O INTEGRALISMO NO ESTADO NOVO: Da instauração da ditadura ao levante de maio de 1938

Bruna Daniel Araújo Silva, Licenciada pelo Departamento de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional Universidade Federal Fluminense (UFF), de Campos dos Goytacazes. Atualmente cursando Mestrado em História (Área: Relações de Poder e Cultura) na  Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro na linha Relações de poder, linguagens e história intelectual.

O INTEGRALISMO NO ESTADO NOVO: Da instauração da ditadura ao levante de maio de 1938

Bruna Daniel Araujo Silva

RESUMO:

Com a instauração do Estado Novo, o integralismo, como movimento político, foi impedido de continuar atuando, tendo seu estatuto legal modificado para Associação Brasileira da Cultura (ABC). O presente artigo pretende apontar as manifestações de resistência dos integralistas ao impedimento político e a forma como reagiram à Ditadura Varguista.

PALAVRAS CHAVE: Integralismo, Estado novo, Getúlio Vargas, levante integralista,

  1. Introdução:

Este artigo tem por objetivo demonstrar como os integralistas se articularam frente ao Estado Novo, ressaltando as suas reações ao novo regime instaurado em 10 de agosto de 1937 pelo Presidente Getúlio Vargas, que impôs o fechamento do Congresso Nacional, o fim das representações por Partidos Políticos, constituindo-se como Ditadura.

Visando uma revisão bibliográfica, elenca-se de algumas teses, artigos e trechos de livros que abordam o momento delimitado pelos 6 meses entre a imposição do Estado Novo e a tentativa de deposição de Getúlio Vargas por um grupo diversificado, não apenas formado por integralistas, mas por militares descontentes e liberais.

2. Leituras sobre o contexto: do Estado Novo aos levantes de 1938

Autores, como Benzaquen de Araújo e outros chamam a atenção para o contexto mundial das crises econômicas e sociais das primeiras décadas do século XX, que envolveram o planeta em uma guerra imperialista, crise do liberalismo , ascensão de regimes fascistas na Europa e recrudescimento das afinidades políticas de diversos grupos políticos com regimes autoritários e ideais totalitaristas, antidemocratas e intolerantes. No Brasil, o movimento comunista se organizava a partir do Comintern, da organização da Terceira Internacional, cujo propósito era a expansão dos ideais e regimes comunistas.

No ano de 1935, os membros do Partido Comunista do Brasil e defensores da Democracia Liberal se organizaram com a Aliança Nacional Libertadora (ANL) para defender a participação política democrática ante a permanência de Vargas, desde o movimento conhecido como “Revolução de 30”, que depôs o presidente Washington Luís. Também, em 1935, levantes comunistas, a partir de quartéis de Recife, Natal e Rio de Janeiro, colocaram em atenção o governo e a sociedade conservadora brasileira diante de uma “ameaça comunista”.

A Ação integralista Brasileira (AIB), que se organizava desde 1932, como importante apelo católico e afinidades organizativas com os fascismos ascendentes na Europa e intensa propaganda anticomunista. No ano de 1936, o seguinte ao dos levantes, Marlena Chauí (1978) descreve-o como o “Ano Verde”, o do aumento de filiações e participação militante na AIB.

Analisando o momento, Dulce Pandolfi descreve:

 As revoltas foram debeladas rapidamente, mas o “perigo comunista” passou a ser utilizado como justificativa para o governo intensificar e aprimorar mecanismos de repressão e de controle da sociedade. Abrindo mão de suas prerrogativas, o Legislativo aprovou medidas que implicaram o fortalecimento do Executivo e que conduziram a um gradativo fechamento do regime. A escalada repressiva iniciada em 1935 teve como desfecho o golpe de 10 de novembro de 1937, que deu origem ao Estado Novo. “(PANDOLFI, S/D. pp 10).

Além disso, o país sofreu várias mudanças, algumas dessas, segundo Pandolfi, foi a transição agrário-urbano e industrial, fortalecimento das forças armadas, diminuição da autonomia dos Estados, entre muitas outras estratégias e leis para resguardar a soberania nacional e o poder de Vargas

Para Moraes, o Estado Novo seria basicamente um governo autoritário de partido único, que teria ideais anticomunistas, aproximação religiosa, entre outros que se aproximava muito do ideal de nação, homem e estado do integralismo e é disso que vem essa hipótese de ligação entre Vargas e o integralismo nesse novo governo. Houve a repressão por parte da polícia contra propagandas políticas; desenvolveu-se campanha nacionalista nas escolas radio, igrejas e imprensa, isso tudo na “tentativa de construção de um sentimento de uma unidade nacional”[i], ou seja, o Brasil não seria comandado mais de maneira regional, mas seria sim uma nação una.

