O princípio da diversidade para que se tenha uma sociedade inclusiva, isto é, uma sociedade para todos e todas, tem sido tema de extrema relevância para todas as esferas, desde a econômica, política e social, passando pelo âmbito da produção cultural até ao modo de vida e escolhas pessoais de cada um. Diversidade implica reconhecer que na igualdade de sermos humanos, ao mesmo tempo somos todos diferentes, seja na escolha da crença religiosa, na raça, na experiência afetiva, no gênero, na constituição física etc.
No que diz respeito à constituição corporal, a diversidade não só diz respeito aos caracteres fenotípicos diferentes como também àquelas constituições que, por inúmeras razões, farão com que pessoas necessitem de adaptações e eliminação de barreiras – desde as arquitetônicas até as pedagógicas e atitudinais – para que se desenvolvam ao máximo em suas capacidades. Estas são as pessoas com deficiências. Deficiências no plural, porque cada uma delas abarca um universo de conhecimento e possibilidades bastante complexo.
Em nossa história, há referências de que após o nascimento de uma criança deficiente, estas eram abandonadas até a morte, vistos os valores gregos espartanos que influenciaram a civilização ocidental serem atribuídos ao corpo forte e perfeito. Em relação ao surdo, Aristóteles apregoou que uma pessoa surda não poderia desenvolver o pensamento porque não possuiria linguagem, entendida pelo filósofo, em sua época, como fala.
Passados dois milênios, a situação presente é outra. Luta-se pelos direitos das pessoas com deficiência para que, como sujeitos, estejam presentes ativamente em todas as esferas da sociedade, ainda que com muitas utopias a serem alcançadas. Com diz Eduardo Galeano, a utopia é sempre um vir a ser que a cada dois passos dados no sentido do avanço, o ponto de chegada também se distancia a dois passos. Datas oficiais nos lembram conquistas alcançadas e lutas que ainda precisam acontecer para que pessoas numa dada condição de vida e modo de estar no mundo – a deficiência – possam usufruir da participação social, em todos os ciclos de vida, da infância à velhice.
É o caso do Dia Internacional da Pessoa com deficiência, datado como 03 de dezembro, instituído em 1992 pela ONU – Organização das Nações Unidas –, celebrando um ciclo de quase 10 anos, quando em 1983, se adotava um programa mundial de ação para as pessoas com deficiência pela Assembleia Geral desse organismo internacional.
Conforme a ONU, 10% da população mundial tem alguma deficiência e a comemoração da data lembra a necessidade de se pensar formas de inclusão e empoderamento para que essa população possa influenciar políticas e programas que afetam suas vidas em seus países. Nesse dia, vale também lembrar que os benefícios da acessibilidade não atendem apenas à deficiência mas a todos, sendo capaz de promover a igualdade por meio da equidade, um princípio básica dos direitos humanos.
Além dessa data, temos entre nós o Dia Nacional de Luta da Pessoa com deficiência, no dia 21 de setembro. Não é para menos, já que de acordo com dados da ONU, 80% das pessoas que vivem com alguma deficiência moram nos países em desenvolvimento ou emergentes, como é o nosso caso.
Estima-se que por aqui, mais de 45 milhões de pessoas tem algum tipo de deficiência, o que corresponde a quase 24% da população, como revela a última pesquisa do IBGE no de uma década atrás.
No ano de 2015, tivemos a promulgação da lei que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência de nº 13.146 de 06 de julho, no governo de Dilma Houssef. Destaque-se aqui os primeiro e quarto artigos e neste, o parágrafo 1º.
Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
Art.4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades como as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.
E QUANTO AOS ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA?
A UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância estima que 150 milhões de crianças menores de 18 anos têm alguma deficiência. No Brasil, no levantamento de 2019 publicado na Agência Brasil, pela repórter Mariana Tokarnia, estávamos assim:
2014-2018 – cresceu o número de estudantes em todo o pais, conforme dados do INEP- Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira e também aumentou de 87,1% para 92,1% o percentual de alunos incluídos em classe comuns; em 2014, alunos com deficiência estavam incluídos num total de 886.815 (em conjunto com Transtorno do Espectro Autista e Altas Habilidades) das matrículas nas escolas brasileiras e em 2018, chegou a cerca de 1,2 milhão, sendo que de 2017 para 2018, houve um aumento de 10,8% nas matrículas.
Lembrando o PNE – Plano Nacional de Educação – de 2008, nosso pais deve incluir todos os estudantes de 4 a 17 anos na escola, sendo que no caso de estudantes com deficiência, estes devem ser matriculados preferencialmente em classes comuns, orientação já difundida anteriormente pela LDB – Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96, com apoio de serviço especializado, como as salas de recursos multifuncionais nas escolas públicas regulares.
CONTUDO, EM 30 DE SETEMBRO DE 2020…
Nessa data, o atual governo Federal lança um novo plano, a Política Nacional de Educação Especial com o subtítulo Equitativa, inclusiva e com aprendizado ao longo da vida, por meio do decreto nº 10.502 de 30 de setembro.
Surpresa nos meios acadêmicos que discutem e pesquisam, cerca de três décadas, desde a Declaração de Salamanca (1990) as questões relativas à inclusão de crianças, adolescentes e adultos no ensino regular, desde a educação infantil ao ensino superior. Surpresa no meio profissional especializado. Surpresa nas escolas regulares. Surpresa porque não houve um debate democrático e significativo quanto à representação da sociedade civil a respeito das mudanças pleiteadas pelo plano.
Algumas considerações feitas por pesquisadores e especialistas da educação especial apontam que o modelo social de deficiência – um avanço na concepção para a inclusão das pessoas com deficiência – é substituído pelo antigo e abandonado modelo centrado no indivíduo. Conforme a profa. Dra Eniceia G. Mendes, da UFSCAR, o novo plano possibilita que instituições especializadas se transformem em centros de atendimento educacional especializado, desresponsabilizando a escola pública de seu compromisso com a escola para todos. Nessa condição, ao invés de injetar mais recursos para a melhoria do atendimento aos estudantes com deficiência na esfera pública, estes por sua vez são deslocados para o setor privado e filantrópico, baseado na benemerência e não no direito.
Por fim, cabe pensar se a concepção de sociedade que subjaz ao novo plano não caminha na direção contrária à sociedade inclusiva, para todos, em todas as idades que tanto almejamos. Nossa utopia está portanto, neste momento, ameaçada pelo retrocesso, tal como os demais passos para trás que acontecem com o desmonte da educação pública.
Não negamos que é preciso avançar no aperfeiçoamento do atendimento especializado nas escolas regulares, haja vista o aumento significativo do número de matrículas de estudantes e a ausência de concursos públicos para contratação de profissionais da área para que as escolas públicas se tornem realmente inclusivas. Esperamos que as manifestações já expressas pela sociedade civil – meio acadêmico, jurídico, profissional e comunidade de pais – repercutam até Brasília para que o novo plano não retroceda e caminhe na direção de uma escola e sociedade que respeitam o direito humano à educação para todos, tal como apregoam a Declaração Mundial de Educação para Todos, de Jontiem, Tailândia, 1990 e a Declaração de Salamanca, na Espanha, em 1994.