A eleição de Armando de Salles à Presidência da República (1936-1937): apontamentos iniciais para pesquisa em História
George Leonardo Seabra Coelho
George Leonardo Seabra Coelho
A eleição de Armando de Salles à Presidência da República (1936-1937): apontamentos iniciais para pesquisa em História
George Leonardo Seabra Coelho
Introdução
O dia 3 de janeiro de 1938 seria a primeira eleição presidencial desde 1930. Mesmo que a eleição não tenha ocorrido em consequência do autogolpe impetrado por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, torna-se necessário realizar um estudo histórico sobre essa campanha eleitoral. Entendemos que a referida campanha oferece um indicador do espírito público, da opinião pública e de seus movimentos, René Rémond (1996) considera esse momento como parte integrante de uma eleição, ou melhor, ela é o seu primeiro ato. Apesar da não realização da eleição, examinaremos a campanha eleitoral empreendida pelo Movimento Bandeira em prol da candidatura de Armando de Salles Oliveira.
Ao se lançarem na arena política na década de 1930, os adeptos do Movimento Bandeira se ancoravam em quatro pilares: incorporar a atualidade sem quebrar as tradições; valorizar a cultura brasileira; negar os estrangeirismos; e, por fim, defender a arte com cunho político. Ao apropriarem-se do “mito bandeirante” como símbolo político, os bandeiristas[1] construíram uma relação peculiar entre o tempo (passado e presente) e o espaço (região paulista), bem como, uma associação sui generis entre a tradição e o moderno. Para os bandeiristas, somente com a união entre a tradição – o passado paulista – e o moderno – modernismo e industrialização – seria possível solucionar os dilemas políticos da década de 1930. A revista S. Paulo e o jornal Anhanguera[2] são excelentes documentos para acompanhar a pré-campanha à Presidência da República de Armando de Salles.
Sem mais delongas, convidamos o leitor conhecer um pouco dessa experiência eleitoral sob a perspectiva dos bandeiristas, a qual se divide entre a exaltação da figura de Armando de Salles e a oposição a Plínio Salgado, José Américo e Getúlio Vargas.
A publicização do governo de Armando de Salles através da revista S. Paulo
A revista S. Paulo foi lançada em 31 de dezembro de 1935 e circulou apenas no ano de 1936 sob a direção de Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Levém Vanpre[3]. Ao longo das dez edições, os redatores exaltaram as construções urbanas, a ampliação dos serviços de energia elétrica, água e esgoto. As iniciativas de melhoria na Saúde e Segurança Pública também receberam grande destaque. Os atos de Armando de Salles no campo educacional, especialmente na reestruturação do Ensino Primário, Secundário, Profissional e Superior, foram amplamente noticiados. O campo econômico foi bastante abordado, particularmente o desenvolvimento na agricultura, pecuária e indústria, como também as reformas nos portos, nas linhas ferroviárias, no transporte aéreo e na construção de rodovias. Os redatores enalteceram o “plano de reorganização administrativa” empreendido por Armando de Salles[4].
No discurso publicitário, os redatores proclamam que o governo de Amando de Salles foi um “período ativo, criador e fecundo” por obra de seu “espírito novo” e, especialmente pela sua “capacidade [extraordinária] de administrador[5]”. Para estes apoiadores, o
governo paulista se multiplic[ou] em realizações cotidianas por todos os setores que integram o seu formidável programa de trabalho. Sente-se que há um sentido nitidamente bandeirante nas suas iniciativas largas e inaugurais. Porque correspondem, todas, ao grande destino histórico de S. Paulo, dentro do Brasil[6].
Os redatores referiam-se a essas iniciativas como parte de um formidável impulso “que liga[ra]m admiravelmente o presente com a tradição[7]”, criando um novo bandeirismo. A gestão de Armando de Salles é um “governo bandeirante” que trabalha “pela grandeza do Brasil[8]”. Essa foi uma estratégia utilizada repetidas vezes pelos redatores para consolidar a pré-campanha eleitoral de Armando de Salles, quer dizer, associar as realizações no presente como parte de uma tradição que remontava ao período das Bandeiras paulistas. Na recuperação do mito bandeirante, os redatores glorificaram a figura de Fernão Dias Paes Leme como uma personalidade que realizou “o sonho paulista de fazer um grande Brasil […] disciplinado e orgânico[9]”.
