UM ILUMINISMO JUDAICO? A HASKALÁ E OS FENÔMENOS DO
ESCLARECIMENTO NO DEBATE HISTORIOGRÁFICO E NAS IDEIAS DE MOISÉS MENDELSSOHN (1755-1786)
Filipe Peixoto Neves
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Filipe Peixoto Neves é historiador e licenciando em História pela Universidade Federal Fluminense, membro do Laboratório de Estudos da Imanência e Transcendência (LEIT/UFF). Pesquisador da História Judaica, também escreve sobre política e religião.
UM ILUMINISMO JUDAICO? A HASKALÁ E OS FENÔMENOS DO ESCLARECIMENTO NO DEBATE HISTORIOGRÁFICO E NAS IDEIAS DE MOISÉS MENDELSSOHN (1755-1786)
RESUMO
Este trabalho desenvolve-se, sob a óptica da História Intelectual e com o auxílio
metodológico da História dos Conceitos e de vasta análise de literatura pertinente,
atrevés de vários debates historiográficos acerca do Século das Luzes, o Iluminismo, e
seus diálogos com a Haskalá, o Iluminismo judaico. Partindo de tais implicações
historiográficas, seu objetivo é pôr à luz e compreender como as obras e ideias de
Moisés Mendelssohn (1729), considerado “o Sócrates judeu”, articulam-se com o
Esclarecimento já difundido na Europa e América do Norte e abrem as portas do
modernismo na sociedade judaica alemã, enquanto esta busca a sua emancipação e
fim das perseguições religiosas. Mendelssohn, o arauto do Iluminismo judaico, foi
um importante filósofo judeu em plena burguesia prussiana, mantendo contato e
trocando correspondências com outras grandes figuras de sua época, como
Immanuel Kant e Gotthold Lessing. Este trabalho primeiro esclarece quais seriam os
atuais debates historiográficos sobre o Iluminismo, as influências religiosas no
período e por fim faz análise das ideias e obras de Moisés Mendelssohn.
Palavras-Chave: Iluminismo. Haskalá. Mendelssohn. Debate historiográfico
(Iluminismo). História das Ideias.
ABSTRACT
This paper deals, from the perspective of the Intellectual History and with the
methodological aid of the Conceptual History and a vast analysis of relevant
literature, of the various historiographical debates about the Enlightenment’s Century,
the Enlightenment itself, and its dialogues with Haskalah, the Jewish Enlightenment.
Starting from such historiographical implications, this paper objective is to bring to
light and understand how the works and ideas of Moses Mendelssohn, considered
“the Jewish Socrates”, articulate with the already widespread Enlightenment in
Europe and North America and opens its doors to modernism in German Jewish
society, as it seeks its emancipation and an end to religious persecution.
Mendelssohn, the herald of the Jewish Enlightenment, was an important Jewish
philosopher in the middle of the Prussian bourgeoisie, maintaining contact and
exchanging correspondence with other great figures of his time, such as Kant and
Lessing. This paper first clarifies what would be the current historiographical debates
about the Enlightenment, the religious influences in the period and finally analyzes
the ideas and works of Moses Mendelssohn.
Keywords: Enlightenment. Haskalah. Mendelssohn. Historiographical debates
(enlightenment). Intellectual History.
INTRODUÇÃO
Empresa difícil é a do historiador em sua tentativa de conceituar o fenômeno
Iluminista. Ou seriam: fenômenos Iluministas? Nosso problema já é posto logo de
cara. Avancemos, então: no que costumam pensar, dentro de um contexto informal e
sem rigores acadêmicos, ao falar-se da Era do Iluminismo? Incontestável, seria, a
afirmação de que tal reflexão e resolução distinguem-se a depender do alvo de tal
inquirição. Num aspecto geral, longe de uma avaliação rigorosa, o inquirido poderia,
rapidamente, visualizar em seu consciente imagens da queda da Bastilha, um marco
da Revolução Francesa de 1789, ou a Liberdade, com seus desnudos seios, a
tremular a tricolor bandeira revolucionária, numa quase fidedigna representação do
quadro de Eugène Delacroix (1798). Mais alguns segundos e, talvez, arriscaria
balbuciar nomes como: John Locke, Rousseau (1712) e Voltaire (1694).
Nenhuma dessas rápidas concepções mentais estariam erradas. Não
obstante, há de se reafirmar o caráter heterogêneo e diversificado que transcorreu o
Século das Luzes – ou Século da Filosofia, como preferia o coeditor da Encyclopédie
(1751), Jean le Rond d’Alembert (1717) 1 .
Há de se sair em defesa pela ignição primeva acerca do despertar de um
interesse sobre o caráter plural e multifacetado do Iluminismo – ou Iluminismos,
como bem afirma Gertrude Himmelfarb (1922) 2 . Mas por qual motivo tratarmos
justamente do Iluminismo Judaico?
Para além do interesse pelo Século das Luzes, seus filósofos e filosofias,
rupturas e continuidades, compunha, em nós, imenso entusiasmo pela História
Judaica. E não apenas uma História do Judaísmo, mas uma latente História Judaica,
viva, polêmica, com suas lutas e resistências pelos séculos da Europa Cristã e
Oriente Islâmico. Dentro de uma perspectiva questionadora, este traz mais perguntas e
indagações que propriamente afirmações, e respostas às inquirições com mais
interrogações. Indubitável afirmar que na historiografia brasileira os estudos sobre
UM ILUMINISMO JUDAICO? A HASKALÁ E OS FENÔMENOS DO ESCLARECIMENTO NO DEBATE HISTORIOGRÁFICO E NAS IDEIAS DE MOISÉS MENDELSSOHN (1755-1786)
RESUMO
Este trabalho desenvolve-se sob a óptica da História Intelectual e com o auxílio metodológico da História dos Conceitos e de vasta análise de literatura pertinente, nos vários debates historiográficos acerca do Século das Luzes, o Iluminismo, e seus diálogos com a Haskalá, o Iluminismo judaico. Partindo de tais implicações historiográficas, seu objetivo é pôr à luz e compreender como as obras e ideias de Moisés Mendelssohn (1729), considerado “o Sócrates judeu”, articulam-se com o Esclarecimento já difundido na Europa e América do Norte e abrem as portas do modernismo na sociedade judaica alemã, enquanto esta busca a sua emancipação e fim das perseguições religiosas. Mendelssohn, o arauto do Iluminismo judaico, foi um importante filósofo judeu em plena burguesia prussiana, mantendo contato e trocando correspondências com outras grandes figuras de sua época, como Immanuel Kant e Gotthold Lessing. Este trabalho primeiro esclarece quais seriam os atuais debates historiográficos sobre o Iluminismo, as influências religiosas no período e por fim faz análise das ideias e obras de Moisés Mendelssohn.
Palavras-Chave: Iluminismo. Haskalá. Mendelssohn. Debate historiográfico (Iluminismo). História das Ideias.
ABSTRACT
This paper deals, from the perspective of the Intellectual History and with the methodological aid of the Conceptual History and a vast analysis of relevant literature, of the various historiographical debates about the Enlightenment’s Century, the Enlightenment itself, and its dialogues with Haskalah, the Jewish Enlightenment. Starting from such historiographical implications, this paper objective is to bring to light and understand how the works and ideas of Moses Mendelssohn, considered “the Jewish Socrates”, articulate with the already widespread Enlightenment in Europe and North America and opens its doors to modernism in German Jewish society, as it seeks its emancipation and an end to religious persecution. Mendelssohn, the herald of the Jewish Enlightenment, was an important Jewish philosopher in the middle of the Prussian bourgeoisie, maintaining contact and exchanging correspondence with other great figures of his time, such as Kant and Lessing. This paper first clarifies what would be the current historiographical debates about the Enlightenment, the religious influences in the period and finally analyzes the ideas and works of Moses Mendelssohn.