Segundo Miranda, Salgado teria tido parte na negociação da manobra que conseguiria manter o poder de Vargas, mesmo sem o consentimento de alguns dos membros do integralismo, isso tudo foi na ilusão de que o integralismo seria uma das bases desse governo, sabendo disso podemos citar dois acontecimentos que demonstraram não só uma ajuda ao governo como também demonstração de um partido de massa em grande escala, que seriam o desfile de 1° de novembro e um evento de apoio ao presidente no jornal integralista  A Offensiva

Gilberto Calil aponta que os integralistas, com a imposição do Estado Novo, esperavam participar ativamente no novo governo. Mas não foi o que aconteceu, deixando claro que a extinção dos partidos políticos ia atingir também a Ação Integralista, Vargas teria apresentado, como compensação a Salgado, o Ministério da Educação.

Na análise de Guimarães, “nos períodos de crise (…) a democracia de partidos não oferece crescimento e progresso, pelo contrário “subverte a hierarquia, ameaça a unidade põe em perigo em perigo a existência da Nação, extremando as competições e acendendo o facho da discórdia civil “(GUIMARÃES, 1999. p 157 apud MIRANDA, 2009. P. 43).

Segundo Pereira, Vargas visava acabar com novas formações partidárias, pois considerava que essas representavam perigo para as instituições. Sendo assim, Plínio Salgado, segundo alguns autores, teria sido colocado em situação de ambiguidade frente ao novo governo, em que, numa tentativa de participação do mesmo, submeteria a Vargas a maior liderança da AIB,

O fim da AIB não teria afastado Salgado da tentativa de reconciliação com  Vargas, segundo Calil:

 Mesmo na clandestinidade, nos primeiros meses de 1938, o Integralismo, seguia contando com uma certa organização interna. De acordo com Silva e Carneiro, “a Ação integralista Brasileira guardara seus arquivos, preservara a sua estrutura, e mantivera – sob a clandestinidade- a Milícia que fizeram desfilar a 1° de novembro, frente ao futuro ditador para animá-lo a dar o golpe”” ( CALIL, .2010. pp 71).

A ambiguidade de Salgado em relação à adesão ao Projeto Varguista, que exigia o fim da AIB, assim como a imposição do seu fim por Vargas, provocou reações internas ao movimento, com o abandono de suas fileiras.

A desistência de alguns deveu-se, também, pelo entendimento de que a ordem hierárquica integralista perdera sua força pela ação governamental. Também, a reação à proibição da AIB e a campanha difamatória empreendida pela imprensa e por instâncias governamentais levou às movimentações integralistas contra o Governo impactaram a militância. Alguns integralistas se afastam do movimento, destruindo uniformes, armas, livros, periódicos etc.  A perseguição aos integralistas levou muitos à prisão e sedes foram depredadas.

3. Reações:

As manifestações dos integralistas fieis ao movimento se estenderam pelo ano de 1938. Este ano deveria ter sido iniciado pelas eleições presidenciais convocadas pelo Governo Constitucional de Vargas. Concorriam três candidatos: Armando Sales de Oliveira, pelo Partido UDB; José Américo de Almeida, como candidato do governo e Plínio Salgado que, a despeito da crítica ao modelo democrata liberal, candidatou-se pelo Partido da AIB, criado em 1935, no IIº Congresso Integralista realizado em Petrópolis. Com o pleito anulado pelo golpe do Estado Novo, as reações ao Governo instalado foram organizadas, visando a deposição do ditador.

A primeira aconteceu em março de 1938, liderada pelos integralistas Fernando Cochrane e Francisco Barbosa. O plano era a tomada dos Correios, Telégrafos, usinas  elétricas, Escola Naval e a Rádio Mayrink [ii]. Esse levante tinha ligação com outros Estados, mas acabou não dando certo devido a uma ordem falsa o que levou a um desfecho desastroso, tendo levado à prisão mais de 600 pessoas.

            O levante de 11 de maio de 1938 é o mais conhecido. Recebeu o nome de “intentona” , dado pelo próprio Governo e a pela mídia, A palavra “intentona” tem significado de  plano insensato ou ataque imprevisto. Tal termo não é utilizado pela maioria dos pesquisadores, preferindo o termo “putsch” (golpe ou tentativa de golpe) ou levante.

            O levante de 11 de maio de 1938 tinha o objetivo tomar o Ministério da Marinha, o Palácio Guanabara,  o Jornal do Brasil, entre outros setores tomados por “estratégicos” aos rebeldes. Porém, o plano arquitetado teve várias falhas, desde a desorganização, desistência de alguns integrantes, um de seus líderes foi o Tenente Severo Fourier, um liberal.

Severo Fourier, que liderou o ataque ao palácio Guanabara, sustentava que Eduardo Gomes também participava da conspiração, mas “decidiu abandonar o movimento, juntamente na sua antevéspera”. O general Castro júnior também confirmou ter sido o comandante militar do movimento, Já Euclides figueiredo confessou sua participação no movimento e foi condenado a quatro anos de prisão . Assim não é correto minimizar a participação dos integralistas, mas também é necessário reconhecer a participação destacada de não- integralistas, autoproclamados “liberais”” (CALIL, 2010. pp 73)).