Em meados da década de 1930, os redatores reforçaram a necessidade de retomar os exemplos dos Bandeirantes para combater as ideologias forasteiras e, no presente essas qualidades haviam se materializado na figura de Armando de Salles. O governador paulista foi apontado como um novo chefe, ou melhor, um novo Bandeirante que guiaria todos brasileiros nesta nova arrancada rumo ao progresso. Esta associação do governador paulista ao bandeirante ficou explícita no quarto número da revista S. Paulo. Vejamos:
Figura 1 – Fernão Paes Lemes e Armando de Salles
Fonte – Revista S. Paulo, São Paulo, abril de 1936.
No lado direito, vemos a fotografia do busto da escultura de Fernão Dias Paes Leme ilustrando a capa do quarto número do periódico. Já, no lado direito, encontramos uma fotografia do busto de Armando de Salles na página oposta à capa. Essa estratégia foi propositalmente pensada para que o leitor, ao folhear as páginas da revista, construísse simbolicamente a analogia entre o Bandeirante e o Governador de São Paulo, em outras palavras, a analogia entre o passado e o presente e, ainda, uma continuidade para o futuro.
Além da associação direta entre as duas imagens, algumas questões – agora de ordem técnica – merecem ser levantadas. Ambas as fotografias compartilham da mesma técnica; o contra-plungé. O recorte e o ângulo utilizado pelo fotógrafo – nas duas imagens – provocaram uma leve inclinação de baixo para cima, recurso este que procurou transmitir a sensação de engrandecimento das figuras. Outra questão técnica refere-se à iluminação; ambas as imagens possuem um sombreado na face. Esse jogo de luz realçou a inclinação do olhar para baixo. Podemos dizer que este recurso pretendeu transmitir uma sensação específica; de que estes sujeitos são pensativo-contemplativos-reflexivos, isto é, personagens que transmitem sabedoria, em outras palavras, qualidades intrínsecas ao chefe.
Para os bandeiristas, o lema – que deve ser seguido– é “organização em torno da autoridade[10]”. Esse lema, segundo os redatores, tornava-se necessário, “principalmente no momento em que certas forças corrosivas contagiam o mundo, abalando os alicerces da sociedade e da família, da pátria e da religião[11]”. Estas forças corrosivas que abalam a sociedade são as ideologias tidas por estrangeiras, isto é, o Comunismo, o Fascismo e a Democracia Liberal.
Ao final do ano de 1936, o político paulista antecipou-se ao debate sucessório à Presidência da República e se apresentou como o principal candidato de oposição na eleição marcada para 1938. Apesar do fim da circulação da revista S. Paulo, Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia continuaram colaborando com a candidatura de Armando de Salles através do jornal Anhanguera.
O jornal Anhanguera: os bandeiristas se lançam na campanha eleitoral em favor de Armando de Salles
O Partido Constitucionalista (PC) lançou a candidatura de Armando de Salles para Presidente da República em maio de 1937. Na expectativa de se eleger em 3 de janeiro de 1938, Armando de Salles dirigiu um manifesto à Nação convocando seus partidários a realizar um Congresso Extraordinário e, assim, ratificar sua escolha como candidato. O PC foi peça fundamental para o alicerçamento do projeto político armandista, projeto este que ganhou força com a criação da União Democrática Brasileira (UDB) em junho de 1937. O teor dos pronunciamentos de Armando de Salles era fortemente marcado pelo enfoque na necessidade de organizar politicamente o país. Para Carolina S. Sousa (2013), o político insistia na ideia de que o cerne do problema brasileiro não estava na organização das classes e, sim na falta de um partido nacional.
Durante a campanha eleitoral, os editores do jornal Anhanguera declararam que o Movimento Bandeira era uma organização que “não se filia[va] a partidos” e, não por isso, se apresentava menos preocupado com a conjuntura da época. Seus adeptos postulavam que não poderiam “ficar indiferentes[s] a uma luta cívica das proporções e da transcendência da próxima batalha eleitoral que se travar[ia] em torno da sucessão presidencial[12]”.
Nesta conjuntura, o Movimento Bandeira apoiou incondicionalmente a candidatura de Armando de Salles. Este apoio se dava, não somente para pôr o projeto bandeirista em ação, mas para a retomada do papel de destaque dos paulistas no campo político nacional. Com base neste horizonte de expectativa, os bandeiristas defendiam “uma propaganda política que […] [tivesse] o mesmo estilo límpido da atualidade[13]”. Para esses publicistas, o “candidato que procurar prometer, sem dizer as razões da promessa ou que, seguindo o velho estilo, tentar explorar fibras sentimentais, fracassará irremediavelmente[14]”.
