Neoextrativismo e a realização de Grandes Investimentos na Região Geográfica Imediata da Campos dos Goytacazes

Guilherme Vasconcelos Pereira

 

 

Bacharel em Ciências Econômicas e Mestre em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas, pela Universidade Federal Fluminense, doutorando em Sociologia Política – Universidade Estadual do Norte Fluminense – Darcy Ribeiro, membro do Laboratório de Estudos das Direitas e dos Autoritarismos e do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendência da UFF/Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro.

Email: g_ vasconcelospereira@pq.uenf.br

 

Neoextrativismo e a realização de Grandes Investimentos na Região Geográfica Imediata da Campos dos Goytacazes

INTRODUÇÃO

A Região Geográfica Imediata de Campos dos Goytacazes, localizada ao norte do estado do Rio de Janeiro,  é fruto do mais recente modelo de divisão regional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) realizado em 2017. Essa região é historicamente marcada pela centralidade econômica e política do município de Campos dos Goytacazes e  das atividades que envolvem a extração de recursos naturais, desde a produção sucroalcooleira até a exploração e produção de petróleo e gás.

O presente trabalho visa discutir os efeitos das atividades de extração de recursos naturais na Região, à luz do conceito de neoextrativismo.  Com isso, a presente discussão aborda a forma de inserção dos locais na atual dinâmica do capitalismo ao mercado mundial, enfatizando conceitos pertinentes ao neoextrativismo, desenvolvimento econômico e o papel do Estado nesse processo. Para o caso da Região em questão isso significa se debruçar sobre a realização dos Grandes Investimentos e os seus efeitos econômicos, sociais e políticos nos lugares onde se inserem.

 

 

1 – NEOEXTRATIVISMO NA AMÉRICA LATINA

O  conceito de neoextrativismo é especialmente debatido na América Latina, por meio de uma perspectiva crítica das estratégias de desenvolvimento adotadas na região.  Nele considera-se o histórico recente das atividades de extração de recursos naturais e as estratégias de inserção externa da região durante as primeiras décadas do século XXI.  Tal debate aponta para a relação entre essas atividades e a perspectiva de desenvolvimento adotadas pelos governos chamados de progressistas dos países latino americanos.

Svampa (2019) argumenta que o extrativismo é uma característica marcante da região. A autora afirma que pensar a relação das atividades de extração de recursos naturais na América Latina não é uma necessidade recente, mas remonta ao período de colonização dos países europeus no continente. A extração de recursos naturais  e envio ao mercado internacional faz parte da história de formação dos próprios países que integram a América Latina.

Nesse sentido, Svampa (2019), Gudynas (2012), Gago e Mezzandra (2017), Arboleda (2020), são alguns dos autores que discutem em seus trabalhos as mudanças das características dessas atividades, sobretudo nas primeiras décadas do século XXI. Para Gudynas (2012), o conceito de extrativismo na América Latina deve ser pensado considerando a extração de recursos da natureza, incluindo a agricultura, pecuária extensiva e não somente a extração de recursos minerais e naturais.

Assim o conceito de neoextrativismo apresenta tanto continuidade quanto  rupturas com o conceito clássico de extrativismo. Apresenta continuidade, pois a história econômica da região é marcada pela exploração dos recursos naturais, associados às oportunidades de crescimento econômico e papel do Estado para alcançar o desenvolvimento. Por outro lado, rupturas, pois a atual dinâmica de reprodução e acumulação do capital promove uma série de pressões ao território e à exploração de recursos naturais, resultando em uma diversidade de conflitos econômicos, sociais e políticos.

Nesse caso, a ruptura com o conceito clássico envolve a possibilidade de pensar o extrativismo em diferentes escalas. De acordo com Svampa (2019) o conceito de neoextrativismo é multiescalar e pluridimensional. Ele permite realizar a análise dos efeitos da extração de recursos naturais e o  papel dos países no modelo de divisão internacional do trabalho considerando os efeitos dessa inserção na dinâmica de reprodução do capital internacionalmente. Também permite compreender os efeitos produzidos tanto nos locais onde ocorre a extração quanto onde os recursos são emitidos para o exterior.