            Mesmo com vários não integralistas envolvidos, a mídia descreveu o acontecimento como um golpe inteiramente integralista, numa tentativa de retirar a popularidade que o movimento ganhara durante a década de 1930. O ataque ao palácio que não teve segurança suficiente para proteção. Mas, com os reforços mandados pelos general Pinto e o chefe da  polícia Filinto Müller, resultou em mortes e feridos, conseguindo dissipar o ataque rapidamente, esse levante levou à prisão de vários integralistas e a reclusão de outros, incluindo Plínio Salgado que no início negou a sua participação.

 Descartando a inocência, a inexperiência e o devaneio delegados ao chefe. Miranda considera que Salgado teria apresentado “uma estratégia política quando expõe ao governo as condições que este enfrentaria com a perda da liderança frente aos integralistas. Mas do que tentar salvar o integralismo, Salgado procura salvar – se a si próprio como figura influente no regime recém instaurado.” (MIRANDA, 2009. p. 50)

            Plínio Salgado, líder no movimento integralista, que negou por vários momentos que um levante integralista teria acontecido ou que tivesse participação no ocorrido, foi exilado em Portugal no ano de 1939, acompanhado por sua esposa e pelo secretário particular. Historiadores observam que Salgado teria defendido de certo modo o governos varguista até mesmo de 1939 a 1945, como evidência Calil.

     Segundo Marcia Carneiro, a participação dos principais líderes da AIB na tentativa de golpe contra Vargas teria sido uma invenção da imprensa e do próprio governo. Embora negando a liderança no levante, os integralistas não negam a participação de militantes. Nove integralistas foram fuzilados no 11 de maio de 1938, nos jardins do Palácio Guanabara, que abrigava a residência oficial da família do presidente naquela época. Até os dias atuais, o 11 de maio é cultuado em cerimônia no Masouléu Integralista, no cemitério do Caju, na cidade do Rio de Janeiro, em homenagem aos que são considerados mártires do movimento (CANEIRO, 2007).

     A partir deste evento, o Governo Vargas teria iniciado o banimento definitivo da sua relação com o integralismo na História. Neste sentido, as pesquisas de Rogério Lustosa Victor apontam para a “construção do esquecimento” do integralismo. Para Victor, como escreve Carneiro: “o esquecimento intencional do integralismo teria sido arquitetado já no momento da derrocada da AIB, após a tentativa de golpe integralista em 11 de maio de 1938. Imprensa e Governo Vargas teriam a intenção de afastar as identificações do Estado Novo com o integralismo.”

4. Conclusão

A oposição dos integralistas ao Estado Novo repercute disputas ideológicas e por controle hegemônico dos ideais nacionalistas autoritários no contexto da Era Vargas.  Com a instalação do Estado Novo e a decretação do fim da AIB, Vargas pretendeu impedir a continuidade do movimento integralista. A tentativa de golpe fracassada, aludida às lideranças integralistas, forneceu elementos para o degredo dos líderes mais inoportunos para o projeto varguista e a perseguição aos militantes de base em todo o país.

            Mesmo com a perseguição do governo, o integralismo ainda atuou de maneira clandestina e, mesmo caindo na obscuridade nunca desapareceu totalmente, persistindo até os dias atuais, mas não mantendo os ideais em sua totalidade.

5. NOTAS


[i] MORAIS, 2012. pp 141

[ii] ATHAIDES, S/D. PP 84

6. BIBLIOGRAFIA

ATHAIDES,  Luciana Agostinho Pereira. A DOPS paranaense frente à Ação Integralista Brasileira durante o Estado Novo (1937-1945) : do “atentado contra o regime” à “associação nazi-integralista”.2015. pp 78 – 86 in http://repositorio.uem.br:8080/jspui/handle/1/2997

Calil, Gilberto. 2010. Os Integralistas Frente Ao Estado Novo: Euforia, decepção E subordinação”. Locus: Revista De História 16 (1). https://periodicos.ufjf.br/index.php/locus/article/view/2013.

CARNEIRO, Marcia. Do sigma ao sigma – entre a anta, a águia, o leão e o galo –

a construção de memórias integralistas. Tese de Doutorado. Niterói: UFF, 2007.

CHAUí, Marilena & FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho.   Ideologia e Mobilização Popular. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

D‘ARAUJO, Maria Celina O Estado Novo. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

MIRANDA, Gustavo Felipe. O poder mobilizador do nacionalismo: integralistas no Estado Novo. Dissertação. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2009.

MORAES, Márcio André Martins de. Garanhuns sob o símbolo do sigma : o cotidiano dos integralistas entre comunistas e o Estado Novo (1935-1942). 2012. Dissertação. Recife: Universidade Federal Rural de Pernambuco, 2012.

PANDOLFI. Dulci. Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1999.

VITOR, Rogério Lustosa. O integralismo nas águas do Lete – História, Memória e Esquecimento. Goiânia; UCG, 2005.

Professora Doutora do Departamento de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendência (LEIT) e do Laboratório de Estudos das Direitas e do Autoritarismo (LEDA). Membro do Grupo de Estudos do Integralismo (GEINT).

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