O COLETIVO RAP DA PONTE COMO FOMENTO DE RESISTÊNCIA E VETOR DE CIDADANIA DA JUVENTUDE DE MACAÉ, NORTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 

 

Juliana Simões de Lima

Licenciada em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF) – Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional (ESR), Campos dos Goytacazes – RJ (2014-2018). Atuou como bolsista no Projeto de Iniciação à Docência da CAPES (PIBID) com o projeto Memórias Locais de Campos dos Goytacazes pela UFF Campos (2015-2017). Também foi bolsista no período de 2018 à 2019 do Projeto de Residência Pedagógica pela CAPES (PIRP) residido na escola C.E Dr. Thiers Cardoso. Atuou como secretária da cultura no Centro Acadêmico de História na Universidade Federal Fluminense no período da gestão Carlos Marighella em 2015. Atualmente é aluna na Universidade Federal Fluminense (UFF) – Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional (ESR), Campos dos Goytacazes (RJ) como bacharelanda em História, e do curso de pós graduaçao em Geografia pela mesma universidade.

 

O COLETIVO RAP DA PONTE COMO FOMENTO DE RESISTÊNCIA E VETOR DE CIDADANIA DA JUVENTUDE DE MACAÉ, NORTE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Resumo

Este artigo busca analisar como o movimento cultural Rap da Ponte em Macaé/RJ, se apresenta enquanto vetor de cidadania e experiência social para a juventude periférica local. Assim, o objetivo principal é pensar o coletivo para além de um fenômeno de resistência, entendendo-o como um instrumento de contribuição para formação de um pensamento crítico e de representação regional e cidadania cultural. Assim, espera-se identificar o papel do coletivo na disputa de territórios, no questionamento das desigualdades urbanas e na busca de uma política cultural inclusiva na cidade de Macaé/RJ.

Palavras chave: Coletivo – Território – Políticas Públicas – Desenvolvimento Regional

 

Atualmente, os contextos socioculturais e políticos se apresentam por meio de projetos ambiciosos, um capitalismo voraz, onde cada dia mais as formas de lucro são inclinadas à cultura, usando-a como objeto de trocas e políticas de clientelismo. Como apresenta Ribeiro (2012, p. 4), “se por um lado apontam para um companheiro fraterno, ao mesmo tempo sinalizam para expansão de mercados, sempre enxergando a cultura como instrumento de trocas”.

Nesse contexto, a autora aborda a necessidade de um planejamento participativo, o que vai de encontro com a necessidade de repensar toda estrutura política de maneira que seja mais inclusiva. Dessa maneira, segundo a autora: “Trata também da necessidade de disputar a noção de território e criar metodologias que compartilhem com o entendimento da experiência social”. Dessa maneira, Corrêa (2007), apresenta a análise da escala intra-urbana, que pode ser vista de dois modos, sendo: “divisão econômica do espaço e, de outro, a divisão social do espaço”, onde processos, formas-conteúdo e funções influenciarão na diferenciação deste espaço para diferentes grupos sociais.

Nessa perspectiva, a literatura relata a centralidade do território para a reflexão política e, logo, estratégica (SANTOS, 1999). Para entender a dinâmica do território na cidade, será utilizada os aportes teóricos de Santos (1999) pensando que é “na densidade do território, e através da conjugação entre espaço banal (SEVALHO, 2012, p. 10) e cotidiano, que se afirma o homem lento”. Assim, para Santos (1999) o território é o espaço usado, onde desenvolvem-se relações humanas de identidade, vizinhança, solidariedade. O “homem lento” é personagem elaborado por Santos, (1994) em sua discussão sobre técnica, espaço e tempo. Personifica o homem comum, pobre, do lugar, que, no ambiente das metrópoles emergentes, resiste às forças verticais, externas, da globalização (SEVALHO, 2012, p. 10).

Na visão de Chauí (1995, p.74.), “o autoritarismo não é simplesmente uma forma de governo, mas a estrutura da própria sociedade brasileira.”, onde é preciso aceitar um novo desafio, entendendo a necessidade de mudança estrutural completa, nas formas de agir e pensar a cultura política, priorizando fundamentalmente a cidadania cultural. Entende-se, desta forma, que é preciso superar essa estrutura política a qual a autora se refere.

Em diálogo com Chauí, Ribeiro (2012) diz ser necessário uma nova cartografia da ação social, que valorize os contextos da vida de cada indivíduo, com suas experiências particulares e subjetividades. O que se pretende dessa cartografia e outras cartografias dos territórios usados, é de que maneira a resistência ao apagamento da vida de relações, o qual cada vez mais se faz de forma dominante, hegemônica se refletem nas relações entre a sociedade e o Estado. Assim, os contextos, a vida de relações que as novas cartografias devem valorizar, é o próprio espaço. Deve-se valorizar a experiência social, traçar realmente a transformação do território em território usado, território praticado, território experienciado (RIBEIRO, 2012, p. 10).