Keywords: Enlightenment. Haskalah. Mendelssohn. Historiographical debates (enlightenment). Intellectual History.
INTRODUÇÃO
Empresa difícil é a do historiador em sua tentativa de conceituar o fenômeno Iluminista. Ou seriam: fenômenos Iluministas? Nosso problema já é posto logo de cara. Avancemos, então: no que costumam pensar, dentro de um contexto informal e sem rigores acadêmicos, ao falar-se da Era do Iluminismo? Incontestável, seria, a afirmação de que tal reflexão e resolução distinguem-se a depender do alvo de tal inquirição. Num aspecto geral, longe de uma avaliação rigorosa, o inquirido poderia, rapidamente, visualizar em seu consciente imagens da queda da Bastilha, um marco da Revolução Francesa de 1789, ou a Liberdade, com seus desnudos seios, a tremular a tricolor bandeira revolucionária, numa quase fidedigna representação do quadro de Eugène Delacroix (1798). Mais alguns segundos e, talvez, arriscaria balbuciar nomes como: John Locke, Rousseau (1712) e Voltaire (1694).
Nenhuma dessas rápidas concepções mentais estariam erradas. Não obstante, há de se reafirmar o caráter heterogêneo e diversificado que transcorreu o Século das Luzes – ou Século da Filosofia, como preferia o coeditor da Encyclopédie (1751), Jean le Rond d’Alembert (1717)[1].
Há de se sair em defesa pela ignição primeva acerca do despertar de um interesse sobre o caráter plural e multifacetado do Iluminismo – ou Iluminismos, como bem afirma Gertrude Himmelfarb (1922)[2]. Mas por qual motivo tratarmos justamente do Iluminismo Judaico ?
Para além do interesse pelo Século das Luzes, seus filósofos e filosofias, rupturas e continuidades, compunha, em nós, imenso entusiasmo pela História Judaica. E não apenas uma História do Judaísmo, mas uma latente História Judaica, viva, polêmica, com suas lutas e resistências pelos séculos da Europa Cristã e Oriente Islâmico[3].
Dentro de uma perspectiva questionadora, este traz mais perguntas e indagações que propriamente afirmações, e respostas às inquirições com mais interrogações. Indubitável afirmar que na historiografia brasileira os estudos sobre Haskalá estão concentrados em nicho específico[4]. Quando encontrados, mais certo estarem disponíveis nos poucos periódicos que tratam da História Judaica que sobre o Aufklärung – Esclarecimento.
Dentro dos porquês de uma pesquisa sobre o Iluminismo judaico, a pouca luz e esclarecimento do tema em nossa historiografia nacional são os mais acentuados. A relevância do tema responde-se com as mesmas perguntas que formular-se-iam ao depararmo-nos com ele: o que foi o Iluminismo Judaico? Dentro dos fenômenos do Esclarecimento, como se enquadra – se é que se enquadra – este novo Weltanschauung dos esclarecidos filósofos judeus berlinenses do setecentos , os chamados maskilim[6]? É compatível a ideia de um fenômeno do Esclarecimento dentro de um seio religioso judaico, um fenômeno, até então, intrinsecamente cristão e ocidental?
Tais problemáticas configurar-se-iam como esqueleto e corpo de nossa pesquisa, o aspecto geral de nossa justificativa, mas faltaria o sopro de vitalidade, o Emet[7] que traria vida a este Golem[8] inanimado: os aspectos gerais das ideias de Moisés Mendelssohn dentro do contexto de uma Europa ressignificada pelos philosophes no turbulento “Século das Luzes”.
Deparamo-nos, então, com a hipótese deste trabalho, a pedra angular da pesquisa e de nossas questões: a Haskalá, conhecida como Iluminismo Judaico, é um fenômeno legítimo dentro dos diversos fenômenos do Esclarecimento. A característica judaica da Haskalá não é, em absoluto, contraditória com o Século das Luzes, nem com sua ideia de “emancipação”. É justamente o caráter diverso e plurirreligioso[9] do Lumières (Luzes) que fecunda as ideias de um Esclarecimento judaico. Se os franceses tiveram seus philosophes, os judeus – da Europa Central e Oriental – tiveram seus maskilim. Se França e Prússia tiveram Voltaire e Immanuel Kant (1724), os ashkenazim[10] tiveram Moisés Mendelssohn e Naphtali Wessely (1725).
Desta forma, objetiva-se com este trabalho reafirmar o caráter plural, diverso e multinacional do Esclarecimento – tão bem definido por Gertrude Himmelfarb, Jonathan Israel e diversos outros historiadores[11] (HIMMELFARB, 2011, p. 24-26) e (ISRAEL, 2009, p. 34-41); conceituarmos o que foi a Haskalá e o Esclarecimento judaico; também analisaremos o papel e as ideias principais de Moisés Mendelssohn (1729) em sua defesa do judaísmo, da emancipação dos judeus e sua luta contra superstições e misticismos dentro de sua religião, em favor da razão na religião. Também nos debruçaremos numa breve análise dos conceitos de liberdade e Esclarecimento para Mendelssohn e Kant.
Pretende-se verificar e demonstrar a hipótese e as questões deste por meio de metodologia da História Intelectual, onde analisar-se-ão fontes primárias e secundárias. Configuram-se como fontes primárias analisadas, neste trabalho, algumas das principais obras reeditadas de Moisés Mendelssohn e algumas de suas correspondências: Phädon (1767); Jerusalem (1783); Morning Hours (1786); To Lessing’s Friends (1786); Philosophical Conversations (1761); From Jacobi’s On the Doctrine of Spinoza (1785). Alguns dos escritos de Mendelssohn podem ser encontrados na obra editada de Michah Gottlieb: Moses Mendelssohn Writings on Judaism, Christianity and the Bible (2011). Analisaremos, também, literaturas pertinentes dos autores que pensam a história do Iluminismo, história do Iluminismo Judaico e os pensamentos e filosofia de Moisés Mendelssohn, bem como outros filósofos que venham a dialogar com o pensador judeu do Esclarecimento. Tais obras são: The Jewish Enlightenment (2005), Moses Mendelssohn (2010), Haskalah and History, The Jewish Eighteenth Century (obras de Shmuel Feiner); The Transformation of German Jewry (1990), Moses Mendelssohn and the Religious Enlightenment (1996) (David Sorkin). O Iluminismo e a Questão Judaica, escrito por Hannah Arendt (2016), também tem papel fundamental em nossa análise.
Em nossa justificativa pela abordagem do campo da História Intelectual, citamos diretamente Francisco Falcon, onde o próprio diz, em alusão às ideias de Ernst Cassirer: “[…] são as relações entre as ideias que permitem ao historiador conhecer a ‘fenomenologia do espírito de uma época’” (FALCON In: FLAMARION; VAINFAS, 1997, p. 161). Como já afirmamos acima, não se pretende em nosso a defesa da ideia de “Iluminismo único”, mas buscar em seu caráter diverso e plural o sentido deste fenômeno também conceitual no imaginário e no social da burguesia judaica em Berlim dos setecentos. Neste sentido, a busca por uma metodologia de história comparada haveria de fragilizar este pelo tempo e espaço que cabem em nossa pesquisa. Ainda assim, um dos maiores desafios de um historiador das ideias, com a proposta que temos, seria juntar as partes – os fenômenos em análise – e afirmar: Aufklärung! Hercúleo desafio, mas não impossível.