Diante essa prerrogativa que reforçava a personalidade do candidato paulista, os bandeiristas ressaltavam a “vantagem imensa da candidatura Armando de Salles[15]”, pois este político representava “uma orientação construtiva[16]” que atestou “um trabalho criador[17]” durante sua gestão no governo paulista, as quais foram entusiasmadamente publicizadas na revista S.Paulo em 1936. Após realçar as credenciais de Armando de Salles, os bandeiristas salientam que:
Enfrentando candidatos […] messiânicos e caricaturais que só compreendem o interesse público pela literatura, leva o ilustre candidato nacional uma indiscutível vantagem sobre seus concorrentes. Armando de Salles Oliveira, como homem moderno […] E é por isso que vencerá como um candidato do Brasil moderno[18].
Neste fragmento, percebemos como os bandeiristas se posicionavam frente os outros candidatos, especialmente Plínio Salgado – posto como messiânico – e José Américo – apontado como caricatural.
Os bandeiristas acreditavam que a campanha se travaria no trabalho da conquista direta do eleitor. Como tática para alcançar o eleitorado, o jornal Anhanguera noticiou a instalação da Cruzada Paulista de Alistamento Eleitoral. Esta iniciativa ganhou força ao perceberem que o estado de São Paulo era o maior colégio eleitoral e, por esta razão, quanto “maior for esse eleitorado, mais importante será o papel político que S. Paulo desempenhará na União[19]”.
Além de ressaltarem a importância do eleitor paulista, várias reportagens destacavam como a candidatura armandista repercutia em todas as camadas sociais, nos meios militares e em diversos estados, especialmente em São Paulo, Bahia, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Pará e Minas Gerais. As manchetes evidenciavam que a candidatura do político paulista era nacional.
O jornal transcreveu os discursos de instalação da UDB em favor da candidatura de Armando de Salles, noticiava sobre as articulações do PC e informava a instalação da Frente Nacional Democrática. Para os bandeiristas, somente essas agremiações poderiam salvar a democracia brasileira contra o ímpeto autoritário dos Integralistas e de Getúlio Vargas.
Outra estratégia bandeirista no jornal Anhanguera era a desqualificação dos candidatos opositores. Em diversas oportunidades, os bandeiristas debocharam dos comícios de José Américo. Diversas chamadas ironizavam os cancelamentos ou a baixíssima presença dos eleitores em seus comícios como, por exemplo, em São Cristovão no Rio de Janeiro, o qual foi adiado. A chamada ironizou que o “candidato do governo fala[va] às estrelas[20]”, pois a candidatura de José Américo “é considerada um caso perdido[21]”.
Em outra reportagem, os redatores resgataram o discurso de José Américo na convenção de 25 de maio de 1937 realizada em Belo horizonte. Para os bandeiristas, o candidato da situação “causou uma certa decepção, mesmo entre seus correligionários e admiradores[22]”, pois José Américo falou “demasiadamente de sua pessoa, justamente numa campanha política, que deve ser impessoal[23]”. De acordo com a crítica, José Américo se apresentava como o “homem do povo”, “apóstolo do bem comum” e “humilde”, mas com o iniciar da campanha apresentou-se como um “político teórico dos velhos tempos, sequioso de falar de si mesmo, de suas virtudes intimas, de suas emoções[24]”. José Américo é posto como o “candidato de oportunidade, para manejo de certos estrategistas da politicagem”, mas “não [seria] o candidato que atenderia as expectativas nacionais[25]”.
Em um dos editoriais, os bandeiristas comentaram sobre a felicidade que alguns intelectuais sentiram ao saberem que José Américo seria candidato à presidência. Para os bandeiristas:
De fato, o Sr. José Américo é um artista, um intelectual […] Mas, o Sr. José Américo foi escolhido foi pro isso? Iria para a presidência da República o autor da “Bagaceira” ou o revolucionário autêntico, o político paraibano, a vestal dos dinheiros públicos, o inimigo do capital estrangeiro, o ex-ministro do Sr. Getúlio Vargas? […] Muito embora seja o candidato do Catete um excelente escritor, não é um nome índice da literatura patrícia […] Nós intelectuais estamos, por certo, animadíssimo. Porém, com outro nome. Estamos, com o Sr. Armando de Salles Oliveira, porque, além de homem de pensamento, jornalista, sociólogo e um dos oradores mais modernos do país, é um candidato que tudo vem fazendo pela cultura, pela formação da nova mentalidade brasileira[26].