O conceito tem sido explorada por diversos autores, como Svampa (2020), Gudynas(2012), Arboleda(2018), em uma tentativa de atualizar o conjunto de relações e dinâmicas que envolvem a extração de recursos naturais, especialmente nos países onde a divisão internacional do trabalho os insere na dinâmica de trocas globais como produtores de commodities. Para Ribeiro (2020), o neoextrativismo é um conceito que envolve não só a extração de recursos naturais, mas permite também analisar a dinâmica de circulação e comercialização dos produtos primários, a participação do Estado influenciado pelo fenômeno da financeirização e por fim as mudanças nos espaços urbanos em prol das atividades extrativas.

Assim, o extrativismo atualmente envolve três circuitos  contraditórios, porém integrados:  a extração propriamente dita envolvendo a territorialidade e o processo de produção de matérias primas; o circuito mercantil que inclui toda a infraestrutura logística para a circulação das matérias primas e, por último, o circuito monetário que envolve os agentes financeiros e instituições promotoras dos empreendimentos. Segundo Arboleda (2020), a dinâmica da indústria extrativa e o crescente uso da tecnologia nas atividades de extração impõe a necessidade de redução dos custos de transporte fazendo com que o extrativismo tenha que ser pensado para além das atividades de extração propriamente ditas.

Ainda segundo Arboleda,  não se trata de subordinação da produção industrial ao sistema financeiro, mas de argumentar que  as estratégias de investimento sustentadas pela financeirização alavancam a expansão de operações materiais nos locais de extração. A expansão do conceito de extrativismo envolve a discussão sobre a expansão logística nos países latino-americanos, Arboleda (2018) aponta que a indústria portuária e movimentação de cargas tem evoluído tecnologicamente para suprir as demandas de circulação de mercadorias. Essa discussão logística e de infraestrutura está associada à ideia de Desenvolvimento da América Latina;  esse ponto é essencial para compreender  os mecanismos utilizados para realização das mudanças em prol das atividades extrativas.

Partindo desses pressupostos destacam-se duas diferentes perspectivas que podem ser adotadas para interpretar o neoextrativismo; a primeira delas é a perspectiva que avalia a participação do Estado-nação,  onde os governos estão presente no processo de acumulação, representado por suas empresas em uma atuação reprodutora da lógica do mercado, mas que visa converter parte dos recursos obtidos pela extração dos recursos naturais para a população. Já a segunda parte dos efeitos locais onde os investimentos em infraestrutura destinada à exportação de commodities são realizados, alterando a dinâmica dos territórios e promovendo deslocamentos, por vezes forçados, da população.

O desenvolvimento em relação ao neoextrativismo cumpre a lógica de transformação da dinâmica de reprodução do capitalismo. Quando o Desenvolvimento surgiu como uma estratégia, após a Segunda Guerra, se direcionava a um conjunto de medidas sob responsabilidade do estado nacional. Mas, à medida que a participação do Estado foi se modificando, a responsabilidade sobre o conjunto de ações para a promoção do Desenvolvimento também  se deslocou, até se tornar um assunto para os poderes locais. Passa a caber ao Estado nacional, então, garantir a internacionalização da sua economia como feito no Brasil.

2  –  DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: NOVAS E VELHAS FORMAS DE SUA REALIZAÇÃO

Especialmente no Brasil nas primeiras décadas do século XXI desponta uma nova visão sobre o desenvolvimento econômico. Intelectuais como Luiz Carlos Bresser-Pereira passam a produzir escritos com significativa importância na condução das estratégias de desenvolvimento no país. De acordo com Sampaio Jr (2012), esse período é marcado pela substituição do “velho desenvolvimentismo” para o “novo desenvolvimento”, alterando a forma de condução do Estado para a sua realização.

Prado (2020) aponta que o desenvolvimentismo é sempre marcado por três eixos, projeto, processo e estratégia. Nesse sentido, enquanto o “velho desenvolvimento” discute o aumento do bem-estar por meio de mudanças estruturais, conciliando capitalismo, democracia e soberania nacional, o “novo desenvolvimentismo” visa reforçar estratégias de inserção internacional e condições para a estabilização da economia que sustentem políticas sociais. De acordo com Sampaio Jr (2012),

Os novos desenvolvimentistas são entusiastas do capital internacional, do agronegócio e dos negócios extrativistas. Defendem a estabilidade da ordem. Não alimentam nenhuma pretensão de que seja possível e mesmo desejável mudanças qualitativas no curso da história. São entusiastas do status quo. Na sua visão de mundo, desenvolvimento e fim da história caminham de mãos dadas. (SAMPAIO JR, 2012, p.685)

O novo contexto coloca as atividades extrativas em evidência. Embora, como já apresentado nesse trabalho, a visão clássica do extrativismo tenha produzido extensa literatura econômica, política e social criticando os efeitos dessas atividades e sua limitada contribuição para o desenvolvimento do país, os chamados governos progressistas intensificam o papel do extrativismo como atividade promotora de crescimento.

