INVISIBILIDADE PALESTINA NOS LIVROS DIDÁTICOS ISRAELENSES

Luana Rodrigues Mota, graduada em História pela Universidade Federal Fluminense e pós graduanda em ensino de filosofia e sociologia, atualmente trabalha como criadora de conteúdo das páginas Revolução Histórica e União Juventude Pro-Palestina do Brasil e como professora de História e Filosofia no pré vestibular social 2VIS. Tem sua trajetória acadêmica marcada pelo estudo da questão Palestina e suas implicações no século XXI.

INVISIBILIDADE PALESTINA NOS LIVROS DIDÁTICOS ISRAELENSES

RESUMO

 Israel se considera uma democracia, mas tem atos que diferem muito deste sistema, como as inúmeras leis racistas e privação de direitos políticos, ou seja, é fácil falar de democracia quando se há um controle institucionalizado para que exista uma maioria que aja a favor das pretensões do Estado. Quanto a isso temos um instrumento que serve muito bem a essas pretensões, utilizado como forma de perpetuar o discurso de dominação e de elencar nos corações israelenses o apego a memória nacional, o livro didático: Fazendo com que o racismo deixe de ser somente subliminar e passe a ser concreto, organizado e duradouro. O objetivo deste trabalho é mostrar como é feito essa perpetuação do discurso racista nos livros didáticos israelenses.

Palavras-chave: Israel. Palestina. Conflito. Oriente Médio]

ABSTRACT

 Israel considers itself a democracy, but it has acts that differ greatly from this system, such as the numerous racist laws and deprivation of political rights, that is, it is easy to speak of democracy when there is an institutionalized control so that there is a majority that acts in favor of pretensions of the State. In this regard, we have an instrument that serves these claims very well, used as a way to perpetuate the discourse of domination and to list in Israeli hearts the attachment to national memory, the textbook: Making racism stop being just subliminal and become concrete, organized and lasting. The aim of this work is to show how this perpetuation of racist discourse is made in Israeli textbooks.

Keywords: Israel. Palestina. Conflito. Oriente Médio.

INTRODUÇÃO

O processo de limpeza étnica[1]. realizado pelos sionistas não acabava de fato com todos os árabes da palestina, Israel como país fronteiriço com diversos países orientais precisava de uma ferramenta a mais para apagar a existência daquele povo. Massacre não se faz apenas com armas, mas com a construção política e ideológica da negação de um povo. A partir da análise de Nutrit Peled-Elhanan (2019), entenderemos como funciona esse processo de caracterização do povo palestino (perpetuação de discursos racistas e de segregação) nos livros didáticos israelenses. Esse discurso, como todos, tem um único objetivo: Segregar e conquistar. O processo de limpeza étnica liberou as terras aos sionistas, mas não bastava apenas tornar os habitantes refugiados, não basta expulsar os palestinos, é preciso fazer com que eles não voltem e que se voltarem, não encontrem para eles um lugar na sociedade.

Os livros didáticos para a autora são peças fundamentais para essa engrenagem, visto que são leituras obrigatórias desde os primeiros anos de formação. Esse material é de extrema importância para criar o que chamamos de memória coletiva nacional, grande aliado e impulsionador do Estado, por serem instrumentos de propagação da ideologia dominante. Não podemos, porém, confundir memória e história, visto que a primeira serve aos ideais do Estado reproduzindo sem crítica aquilo que se concorda ser necessário, enquanto a história, imbuída de criticidade e análise se torna seu oposto:

No centro da história encontra-se um discurso crítico antitético a memória, cujo objetivo principal, especialmente no caso da memória coletiva, não é compreender o passado e sim compor um “passado aproveitável” que justifique o “nosso” modo de fazer as coisas, ao mesmo tempo que deslegitima o modo “deles”. O principal objetivo da memória coletiva é distinguir o grupo dos demais.[2]

Temos que entender a narrativa histórica Israelense de direito a terra como uma forma de negação ao direito de existência Palestino. É também por meio desta que vemos a propagação do discurso racista, então antes de mais nada devemos perceber como é criada essa memória coletiva e como a partir dela criamos caminhos para introdução do discurso racista na educação. Quando a partir dessa perspectiva analisamos a educação israelense, principalmente a função dos livros didáticos, podemos entender como é feito o processo de manipulação da memória coletiva, descrita por Peled-Elhanan, que conta com um aparato institucional bem organizado e prontamente pensado.