A partir da leitura deste fragmento, vemos claramente a posição dos bandeiristas sobre a figura de José Américo. O candidato da situação, segundo esses publicistas, não era digno de ser Presidente, uma vez que apesar de ter sido um crítico dos desmandos da velha política, este se submeteu totalmente aos interesses Varguistas.
Ao lado de José Américo, os bandeiristas também miraram em Plínio Salgado. Apesar de serem escritores pertencentes ao mesmo grupo literário na década de 1920, Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia não mediram esforços para desconstruir a figura de Plínio Salgado, assim como dos Integralistas. Diversas notícias apontavam para as violentas passeatas Integralistas, as quais sempre ganhavam notoriedade pelos mortos e feridos. Segundo os bandeiristas, esses comícios e passeatas eram “uma triste sequência de conflitos e incidentes. Afrontam a lei, desfilando armados e uniformizados […] lançando por toda a parte o germe da luta e da desordem[27]”.
Como de costume, essas críticas geralmente eram acompanhadas por charges como, por exemplo, a imagem abaixo que satirizou um Integralista após uma passeata.
Figura 2 – Passeatas Integralistas
Fonte – Anhanguera, 22 de julho de 1937, p.1
Para os bandeiristas, Plínio Salgado era um “apóstolo da violência, que fala em nome de Deus[28]”. Diversas reportagens denunciavam que os integralistas agrediam e matavam seus opositores, em outras palavras, o ímpeto violento dos integralistas parece fazer parte de um plano […] visando criar uma situação de insegurança geral. Os integralistas estariam a serviço de forças políticas interessadas na perturbação da ordem afim de prejudicar a campanha eleitoral […] Não podendo viver num ambiente de liberdade e não podendo medir suas forças eleitoralmente, os nazistas nacionais fazem o jogo de forças políticas bem conhecidas como interessadas na suspensão das garantias constitucionais[29].
Além de um grupo violento, os bandeiristas acusam o partido de ter uma ideologia desnacionalizadora; os integralistas eram os “nazistas nacionais”. Segundo os bandeiristas, a prova disso é que os adeptos do sigma “tem seus ninhos mais fornidos, onde o Brasil não conseguiu assimilar o estrangeiro e os filhos de estrangeiros aqui nascidos: na ‘Alemanha Antártida’ […] entre as populações germânicas ou teuto-brasileiras do sul[30]”.
Como forma de desqualificar a candidatura do líder integralista, os bandeiristas denunciavam a infiltração nazista. Além de questionar o símbolo, os gestos, a uniformização dos indivíduos, as passeatas, o uso do conceito de democracia, a técnica da violência, os redatores bandeiristas afirmavam que não há nenhuma diferença entre nazismo e integralismo.
Outra meio de desmoralizar a campanha Integralista era a acusação de fornecimento de munições militares aos “camisas-verdes”. Os bandeiristas acusavam o presidente Getúlio Vargas de conluiar-se com os camisas-verdes, ou seja, com “um partido que atenta[va] contra a Constituição, promovendo passeatas fascistas, provocando mortandade, e, ainda por cima, servindo-se de armas confiadas ao Exército para a manutenção da Constituição e defesa da Pátria… Que dizer a isto?[31]”. Para os bandeiristas, o acúmulo de armas servia para que os “núcleos sigmoides” tentassem “uma próxima investida para a conquista do poder[32]”. Como visto, além de denunciar que os Integralistas postulavam uma ideologia desnacionalizante e estavam se armando, os bandeiristas denunciavam as manifestações de simpatia de Getúlio Vargas ao “chefe dos fascistas nacionais[33]”.
As reportagens afirmavam que o presidente enxergava “com simpatias a candidatura do chefe verde[34]”. Essa confirmação foi feita após a chegada do eminente “prócere verde” em Fortaleza. De acordo com os redatores do jornal Anhanguera, essas aproximações na boca do povo, ganharam múltiplos sentidos. Dizem uns que o Sr. Vargas quer agradar os “camisas verdes”, para uma possível convulsão do Brasil […] Há quem diga, por exemplo, que o Sr. Getúlio – dentro das suas normas de “cozinhar em água fria” – percebendo que a candidatura nascida da convenção já está desmoralizada, vê no Sr. Plínio Salgado a última possibilidade de pôr no Catete um fantoche que ele poderia manobrar ao seu bel-prazer[35].
