Vencida a última duna do deserto, chegou a Babelônia a caravana dos mineiros que iam perfurar a abóbada celeste. Desapeados dos camelos e dos dromedários, os homens descarregaram as ferramentas do lombo dos onagros e se dirigiram para o acampamento ao pé da Torre. Lá se confraternizaram com os pedreiros que tinham terminado sua construção, depois de séculos de trabalho e gerações de trabalhadores.
Afinal a Torre ultrapassara as esferas concêntricas de cristal sobre as quais giravam, ao redor da Terra, as estrelas e os planetas. Erguida para além dos astros, a Torre alcançara a abóboda celeste, que cabia agora aos mineiros perfurar. Convocados para o supremo desafio, dependia deles a realização do sonho último dos homens: adentrar os campos do Senhor. No acampamento ao pé da Torre, nos preparativos para os meses de escalada, Aegon, o chefe dos mineiros, conversou com um dos sábios que os assistiam.
– Porventura, não será contrário ao desígnio divino esse avanço para além dos limites do degredo terrestre? – perguntou Aegon.
– Devemos usar os talentos que o Senhor nos deu, para ir ao seu encontro – respondeu o sábio.
– Ainda assim, a volta ao paraíso perdido, não significa um desafio à Lei?
– O ser humano foi feito para buscar o paraíso.
Aegon e seus mineiros escalaram a Torre de Babelônia, degrau por degrau, ao peso das ferramentas com que, pela primeira vez, escavariam para cima. Pelos postigos e ventanas, eles viam a cidade, os campos e os desertos como formas cada vez mais distantes, progressivamente diluídas nas névoas, até que tudo foi encoberto pelas nuvens. Meses depois, no cume da Torre, os mineiros tocaram com as mãos o cristal de gelo da abóbada, pouco acima de suas cabeças.
Começaram com pequenas perfurações e foram aumentando o túnel, primeiro verticalmente, depois abrindo galerias horizontais. Sempre escavando, para cima e para os lados, os mineiros deixaram a Torre e enveredaram pelo mundo de cristal da abóbada, através da rede de passagens, do labirinto de túneis que produziam com incessante trabalho. Muito próximos no começo, os mineiros foram se dispersando, cada um ampliando uma ala, aprofundando um corredor, até que pouco se viam ou se falavam.
Amei a edição! A imagem escolhida para ilustrar agrega significâncias ao texto!
Obrigada, Afonso.
É um prazer e uma honra publicar seus trabalhos literários.
Esse texto é muito rico e instigante, o que me inspirou a escolher
uma ilustração do polonês Igor Morski,
designer gráfico surrealista.