Para Gudynas (2012) dessa relação nasce o “neoextrativismo progressista”, consolidando a perspectiva de que estratégias de crescimento geram o desenvolvimento. A estratégia dos governos progressistas em toda América Latina foi compensar as desigualdades sociais e econômicas aproveitando os recursos oriundos da comercialização dos produtos primários, ou seja, o desenvolvimento foi pautado por Grandes Investimentos (GI’s)  ligados ao neoextrativismo.

A estratégia de neoextrativismo progressista tornou-se a principal referência de desenvolvimento. Para Svampa esse movimento é comparável com outra estratégia difundida para a América Latina durante os anos 1990, para ela no século XXI se formou um novo consenso,  o “consenso das Commodities”. Nesse sentido, o consenso passa a orientar as ações de empresas estatais, que por conta da sua participação no mercado de ações tem suas diretrizes alteradas e estruturadas a partir do setor financeiro.

Os interesses dos acionistas pressionaram a maneira como Estado realiza a gestão das mesmas, as empresas passam a atuar cada vez mais como empresas privadas. Nessa lógica de atuação estatal,  no Brasil também foram realizados diversos incentivos via BNDES a entes privados ligados ao setor extrativo.

A partir da segunda metade da década de 2000, diversos Grandes  Investimentos3 vão aportar no País, particularmente em infraestrutura. Esses  investimentos são viabilizados, em sua maior parte, por recursos federais,  isoladamente ou em parcerias com o capital privado, uma vez que se inscrevem  na estratégia de inserção do País na economia internacional. Cabe lembrar que  o Brasil se tornou um dos maiores exportadores mundiais de produtos minerais  e agroindustriais, acentuando, ainda mais, o processo de reprimarização da economia.(ALMEIDA e CRUZ, 2021, p.12)

Segundo Filgueiras (2010), o Estado adotou uma política de reforçar o capital financeiro e fortalecer grupos econômicos nacionais por intermédio do BNDES que, entre outras coisas, financiou novos empreendimentos. O consenso da Commodities reforça a forma de atuação do Estado e a hegemonia do neoliberalismo enquanto doutrina econômica. Nesse sentido, tais investimentos pressionaram a dinâmica social em todos os lugares onde se instalaram, flexibilizando controles ambientais e aumentando os conflitos pela terra (SVAMPA, 2019).

Nessa fase  altera-se significativamente a forma de implantação e objetivos dos GI’s. Atualmente, os empreendimentos estão inseridos em dois contextos: os interesses do capital internacional e do setor privado, fincados na lógica de reprodução das mercadorias ao nível global; o segundo, a instalação desses empreendimentos, que passa por um processo de competição entre regiões que enxergam neles sua redenção. Contudo, a realização desses grandes projetos especializados tecnicamente possui diversas ressalvas, como a capacidade de absorção desses empreendimentos no local e o enxerto tecnológico.

O extenso debate sobre a formação de enclaves e a pouca relação do extrativismo com outras atividades econômicas capazes de produzir outra realidade ganha diferentes dimensões. Entre essas dimensões entram os conflitos, ao haver um desprezo com o conjunto de relações humanas, ambientais e produtivas afetadas pelos empreendimentos.  Em geral, os GI’s consolidam o processo de apropriação de recursos naturais e humanos onde se inserem, nesses espaços prevalece a lógica estritamente econômica orientada por relações exógenas ao lugar escolhido para abrigar o empreendimento. É comum como resultado da predominância da ação exógena ao lugar  a produção de enclaves, visto que as determinações do tal empreendimento não são expressões das forças econômicas, políticas e sociais do lugar (VAINER e ARAÚJO, 1992).