Na campanha em prol da eleição de Armando de Salles, outro principal alvo dos bandeiristas foi Getúlio Vargas. Os bandeiristas insinuavam que Getúlio Vargas intencionava interferir no pleito presidencial. Em várias manchetes vemos: “o Sr. Getúlio Vargas pretende criar razões que justifiquem a sua já ostensiva intervenção no pleito presidencial” (02/08/1937); “O Sr. Getúlio Vargas está intervindo abertamente na campanha presidencial” (03/08/1937). No editorial intitulado “Duas mentalidades”, os redatores criticaram o presidencialismo liberal, dizendo que o representante da Nação “fica tão focalizado pela opinião” que os “atos e suas ideias se refratam no clima político ambiente, moldando-o a sua imagem e semelhança[36]”. Diante desse pressuposto, isto é, os perigos da Democracia Liberal, os bandeiristas expressaram seus pontos de vistas a respeito de Getúlio Vargas.
Para os redatores anhangueras, houve quem julgasse Vargas um “mestre em jogar xadrez político” ou dotado de um “camaleonismo ideológico com que coloriu sua política[37]”. Outros descreviam que seus nervos eram “compostos não de células sensíveis, mas de uma estranha matéria plástica, fria como as roscas de uma serpente[38]”. Alguns cogitavam que as “suas contraditórias deslocações” criaram a “genialidade do homem de visão flumínea, que se desloca” para se colocar “sempre ao lado da vitória[39]”. Frente às várias tentativas de compreender Vargas, os bandeiristas entendiam Getúlio Vargas como “um assombro e um mistério[40]”. No entanto, anunciavam que “o honrado chefe de governo, não tem alma de monstro, nem nervos de borracha, nem a ferocidade álgida dos ofídios. É apenas uma rolha. Uma rolha que flutua a mercê dos acontecimentos[41]”. De modo geral, os bandeiristas apontavam que somente uma “preocupação obcessiona[va] seu espírito: manter-se no poder[42]”.
No que se refere a campanha política da sucessão presidencial no segundo semestre de 1937, Boris Fausto (2000) considera que faltava um pretexto para Getúlio Vargas reacender o clima golpista, pois estava ciente de que o poder escaparia de suas mãos. O Plano Cohen forjou uma suposta insurreição comunista. Esse plano passou para as mãos da alta cúpula do Exército e, em 30 de setembro de 1937, foi divulgado em programas oficiais pelo rádio e jornais. Em fins de outubro, o deputado Negrão de Lima percorreu os estados do Norte e do Nordeste para garantir o apoio dos governadores ao golpe planejado por Vargas. Somente no início de novembro de 1937 a oposição ao golpe se mobilizou. Armando de Salles lançou um manifesto aos chefes militares apelando para que impedissem a execução do golpe. De acordo com o autor, esse ato serviu apenas para apressar o golpe sob a alegação de que clima de desordem estava chegando ao extremismo. Em plena campanha presidencial, Getúlio Vargas faz uma proclamação – “O prefácio do Estado Novo” – em 10 de novembro de 1937 que mudaria o curso dos acontecimentos.
Decretado o golpe, a campanha presidencial empreendida pelos “novos bandeirantes” em prol da candidatura de Armando de Salles foi interrompida, da mesma maneira que as atividades do Movimento Bandeira. Na noite de 10 de novembro, Armando de Salles foi detido em sua residência, nela permanecendo até o dia 20 do mesmo mês. Dela foi levado diretamente para a Mina de Morro Velho, onde teve residência forçada. Em maio de 1938 foi transferido para o Rio de Janeiro, lá permanecendo poucos dias, regressando para São Paulo. Em fins de outubro recebeu intimação indicando que deveria embarcar – na qualidade de exilado político –para o estrangeiro. Segundo Souza (2013), no exílio, o ex-candidato passou pela França, Nova York e, por fim, Buenos Aires. Doente, Armando de Salles teve permissão de Getúlio Vargas para regressar ao Brasil; desembarcando em São Paulo no dia 7 de abril de 1945, falecendo no dia 17 de maio do mesmo ano.
