produzindo conhecimento. Sabemos que somos homens do nosso tempo, como diz Marc Bloch, por este motivo deduzimos o compartilhamento de visões de mundo, pautada na ciência, cultura, economia do período histórico estudado. Consequentemente, enxergamos que este tipo de pensamento pode estar ainda cristalizado em alguns extratos da sociedade.
No capítulo VI (“Sobrevivências totêmicas: festas populares e folk-lore”) do livro “Os Africanos no Brasil”, Nina Rodrigues faz uma análise etnográfica em relação as festas e cultura negra, enquadrando enquanto folclore, algo do imaginário, inferior. Apenas nesse enquadramento da cultura do outro -enquanto folclore- podemos identificar a relação de hierarquização cultural. A cultura hegemônica europeia não considera as culturas de classes populares ou de povos com outro tipo de cosmogonia enquanto legitimas, adjetivando essas culturas enquanto atrasadas; do bárbaro; da selvageria. Segundo a concepção gramsciana é indissociável cultura e linguagem, a partir disso, podemos identificar como as palavras para expressar a cultura de outrem trazem pejorativamente ideias, por sua vez, essas ideias legitimam a inferioridade/superioridade de diversas culturas.
Neste capítulo o autor está relacionando a sobrevivência do “Totemismo” na sociedade brasileira, a partir das festas populares e do “folk-lore”. Para Nina a organização das mitologias negras estava ligado ao estado mental dos “selvagens”. Para a psicologia deste período, os selvagens são os homens que
“Estendendo inconscientemente a todo o Universo a consciência obscura que tem da própria personalidade, considera todos os objetos naturais como seres inteligentes e animados; que, sem tirar uma linha de demarcação bem nítida entre ele e todas as coisas que existem neste mundo, facilmente se convence que os homens podem ser transformados em plantas, em animais ou em estrelas, que os ventos e as nuvens, o sol e aurora são pessoas dotadas das paixões e qualidades humanas e sobretudo que os animais podem ser criaturas mais poderosas do que ele próprio e, em certo sentido, divinas e criadoras.”(Rodrigues, 2010, p. 197.)
A mitologia Ioruba propõe uma outra relação entre “humano x natureza”, compreende que somos parte da natureza, da mesma forma que as árvores, mares, rios e tudo que está no universo. A ideia hegemônica desse período é dicotomica, pois o humano é posto exterior a natureza que lhe certa. Segundo a mitologia cristã, “Deus” criou o “homem” a sua imagem e semelhança, dando-lhe “autoridade” de “reinar” sobre o meio natural. Segundo Gêneses Capítulo 1, versiculo 26:
“E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se move sobre a terra.
27 E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou.
28 E Deus os abençoou e Deus lhes disse: Frutificai, e multiplicai-vos, e enchei a terra, e sujeitai-a; e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre todo o animal que se move sobre a terra.”
A partir deste versiculo podemos identificar como a visão cristã ocidental em relação a natureza foi adaptada ao evolucionismo do seculo XIX. Uma relação baseada na dominação do humano sobre o natural; associada a ciência e ao progresso. Os Iorubas possuíam uma visão antagônica, enxergavam o humano enquanto parte do meio natural, não exterior. Nina relaciona esse tipo de visão a não evolução dos povos e ao “ser” selvagem, sendo eles totemicos. No ponto de vista social, o selvagem é o homem que faz repousar suas leis sobre as regras bem definidas do totemismo, isto é, do parentesco do homem com os objetos naturais, e que se apóia sobre o caráter sagrado desses objetos para motivar as interdições em matéria de casamento e as vinganças obrigatórias (blood-feuds), que faz da habilidade na magia um título a uma posição elevada. (Rodrigues, 2010, p. 197.)
Podemos detectar como a antropologia do fim do século XIX, início do XX estava imersa também no pensamento positivo, pois a etnografia empreendida por Nina Rodrigues está envolta em uma descrição carregada de preconceitos em relação a cultura do outro. Segundo Clifford Gueertz para uma interpretação densa da cultura, é necessário entender as relações culturais enquanto uma teia de significados, lendo as relações enquanto um texto. Por sua vez o etnógrafo em campo procura entender as significações de determinados pensamentos culturais em que estão estudando. Muito diferentemente do que é empreendido por Nina Rodrigues, em que hierarquiza a diversidade cultural, rebaixando a cultura negra ao atraso. Analisaremos na próxima parte do artigo o discurso de Nina Rodrigues, ressaltando as questões referentes às religiões de matriz africana, o olhar do autor sobre essas religiões, contrapondo está visão com a mitologia Ioruba. Utilizaremos a fala do autor acerca do Orixá Exú, sendo considerado -até nos dias atuais- pela cristandade como o “Diabo”.
Complexidade da figura arquetípica de Exu
Nina Rodrigues inicia o capitulo VII (“Sobrevivências religiosas religião, mitologia e culto”) dividindo a questão religiosa brasileira em três conjuntos, por sua vez esses conjuntos estão relacionados a uma hierarquia evolutiva. O primeiro conjunto está relacionado ao monoteísmo católico, para ele é a forma religiosa mais elevada e praticada por uma pequena parcela da população brasileira. O segundo conjunto está relacionado a idolatria dos Santos Católicos, abrange a massa popular (Brancos, Mestiços e Negros), de acordo com o autor mais inteligentes do que os praticantes do terceiro conjunto, mas inferior ao modelo monoteísta do primeiro. O terceiro conjunto está ligado ao “animismo Negro”, nas crenças da mitologia Ioruba do homem enquanto parte da natureza. Segundo Rodrigues:
“Vem finalmente o fetichismo estreito e inconvertido dos africanos das tribos mais atrasadas, dos índios, dos Negros crioulos e dos Mestiços do mesmo nível intelectual. Naturalmente estas camadas espirituais não têm senão os limites que lhes impõem a abstração e a análise e por toda parte se fundem e se penetram.” (Rodrigues, 2010, p. 241.)