Imbuídos de um passado histórico um tanto quanto duvidoso, um nacionalismo exacerbado e uma visão racista clara disposta pela escola, o jovem israelense, recém formado, acaba por penetrar na sociedade com um discurso regado de ódio ao diferente, não enxergando as atitudes do Estado de forma crítica. O objetivo é expor através das análises de Peled-Elhanan sobre os livros didáticos, como os atos criminosos cometidos pelo Estado para com o povo palestino, tem sua origem e desbancar as verdades históricas insustentáveis que Israel tenta impor através da construção de um passado histórico regado de falsas afirmações e meias verdades.

A importância desse diálogo se dá ao perceber a conotação ideológica que o livro didático apresenta, e isso não somente na sociedade israelense mais ao redor do mundo. Perceber isso é identificar como, por meio da educação conseguimos manter vivas as relações de dominação, e a contínua marginalização dos grupos considerados indesejáveis. Bourdieu e Passeron (1975) nos orientam sobre um sistema de ensino imbuído de violência simbólica, construído para reforçar a marginalização e a dualidade de classes, promovendo através da força simbólica, terreno para manutenção da força material. Essa dominação, exacerbada pelo capitalismo e a divisão de classes, nos faz entender a escola como instituição ambígua: criada para superar as marginalizações e ao mesmo tempo perpetua-las.

 DESENVOLVIMENTO

 Temos dentro da Educação israelense uma forte narrativa religiosa, servindo especialmente para criação do passado histórico, que serve como legitimador da visão de propriedade sobre o território. Essa influência religiosa ocorre por que diferente de outras nações mais antigas, o sionismo em seu início precisava de um apego histórico, precisava fabricar esse passado que ligasse os habitantes da terra a ela em si, para que pudesse entonar a narrativa sionista com a euforia nacionalista, dando significado para a criação do Estado e ao mesmo tempo legitimando a tomada de terras.

 Muitos desses textos são postos nas disciplinas como verdades incontestáveis e criam no imaginário desses alunos uma memória útil a justificativa do estado e a sua defesa, acredita-se que a partir desses textos, que muitas vezes estão imbuídos de significados e moral próprios, manipulados, acaba por se gerar um discurso legitimador ao extermínio para prevalecimento da maioria e o estabelecimento desta, além de um imaginário coletivo pronto a servir sem críticas, pois para SAND (2014), assim como outras obras literárias, os versos da bíblia podem ser interpretados de diversas formas, o que confere a obra um caráter versátil que serve como fonte de poder. Contudo o autor atenta para a delicadeza ao tratar esses textos bíblicos:

O Ministério da Educação israelense nunca achou necessário distanciar-se dessas partes chocantes da Bíblia, em vez disso facilita seu ensino sem qualquer censura. Como o Pentateuco e os livros dos primeiros profetas são considerados textos históricos que recontam a história do “povo judeu”, desde tempos antigos, houve um consenso de que, ainda que não seja obrigatório estudar os textos mais abstratos dos profetas posteriores, sob nenhuma circunstância é permissível pular o livro de Josué. Além disso, embora o ensino esse “passado” tenha se mostrado ética e pedagogicamente destrutivo, o sistema de educação israelense recusa-se a excluir do currículo esses vergonhosos relatos de extermínio.[3]

Muitos estudantes não buscam contestar essas informações com outras fontes, o que caracteriza o conteúdo desse material como único e absoluto. Mesmo o aluno mais desinteressado, que não venha a ler mais nenhum outro livro durante a vida, certamente terá contato com esse discurso dentro de sala de aula em algum momento, na fase mais importante da formação de sua personalidade: a infância e adolescência. Isso nos dá pistas para entender como o preconceito cria raízes tão profundas dentro da sociedade. Esse tipo de material é o que molda a visão que temos sobre a sociedade, o outro e nós mesmos. Utilizar-se dele para esse fim pode ser comum, mas é cruel.

 Temos uma tendência dos livros didáticos de história ou geografia em Israel de descaracterização do povo palestino, apresentando-o sempre como um problema a ser resolvido, o que molda toda uma geração empenhada em soluciona-lo. Pensando nisso, a educação israelense apresenta com sua essência ser voltada para o militarismo, o que causa ainda mais preocupação ao olharmos como o tema massacre é dado a crianças como algo natural, algo que está entranhado em sua memória nacional. Percebemos que o livro didático ganha dupla função: fortalecer o discurso racista e legitimar o poder do Estado sobre o outro.