Diferentes escolas que trabalham com a intelectualidade nos auxiliam neste esforço metodológico: tanto as concepções de Bildung (construção) e consciência de Arendt quanto a Begriffsgeschichte (História dos Conceitos) de Reinhart Koselleck (1923), possibilitando a compreensão do Esclarecimento como fenômeno dinâmico e histórico. Tanto Arendt (2000, p. 39) quanto Koselleck (2006, p. 305-327) exploraram a “consciência histórica” – ou consciência da historicidade – quase como uma condição existencial produzida por nossas projeções imaginárias, em nossa análise de como o presente se relaciona com o passado e o futuro[12]. À parte dos esforços subatômicos da metodologia linguística de Koselleck, é de nossa fundamental importância não transplantar conceitos de forma ingênua e arbitrária – comprometendo, assim, toda a análise –, mas de utilizar como suporte metodológico sua abordagem do campo dos conceitos[13] onde o próprio Koselleck afirma:
[…] enquanto os conceitos têm capacidades políticas e sociais, sua função e performance semânticas não são unicamente derivadas das circunstâncias sociais e políticas às quais eles se referem. Um conceito não é simplesmente indicativo das relações que ele cobre; é também um fator dentro delas. Cada conceito estabelece um horizonte particular para a experiência potencial e a teoria concebível e, nesse sentido, estabelece um limite (KOSELLECK apud JASMIN, 2006, p. 33).
Diante de tais fatos acima explanados, tempo e espaço são delimitados e problematizados neste trabalho. Não nos cabe a totalidade da intelectualidade do Esclarecimento e todo seu horizonte de eventos, tão pouco de toda Haskalá – que frutifica por toda Osteuropa (Leste Europeu) até os fins do século XIX. Destarte, a primeira parte deste trabalho deve ser entendida como análise e discussão de alguns dos fenômenos do Iluminismo e o que entende-se por Haskalá (Iluminismo Judaico). Em nossa segunda parte, é enfim tomado o recorte da análise que se propõe: as ideias de Moisés Mendelssohn, um filósofo judeu na Prússia de Frederico II da Prússia (1712), um “déspota esclarecido”.
Na primeira parte, a primeira cautela metodológica deve ser a de tomar como ponto de partida o que nós, neste trabalho, entendemos por Iluminismo, a Era do Esclarecimento, alguns de seus fenômenos e características no campo filosófico e religioso. Para tal empreitada, analisar-se-ão algumas das ideias nas obras de Peter Gay (1923), Ernst Cassirer (1874), Jonathan Israel (1946), Gertrude Himmelfarb (1922), David Sorkin (1949) e Shmuel Feiner. Dentro dessa primeira parte, faz-se necessária uma sucinta explicação do que é a Haskalá dentro dos fenômenos dos Iluminismos na Europa e América e se é compatível a ideia de um iluminismo “religioso” com os demais fenômenos do Esclarecimento.
Em nossa segunda parte do trabalho, trataremos da vida, as obras e ideias de Moisés Mendelssohn, o “Sócrates judeu” – como ficou conhecido (FEINER, 2000, p. 336)[14]. Ao lado de Espinosa, Mendelssohn é uma das principais vozes da modernidade judaica e europeia. Além disto, Moisés Mendelssohn é o arauto do Esclarecimento Judaico, a Haskalá[15]. Destacar o papel de Mendelssohn é conditio sine qua non para nós, não pela falsa ideia de ter sido a única voz da Haskalá, ou por não ter recebido críticas dentro e fora do seio religioso e laico judaico – Hannah Arendt (2016, p. 130) criticará algumas de suas ideias “ingênuas” e assimilacionistas, pouco mais de 145 anos após a morte de Mendelssohn[16]. Mas pela importância e originalidade do autor judeu em buscar na razão e nos filósofos esclarecidos a defesa do judaísmo como “religião da legislação revelada”, como o próprio filósofo afirma:
Volto à minha observação anterior. O judaísmo não se vangloria de nenhuma revelação exclusiva de verdades eternas que são indispensáveis à salvação, de nenhuma religião revelada no sentido em que esse termo é geralmente entendido. Religião revelada é uma coisa, legislação revelada, outra (MENDELSSOHN, 1983, p. 97, tradução nossa).
DEBATES HISTORIOGRÁFICOS
O dinâmico Século das Luzes inaugurou um novo Régime d’historicité (Regime de historicidade), como bem afirma François Hartog (1946). Antes dele, a hipótese de Reinhart Koselleck apontava que uma mudança radical na consciência histórica (Geschichtsbewusstsein) ocorreu na virada do século XVIII[17].
Em sua hipótese, Koselleck percebe o Esclarecimento tomado e nutrido pela crítica de uma hipócrita burguesia “esclarecida” que via na historicidade de seu fomento da divisão dualista do mundo a justificativa e consequência da própria crítica política (2006, p. 75-110). “Hipócrita burguesia esclarecida” pois a crítica política dos “esclarecidos” visava a tomada indireta do poder, tendo como pressuposto uma posição “apolítica” contra o Estado Absolutista. Tal crítica radical[18] dos agentes do Esclarecimento é fomentada e aprisionada pela visão de um dualismo moral que se nutre dentro do Estado. Mesmo que de forma indireta, a crítica esclarecida legitima a crise e a revolução através da moralização da política, que verá o soberano absolutista como imoral. Nesta síntese, o burguês do Lumières vê, então, a justificativa para a ação violenta, a rebelião. Assim sintetiza Koselleck:
O Iluminismo, forçado à camuflagem política, sucumbiu à sua própria mistificação. A nova elite vivia na evidência de uma legalidade moral, cujo sentido residia em apresentar uma antítese à política absolutista. A separação da moral e da política conduziu a crítica soberana e legitimou uma tomada indireta do poder, cujo significado político efetivo permaneceu encoberto para os atores, precisamente em virtude do seu auto-entendimento dualista. Obscurecer a compreensão desta dissimulação como dissimulação era a função histórica da filosofia da história. Ela é a hipocrisia da hipocrisia em que a crítica se havia degenerado. […] O anonimato político do Iluminismo cumpre-se na soberania da utopia. […] Pois a relação indireta com a política, a utopia – que, após a oposição secreta da sociedade ao soberano absoluto, veio dialeticamente à luz -, transformou-se nas mãos do homem dos tempos modernos em um capital sem provisão política (KOSELLECK, 2016, p. 161).
Necessário dizer que Moisés Mendelssohn, testemunha e ator do fervor político e intelectual da segunda metade do século XVIII, já alertava sobre os perigos de um “abuso do Iluminismo”, ou sua radicalização, ao alertar que tal diligência “enfraquece o senso moral e gera teimosia, egoísmo, heresia e anarquia” (apud FEINER, 2010, p. 195, tradução nossa ).
Ainda hemos de analisar de forma apropriada o pensamento de Mendelssohn, mas no que concerne à abordagem da crise europeia do setecentos – tese de Koselleck –, o professor Shmuel Feiner nos dá um prelúdio das ideias do pensador judeu em sua crítica ao “filosofismo radical” de alguns dos philosophes.
O Iluminismo fracassaria, por um lado, se fosse percebido pelos líderes do Estado como uma ameaça ao regime, que assim negaria o Iluminismo aos seus cidadãos. Por outro lado, o Iluminismo fracassaria se seus representantes radicais o usassem mal com o objetivo de destruir a religião e a moralidade. Em ambas as condições de confronto, Mendelssohn propôs que o Iluminismo deveria ser comedido porque os danos em sua divulgação e promoção seriam maiores do que os benefícios (2010, p. 194, tradução nossa).