Considerações finais
No campo das disputas políticas de meados da década de 1930, os “novos bandeirantes” se colocavam como quarta via frente à proximidade da sucessão presidencial marcada para 1938. A nosso ver, a atuação dos bandeiristas na revista S. Paulo e no jornal Anhanguera representaram parte da campanha em prol da candidatura de Armando de Salles à Presidência da República.
Como observamos ao longo deste estudo, o Movimento Bandeira sustentava o apoio de Armando de Salles com o intuito de assentar a vitória do projeto político e econômico paulista. A defesa de um único programa ideológico para o Brasil e a importância da propaganda na campanha eleitoral eram as principais preocupações dos intelectuais reunidos em torno do grupo. Por meio da leitura da revista S. Paulo e do jornal Anhanguera, podemos concordar com Luca (2008), pois não foram obras solitárias, mas empreendimentos que reuniram “um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, por agregarem pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende[u] difundir a partir da palavra escrita[43]”. Como forma de demonstrar que estes periódicos não eram projetos individuais, vemos como a publicidade bandeirista apropriou-se de outros noticiários, de imagens, de charges, de enunciados literários e do “mito bandeirante” para sustentar simbolicamente a campanha eleitoral de Armando de Salles.
Apresentamos, também, as formas como os bandeiristas empreenderam a propaganda eleitoral em beneficio de Armando de Salles. Em meio à campanha de sucessão presidencial, a oposição a José Américo se resumiu à falta de projeto do candidato e à intervenção de Getúlio Vargas no processo eleitoral. Também era noticiada a repercussão da campanha presidencial em outros estados, os comícios pacíficos do candidato bandeirante em contraposição à violência das manifestações integralistas. Já o ataque ao Integralismo adquiriu a categoria de combate à cópia de modelos europeus e aos “ismos” políticos.
Neste estudo, traçamos parte do contorno da divisão geográfica das eleições, uma vez que essa propaganda eleitoral imaginava que a captação de votantes paulistas garantiria a eleição do candidato paulista. Por outro lado, traçamos o comportamento político deste grupo, o qual apontava Armando de Salles e seu projeto político como uma proposta que abarcaria toda a Nação. Apesar de a eleição não ter ocorrido devido ao golpe de 10 de novembro de 1937, fomos capazes de perceber – a partir da visão dos bandeiristas – as formas de convencimento da opinião pública e exposição das correntes ideológicas – sob a ótica bandeirista – que estavam em jogo no processo eleitoral.
Acreditamos que, frente à dificuldade de criar partidos nacionais, à falta de um conteúdo ideológico que arregimentasse a sociedade nesses partidos, à tendência autoritária, à oposição de grandes organizações vistas como inimigas da nacionalidade – AIB e Comunismo – e ao descrédito com a Democracia Liberal, os bandeiristas tentaram resolver esse problema ao desenvolver um ideário que pregava uma organização cultural de caráter nacional. Em vez de indicar a formação de um partido com base nacional, o Movimento Bandeira propôs o resgate do passado regional para sugerir uma organização cultural de caráter nacional no presente, daí a validade do conceito de “regionalismo totalizante”, isto é, um conjunto de enunciados regionais que pretendem abarca toda a Nação[44]. Como visto ao longo da exposição, os “novos bandeirantes” se colocavam fora e acima dos partidos, uma vez que os partidos existentes não representavam os interesses brasileiros, mas, todavia, abraçaram a candidatura de Armando de Salles à Presidência, pois contavam que esta personalidade poderia colocar seus ideais em prática. No entanto, todo este horizonte de perspectiva foi parcialmente frustrado com a decretação do Estado Novo em 10 de novembro de 1937.
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Notas:
[1] Chamaremos os adeptos do Movimenta Bandeira de bandeiristas ou “novos bandeirantes”.
[2] Este jornal circulou entre junho e setembro. O jornal Anhanguera foi dirigido por Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Candido Motta Filho. Tinha como redator principal Osmar Pimentel, Guilherme Figueiredo era o crítico literário e Belmonte como ilustrador e, a partir do sexto número, Didio Valiengo assume a função de diretor gerente. Este periódico propagava as ações do grupo, as listas e comentários de seus colaboradores, a crítica contra a atuação política de Getúlio Vargas, a oposição ao Comunismo, ao Integralismo e à Democracia Liberal e, principalmente, a defesa da candidatura de Armando de Salles à Presidência.