 Utilizando o conceito de “tradição inventada” proposto por Hobsbawn (1984) e as análises de Edward Said (2007) sobre o mesmo tema, podemos tecer uma linha de raciocínio sobre o conflito árabe-israelense. Devemos perceber que “tradição inventada” está no campo das ideologias e não dos métodos, o autor pretende destrinchar que muitas tradições que parecem antigas e que remetem a um passado histórico são normalmente muito recentes se não inventadas.

O objetivo desta criação é a invenção ou relação com o passado. Um exemplo disso é o “orientalismo” uma representação não fiel do oriente, construída para fazer valor aos objetivos de colonização do ocidente perpetuando sua dominação. A tradição inventada de fato é algo que “parece” ser verdade, mas não é. Até certo ponto, podemos perceber os reflexos dessa tradição tanto na dinâmica escolar quanto no próprio material didático.

O nacionalismo, por exemplo, pode ser visto como uma tradição inventada. Se pensarmos nos países recém-saídos da colonização, que precisavam escrever por si próprios seus passados históricos sem remeter o papel principal aos seus colonizadores e tornarem-se protagonistas de suas próprias histórias. O nacionalismo ultrapassa questões burocráticas e se torna identidade ideológica.

Podemos citar Israel como exemplo, visto a intensa “busca por um passado” moldado segundo a história sionista. Mas o que devemos nos atentar é a invenção da tradição em aspectos nacionalistas, quando a definição de cidadão está ligada a certa etnia, religião ou raça. Uma nação sem um passado concreto, precisa a todo momento se afirmar através da memória coletiva.

Construir uma imagem negativa de um povo, principalmente, fornecer essa imagem as crianças, é perpetuar e disseminar essa negatividade. O que vemos ao analisarmos esses livros é que há a formação de uma juventude voltada para apenas uma única direção, sem perspectiva crítica para encarar os conflitos sociais presentes na realidade israelense. Segundo Peled-Elhanan apesar de uma diversidade de livros didáticos, todos abordam o tema da mesma forma, os que são diferentes não são aprovados e acabam sendo destruídos.

O processo de desumanização do povo Palestino começa desde muito cedo na escola, como mencionado acima, a educação voltada para o cunho militar fomenta ainda mais a disseminação dessas ideias, baseadas muitas vezes em manifestos religiosos e carregadas de preconceito e generalizações. Avaliando os livros didáticos após acordo de Oslo[4] , ela propunha observar algumas mudanças, que certamente aconteceram , algumas até um pouco depois da assinatura na década de 1990, mas isso foi regredindo e atualmente os livros são como manifestos militares, não dispondo de dados ou estatísticas, mas como uma “declaração global de como matamos mais deles e eles menos de nós.[5]

Vemos duas características importantes no processo de construção do discurso racista: A primeira é não os representas ao todo e a segunda é tratar deles como um problema. Na maior parte dos livros não vemos uma imagem nítida se quer de um palestino, as formas de representa-los são sempre carregadas de simbolismo racista, são postos como terroristas em imagens de pessoas com o rosto coberto ou como agricultores primitivos, atrás de arados em uma imagem distante e desfocada, ou até mesmo representados por “cartoons” extremamente simbólicos que não parece nem um pouco com os palestinos reais.

 Tratar do povo palestino como problema, ameaça com o caráter de Sartre: “O inferno são os outros” é outra forma de invisibilidade desse povo. O irônico desta forma é pensar que menos de um século atrás se refeririam aos judeus e falariam de um suposto “problema judaico”. Essa categoria está ligada como veremos adiante com a falta de empatia ligada a morte dos palestinos. O que torna o discurso do problema um legitimador para o massacre. Ao definir o povo palestino com estereótipos, a imagem que se passa aos estudantes é que nem todos merecem uma história, ou seja, os palestinos são demonstrados como meros coadjuvantes do processo israelense:

Rotular uma nação de “problema” já é por si só perturbador, sobretudo em um livro didático judeu apenas sessenta anos depois de os próprios judeus terem sido denominados de o “problema judaico”. E de fato, rotular o povo palestino de “problema” (às vezes como um problema tóxico) assinala não apenas sua exclusão social da sociedade em geral, como vai além e desemboca0 como foi no caso dos judeus e outros grupos indesejados na Europa racista- na legitimação da sua eliminação.[6]

Os mapas também apresentam um problema. Segundo Peled-Elhanan há pelo menos três gerações inteiras que não conhecem de fato as fronteiras de seu país. A denominação nos livros didáticos não se remete a um Estado, mas sim a “Terra de Israel”. A porção palestina no mapa é representada de duas formas: como um todo, aglomerado ao Estado de Israel, formando assim de fato a grande terra de Israel ou em branco, com legendas que remetem a falta de disposição de dados, o que se torna muito perigoso, visto que ao afirmar que não se dispõe dados de uma área, supõe-se que a mesma não é habitada, é uma vasta secção pronta a ser tomada.