Neste sentido, Corrêa (2007), aborda sobre a necessidade de se pensar em uma escala conceitual e cartográfica que abarque a complexidade da diferenciação sócio-espacial ocorrida nas relações, a exemplo do Coletivo Rap da Ponte, apresentado nesta pesquisa.

O início desse projeto se ampara na análise das relações socioculturais e territoriais do movimento Rap na cidade de Macaé, situada na Região Norte do estado do Rio de Janeiro. Os estudos possuem como ponto de partida a interpretação de como o coletivo Rap da Ponte, atua como vetor de cidadania, instrumento no processo de resistência, ressignificação de territórios e na busca de nova cultura política para juventude macaense, que seja mais inclusiva e valorize as identidades e características individuais.

De acordo com Ribeiro (2012) a necessidade da disputa de territórios (re) organiza os espaços e impõem dinâmicas distintas a cada grupo social. Nesse sentido, Chauí (1995) também traz contribuições que discute esse contexto quando aborda a resistência do “homem lento” (SEVALHO, 2012, p. 10) frente ao processo de globalização em curso. Assim, essas perspectivas, nos ajudam a perceber a necessidade da busca de uma nova cultura política, que deve ir de encontro a essa disputa de territórios, com a perspectiva de romper com a estrutura política vigente que se mostra excludente e sectária, entendendo o problema como algo estrutural.

Na visão de Souza (1997), não há como negar a manifestação que os sujeitos terão sobre a cidade, ao apresentarem técnicas de resistência a uma organização espacial hegemônica que ignora a sensibilidade, aqui podendo ser entendida como a arte do Hip-hop na cidade de Macaé.

Desde seu início, o Hip-hop traz consigo características de ser um movimento politizado e de protesto, tornando-se porta voz dos anseios das classes desfavorecidas e ferramenta de manifestação política e social, seja em Kingston (capital da Jamaica) nos anos 1960, no Bronx (bairro de Nova York) dos anos 1980, ou em Macaé atualmente. Podendo ser reconhecido como o que Haesbaert (1999, p. 21-22) chama de diversidade territorial ao possuir uma relação com o “particular-geral e o singular-universal” proposto pela renovação da geografia regional ao buscar “evidenciar a capacidade dos grupos humanos de recriar espaços múltiplos de sociabilidade”. Mesmo sem uma precisão histórica, de como e onde esse movimento começou, segundo Souza (2004) pode-se demarcar seu início na imigração de jamaicanos de Kingston para os Estados Unidos da América. Para o autor, isto se deu em razão que já no início da década de 1970, muitos jamaicanos, em sua maioria jovens, emigraram para os EUA devido a uma crise econômica e social que se abateu sobre a ilha de Kingston. Percebe-se, nesse sentido, que o Hip-hop desde seu início passou a ser entendido como um movimento social, que por meio das suas manifestações expressa toda sua insatisfação de forma incisiva.

O início do Hip-hop no Brasil, também se desenvolveu em um cenário de instabilidade política e desigualdade socioeconômica. Como mostra Herschmann (2000), este movimento chegou ao país por volta de 1980 em meio a ditadura militar. Foi um período de forte crise financeira e política. O autor, ainda ressalta, que o inchaço nos espaços urbanos da época acarretava o surgimento de diversas periferias.

Depois de quatro décadas do surgimento do Hip-hop, o movimento mantém um caráter de luta na busca de igualdade através da cultura, onde percebe-se nitidamente o questionamento das desigualdades urbanas presentes nas ações executadas por seus agentes. Para Haesbaert (1999, p. 23) é de extrema importância a valorização dos aspectos culturais, assim como dos naturais, para se entender a “desigualdade-diferença e globalização-fragmentação através das relações global-local”.

Essa discussão se vincula diretamente ao contexto da “Geografia imaginada” abordada por Massey (2002) que apresenta o desafio e a importância de considerar o imaginário e a consciência ativa dos indivíduos. Assim, o movimento Rap da Ponte se insere nesse contexto, à medida que, sua forma de representação possibilita visibilidade ao imaginário do grupo.

Um diálogo também é possível de ser realizado com Souza (1997), ao indicar que espaços como o que o movimento do Hip-hop podem gerar são possíveis de serem entendidos como processos de convivialidade, ao instituírem territórios e redes de resistência contra a falta de liberdade e a desigualdade que a organização da cidade moderna coloca para seus habitantes.