Podemos fazer um paralelo em relação ao preconceito ainda existente na contemporaneidade em relação as religiões de matriz africana, esse tipo de pensamento aceito e muito difundido no período histórico em questão podem ser evidenciados enquanto raizes do racismo religioso. Falaremos de uma personagem muito complexa do panteão Iorubá, Exú. Figura complexa, pois carrega em si inúmeros antagonismos, sendo relacionado inclusive pelos não praticantes da religião enquanto o “Diabo”.
Segundo a concepção de Nina Rodrigues, Elegbará está associado aos “prazeres da sensuais” e da “luxúria”. Está concepção não é de todo incorreta, mas essa personagem carrega muitos outros significados. Existe uma complexidade na identidade de Exú, diferentemente desta visão superficial e pejorativa. Para entendermos intrisecamente está figura, precisamos decifrar o arquétipo envolto a ela. Segundo Verger, o arquétipo dos Orixás nos povos iorubanos estava ligada a ancestralidade, a familia e aos laços sanguinios. Com a vinda desses povos para a América ocorre uma resignificação, por conta da intercessão de diversos povos africanos. Para os mestiços praticantes das religiões de matriz africana, esses laços ocorrem a partir de “afinidades de temperamento”, personalidade individual que corresponde ao arquétipo do Orixá. Segundo Verger
“Podemos chamar essas tendências de arquetipos da personalidade escondidas das pessoas. Dizemos escondidas porque, não há nenhuma dúvida, certas tendências inatas não podem desenvolver-se livremente dentro de cada um, no decorrer de sua existência, se elas entrarem em conflito com as regras de conduta, admitidas nos meios em que vivem. A educação recebida e as experiências vividas, muitas vezes, são as fontes seguras de sentimentos de frustração e de complexos, e seus consequentes bloqueios e dificuldades.” (VERGER, 1990, p. 34)
Entendendo basicamente a relação arquetipica entre os Orixás e os adeptos das religiões, falaremos especificamente do arquétipo de Exú (Elegbará). Exú é considerado um deus Trikster, mensageiro do mundo dos deuses ao mundo humano. É associado, segundo Ford, enquanto o “guia interior”, levando a percepções e revelações transformadoras de hábitos limitantes. Por este motivo é o Orixá dos caminhos –abrindo ou fechando eles-, o senhor das encruzilhadas. Para pensar a encruzilhada podemos entender enquanto um local que possuí quatro entradas e saídas, que podem levar para outros espectros de vida. Exú tem em si a conotação da travessura, do pregador de peças, que em muitas vezes pode ser entendidas enquanto maliciosas, mas são carregadas de aprendizados e questões morais; possuí também a conotação sexual, como Nina relaciona em seu livro. Segundo Ford “A sexualidade é, evidentemente, o grande fator de motivação oculto dos homens e mulheres, e a intenção de Exu é desvelar e expor nosso relacionamento a essa dinâmica energia vital.”(FORD, 1999, p. 225)
Dessa forma, podemos identificar que esse Orixá trabalha sendo “a própria personificação da energia vital sexual” (FORD, 1999, p. 225). Ligado aos ciclos de ruptura e continuidade do sujeito em vida. Equilibrio entre as antagonias da personalidade humana. Ford concluí sua análise em relação ao arquétipo de Exú da seguinte maneira:
Exu é o grande mediador das forças contrárias da vida. Ao negociar com os deuses, como faz com frequência nos mitos iorubanos, ele reafirma um equilíbrio, por exemplo, entre a compaixão de obatalá e o espírito guerreiro agressivo de Ogum. E, se esses deuses estão dentro de nós, então Exu representa o caminho interno que contrabalança todas as tendências opostas da nossa personalidade e, talvez, exija um empenho tão obstinado e capaz de abalar uma situação quanto o velho que passou entre os pretensos grandes amigos. (FORD, 1999, p. 225)
A partir de uma compreensão mais profunda em relação aos mitos iorubanos, identificamos como o pensamento de Rodrigues é inconsistente em relação a complexidade de significações dos mitos das religiões de matriz africana. Mas em um tempo onde o progresso e a hierarquização dos povos era hegemonica, compreendemos a partir de que lugar o autor fala e, podemos identificar permanências neste tipo de pensamento.
Considerações finais:
Tentamos ao longo do artigo pensar em como os preconceitos estruturados em nossa sociedade foram legitimados, a partir da ciência e do pensamento colonizador. Existem inúmeros pontos que necessitam de um aprofundamento, visto que é um tema extremamente complexo. Podemos identificar que existem inúmeras continuidades em relação ao pensamento eugenista no Brasil,pensamento esse que precisa ser questionado e refutado a partir da reflexão entre teoria e prática. O conhecimento é libertação, sem conhecer a cultura do outro caímos em uma armadilha, pois acreditamos em uma única forma de existência, a humanidade é muito mais complexa em suas relações e não podemos acreditar em verdades absolutas, totalizantes.
Notas:
1 Slogan utilizado pelo presidente eleito em campanha.
2 Históriador e provavelmente umas das maiores referências acadêmica sobre a história de perseguição.
3 Orixá do pateão Iorubano. Podem ser associados a Exú o nome: Elegbará.
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