Diferente de Koselleck, numa análise mais pomposa e otimista tanto dos philosophes quanto do próprio Esclarecimento, Tzvetan Todorov inicia sua obra O espírito das Luzes (L’Esprit des Lumières) afirmando que é no período do Esclarecimento que “[…] os seres humanos decidem tomar nas mãos seu destino e colocar o bem-estar da humanidade como objetivo principal de seus atos” (2008, p. 9). Ainda que de um prisma mais filosófico que de rigor historiográfico, Todorov, sem hesitação, levanta alguns pontos caros e polêmicos para os historiadores do Lumières. Recortamos apenas dois de seus vários comentários para termos um início:
O espírito das Luzes, tal como se pode descrevê-lo hoje, levanta um problema curioso: encontram-se nele os ingredientes de épocas variadas, em todas as grandes civilizações do mundo; […] Ainda que não se possa observá-lo em todo lugar e sempre, o pensamento das Luzes é universal: eis o que somos obrigados a constatar antes de tudo. Não se trata apenas de práticas que o pressupõem, mas também de uma tomada de consciência teórica. Encontram-se traços desde o século III a.C, na Índia, nos preceitos dirigidos aos imperadores ou nos editos que estes difundem. Encontram-se ainda nos “pensadores livres” do Islã dos séculos VIII a X; ou durante a renovação do confucionismo sob os Song, na China, nos séculos XI e XII; ou nos movimentos de oposição à escravidão, na África negra, no século XVII e no início do XVIII (2008, p. 133-134).
E por último:
As Luzes pertencem ao passado, já que existiu um século das Luzes; […] Continuamos então a evocá-las para, segundo o caso e as disposições do autor em questão, acusá-las de ser a origem de nossos males antigos e atuais[…] Propomos então “reacender as Luzes”, ou ainda fazê-las brilhar até os lugares remotos e as culturas [sic] que ainda não as conhecem (ibidem, p. 149).
Todorov parece partir de uma tradição histórico-filosófica que descreve o Iluminismo quase que de forma linear, una – mesmo com algumas divergências entre seus pensadores – ainda que o próprio filósofo búlgaro critique a ideia de linearidade dentro de alguns dos intérpretes do período (ibidem, p. 27).
Sobre esta polêmica, ainda que a defesa de Dan Edelstein (1955) esteja correta, onde o Esclarecimento não significaria uma soma de diversas partes, mas a matriz onde ideias, conceitos e ações são ressignificadas (EDELSTEIN, 2010, p. 13), não há de se anular, em totalidade, a hipótese de John Pocock (1924), que fala em pluralidade de “Iluminismos”[19]. Pocock retoma uma crítica à historiografia de Peter Gay que afirmava: “Houve apenas um único Iluminismo” (apud HIMMELFARB, 2011, p. 24); (EDELSTEIN, 2010, p. 12). Neste contexto, vemos como benéfica a manutenção e defesa do termo “Iluminismo” e “Esclarecimento”, no singular, não por depreciarmos da ideia de uma pluralidade de “iluminismos”, mas por vermos os fenômenos iluministas seguirem uma coerência nacional, intelectual e cultural de sua época; coerência posta, inclusive, em discordâncias de variados temas dos “esclarecidos”.
Ainda que seja empresa difícil achar uma “coesão” nos variados fenômenos do Esclarecimento, tal empreitada já foi realizada dentro da historiografia, sem dobrar-se à ideia de “um único Iluminismo”. Mesmo que recebidas com uma variedade de críticas contemporâneas, as obras de Jonathan Israel e John Robertson – ainda que não dialoguem em concordância explícita – Iluminismo Radical: a filosofia e a construção da modernidade 1650-1750 e The Case for Enlightenment: Scotland and Naples 1680-1760 , respectivamente, conseguem construir um bom arsenal teórico de como o Iluminismo, em sua vasta gama de pluralidades, pode ser entendido como um movimento Europeu urbano e de construção (Bildung), visando conceitos semelhantes como emancipação dos “cidadãos do mundo” (Weltbürger). Um clássico neste sentido é A Filosofia do Iluminismo, obra do neokantiano Ernst Cassirer, que já em seu prefácio afirma:
A totalidade desse movimento incansavelmente flutuante, em permanente fluxo, não poderia reduzir se a uma soma de opiniões individuais. A “filosofia” do Iluminismo propriamente dita é algo muito diverso do conjunto do que foi pensado e ensinado pelos grandes mestres do período, por Voltaire e Montesquieu, Hume ou Condillac, D’Alembert ou Diderot, Wolff ou Lambert. […] Por isso tínhamos que decidir, naturalmente, deixar em segundo plano uma profusão de detalhes, mas cuidando de não omitir nenhuma das forças essenciais que modelaram o rosto do Iluminismo e determinaram sua visão da natureza, da história, da sociedade e da arte. Graças a esse método, é possível descobrir que a filosofia de século XVIII, que ainda há quem se obstine em apresentar como uma mistura eclética de temas intelectuais díspares, é dominada, na verdade, por um reduzido número de grandes ideias fundamentais que nos são propostas numa síntese coerente e segundo uma rigorosa articulação (1994, p. 12-13).
Ainda que não defenda a ideia de um “único Iluminismo” – o próprio Cassirer vai definir diferenças substanciais entre a filosofia dos philosophes franceses da filosofia esclarecida (Aufgeklärt) dos alemães[20] –, Cassirer busca, em sua hipótese, desnudar o “fio condutor” das variadas ramificações das ideias esclarecidas dentro de uma “filosofia do Iluminismo”. Neste sentido, ainda que alegue diversas partes de um fenômeno, Cassirer tenta buscar uma ideia central de razão, dentro do que ele relembra ser o “Século da Filosofia”, como bem afirmara D’Alembert. A compreensão da totalidade desta nova filosofia concebida seria o próprio gênero moderno de concepção da natureza, ciência e conhecimento, caracterizadas pela então recente relação que se estabeleceu “[…] entre sensibilidade e entendimento, entre experiência e pensamento, entre mundus sensibilis e mundus intelligibilis” (CASSIRER, 1994, p. 67).
É no movimento de emancipação do conhecimento físico e da ideia de natureza newtoniana que Cassirer vai tecer um dos fios condutores interligando filósofos diferentes no La pensée des Lumières (O pensamento Esclarecido). Ernst Cassirer nos lembra que o pensamento esclarecido é embebido pelas ideias de filósofos que não necessariamente são os philosophes franceses, mas, também, filósofos holandeses como Espinosa (que também é judeu), alemães como Christian Wolff e Leibniz, e, principalmente, os britânicos Isaac Newton e David Hume. Cassirer nos lembra que é neste novo fenômeno esclarecido dentro das ciências naturais, tão influenciado pelo pensamento de Newton, que D’Alembert escreve Elementos de filosofia. É neste mesmo fenômeno que Voltaire escreve Éléments de la philosophie de Newton; Éléments de physiologie escrito por Diderot e Fondements de la chimie de Rousseau (ibidem, p. 65-80).
Aqui fazemos uma breve pausa: Koselleck afirma que o Iluminismo “floresceu justamente na França”, o que não é um fato fácil de ser verificado. Há, porém, um problema nesta defesa: se, para Koselleck, “[…] o ponto de partida do Iluminismo foi o sistema absolutista […]” (1999, p. 19) e se a França foi “[…] o primeiro país que superou de maneira resoluta as guerras internas religiosas mediante a adoção do sistema absolutista” (ibidem, p. 19-20), há um vício lógico na defesa de Koselleck ao afirmar que o Esclarecimento “floresceu” na França. Se é verificável a tese de Werner Näff, de que é na França que temos o primeiro modelo de arrefecimento das guerras religiosas pela adoção do Estado Absolutista, Koselleck não poderia argumentar que o Iluminismo “floresceu” em outro lugar que não na França, ou cairia em armadilha contraditória.
Destarte, ainda que correto analisar fenômenos e interpretações diferentes dentro do Esclarecimento, ao que parece, não precisamos seguir John Pocock ao supor que diferentes contextos formaram Iluminismos plurais. Em vez disso, podemos analisar com maior acuidade, com Ernst Cassirer e John Robertson, um Iluminismo no qual impulsos nacionais e cosmopolitas foram combinados: o contexto nacional, inspirando os expoentes da economia política, auxiliando na inquirição e publicação de soluções adaptadas às circunstâncias particulares de seus países; o cosmopolita, encorajando-os a pensar comparativamente e a estruturar seus argumentos para o bem geral da humanidade. Dentro desses fenômenos, há, também, o impulso religioso, do qual falaremos a seguir.