A área delimitada para esta pesquisa é a cidade de Macaé no Norte do estado do Rio de Janeiro, onde se buscará entender, o coletivo Rap da Ponte (SOUZA, 2018) como um movimento de expressão urbano cultural, tendo como uma de suas características a luta pela cultura e pelos direitos político-sociais da juventude macaense.

Indo de uma vila de pescadores à capital do petróleo, o município de Macaé/RJ passou por um processo de desenvolvimento urbano desordenado. Para Souza (2018, p. 157), esse período “abriu brechas para a emergência da ideologia proposta pelo movimento Hip-hop porque se tratava de resistência territorial juvenil, onde os jovens periféricos reivindicam o direito à cidade e denunciam os casos de exclusão social existentes”

Sendo assim, a cidade de Macaé, pode ser usada como um claro exemplo do cenário de abandono de políticas públicas por parte do Estado. Portanto, pretende-se compreender de que forma a ausência de uma política cultural inclusiva impossibilita diversas ações do coletivo Rap da Ponte e como esse movimento supera as adversidades ressignificando os espaços, entendendo que desde seu início se propõe a um debate focado na cidadania, utilizando o Hip-hop como uma expressão artística, além de ferramenta de empoderamento, fazendo com que muitos jovens se percebam como sujeitos culturais e políticos, escritores da sua própria história.

O coletivo, segundo entrevistas prévias com os idealizadores, surgiu no ano de 2014. De acordo com a descrição do evento, presente em redes sociais, o coletivo o Rap da Ponte, já realizou 70 edições de ações culturais dessa magnitude, sendo 15 na Ponte da Barra e as demais no Parque da Cidade. O principal objetivo do coletivo, segundo diálogos  estabelecidos com os próprios integrantes é “promover inclusão social por meio de ações artísticas e culturais e discutir políticas públicas de arte e cultura, também como formas de ocupação e uso do espaço público, como as praças, parques, jardins, escolas, espaços universitários, orlas e de equipamentos públicos de cultura, como os teatros, museus, bibliotecas, em especial espaços e equipamentos inseridos em áreas de periferias urbanas de cidades pequenas e médias”.

Segundo Rodrigues (2015), o movimento Hip-hop atua como instrumento de cidadania cultural. Entende-se o mesmo como ferramenta de ativismo político-cultural urbano, o que caracteriza o movimento como forma de representação integrando política, cultura e cidadania.

Assim, questiona-se como o coletivo Rap da Ponte possui um caráter político social, sendo permeado por denúncias e protestos em relação às condições culturais e socioeconômicas de seus atores. Entendendo o Hip-hop como uma ferramenta política que vai de contraponto às ideias conservadoras. Nesse contexto, inicialmente, apresenta-se o questionamento central: como o movimento Rap da Ponte se mostra uma ferramenta de resistência, vetor de cidadania e ressignificação do território da cidade de Macaé/RJ, sendo um instrumento primordial na ocupação dos lugares, criando um ambiente passível à sociabilidade? Dessa maneira, é fundamental entender a importância de se pesquisar assuntos que influenciam diretamente a realidade cotidiana, destacando a viabilidade de acesso às fontes de vivência com os entrevistados.

Dessa maneira, um dos fatores que motivaram o desenvolvimento desta pesquisa é perceber a importância de entender a história do lugar a partir da memória coletiva, sendo portanto um patrimônio da sociedade, também levando em consideração que mesmo ignorados pelo setor público, o coletivo Rap da Ponte através da sua contribuição na cultura regional, faz com que a juventude se sinta mais inserida como sujeitos culturais pertencentes e passíveis de narrar a própria história.

Contudo, objetiva-se contribuir para estudos sobre a relação da memória coletiva da cidade de Macaé/RJ e do coletivo Rap da Ponte, com a perspectiva de que esse movimento faz parte do patrimônio da cidade, além de entender sua importância na formação de um pensamento crítico para juventude Macaense.

 

BRASIL. Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Lei Nº Lei nº 7837 de. do Rio de janeiro, 09 de janeiro de 2018. Dispõe sobre o Patrimônio Cultural de natureza imaterial do Estado do Rio de Janeiro a cultura Hip Hop e todas as suas manifestações artísticas, como breaking, grafite, rap, MC e DJ. Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 2018 Disponível em:<http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/c8aa0900025feef6032564ec0060dfff/b3ba9a90a583c01583258217005f1dc0?OpenDocument#:~:text=Art.,%2C%20rap%2C%20MC%20e%20DJ>. Acesso em: 23 jul. 2020.

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Professora Doutora do Departamento de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendência (LEIT) e do Laboratório de Estudos das Direitas e do Autoritarismo (LEDA). Membro do Grupo de Estudos do Integralismo (GEINT).

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