Dorre (2015) afirma que o Estado é indispensável para a geração do modo de produção capitalista. Isso se deve não só ao fato do próprio Estado garantir a formação do mercado, mas também que isso se realize sob condições desiguais de poder. Já para Brandão (2010), o modo de produção capitalista sempre combinou formas de violência direta e indireta, levando a mercantilização até as últimas fronteiras possíveis,

Tais métodos baseiam-se na dominação e no predomínio da força bruta, cometendo atrocidades legitimadas pelo monopólio da violência presente no próprio aparelho estatal. A usura, a predação, a utilização de artimanhas ilícitas, a apropriação e a expropriação, as manobras especulativas etc. são seus instrumentos ordinários e não excepcionais. O tomar domínio de bens públicos, assenhorar-se e apoderar-se de propriedades e patrimônios públicos e privados em nome do progresso geral da sociedade são práticas regulares em toda a história do capitalismo. (BRANDÃO, 2010, P.45)

De acordo com Fontes (2010), a expropriação é um dos mecanismos de uso permanente do sistema capitalista. Na atual fase de expansão do capitalismo ela assume a aparência de “reatualização do roubo”  quando, na verdade, é a continuidade da chamada acumulação primitiva. Nesse sentido, para que a acumulação não seja interrompida, emerge uma nova forma de despossessão através da espoliação de bens e direitos em situações já capitalistas. Muito embora o processo de espoliação sirva para a expansão dessa forma de socialização, ao mesmo tempo, impõe significativas perdas sociais.

A onda de privatização que acometeu o mundo significou uma forma de expropriação. Harvey (2012) aponta que muitas vezes tais processos se apoiavam na legitimidade do Estado para superar a vontade popular, como privatização da água e de outros recursos naturais. As novas formas de regulação serviram principalmente para retroceder nas conquistas de lutas por direitos trabalhistas e de acesso à terra, por exemplo, configurando também uma forma de espoliação. Em suma, nesse jogo as finanças se expandem para outras áreas de valorização, extraindo valor da sociedade e da sua cooperação (GAGO; MEZZANDRA, 2017).

No capitalismo contemporâneo cabe ao Estado, em essência, gerar novos ativos como terras, fontes de matéria-prima e trabalho. O processo desencadeado pelo Estado por meio das expropriações impõe uma lógica de vida social que suprime os meios de existência em detrimento da mercantilização dos elementos preponderantes à vida, dentre elas a venda da própria força de trabalho.  Portanto,  o desenvolvimento do capitalismo ao longo da história dependeu diretamente e continua a depender da atuação do Estado. Assim, as expropriações são parte fundamental para o avanço do capitalismo, pois elas se apresentam como uma saída para a concentração de capitais (HARVEY, 2012).

 

3 – A REGIÃO GEOGRÁFICA IMEDIATA DE CAMPOS E OS GRANDES INVESTIMENTOS

Com a descoberta do petróleo na Bacia de Campos nos anos 1970, a Região Geográfica Imediata de Campos dos Goytacazes começa a conviver com os Grandes Investimentos. Em dois momentos distintos a região se tornou foco do debate da instalação de empreendimentos relacionados à produção de commodities. No primeiro momento as atividades de produção, exploração de petróleo e gás que mesmo com a estrutura física localizada em alto mar rendeu aos municípios da região volumes extraordinários de recursos e investimentos; já o segundo com a instalação do Porto do Açu em São João da Barra.

A conformidade da Região com as atividades extrativas impõe a necessidade de pensar as relações já estabelecidas e os seus efeitos.  Para Almeida e Cruz (2021), o fim do ciclo regional da indústria sucroalcooleira, a introdução da atividade extrativa de petróleo e o Complexo Portuário e Logístico do Açu produzem impactos na estrutura social, econômica e política da região. Além disso, os empreendimentos condicionam as transformações territoriais, modificando a estrutura urbana e rural dos municípios.