UM ESCLARECIMENTO RELIGIOSO: A FALSA IDEIA DO ILUMINISMO RADICALMENTE ATEU
Se admitir-se-á um fenômeno como o Iluminismo judaico, deve-se admitir, e analisar – por consequência –, ideias religiosas dentro do pensamento Esclarecido (La pensée des Lumières). Ou deveríamos deduzir que o movimento que se segue às ideias de Mendelssohn, a Haskalá, fora único e anômalo – em seu conceito religioso – dentro da composição de uma época anticlerical, o que seria repreensível. Reduzir-se-á, tampouco, o Esclarecimento na cruzada do enciclopedismo francês – tão bem demonstrada nas ideias de d’Holbach – contra a religião revelada? O Iluminismo não fora um movimento fundamentalmente articulado por radicais ateus ou outros atores irreligiosos. Tal análise iria na contramão do que se pensa atualmente sobre Iluminismo e seus fenômenos (ROBERTSON, 2007, 377-74).
Ao contrário de uma cruzada ateia, o que caracterizou o Iluminismo já a partir da primeira metade do século XVIII foi um novo foco na melhoria deste mundo, observações e análises do que seria a Natureza Humana, a relação do Homem com Deus, novas interpretações exegéticas e hermenêuticas, plena liberdade de pensamento, de expressão, dentre outros (ROBERTSON, 2007 p. 8). É o caso de se analisar os pensamentos de Rousseau, Voltaire, Hume, Priestley e, essencialmente, neste, Moisés Mendelssohn. Tais homens letrados não reconheciam na razão filosófica a única e suficiente substância para o estabelecimento dos verdadeiros valores morais, mas pela tradição, prática e religião (ISRAEL, 2013, p. 150).
Encorajados pela identificação de tais antecedentes, os historiadores e pesquisadores de outras áreas têm se inclinado ainda mais a analisar o Iluminismo ao longo de linhas confessionais, em fenômenos plurais como Iluminismo Protestante e Católico (ROBERTSON, 2007, p. 15). Acerca de um Iluminismo confessional, Matytsin e Edelstein afirmam:
[…] hoje, seria ingênuo argumentar que os philosophes e seus aliados romperam claramente com o passado. Mesmo seus argumentos mais subversivos sobre a religião organizada devem muito à cultura católica ortodoxa da qual emergiram e na qual Voltaire, Diderot e outros philosophes amadureceram […] mesmo os argumentos contra a existência de Deus e contra a imortalidade da alma humana podem ser rastreados até os debates da cultura erudita católica que “geraram sua própria antítese filosófica (2018, p. 02, grifo nosso).
Há de se afirmar, atualmente, que não é difícil empresa estabelecermos uma conexão clara entre a cultura erudita do Iluminismo e a religião nos países protestantes, particularmente em Escócia, Suíça, Prússia e outros estados alemães onde o Iluminismo foi institucionalizado nas universidades[21]. Dada a oposição vociferante dos philosophes à Igreja Católica, no entanto, qualquer compatibilidade entre o catolicismo e o Iluminismo parecia problemática. A estreita relação entre fé e razão existia em várias denominações, como demonstrou The Religious Enlightenment (2008), de David Sorkin. Sorkin concentra-se nos detalhes individuais das inúmeras maneiras pelas quais a razão e a religião interagiram em diversos contextos racionais e confessionais. Sua análise, não apenas de intelectuais protestantes e católicos, mas também de pensadores judeus, mostra que o “Iluminismo religioso” não se limitou a nenhuma denominação específica em um país ou grupo de países específicos, mas cruzou fronteiras religiosas e nacionais. E foi “o primeiro desenvolvimento comum às religiões ocidentais e religiões da Europa Central”. Continuando a tendência revisionista, Sorkin argumenta que “o Iluminismo não era apenas compatível com a crença religiosa, mas também propício a ela”. É nesse sentido, de um fenômeno confessional do Esclarecimento, que nosso se alinha e vem a analisar e debater a Haskalá e os pensamentos de Moisés Mendelssohn.
2.1 TRAÇANDO UMA DEFINIÇÃO HISTÓRICA DA HASKALÁ
A Haskalá foi claramente um fenômeno urbano que evoluiu em cidades como Berlim, Königsberg e Viena, onde famílias judias de classe alta e média sofreram aculturação europeia nas últimas duas ou três gerações nas duas últimas décadas do século XVIII e Königsberg refletiu um processo especialmente intenso (FEINER 2001, p. 189).
A aculturação das famílias de Berlim que acumularam grande riqueza na Guerra dos Sete Anos (1756-1763) foi expressada em uma adaptação da aparência externa, a língua alemã, certos padrões de lazer e reuniões sociais. Segundo Jonathan Israel (2009, p. 32-41), uma verdadeira crise apareceu já no fim do século XVII: a radicalização religiosa em direção ao deísmo, colapso da unidade familiar, uma porcentagem relativamente alta de divórcio, nascimentos extraconjugais e conversão ao cristianismo. do final do século XVII – muito antes do aparecimento dos primeiros maskilim – e que atingiu seu apogeu nos salões de mulheres judias em Berlim na virada do século XVIII. Meninas judias estudavam música, dança e línguas europeias, especialmente alemão e francês, com professores particulares, e se vestiam nos melhores estilos rococó e barroco da aristocracia. Era natural para eles lerem romances franceses e frequentarem o teatro (FEINER, 2001, p. 195).
Os maskilim, porém, consideravam esses processos superficiais ou radicais e cada vez mais além das linhas legítimas. É verdade que os próprios maskilim sofreram mudanças moderadas no estilo de vida, como pode ser visto nos retratos que foram preservados. No entanto, desde cedo eles criticaram fortemente a aculturação que não foi engendrada pelo pensamento à época. Eles rejeitaram as mudanças extremas na vida judaica que cada vez mais levavam ao envolvimento na sociedade cristã, à tentação de se converter, casamentos mistos, apatia religiosa e ateísmo, tudo o que eles consideravam uma ruptura total com todas as normas morais. Os primeiros maskilim pregaram contra os caçadores de prazeres, os bebedores de vinho e os foliões que negligenciavam suas almas (FEINER, 2001, p. 197).
No início da era, os múltiplos estados alemães eram sociedades corporativas baseadas em economias agrárias, guildas e mercantilistas; ao final dela, o novo estado alemão unificado era uma sociedade amplamente burguesa no meio de uma industrialização, urbanização e comercialização em expansão sem precedentes. Esta foi uma transformação de estados e sociedades estatais para um estado-nação e uma sociedade civil (SORKIN, 1990, p. 13-17).
Uma característica distintiva dessa transformação – o que a distinguiu da França e da Inglaterra, por exemplo – foi que ela ocorreu sob os auspícios de uma aliança entre a monarquia e a aristocracia. A partir do final da Guerra dos Trinta Anos (1648) a monarquia e a aristocracia tentaram alterar as relações políticas para aumentar seu poder através de uma política de raison d’etat (Ibidem, p. 172-187). No entanto, uma reforma das relações políticas não poderia ser efetuada sem uma reforma da estrutura social. A tentativa da monarquia e da aristocracia de modernizar a política não poderia ser alcançada sem uma correspondente modernização da sociedade. Suas políticas, portanto, enfraqueceram antigos grupos sociais e criaram novos. Esses novos grupos sociais, por sua vez, queriam uma parcela do poder político. A nova ordem que a aliança da monarquia e da aristocracia inesperadamente deu origem ameaçava a reivindicação de poder dessa aliança.