Outro aspecto importante da cartografia é a representação através das cores: As aldeias palestinas são mostradas em cores de tom natural, amarelo ou verde oliva, cores que remetem ao medo, a ameaça e a alienação, o atraso do subdesenvolvimento do Oriente Médio, enquanto que os assentamentos judaicos são sempre imbuídos de cores vivas (o que vem de herança dos judeus europeus), como uma “aldeia suíça” apesar de estar localizada no deserto de Negev. Essas cores vivas, mesmo que artificiais, remetem o progresso e se distanciam das cores primitivas, das “pessoas primitivas”, para Peled-Elhanan:

Em termos de coesão, o contraste entre os dois esquemas de cor – as cores “árabes” naturais versus as cores “judaicas” manufaturadas ou importadas- pode representar as relações de poder entre as duas culturas. A dominação judaico-ocidental sobre a paisagem árabe-oriental é o que a educação israelense apresenta como desenvolvimento.[7]

 Ainda sobre a representação de aldeias e estilo de vida dos palestinos, temos a constante associação do atraso proeminente de políticas públicas discriminatórias, como algo natural, autogerado pelo atraso palestino. Contra partida temos os assentamentos (destacando os ilegais) judaicos como um sinônimo de inovação e desenvolvimento. Segundo a Autora Nutrit, quando vemos textos a respeito desses assentamentos judaicos temos sempre “verbos ativos” o que induz a pensar na participação das pessoas nesse processo, como algo gerado, vindo de um povo que é o centro da sua história, do seu próprio processo de evolução, ainda sobre isso a autora:

Desse modo, a responsabilidade de Israel pelo “atraso” dos vilarejos árabes é encoberta e, ao mesmo tempo, o conflito palestino é apresentado como um processo autogerado (…) Esses fatos são apresentados como se fossem fenômenos naturais ou autogerados, mas na verdade fazem parte de uma política bastante clara de discriminação e confisco de terras. [8]

Enquanto como dito acima, quando se é referido as aldeias árabes, temos um processo de “participação passiva”, aonde o povo palestino é visto sim como protagonista do seu atraso, enquanto os Israelenses são postos como salvadores, trazendo a modernidade a esse povo que se recusa a abrir mão das tradições. Ou seja, podemos observar que a invasão de terras, nestes assentamentos ilegais é vista como uma forma de modernização, enquanto que a relutância das aldeias palestinas, como forma de resistência ao domínio israelense, é demonstrada como uma característica atrasada daquele povo. Novamente, vemos o protagonismo palestino aparecer apenas com conotação negativa, para servir ao israelense apenas como forma de comparação.

Outro aspecto presente nos livros didáticos israelenses que remetem as memórias de guerra é a questão da morte. A morte dos palestinos é sempre posta como algo menor, ou um mal necessário. Massacres são descritos com tom glorioso, como o de Quibia[9] por exemplo, enquanto que as justificativas se resumem a um padrão: ”Não sabíamos que tinha gente dentro das casas ainda”, ou ”Nós pedimos que saíssem mais eles se recusaram”. Além desse aspecto, temos também o fato de que durante a guerra ou nestes massacres, o número de mortos palestinos nunca é totalizado, isso faz com que se crie uma imagem abstrata e impessoal, como se as mortes palestinas fossem inferiores à dos israelenses.