[3] A periodicidade foi mensal até o oitavo número, passando a ser bimestral nos dois últimos. O periódico foi impresso pela Grafficars, com fotografias de Theodor Pressing e Benedito Junqueira Duarte (Vamp). Essa publicação também contava com a produção gráfica de Lívio Abramo, tendo como redatores Osmar Pimentel e Francisco de Castro Neves. Com a missão de divulgar o estado paulista internacionalmente, a partir do segundo número encontramos textos em inglês escritos por J. T. W. Sadler.
[4] BANDEIRAS PAULISTAS. S. Paulo, São Paulo, fevereiro de 1936, p. 3.
[5] A DIREÇÃO. S. Paulo, São Paulo, julho de 1936, p. 1.
[6] BANDEIRAS PAULISTAS. S. Paulo, São Paulo, fevereiro de 1936, p. 3.
[7] Idem.
[8] A DIREÇÃO. S. Paulo, São Paulo, janeiro de 1936, p. 1.
[9] A DIREÇÃO. S. Paulo, São Paulo, abril de 1936d, p. 1.
[10] BANDEIRAS PAULISTAS. S. Paulo, fevereiro de 1936, p. 3.
[11] Idem
[12] DUAS MENTALIDADES. Anhanguera, São Paulo, 30 de junho de 1937, p. 1.
[13] UM DANDIDATO PARA O BRASIL. Anhanguera, São Paulo, 29 de junho de 1837, p. 2.
[14] Idem
[15] UM DANDIDATO PARA O BRASIL. Anhanguera, S.Paulo, 29 de junho de 1837, p. 2.
[16] Idem
[17] Idem
[18] Idem
[19] A “CRUZADA PAULISTA DE ALISTAMENTO ELEITORAL” OBJETIVA TRANSFORMAR S. PAULO NA MAIOR FORÇA ELEITORAL DA UNIÃO. Anhanguera, São Paulo, 17 de julho de 1937, p. 1.
[20] O CANDIDATO DO GOVERNO FALA ÀS ESTRELAS. Anhanguera, São Paulo, 6 de julho, 1937, p. 8.
[21] Idem
[22] A CANDURA DO SR. JOSÉ AMÉRICO. Anhanguera, São Paulo, 1 de julho de 1937, p. 5.
[23] Idem
[24] Idem
[25] Idem
[26] O CANDIDATO DOS INTELECTUAIS. Anhanguera, São Paulo, 7 de julho de 1937, p. 1-5.
[27] Idem
[28] TEREMOS UM NOVO CANUDOS? Anhanguera, São Paulo, 17 de julho de 1937, p.1.
[29] ASSASSINADO PELOS INTEGRALISTAS UM POBRE OPERÁRIO. Anhanguera, São Paulo, 2 de agosto de 1937, p. 8.
[30] MOVIMENTO DESNACIONALIZADOR. Anhanguera, São Paulo, 13 de julho de 1937, p.1.
[31] OS INTEGRALISTAS CONTINUAM ARMANDO CONFLITOS. Anhanguera, São Paulo, 2 de julho de 1937, p. 8.
[32] ARMAMENTO NAS SEDES DOS NÚVLEOS INTEGRALISTAS! Anhanguera, São Paulo, 5 de junho de 1937, p. 1.
[33] O CANDIDATO DO GOVERNO FALA ÀS ESTRELAS. Anhanguera, São Paulo, 6 de julho, 1937, p. 8.
[34] TROCANDO O SR. JOSÉ AMÉRICO PELO SR. PLÍNIO SALGADO, Anhanguera, 21 de julho de 1937, p. 1.
[35] Idem
[36] DUAS MENTALIDADES. Anhanguera, São Paulo, 30 de junho de 1937, p. 1.
[37] A AUTONOMIA DO RIO GRANDE. Anhanguera, São Paulo, 1 de julho de 1937, p. 1.
[38] Idem
[39] Idem
[40] Idem
[41] Idem
[42] Idem
[43] LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos 2ª ed. In: PINSKY, Carla Bassanezi. (Org.). Fontes Históricas. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2008, v. 1, p. 140.
[44] COELHO, George Leonardo Seabra. O bandeirante que caminha no tempo: apropriações do poema “Martim Cererê” e o pensamento político de Cassiano Ricardo. 2015. 346 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2015.