Em outras palavras, em nome do poder político, um Estado modernizador iniciou mudanças sociais; mas essas mudanças sociais geraram consequências políticas imprevistas que o Estado então tentou impedir para preservar seu poder. Em consequência de sua aliança, então, a monarquia e a aristocracia se viram na posição paradoxal de fazer o papel de parteira de uma nova ordem social que então se recusaram a deixar nascer (Ibidem p. 183-85). As elites políticas da velha ordem social viram-se presidindo uma transformação que encaravam com manifesta ambivalência e mal disfarçado desdém. Essa situação paradoxal constituiu a característica básica da transformação da Alemanha durante a era.
Na França do século XVIII, onde a pressão política e a tensão social trouxeram a “questão judaica” à atenção pública em várias ocasiões, essa ambivalência cristalizou-se em duas tradições (ISRAEL, 2013, p. 55-62) Montesquieu continuou a tradição da razão de estado em relação aos judeus, ligando-o ao relativismo cultural. Os judeus podiam ter seus méritos e deficiências relativos em comparação com os gregos, mas ainda assim merecem tolerância religiosa. Para Voltaire, Diderot e D’Holbach, em contraste, os judeus eram os exemplos do clericalismo medieval e da superstição religiosa, uma afirmação baseada na identificação do Antigo Testamento como fonte do cristianismo. Voltaire, em particular, reviveu a imagem dos judeus na literatura clássica, afirmando sua corrupção inata e irremediável (ISRAEL, 2013, p. 60-64).
Na Alemanha, a crítica da teologia do Aufklärung seguiu os deístas ingleses e Voltaire, vislumbrando os elementos indesejáveis do cristianismo contemporâneo como uma herança do judaísmo do Antigo Testamento. A Aufklärung, portanto, advogava a eliminação desses vestígios de elementos judaicos para acelerar a transformação do cristianismo em uma religião pura de ética (FEINER, 2010, p. 86-98). Kant foi além da Aufklärung nesse aspecto como em outros. Sua concepção baseava-se na oposição do espírito filosófico à religião positiva. Traçando uma dicotomia radical entre religião autônoma e direito heterônomo, Kant negou ao judaísmo o status de religião, vendo-o, em vez disso, como uma constituição política (SORKIN, 1996, p. 227). Por causa de sua confiança na lei e ritual, revelação e crença messiânica, Kant viu o judaísmo como o arquétipo de uma religião oposta à razão, e assim designou o cristianismo uma religião totalmente “ocidental”, negando suas origens “orientais”, judaicas, destarte, a tradição da raison d’etat na Prússia defendia a tolerância dos judeus por sua utilidade econômica sem, no entanto, descartar uma imagem de sua degradação moral (Ibidem, p. 227-228).
A emancipação dos judeus pertencia à transformação dos estados e sociedades alemãs. Esse processo não começou no final do século XVIII, mas teve antecedentes em desenvolvimentos após o fim da Guerra dos Trinta Anos (1648). O crescimento de estados absolutistas, baseados no centralismo administrativo, mercantilismo e, eventualmente, utilizando a Aufklärung como ideologia legitimadora, teve um impacto lento, mas cada vez mais significativo, nas comunidades judaicas da Alemanha. As comunidades anteriormente “autônomas” declinaram gradualmente à medida que os judeus se tornaram geograficamente dispersos e socialmente diferenciados, enquanto os estados usurparam as funções jurídicas e cívicas das instituições comunitárias. Enquanto a política do absolutismo estatal, em parte, inadvertidamente preparou o caminho para a emancipação ao integrar lentamente os judeus no aparato administrativo do Estado, ao transformar a comunidade autônoma ela também coincidiu com fatores judaicos internos que aceleraram seu progresso.
Em outras palavras, enquanto a maior transformação da sociedade alemã exigia mudanças correspondentes na sociedade judaica, esta não ocorreu meramente por causa de fatores externos, de forma unilateral. Havia fatores judaicos internos em ação que influenciaram a maneira pela qual o processo maior atingiu a comunidade judaica e, por sua vez, deu à transformação sua forma particular para o grupo minoritário. (FEINER, 2010, p. 124-127) Enquanto os judeus chegaram ao território alemão pela primeira vez no trem das legiões romanas no século IV, comunidades substanciais apoiadas pelo comércio internacional concentraram-se primeiramente ao longo do Reno e em centros comerciais (Colônia, Mainz, Worms) nos séculos XI e XII.
Para os judeus do setecentos, a defesa da Haskalá envolvia uma crítica das instituições, pensamento e comportamento, passado e presente, que pretendia trazer uma regeneração e transformação fundamental e que incluía pensamento independente e autônomo, humanismo e tolerância, uma mudança de valores para novos aspectos sociais, econômicos, e ideais culturais, e a normalização da existência judaica (FEINER, 2004, p. 48-49). No entanto, a Haskalá estabeleceu limites a essas aspirações de renovação para evitar a aniquilação da cultura judaica. Como os maskilim estavam intimamente envolvidos na etnia, religião e cultura judaicas, eles tinham plena consciência da influência destrutiva de um modernismo superficial e externo. Eles muitas vezes alteravam sua postura de uma luta direta contra o “velho” para a conservação e proteção do “velho” contra o “novo” (SORKIN, 1990, p. 111-117).
No entanto, a Haskalá construiu seu apoio à renovação judaica na tradição judaica, especialmente na língua hebraica, na Bíblia e na história nacional. Em comparação com outras opções de modernização, a Haskalá parece relativamente conservadora e moderada (ISRAEL, 2011, p. 28-46). Embora seus programas apontassem para uma reforma abrangente da vida da comunidade judaica, na prática os maskilim atuavam principalmente nas áreas de belles-lettres, redação jornalística e educação e só ocasionalmente assumiam o novo papel político de ligação entre judeus e governo (FEINER, 2004, p. 53-54). A Haskalá desempenhou um papel crucial, mas não exclusivo, no processo de secularização judaica, e foi fundamental para o desenvolvimento da cultura, mentalidade e estado de espírito do judeu moderno (SORKIN, 1990, p. 177)
A VIDA DE MOISÉS MENDELSSOHN, SUAS OBRAS E IDEIAS NO PERÍODO DAS LUZES
No frio Outono de 1784, na Prússia, a pergunta “Que é o Esclarecimento?” era respondida no periódico mensal Berlinische Monatsschrift[22] por um famoso filósofo alemão [23]. Moisés Mendelssohn, o filósofo que nos referimos, era um judeu ingresso na Sociedade de Leitura (Lesegesellschaft) berlinense. Alguns meses depois de Mendelssohn, a mesma pergunta seria respondida no periódico por um também conhecido filósofo alemão: Immanuel Kant (FEINER, 2001, p. 189).
Moisés Mendelssohn está entre aquelas figuras raras que são uma lenda em sua própria vida e um símbolo depois disso. No entanto, um status tão raro tem responsabilidades distintas. Dois séculos implacavelmente agitados da História moldaram a miríade de versões da lenda e do símbolo, bem como os diversos usos feitos deles. Esses mais de dois séculos dominam nosso campo de visão e exigem nossa compreensão do pensamento de Mendelssohn. A lenda e o símbolo apresentam um Mendelssohn com duas faces: uma é o homem do Aufklärung alemão, imortalizado na denominação “o Sócrates judeu”, após a publicação de seus diálogos socráticos, “o Fédon”, em 1767. O outro é o singelo judeu, Moisés Dessau – que é como ele assinou muitos de suas cartas e obras em hebraico –, consagrado na frase “de Moisés até Moisés não houve ninguém como Moisés”, o que fez dele o pensador judeu dos tempos modernos, o legítimo sucessor do Moisés da antiguidade e o medieval Moisés Maimônides (FEINER, 2010, p. 25-33).