Esses processos reacendem e impõem novas disputas no território. A literatura pertinente aos efeitos dessas atividades destaca como as estruturas econômicas, sociais e políticas da região tornam-se dependentes e submetidas aos interesses do mercado, esses por sua vez são determinados pela estrutura transnacionalizada das empresas que atuam no segmento de extração de recursos naturais. Piquet (2021) identifica essa situação desde a instalação do complexo de produção e exploração de petróleo e gás, a seguir,

Nesse mundo corporativo, o papel central é exercido pelas chamadas petroleiras (oil companies), que constituem um poderoso grupo de empresas transnacionais, tais como Shell, Petrobras e BP. Elas detêm o capital e a tecnologia e contratam serviços – como os de sísmica, de perfuração e outros – de empresas altamente especializadas, que, por sua vez, também eram em oligopólios internacionais, dado o nível de complexidade tecnológica exigido em suas operações.(PIQUET, 2021, p.14)

Para compreender essas relações construídas por agentes externos,  Piquet (2021), Almeida e Cruz (2021), Cruz (2020), destacam a produção dos chamados “enclaves” regionais.  A influência dessas atividades promove a integração produtiva à dinâmica econômica pré-existente no território. Uma das formas mais conhecidas de integração das atividades extrativas com a economia local é a distribuição de recursos compensatórios pela exploração dos recursos minerais como os Royalties e participações especiais entre os municípios onde a exploração marinha é confrontante com o território. De acordo com Almeida e Cruz (2021),

Em 1997, foi sancionada a Lei nº 9.478, denominada Lei do Petróleo  (BRASIL, 1997), que extinguiu o monopólio estatal da Petrobras na E&P de  petróleo e gás e, em contrapartida, dobrou o percentual dos royalties, parcela devida pelas empresas da produção por poço, e instituiu as Participações  Especiais, que constituem um adicional sobre a produção dos poços mais  rentáveis. Um pequeno número de municípios privilegiados passou a receber  valores extremamente elevados, situando-os entre os municípios de maior  orçamento per capita – em alguns casos, também em valores absolutos – do País  (ALMEIDA e CRUZ, 2021, p.15)

A Lei do Petróleo e o Decreto 2.705/98, Decreto da Participações Especiais, iniciam nova fase para a receita dos municípios confrontantes. Essa realidade levou os municípios beneficiados com esse volume de recursos a serem conhecido como “petrorentistas”, no caso de Região Imediata de Campos dos Goytacazes, destacam-se os municípios de Campos e são João da Barra como àqueles que recebem Royalties e participações especiais.

Nas primeiras décadas do século XXI, a alta no preço das commodities e a demanda chinesa por esse tipo de produto impulsionaram as atividades de extração. Além do estímulo ao aumento da produção, também entrou em pauta a necessidade de melhorias na infraestrutura logística regional para facilitar o escoamento da produção na região.

Nesse contexto surge o  “Porto do Açu” . O empreendimento desde a suas primeiras conversas para implantação em 2003  visava o apoio a atividades extrativas. Porém, somente em 2005 o projeto de construção do Porto ganha forma sob controle do empresário Eike Bastista e com apoio da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (CODIN) e posteriormente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que financiou aproximadamente R$ 520 milhões (PEREIRA, 2018; PESSANHA, 2017).

Nesta etapa o objetivo do porto seria o escoamento da produção de minério oriunda do estado de Minas Gerais, nesse caso o projeto incluía também a construção do mineroduto. (PEREIRA, 2018) O sistema chamado de  “Minas-Rio” integra a exploração do minério em Conceição de Mato Dentro-MG ao porto no município de  São João da Barra-RJ, no total o duto atravessa 32 municípios, com 525 km de extensão (COSTA, 2018). Assim o mineroduto em ligação com o porto, visava atender a demanda à época para o escoamento da produção de minério para o mercado mundial.

O cenário favorável tanto do ponto de vista interno quanto externo, produziu a valorização do projeto inicial. Esse contexto atraiu investidores estrangeiros e em 2007, o grupo Anglo-American em um negócio estimado em R$ 6 bilhões adquiriu o mineroduto e   possibilitou a expansão do projeto inicial (MORAES, 2017).  Logo o Porto se tornaria um novo empreendimento, o Complexo Portuário e Logístico do Açu (CLIPA).

Nessa nova etapa o CLIPA, assumiu a característica estruturais típicas dos portos mais modernos na atual dinâmica de circulação de mercadorias ao nível mundial. Trata-se da tipologia Maritime Industrial Development Areas (MIDAS), essa configuração mais moderna apresenta além do porto que possibilita a atracação dos navios mais modernos, exige também  a demanda de uma retro área que comporte o estoque de cargas e indústrias. Para São João da Barra a mudança resultou na criação do Distrito Industrial de São João da Barra.