Esse tipo de narrativa serve para perpetuar os antigos mitos, é muito mais fácil reforça-los do que lutar contra eles. Toda e qualquer ação desumana do exército na história é vinculada seguida desse tipo de justificativa. É o que a Peled-Elhanan chama de “lógica mitológica” que seria mais ou menos algo como “fins justificam os meios”, não importa o que façam desde que seja para o bem maior, o bem do Estado e sua maioria judaica. Esse tipo de leitura é feito por crianças em idade escolar e esse tipo de justificativa marca as atitudes dos futuros cidadãos. Temos que entender que esse tipo de discurso ocorre por que é legitimado dentro do pensamento coletivo, ou seja, é naturalizado e justificável dentro da lógica israelense:

Alguns livros didáticos (em especial os mais recentes, publicados em 2004,2006 e 2009) tendem a apresentar os massacres como operações militares ou batalhas de rotina; outros concebem os massacres comi transgressões dos planos oficiais, mas ainda assim os legitimam em razão do resultado positivo a que levaram : o estabelecimento e a manutenção de um Estado judaico coerente e seguro, com uma população de maioria judaica.[10]

A guerra de 1948 é representada como bem necessário para a construção do Estado, na verdade, toda a história da construção e da guerra para ela é vista como vitória, como positiva. A enxurrada de justificativas para a adesão de territórios também é feita, visto que segundo muitos livros, os judeus sempre estiveram dispostos a dividir suas terras e foram os árabes, egoístas que se negaram a dividir, então é deles a culpa de seus infortúnios, é mostrado como se o que aconteceu com os palestinos fosse culpa de sua própria causa, ou de sua natureza:

Além de serem culpabilizados pelo próprio atraso, os palestinos são também responsabilizados por sua condição de minoria: “Quando você vai a guerra, não pode se queixar da derrota”(Avrahan Diskin). Ou : “Os árabes Procuraram, porque escolheram combater os judeus até a perdição” (N. Blank)[11]

Os livros didáticos de geografia tratam os grupos palestinos como forasteiros, até mesmo quando são cidadãos israelenses. É comum dar a eles a conotação de árabe, como pertencentes a grande nação árabe, generalizando sua identidade e sua cultura. O que reforça a ideia de negação desse mesmo povo e dissemina o discurso generalista. Se são pertencentes a grande nação árabe, por que não sair e deixar o país para os judeus? Por que não simplesmente abandonar as suas terras? Para Peled-Elhanan :

A única diferença entre os palestinos e os judeus israelenses segundo a concepção de Israel, é que o povo judeu só possuo um Estado- Israel – Enquanto os “árabes” podem se instalar e, qualquer um dos vinte e um diferentes Estados que eles têm. Portanto, qualquer judeu que vá para Israel recebe imediatamente cidadania, enquanto os palestinos não tem Cidadania alguma. [12]

O povo palestino é negado a todo momento dentro dos discursos escolares israelenses, só se fala em palestinos nos livros quando se deseja falar sobre terrorismo, não como povo, não como nós. Há um abismo que separa esses povos que cresce a cada dia, escavado por pelo próprio estado através das engrenagens de disseminação do racismo. E ao povo palestino, o que resta? Ser representados como forasteiros de sua própria terra, voltando a ideia de que, são culpados de seu próprio infortúnio.

CONCLUSÃO

O que podemos perceber é que, em diversos aspectos podemos ver a naturalização do racismo. Seja no aspecto de generalização, seja na renúncia em reconhecer o direito dessa população a sua terra e seus direitos básicos, ou até mesmo na falta de empatia em suas mortes. Essa naturalização é concebida através dos livros didáticos, visto que em sua essência é o propagador desses discursos, fazendo com que a população palestina em Israel, mesmo aqueles que vivem lado a lado com os judeus israelenses sejam vistos como o tão distante “outro”.

A importância desse diálogo se dá ao perceber a conotação ideológica que o livro didático apresenta, e isso não somente na sociedade israelense mais ao redor do mundo. Perceber isso é identificar como, por meio desse material conseguimos manter vivas as relações de dominação, e a contínua marginalização dos grupos considerados indesejáveis. O uso da memória coletiva como forma de controle, é um recurso muito usado nos Estados Modernos, principalmente dentro do âmbito da Educação e através dos Livros Didáticos. Uma nação criada, como foi o caso de Israel, precisa de uma construção maciça de memória e história, proporcionada através da Educação.

O apelo a memória serve como forma de construção da identidade e do sentimento de pertencimento. A construção da memória não se preocupa com a veracidade dos fatos, pois, seu objetivo não é instruir de forma correta, mas instruir para lealdade, para o apego nacional. Ela aparece no imaginário coletivo, feita principalmente pelo grupo dominante, na intenção de legitimar as ações pertinentes ao Estado.