Nas inúmeras descrições e análises desses dois rostos desde a morte de Mendelssohn, a questão incontornável tem sido a relação entre eles. As respostas a esta pergunta constituem um verdadeiro índice do pensamento judaico moderno, uma vez que tal resposta tem sido parte integrante de praticamente todas as filosofias e ideologias judaicas modernas. Em sua época, o único eixo era que os “lados” de Mendelssohn eram inteiros e coesos entre si: ele era o judeu moderno exemplar em sua capacidade de harmonizar a cultura europeia com a crença e as observâncias judaicas (FEINER, 2004, p. 129-135). Isaac Euchel assumiu esta posição em seu estudo de Mendelssohn publicado em 1788. Euchel chamou Mendelssohn de “singular em sua geração, único em sua nação” e fez dele um modelo para todos os judeus: “Sua vida deve ser nosso padrão, seus ensinamentos nossa luz” (FEINER, 2010, p. 185).
Tanto Shmuel Feiner (2004, p. 127-135) quanto David Sorkin (1990, p. 59-60), apontam como Mendelssohn foi visto como criador de uma simbiose judaico-alemã, o homem que “desejava promover conjuntamente o judaísmo e a educação alemã (deutsche Bildung)”, que como “judeu religioso sincero e um escritor alemão” era “um nobre modelo para a posteridade” (SORKIN, 1990, p. 60).
O outro eixo, apontado pelos historiadores, vê uma face de Mendelssohn como inadequada e em desarmonia, tornando-o o falso profeta da assimilação e da desnacionalização. De acordo com Sorkin (Ibidem, p. 61), o publicitário judeu do final do século XIX, Peretz Smolenskin (1842), aponta isso de forma clara: “Moisés Mendelssohn manteve a visão do amor por toda a humanidade, e sua família e amigos o seguiram. Mas para onde isso levou? Quase todos eles se converteram”. Em um espírito crítico, o filósofo do século XX Franz Rosenzweig (1886) escreveu: “De Mendelssohn em diante[…] o judaísmo de cada indivíduo se contorceu na ponta de uma agulha” (Ibidem.)
Quer se trate Mendelssohn como um herói, um vilão ou algo intermediário, a relação entre o filósofo alemão e o pensador judeu permanece. Até mesmo o biógrafo de Mendelssohn, Allan Arkush (1951), transmitiu uma inconfundível ambivalência ao tentar compreender essa tensão. Arkush é claro ao afirmar Mendelssohn como figura importante para os judeus alemães, em virtude de sua simpatia pela língua alemã e participação na cultura alemã, sua lealdade intransigente como judeu, sua formulação de uma filosofia moderna do judaísmo e sua defesa dos direitos civis judaicos (ARKUSH, 1994, p. 07-09). No entanto, Arkush não poderia fazer essa afirmação de forma inequívoca. “De muitas maneiras, Mendelssohn foi o primeiro judeu alemão moderno, o protótipo do que o mundo veio a reconhecer como o caráter específico, para o bem ou para o mal, do judaísmo alemão” (ibid., p. 13). Essa análise do biógrafo nos lembra como mais de dois séculos de história assombram qualquer investigação sobre Mendelssohn. Essa dificuldade se aplica quer construamos o símbolo de Mendelssohn de forma restrita, entendendo-o apenas em relação ao judaísmo alemão, como Arkush e outros fizeram, o construamos amplamente, vendo Mendelssohn como o judeu moderno.
Mendelssohn nasceu em 1729 em uma família pobre, embora instruída, em Dessau. Promissor estudioso do Talmud e dos textos rabínicos, foi para Berlim em 1743 para continuar seus estudos na yeshivá[24]. Mendelssohn compartilhou a situação de outros estudantes de yeshivá, ganhando seu pão diário através de uma combinação de refeições gratuitas e s acadêmicos ímpares. Sua situação melhorou em 1750, quando foi nomeado tutor da rica família Bernhard e mais ainda em 1754, quando se tornou balconista na fábrica de seda da família, cargo que também deu-lhe o privilégio de residir em Berlim (FEINER, 2010, p. 24). Ambas as ocupações eram típicas para os homens judeus letrados. Nas décadas de 1750 e 1760, Mendelssohn serviu a comunidade de Berlim escrevendo sermões e traduzindo-os para o alemão para ocasiões festivas.
De acordo com Feiner (2010, p. 93) em 1763, os anciãos da comunidade berlinense reconheceram as contribuições de Mendelssohn, isentando-o de impostos. Durante esses anos, Mendelssohn também publicou dois números do primeiro jornal em hebraico moderno, o Kohelet Musar; ele escreveu um comentário sobre a cartilha filosófica de Maimônides – Milot ha-Higayon –, em 1760-1761, um tratado hebraico sobre a imortalidade da alma em 1769 e um comentário sobre o livro de Eclesiastes em 1770. Posteriormente, ele começou a traduzir para o alemão e comentar partes da Bíblia, começando com uma tradução dos Salmos (FEINER, 2010, p. 178-184).
Esse esforço culminou em uma tradução do Pentateuco, com comentários dele e de outros, publicado como “Livro dos Caminhos da Paz ” – a tradução alemã foi impressa em caracteres hebraicos -. Como resultado de sua reputação, Mendelssohn foi chamado para falar e defender os judeus (FEINER, 2010, p. 185-186). Essa atividade começou no final da década de 1760 (Altona, 1769; Schwerin, 1772; Suíça, 1775; Königsberg, 1777; Dresden, 1777; Alsace, 1780) e resultou na publicação de um compêndio da lei judaica para uso nos tribunais alemães (Ritualgesetze der Juden, 1778), uma introdução a uma tradução de um apelo do século XVII para a readmissão dos judeus à Inglaterra (“Rettung der Juden”), bem como seu Jerusalem[25] (Ibidem, 2010, p. 186-189).
Sua abordagem da história se assemelhava à de alguns importantes teólogos discípulos de Christian Wolff[26]. A fase política vai desde os primeiros pronunciamentos políticos de Mendelssohn até sua obra decididamente política, Jerusalem . Ele une tradição do pensamento político iluminista alemão, fazendo a transição de “intercessor” para defensor dos direitos civis. Aqui ele reiterou os principais princípios de sua fé: o judaísmo era uma religião de conhecimento prático (“legislação divina”) fundamentada na história, mantida por transmissão oral e baseada na heteronomia. Ele usou a teoria da lei natural secular e eclesiástica – esta última também havia sido usada pelos wolffianos teológicos – para argumentar que os judeus mereciam uma concessão incondicional de direitos, bem como deveriam se reconstituir como uma sociedade voluntária sem poderes coercitivos.
Essas três fases do pensamento de Mendelssohn correspondiam em grande parte às três etapas do desenvolvimento da Haskalá: de uma tendência entre indivíduos (1700-1770), a um círculo intelectual (década de 1770), a uma sociedade organizada com um jornal (década de 1780). Mendelssohn foi o único membro da Haskalá a fazer a transição do período inicial para sua fase política posterior. No entanto, sua atividade política representava claramente um desvio de sua agenda original.
Este foi o caso da Haskalá em geral. Sua reputação como movimento revolucionário resultou de sua convergência na década de 1770 com as mudanças políticas e sociais fundamentais conhecidas como emancipação e assimilação. Embora a Haskalá tenha se identificado com essas mudanças, elas de fato alteraram seu curso original. No pensamento de Mendelssohn, as relações entre Judaísmo e Iluminismo, filosofia e revelação, política e crença eram tão intrincadas que poderiam ser melhor descritas pelas versões negativa e positiva de uma metáfora. O Iluminismo não foi uma tela pronta na qual Mendelssohn meramente pintou uma versão do judaísmo com tintas pré-misturadas. Ele desenhou a tela em seu próprio design, misturou sua própria paleta de cores e pintou diretamente de sua imaginação religiosa e filosófica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, procuramos estabelecer um diálogo entre as diversas correntes historiográficas sobre o Iluminismo e a Haskalá, o Iluminismo judaico. Somado a isso, consideramos dificultosa a tarefa de se analisar o Esclarecimento judaico sem o devido entendimento da importância das obras e das ideias de Moisés Mendelssohn. Longe de ter sido o único proponente de um afastamento do judaísmo das raízes supersticiosas do misticismo, Mendelssohn pode ser considerado o arauto e “profeta” deste “judaísmo moderno”, por mais complexo e polêmico que tal conceito carregue.
