Cecília de Oliveira Prado
A invasão do espaço privado familiar que se viu, de forma nunca antes pensada, transformado em espaço escolar durante o período de isolamento imposto pela pandemia de Covid, trouxe aos pais novos desafios frente à educação de seus filhos.
Em nossas redes sociais e em nossas conversas encontramos muitos mais memes e declarações de pais sobre o papel de escolarização a eles destinado nesse momento do que notícias e/ou dicas sobre como proceder nessa nova empreitada.
Dentre os memes e piadas vinculadas destacam-se as que valorizam o papel da escola, especialmente o do professor, mas não há como não encontrar também as imagens “raivosas” divulgadas em grande número entre os familiares de alunos matriculados nas redes privadas que entendem ser injustiça a manutenção da cobrança das mensalidades escolares bem como a de pais de alunos de escolas públicas julgando como “folgados” os professores que continuam recebendo seus salários sem “dar aulas” – fato reiteradamente negado pelos professores que estão se reinventando nesse momento de momento de trabalho home office em que passam longos períodos (geralmente muito além de sua jornada) frente ao computador visando além de garantir o mínimo de conteúdo, manter o vínculo de uma convivência harmoniosa com seus alunos.
Ainda não sabemos quando retornaremos com aulas presenciais na educação básica, mas o longo período em que estamos em casa já nos fez identificar algumas premissas necessárias para manter a saúde mental de familiares com seus filhos dentro dessa nova realidade, e é sobre isso que vamos refletir a seguir.
Primeiro: cuidar dos filhos é fundamental, mas educação escolar não é a mesma coisa que educação domiciliar, o ambiente familiar deve ser preservado sem cobranças excessivas às crianças. Recordo-me de quando meu filho ingressou na primeira série do ensino fundamental, o ensino era bastante conteudista, assim como as extensas tarefas de casa encaminhadas diariamente, como resultado passei a ter nas nossas noites (único momento do dia que podíamos ficar juntos) momentos de stress, ele não conseguia concluir as tarefas, brigávamos, ele alegava fome, dor de cabeça, de barriga ou na perna e ia dormir sem concluir as tarefas e invariavelmente brigado comigo, só resgatei nossa relação quando decidi que alfabetiza-lo era tarefa da escola, a mim cabia apoiá-lo, pois nada que custe a integridade e a saúde mental de alguém vai surtir efeito positivo;
Segundo: em que pese nem escola ou família tenha se dedicado a utilizar a tecnologia digital como ferramenta permanente de estudo que desenvolvessem em nossas crianças e adolescentes a busca de uma autonomia acadêmica, no momento seu uso deve ser estimulado também como uma forma que favoreçam o acesso ao mundo exterior, assim, permitir e estimular o uso da tecnologia é fundamental para manter proximidade com avós, tios, padrinhos e madrinhas, amigos, etc.;
Terceiro: mantenha aberto canais para trocas com a escola pois eles podem encurtar caminhos na parceria com a escola, para tanto busque materiais e conteúdos indicados, conversar com professores e equipe gestora, compreender as expectativas escolares e manter seu filho estimulado quanto as propostas encaminhadas;
Quarto: pode ser muito confuso para as crianças identificarem que seu espaço doméstico de descanso e distração tenha se transformado num espaço escolar. É importante manter as características do ambiente doméstico estimulando aprendizagens acadêmicas e não acadêmicas, organizando a rotina das crianças de forma equilibrada. Limitar o tempo de estudo e avaliar tudo o que foi proposto é fundamental para não cair em rotinas engessadas e desestimulantes;
Quinto: atividades remotas tem um tempo distinto do tempo na escola, isso ocorre pelas características próprias do mundo virtual e também porque o nível de atenção muda de acordo com o ambiente, por isso desprender-se do tempo cronológico escolar pode ser necessário na organização do estudo em casa. A rotina a ser estabelecida, em que pese não siga o rigoroso horário escolar não pode confundir-se com a rotina das férias.
Sexto: busque recursos fora do ambiente virtual: leitura de livros de história, jogos de tabuleiro, instrumentos musicais, exercícios físicos, brincadeiras com animais de estimação, banhos de sol (nem que seja na janela), almoços/jantares juntos, tarefas domésticas, etc. Se nós adultos, com estruturas formadas, ficamos entediados com o isolamento social, imagine-se o quanto é difícil tal vivência para uma criança! Ter um rotina diversificada, minimizará o desgaste do excessivo tempo na residência.
Sétimo: elabore um portfólio/diário explicitando as rotinas e avanços adquiridos nesse período, vai ser divertido retomá-lo quando isso tudo passar.
Fundamental que não confundamos esse período de educação com a chamada educação domiciliar ou homeschooling, pois nesses modelos substitui-se a frequência a escola pela educação doméstica, onde a responsabilidade formal da educação dos filhos é assumida pelos pais ou responsáveis. Tal modalidade de ensino não é regulamentada em nosso país (todavia, desde 2019, tramita projeto de lei visando aprovação).
No momento, em nosso país a educação é regida pelo princípio constitucional de que Educação é dever do Estado e da Família, conforme seu artigo 205:
A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Constituição Federal, 1988).
É possível que, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, nunca se tenha exigido da família o que o momento atual demanda: vivenciar uma montanha russa de mudanças e sentimentos e ainda ter que atuar com coisas que não dependem só dela e ao mesmo tempo estão em suas mãos, sendo uma delas a de acompanhar diariamente o processo de aprendizagem de seus filhos, estando confinados dentro de suas residências e tendo que dar conta de todas as demandas que esse confinamento exige. Porém, acredito que a lição mais importante que os familiares obtiveram, até este momento, é a de que a tarefa de garantir a aprendizagem de nossas crianças e adolescentes não depende só da família e principalmente a de que a famílias, não estão sozinhas. Contudo, é importante que estejam cientes de que são elas, as famílias, as corresponsáveis pela educação de nossas crianças.
REFERÊNCIAS
Declaração dos Direitos da Criança, 1959.
Educação domiciliar: o homescholling deve ser permitido no Brasil? Disponível em: https://www.politize.com.br/educacao-domiciliar-o-homeschooling-deve-ser-permitido-no-brasil/ acessado em 29/06/2020.
MENDES, Rodrigo Hubner. Dicas da Austrália sobre a migração do espaço escolar para nossas casas. Disponível em: https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/rodrigo-mendes/2020/06/09/dicas-da-australia-sobre-a-migracao-do-espaco-escolar-para-nossas-casas.htm acessado em 20/06/2020.
RODRIGUES, Bruna. Filhos em casa: como as famílias podem apoiar a aprendizagem durante a suspensão das aulas. Todos pela Educação. Disponível em: https://www.todospelaeducacao.org.br/conteudo/Filhos-em-casa-como-as-familias-podem-apoiar-a-aprendizagem-durante-a-suspensao-das-aulas acessado em 29/06/2020.