Silmar Leila dos Santos
Há um raciocínio bem lógico, porém, ainda de pouca compreensão para alguns cidadãos/ãs brasileiros/as e que se pauta na seguinte premissa: o fato de eu frequentar um consultório médico periodicamente, desde que eu nasci, não me dá a certificação para que eu saía por aí, indicando remédios ou tratamentos médicos a parentes e amigos. E essa premissa também vale para os casos de tratamento odontológico, pois, por mais que eu seja atendida há mais de 30 anos pela mesma cirurgiã dentista, esta visita frequente a um consultório dentário, não me permite dizer que sou uma dentista e muito menos opinar sobre a qualidade da amálgama que cobre o buraco do meu dente.
Este primeiro parágrafo pode parecer meio que sem sentido para você leitor/leitora, no entanto, trata-se de uma metáfora referente à facilidade com que algumas pessoas, públicas ou não, têm de opinar sobre as mais diversas profissões sem, no entanto, serem habilitados para exercê-la, pois nunca estudaram para que este exercício pudesse ocorrer de fato.
Entre as profissões que mais sofrem com tais interferências, comentários e até mesmo julgamentos está, sem dúvida, a de professor/a, pois, diferentemente do médico e do dentista que se caracterizam socialmente como profissões mais “nobres” e, consequentemente, acabam recebendo um pouco mais de respeito social, um/uma professor/a tende a sofrer muito mais interferências em seu trabalho principalmente pelo fato de que, para se se exercer qualquer outra profissão, espera-se que os/as cidadãos/ãs brasileiros/as passem, pelo menos 14 anos cursando a educação básica (educação infantil/ensino fundamental/ensino médio – dos 4 aos 17 anos). E, diferentemente de quem frequenta, algumas vezes por ano, um consultório médico ou de um dentista, um/a estudante da educação básica, deverá frequentar o ambiente escolar por pelo menos 200 dias letivos, o que corresponde a aproximadamente 55% do tempo referente há um ano, tendo contato direto com pelo menos um professor ou professora. Entende-se, portanto, que essa proximidade cause uma sensação de “intimidade” com a profissão docente, fazendo com que alguns desses alunos e alunas ou até mesmos, seus pais e responsáveis, venham a entender que já possuem condições de opinar sobre a profissão e mesmo sobre os procedimentos dos profissionais com quem possuem contato. Contudo, essa proximidade não é de todo mal, até porque a profissão docente tem como objeto de trabalho alunos e alunas que já integram uma comunidade e esse fator é de extrema importância, principalmente em unidades escolares da esfera pública, pois, uma educação de qualidade está sempre pautada em uma gestão democrática, onde todos e todas têm direito de se manifestar em prol do bem estar da maioria. Exemplo disso é que centenas de escolas de periferia ou de regiões interioranas do Brasil, só existem devido ao esforço dos membros de suas comunidades e da constante pressão junto ao poder público.
Feitas essas considerações, exponho agora o que de fato levou-me a escrever este artigo: no dia 20 de maio é comemorado o dia do Pedagogo, ou seja, é comemorado o dia do/da professor/a que entre tantas outras funções (diretor de escola, supervisor escolar, coordenador pedagógico, pedagogo hospitalar, etc), tem o nobre objetivo de ensinar crianças e adultos a lerem e escreverem. Para alguns, talvez o termo Pedagogo soe estranho, mas simplificando: o/a Pedagogo/ Pedagoga é aquele/aquela professor/a que recebe as crianças ainda na educação infantil (lá na creche ou CEI!); é aquele/aquela que atende e cuida das crianças lá na pré-escola (EMEI), e que também atende as crianças lá no ensino fundamental, ensinando-as a escrever seu próprio nome, a ler, a fazer as primeiras contas de matemática e que atende alunos e alunas até o 5º ano, mas que também podem ensinar a jovens e adultos que, por alguma razão, não tiveram como aprender a ler e escrever quando foram crianças.
A data de 20 de maio foi estabelecida como comemorativa para os Pedagogos, por meio da Lei 13.083, de 08 de janeiro de 2015, para lembrar sobre a importância do ato de ensinar, buscando promover valorização social e visibilidade ao trabalho de milhares de pedagogos de todo Brasil. Contudo, neste ano (2020), o dia do Pedagogo foi marcado pela exposição pública da fala de um médico que, via redes sociais, expôs sua opinião sobre os professores brasileiros, referindo-se especificamente aos pedagogos e bradando que:
“PROFESSORES NÃO TRABALHAM, APENAS SE CANSAM, POIS NÃO SABEM O QUE ESTÃO FAZENDO” …
“O PROFESSOR NO BRASIL NÃO SABE ENSINAR, PORQUE É BURRO!”…
“OS SUJEITOS QUE ESTÃO NO 3° ANO DO ENSINO MÉDIO QUE VÃO FAZER PEDAGOGIA, SÃO OS ALUNOS MAIS BURROS!”…
“PEDAGOGO É BURRO!”…
Confesso a você, leitor/leitora, que reproduzir tais opiniões aqui, está me causando um tremendo desconforto, igual o maior do que ter assistido ao vídeo que, provavelmente, circulou por todo país. Porém, creio que se faz necessário utilizar este espaço para promover uma resposta EDUCADA a este senhor que se mostra totalmente desinformado sobre a profissão docente, mas que por ter passado alguns anos de sua vida dentro de escolas, acredita ter obtido habilitação para julgar a nossa profissão.