Estabelecer ou acrescentar itens na gigantesca historiografia sobre o Iluminismo pode até ser considerado cansativo e repetitivo, mas jamais inútil, jamais sem importância. Este se propôs a trazer à luz da historiografia brasileira o mais atual e polêmico debate sobre o período do Esclarecimento, seus desdobramentos, suas visões de mundo, as influências religiosas no que já foi creditado como período de “radical ateísmo” e, principalmente, como a grande e existente comunidade judaica europeia – principalmente aquela estabelecida na Prússia – recebeu e percebeu o período das Luzes.
A não grande e não extensa pesquisa de um Iluminismo judaico, na historiografia brasileira, não representa uma falta de qualidade em nossos s acadêmicos, mas ilustra a inviabilização da existência de um grupo religioso minoritário que participa, dialeticamente, de todo processo turbulento do Século das Luzes. O déficit dessas pesquisas tende a consolidar a imagem caricata do judeu europeu fechado em seu próprio mundo, iletrado e supersticioso, sem participação direta ou interventiva na formação da identidade, política e filosofia europeia.
É justamente na contramão de tal caricatura que se faz importante a análise da vida e das obras de Moisés Mendelssohn em sua hercúlea batalha pela autodeterminação dos judeus, sua emancipação e o direito de preservarem e manterem uma religião milenar. Em Mendelssohn e em outros maskilim, a emancipação judaica toca o real e a razão, fugindo do campo sobrenatural do misticismo judaico (Cabalá) e do messianismo teológico e teleológico.
É nesse aspecto da existência de uma consciência “esclarecida” judaica que firmam-se as bases deste trabalho. É no entendimento de uma comunidade judaica aberta – e ao mesmo tempo relutante – com a modernidade europeia e todos os seus conflitos sociais, políticos, religiosos e culturais que pretendemos demonstrar, onde a existência de um Iluminismo judaico não seria contradição.
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NOTAS:
[1] CASSIRER, Ernst. A Filosofia do Iluminismo, 1994, p. 20
[2] Ibid. p. 38-43.
[3] Para maior conhecimento sobre lutas entre judeus e muçulmanos no Oriente Cf. A History of the Jews in Arabia.
[4] Isto é de fácil averiguação quando se pesquisa por “Haskalá” ou “Iluminismo judaico” no Google Acadêmico.
[5] O chamado Iluminismo Judaico é considerado um “iluminismo tardio”, se comparado com os outros iluminismos da Europa e América. Vários dos maskilim vão produzir intelectualmente apenas no século XIX. Cf. FEINER, 1999, Jewish Enlightenment e Mendelssohn and his “Disciples”.
[6] Maskilim é o plural de maskil, como eram conhecidos os seguidores e proponentes da Haskalá.
[7] A palavra אמת – lê-se da direita para a esquerda – transliterada para “emet”, significa “verdade”, em hebraico. Dentro da tradição mística do judaísmo, a Cabalá, existe a ideia do golem: um ser feito de barro, à imagem de um homem, que após tomar vida através de um ritual onde pronuncia-se o misterioso e sagrado Nome de Deus, tem em sua testa a palavra Emet escrita. A fim de “matar” este golem, o místico deve apagar a letra “aleph” (א) da palavra Emet (אמת), que está inscrita na testa do golem, de modo que resultará na palavra Met (מת) – morto. Adaptações e transformações da lenda têm sido feitas ao longo dos séculos, este ritual é descrito por Jacob Grimm no Jornal para Eremitas (ROSENFELD, p. 41, apud SCHOLEM, 1988, p. 190).
[8] Ser antropomorfo ligado à mística judaica, ganhando vida através de ritual divino.
[9] Neste trabalho abordaremos o caráter religioso do Iluminismo, sua busca pelo Unitarismo e Religião Natural.
[10] Judeus oriundos da Europa Central e Leste Europeu
[11] Dan Edelstein, Anton Matytsin, Franco Venturi, etc.
[12] A despeito de partirem de problemáticas distintas, tanto Hannah Arendt em Entre o passado e o futuro (2000) quanto Reinhart Koselleck em Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos (2006) e Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês (1999) contribuem fundamentalmente ao escopo historiográfico de nossa análise neste trabalho. Sobre a possibilidade de aproximar os dois autores, há o artigo de João de Azevedo e Dias Duarte (2012) publicado pelo periódico “História da Historiografia”.
[13] Cf. (SILVA, 2009, p. 301-318, grifos do autor) onde o autor afirma: “Do ponto de vista metodológico, a história dos conceitos pode ser concebida, inicialmente, como uma ferramenta, um instrumento indispensável para o aprimoramento da prática da História Social. O destaque à função instrumental da história dos conceitos para o aprimoramento disciplinar da História Social não implica aceitar que a primeira possa ou deva ser absorvida pela segunda”.
[14] Em seu livro Haskalah and History: The Emergency of a Modern Jewish Historical Consciousness, Shmuel Feiner afirma, segundo as ideias de Avraham Ber Gottlober (1811-1899): “A imagem de Mendelssohn não dependia de forma alguma nem da historiografia nem dos historiadores: a crença de que Mendelssohn era o ‘líder dos maskilim’ espalhou-se por todo o mundo judaico não por causa do Geschichte der Juden de Graetz, mas por causa do testemunho da própria História. A História produziu sua própria evidência, sem a mediação de um historiador, e foi a História que construiu a imagem reverenciada de Mendelssohn, tornando-a domínio do público judeu em geral” (2000, p. 336, tradução e grifos nossos).
[15] FEINER, Shmuel, 2001, p. 185-219. Cf. p. 206-208.
[16] Em seu Aufklärung und Judenfrage (O Iluminismo e a questão judaica), publicado em 1932, Arendt diz: “[…] a defesa de Mendelssohn da religião judaica e sua tentativa de preservar o ‘conteúdo eterno’ – tão ingênua quanto possa nos parecer hoje – não era totalmente descabida” (ARENDT, 2016, p. 130). Arendt faz uma revisão da filosofia da História de Mendelssohn, Lessing e Herder, onde estes autores, por mais que discordassem um dos outros em alguns pontos (principalmente Herder e sua crítica ao Iluminismo e seus philosophes) chegariam, segundo Arendt, no mesmo fim: a perda da identidade judaica como salário da assimilação nacional (ARENDT, 2016, p. 116-132).
[17] Cf. (KOSELLECK, 2006, p. 280-296).
[18] Cf. (KOSELLECK, 2006, p. 137).
[19] Em seu livro Barbarism and Religion: The Enlightenments of Edward Gibbon 1737-1734, John Pocock faz uma defesa assídua do conceito de “Iluminismos” ao invés de “Iluminismo”. Cf. (POCOCK, 2004, p. 13).
[20] Cf. Os problemas fundamentais da estética In. CASSIRER, 1994.
[21] Cf. Bibliotecas e Iluminismo e Alemanha: O Aufklärung Radical In: Iluminismo Radical.
[22] Berlim Mensal foi um periódico mensal publicado por Johann Erich Biester e Friedrich Gedike. Serviu principalmente como porta-voz da Berliner Mittwochsgesellschaft (Sociedade Berlinense das Quartas-feiras).
[23] Immanuel Kant.
[24] Escola de estudos judaicos.
[25] Principal obra de Mendelssohn, falaremos dela mais à frente.
[26] Importante filósofo alemão.