O poeta é um fingidor / finge tão completamente / que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente.
Fernando Pessoa
Chamamos de mimetismo ao comportamento de alguns organismos, emulando outros que apresentam defesas naturais a fim de enganar o predador ou que, ao contrário, imitam semelhança física suas presas como forma de se aproximar delas mais facilmente.
Uma simples camuflagem permite se esconder num ambiente para se salvar, porém espécies miméticas podem exibir características de advertências que espécies verdadeiramente perigosas possuem, e serem mais eficientes na luta pela sobrevivência.
O Zeitgeist, o espírito dos tristes tempos em que vivemos inclui comportamentos aberrantes, em condições normais não conseguiríamos entender vários deles como o do “ativista negro” que ataca grandes personalidades negras encastelado na função de presidente da Fundação Zumbi dos Palmares, convivemos com um ministro da saúde incensado por ser especialista em logística e que não entende nada de logística e muito menos de saúde. São muitos os maus exemplos, ministros da educação sem a menor educação ou competência, chanceler que se encarrega de provocar brigas estúpidas e sem sentido com nosso maior parceiro comercial, ministro do meio ambiente empenhado em destruir o meio ambiente. Um presidente cuja única agenda é se reeleger presidente, sem explicar ou saber sequer para que, talvez para então procurar mudar a Constituição e partir em busca de outro mandato.
Tudo isto, somado a um tonel de absurdos, poderia fazer algum sentido dentro da lógica de que o poder enlouquece, e que o poder evanescente enlouquece mais ainda. Mas ficamos espantados ao ver o comportamento e a ideologia, se isso pode ser qualificado de maneira tão nobre, de uma enormidade de pessoas que não tem nenhum poder ou chance de vir a tê-lo, que não pode esperar grandes vantagens pecuniárias advindas de sua sabujice e que no entanto apoia delirantemente tudo o que o “mito” mistifica; pessoas maduras, alfabetizadas, supostamente inteligentes, que afirmam que a Terra é plana, a cloroquina salva, que temos de sacrificar nossos próprios interesses nacionais para fazer “a América grande de novo”, e muito mais.
O ambiente social parece exercer uma atração irresistível para muitos, que procuram se confundir com suas características pelo propósito de aceitação ou de intimidação. Em muitos casos, a identificação decorre mais do desejo de estar “alinhado” com a tendência dominante e menos com uma crença real nos valores desta tendência. É o que ocorre, por exemplo, quando roupas, objetos, acessórios, são comprados aos milhares por pessoas que desejam se assemelhar a artistas em evidência que os usam ou divulgam. Isso é inócuo quando se considera a identificação quase demente com figuras políticas ou religiosas, que gera comportamentos irracionais de aceitação.
Muitas pessoas tentam se tornar “invisíveis” aos outros, confundir-se com o ambiente assumindo posições que julgam dominantes, assim é possível conceber o recente caso de um negro que atacou de forma cruel e descabida uma candidata negra recém eleita. Ao agredir, nega-se possuir o mesmo tom de pele, pertencer ao mesmo extrato social, compartilhar os mesmos problemas de viver numa comunidade racista e não ter acesso a alguns benefícios tão claramente concedidos a outros. Mimetiza-se o preconceito que permite o ataque.
Alguns adotam comportamento semelhante assumindo a violência hoje onipresente no trato social, numa sociedade que parece cada vez mais crer nas armas como solução de conflitos, revelar agressividade em relação ao diferente, um senso de humor grosseiro, misógino e xenófobo, que esconde muitas vezes as fragilidades pessoais que desejam esconder.
O avatar que muitos portam hoje tende a tornar-se cada vez mais indesejável, inculto e hostil; revalorizar a cultura e a gentileza é essencial.