BREVE PERFIL DOS PROFESSORES BRASILEIROS
Segundo dados do censo escolar de 2019,
foram registrados 2,2 milhões de docentes na educação básica brasileira. A maior parte deles atua no ensino fundamental (62,6%), no qual se encontram 1.383.833 docentes. Do total de docentes que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental, 84,2% têm nível superior completo (80,1% em grau acadêmico de licenciatura e 4,1% de bacharelado) e 10,6% têm ensino médio normal/magistério. Foram identificados, ainda, 5,2% com nível médio ou inferior.
Os dados acima nos revelam que, para se tornar um/a professor/a, diferentemente do que pensa aquele médico pouco informado (e pouco educado!) é necessário se estudar. E muito! E para apenas exemplificar a necessidade da dedicação nos estudos que um Pedagogo necessita ter, fiz um levantamento rápido das disciplinas que um estudante de pedagogia precisa cursar, no período que em média é de 4 anos. Para esse levantamento, paute-me no Ranking de Universitário Folha (RUF), de 2019, onde analisei as grades curriculares das 10 primeiras universidades consideradas as que possuem os melhores cursos de Pedagogia do país, diante dos seguintes critérios: avaliação no mercado de trabalho dos já formados; qualidade de ensino; professores mestres e doutores da instituição; nota dos estudantes concluintes no Enade; professores com dedicação integral à instituição e a avaliação dos docentes. Assim, segundo este ranking, os dez melhores cursos de Pedagogia, oferecidos em 2019, eram da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais); da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro); da UNESP (Universidade Estadual Paulista); da USP (Universidade de São Paulo); da PUC/SP (Pontifícia Universidade Católica); da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas); da UFF (Universidade Federal Fluminense); da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul); da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e da UNB (Universidade de Brasília). Para formar-se pedagogo em uma dessas instituições, cabe ao estudante se dedicar a inúmeras e diferentes disciplinas, uma vez que cada instituição possui autonomia para organizar sua grade curricular, no entanto, algumas disciplinas são básicas e acabam se caracterizando apenas pela mudança de nomes. Segue a lista das mais comuns:
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO
ARTE NO ENSINO FUNDAMENTAL
AVALIAÇÃO
CONTEÚDO E PRÁTICA DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
CONTEÚDO E PRÁTICA DE ENSINO DE MATEMÁTICA
CONTEÚDO, METODOLOGIA E PRÁTICA DE ENSINO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CONTEÚDO, METODOLOGIA E PRÁTICA DE ENSINO DE CIÊNCIAS
CURRÍCULO
DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
DIDÁTICA
EDUCAÇÃO ESPECIAL
EDUCAÇÃO INFANTIL: CRECHES
EDUCAÇÃO INFANTIL: PRÉ-ESCOLA
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
GESTÃO EDUCACIONAL
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
LIBRAS
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
POLÍTICA EDUCACIONAL
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO
TEORIAS DE CURRÍCULO
UM OLHAR SOB A CIDADE DE SÃO PAULO
Atuo como professora na rede municipal de São Paulo, desde o ano 2000, e também atuo como pesquisadora, desde 2006. Assim, ao buscar informações mais atuais sobre os docentes que hoje são meus colegas de trabalho, identifiquei que em outubro de 2019, a rede municipal de São Paulo, registrava mais de 66 mil educadores efetivos, dentre eles, professores, coordenadores pedagógicos e diretores de escola e supervisores escolares. Destes, 99% possuem nível superior e cerca de 50%, possuem especialização, mestrado ou doutorado. Em publicação realizada no site da Secretaria Municipal da Educação (SME) registra-se que:
o quadro do magistério municipal possui cerca de 60 mil professores que atuam na Educação Básica em Unidades Escolares de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Bilíngue para Surdos e Educação de Jovens e Adultos. Deste total, 29 mil profissionais já apresentaram títulos de especialista, 1.332 de Mestre e 116 de doutor.
CONTRIBUIÇÃO DO CURSO DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS
Em capítulo introdutório do livro: Direitos Humanos no chão da escola (Dietrich & Hashizume, 2017), a Profa. Dra. Ana Dietrich realiza excelente descrição sobre a importância histórica da promoção do curso de aperfeiçoamento em Educação em Direitos Humanos, para aproximadamente 500 cursistas, destes, registra-se que grande parte eram professores da rede municipal de São Paulo, com quem pude contribuir nesse processo de formação, exercendo a função de tutora presencial e também como professora do curso. Destaco aqui também, que o sucesso deste curso foi tão grande que, no ano de 2017, o curso que antes de era de aperfeiçoamento passou a ser oferecido como curso de Especialização e ofereceu 70 vagas para professores da rede municipal de São Paulo que já haviam realizado o curso de aperfeiçoamento.