Com a ampliação do empreendimento aumenta-se a demanda por uso dos solos. Assim, o processo de desapropriação das áreas do 5º Distrito do Município de São João da Barra é intensificado. Em levantamento realizado por Assad (2019) consta que no período que compreende os anos 2003 a 2016, houve 29 Atos legais, com  Decretos e Leis que dispunham sobre as terras ligadas ao projeto. No total o CLIPA, a Reserva Ambiental administrada pelo empreendimento e a Vila Terra, local de reassentamento de alguns dos desapropriados, corresponde a 40% do município de São João da Barra.

Somente no 5º Distrito de São João da Barra onde se localiza o empreendimento 1.500 famílias foram desapropriadas em prol do CLIPA. Os moradores da região questionaram todo o processo de desapropriação em dois sentidos: o primeiro, denunciando os valores ou mesmo a falta de indenização pelas terras; o segundo, que reivindicava a devolução imediata das terras através do cancelamentos dos Decretos judicialmente. No processo de implantação do Porto coube então ao Estado o papel essencial, como possuidor do monopólio da violência e responsável por definir os limites da legalidade.

Cezário (2021), identifica que o  processo de implantação do porto em São João da Barra foi realizado utilizando mecanismos de violência econômica. Tal processo representa o aprofundamento social do capitalismo, ao mesmo tempo que apresenta uma importante contradição desse modo de produção.  Os agricultores atingidos pelas desapropriações perderam o seu meio de vida e reprodução social, nesse processo uma parte desses foi deslocada para o mercado de trabalho e muitas vezes em condições precárias (ALMEIDA e CRUZ, 2021).

O processo de desapropriações contribui para a reflexão em torno do valor de uso e valor da terra. A retirada dos agricultores afeta diretamente a forma de uso daquela terra, atualmente elas pertencem à empresa que controla o Porto do Açu, Prumo Logística Global, cobrando aluguel pelo seu uso e rendendo anualmente cerca de R$150 milhões (VILANI et.al, 2021).

O cenário atual da Região Geográfica Imediata de Campos dos Goytacazes exige a reflexão sobre os efeitos dos Grandes Investimentos nos locais onde são inseridos, sobretudo quando os empreendimentos têm por objetivo a efetivação de atividades de extração de recursos naturais. Essa realidade impõe uma série de desafios à região que muitas vezes estão atrelados a interesses que ultrapassam as fronteiras regionais.

 

CONCLUSÃO

A instalação dos GI’s e atuação dos empreendimentos  na Região Geográfica Imediata de Campos dos Goytacazes se apresenta como um movimento típico da dinâmica contemporânea de acumulação do capitalismo. Desde as  estratégias para a realização do empreendimento, envolvendo a espoliação da terra dos moradores locais a partir do próprio Estado, até as suas contradições, onde de um lado vê-se a expansão do capitalismo com um novo empreendimento e de outro a geração de perdas sociais.

Nesse sentido, o conceito de neoextrativismo contribui para expor a forma de atuação do Estado no início do século XXI, atuando como um facilitador para o mercado. Essa realidade  é típica da forma de realização de desenvolvimento econômico na América Latina, diretamente atrelado ao sucesso das atividades de extração de recursos naturais e reacendendo o debate sobre a produção de enclaves econômicos.  Portanto, a exploração e produção de petróleo na Bacia de Campos e o CLIPA são típicas atividades que compõem a discussão do neoextrativismo. Mesmo que a exploração de recursos naturais não ocorra no território, pois o petróleo é extraído no mar e o minério tem origem em Minas Gerais, a região ainda assim  tem nas rendas petrolíferas e nas atividades portuárias a dependência das atividades de extração.

A inserção dessas atividades provoca efeitos significativos nas estruturas econômicas, sociais e políticas da Região. Se de um lado os empreendimentos produzem um volume de receitas que beneficia os municípios, de outro promove uma série de desafios em torno dos conflitos desencadeados, como o deslocamento forçado, a mobilização do uso do solo, a transformação na estrutura urbana e de transporte local.

 

 

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Professora Doutora do Departamento de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendência (LEIT) e do Laboratório de Estudos das Direitas e do Autoritarismo (LEDA). Membro do Grupo de Estudos do Integralismo (GEINT).

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