Dentro dessa narrativa, temos os livros didáticos como ferramentas de naturalização do racismo, fazendo com que a população palestina em Israel, mesmo aqueles que vivem lado a lado com os judeus israelenses sejam vistos como o “outro”, tão distante ou mais, que qualquer estrangeiro, nos é mostrado a dualidade desse conflito como representação do bem e do mal, do antiquado e do novo. No Brasil, vemos fortes reflexo desse orientalismo, seja na falta de representação adequada ou na representação rasa, insuficiente e não crítica. O fundamental é a partir desses discursos, montar uma análise crítica do papel da educação como fomentador de ideologia e perpetuador das condições de classe.

O objetivo geral dessa análise é definir como os livros didáticos podem servir ao Estado, como grandes aparelhos de perpetuação de poder e memória, mais especificamente, dentro desse tema, apontar como é feito a abordagem afim de moldar a nossa imagem sobre os agentes desse conflito, nos empurrando de forma subjetiva.

Seguindo esta linha de pensamento, é possível compreender como a imagem do povo palestino é construída e sistematizada através das narrativas históricas, mostrando de fato o papel da educação como fábrica de discursos ideológicos. A partir disso, poderemos concluir a suposição principal desse estudo: A forma de representação do conflito palestino nos livros didáticos acontece de forma ideológica.

Após essas análises, podemos definir que a solução de dois Estados jamais foi algo possível, visto que desde os primórdios do sionismo o objetivo era criar um Estado judeu, para cidadãos judeus. O processo de Limpeza étnica e a invisibilidade do outro são legitimados e justificados para o bem maior do Estado, e isso ocorre por que no interior da sociedade é algo vivo, e possível. Essa naturalização é problemática, monstruosa mostra a verdadeira face da sociedade israelense: Essa é a cara feia do sionismo.

REFERÊNCIAS

BOURDIEU, P.; PASSERON, J. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

 FINKELSTEIN, Norman G. A indústria do Holocausto: reflexões sobre a exploração do sofrimento judeu. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

 HOBSBAWN, Eric & Terence Ranger (orgs.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina.. São Paulo: Sudderman, 2019. PELED-ELHANAN, Nutrit. Ideologia e Propaganda na Educação: : Os palestinos nos livros didáticos israelenses.. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2019.

SAID, Edward W. Orientalismo: o Oriente como invenção do Ocidente. Tradução Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

 SAND, Shlomo. A invenção da Terra de Israel: De terra santa a terra pátria. 1. ed. São Paulo: Benvirá, 2014.

SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. –  32. Ed. – Campinas, SP. Autores Associados,  1999. – (Coleção polêmicas do nosso tempo; v.5)

TAILD, Khalid. Edward Said e a tradição inventada. XI Congresso Internacional da ABECAN. USP- 2011.


[1] PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sudermann – 2016.

[2] PELED-ELHANAN, Nutrit. Ideologia e Propaganda na Educação: Os palestinos nos livros didáticos israelenses. 2019. p. 33.

[3]  SAND, Shlomo, 1946- A invenção da Terra de Israel: De terra santa a terra pátria. 2014. p.98

[4] Em 1993 o presidente norte americano Bill Clinton mediou os acordos entre o presidente da OLP Yasser Arafat e o governo de Israel. Foi considerado um acordo de paz, com prazo de 10 anos para se concretizar e tinha como principal objetivo a retirada das forças armadas israelenses da Cisjordânia e Gaza, além do reconhecimento do direito de auto-governo palestino. O acordo foi descumprido por Israel.

[5] Nutrit Peled-Elhanan para Alternate Focus 2011.

[6] Peled-Elhanan, Nutrit Op.Cit. p. 99.

[7] Peled-Elhanan, Nutrit Op.Cit. p. 169

[8] Peled-Elhanan, Nutrit Op.Cit. p. 145

[9] O massacre foi encabeçado por Ariel Saron em 1953 e visava vingar a morte de uma mulher judia e seus dois filhos na ex-cidade palestina de Yahud, agora “higienizada” e repovoada por assentamentos judeus. Os ataques aconteceram em Quibia, cidade vizinha onde todos os aldeões foram mortos e as casas demolidas sobre seus corpos

[10] Peled-Elhanan, Nutrit Op.Cit. p. 201.

[11] Peled-Elhanan, Nutrit Op.Cit. p. 22.

[12] 13 Peled-Elhanan, Nutrit Op.Cit. p. 86

Professora Doutora do Departamento de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendência (LEIT) e do Laboratório de Estudos das Direitas e do Autoritarismo (LEDA). Membro do Grupo de Estudos do Integralismo (GEINT).

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