Tal resgate se faz necessário, se considerarmos que a existência desta coluna está diretamente ligada ao sucesso de tal formação, uma vez que vários ex-cursistas hoje fazem parte do Grupo de Pesquisa Educação em Direitos Humanos da UFABC. Porém, minha intenção é ir um pouco mais além, ou seja, se coloca um pouco mais propositiva: estamos passando por tempos difíceis, onde o racismo, a intolerância e as marcas do fascismo estão, infelizmente, se fazendo presente em nosso cotidiano e onde muitas situações se caracterizam como violações aos direitos humanos. Contudo, há também muitas outras ações de combate e resistência a toda essa situação de adversidade e de manifestações de falta de educação e respeito ao próximo. E aqui, aproveito para deixar um convite para que visitem duas páginas no Facebook e possam entender melhor o que estou chamando de combate e resistência:
https://www.facebook.com/edhufabc/ e https://www.facebook.com/cursoafricanidades/
No entanto, antes de encerrar este artigo, há uma questão que gostaria de colocar para você, prezado/prezada leitor/leitora: diante da constatação de que sim, a grande maioria dos docentes deste país, buscam por uma formação de qualidade, não seria hora dos cursos de formação docente passarem a oferecer a disciplina de Educação em Direitos Humanos em suas grades curriculares? E quem sabe, num futuro próximo, podemos pensar em oferecer essa disciplina também nos cursos de medicina e em tantos outros, talvez em todos? Uma vez que, saber respeitar o próximo, é uma das principais premissas dos direitos humanos.
REFERÊNCIAS:
DIETRICH & HASHIZUME (Org). Direitos Humanos no chão da escola. Santo André (SP). Universidade Federal do ABC, 2017.
INEP. Censo da Educação Básica 2019. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/documents/186968/0/Notas+Estat%C3%ADsticas+-+Censo+da+Educa%C3%A7%C3%A3o+B%C3%A1sica+2019/43bf4c5b-b478-4c5d-ae17-7d55ced4c37d?version=1.0. Acesso em 01/06/2020.
PUCSP: Grade curricular Pedagogia. Disponível em: https://www.pucsp.br/graduacao/pedagogia#matriz-curricular. Acesso em 01/06/2020.
Repórter Diário. UFABC transforma em especialização curso de educação em direitos humanos. 27/06/2017. Disponível em: https://www.reporterdiario.com.br/noticia/2369372/ufabc-transforma-em-especializacao-curso-de-educacao-em-direitos-humanos/. Acesso em: 01/06/2020.
RUF (Ranking Universitário Folha). Disponível em: https://ruf.folha.uo l.com.br/2019/ranking-de-cursos/pedagogia/. Acesso em 01/06/2020.
SÃO PAULO (Município). Portal Secretaria Municipal de Educação. Disponível em: https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/metade-dos-professores-da-rede-municipal-de-sao-paulo-e-pos-graduada-com-titulo-de-especialista-mestre-ou-doutor/. Acesso em 01/06/2020.
UFMG. Grade curricular pedagogia. Disponível em: https://ufmg.br/cursos/graduacao/2353/91064. Acesso em 01/06/2020.
UFRJ. Grade curricular Pedagogia. Disponível em: https://siga.ufrj.br/sira/temas/zire/frameConsultas.jsp?mainPage=/repositorio- curriculo/9F8EDE63-92A4-F716-008D-59F18BE07B19.html. Acesso em 01/06/2020.
UNESP: Grade curricular Pedagogia. Disponível em: https://www.fclar.unesp.br/#!/graduacao/cursos-de-graduacao/pedagogia/programas-de-ensino/. Acesso em 01/06/2020.
UNICAMP: https://www.fe.unicamp.br/graduacao/pedagogia/grade-curricular
UFF: Grade curricular Pedagogia. Disponível em: file:///C:/Users/Silmar/Desktop/Le/REVISTA%20CONTEMPOARTES/EDI%C3%87%C3%83O%20REVISTA/MatrizCurricular2020_1591323917627.pdf. Acesso em 01/06/2020.
UFRGS: Grade curricular Pedagogia. Disponível em: http://www.ufrgs.br/ufrgs/ensino/graduacao/cursos/exibeCurso?cod_curso=582. Acesso em 01/06/2020.
UERJ: Grade curricular Pedagogia. Disponível em: http://www.ementario.uerj.br/cursos/pedagogia.html. Acesso em 01/06/2020.
UNB: Grade curricular Pedagogia. Disponível em: http://www.fe.unb.br/images/graduacao/FLUXO%20DIURNO.pdf. Acesso em 01/06/2020.
USP: Grade curricular Pedagogia. Disponível em: http://www4.fe.usp.br/wp-content/uploads/projetopoliticopedagogico2020online04fev.pdf. Acesso em 01/06/2020.