Sentidos do Trabalho Docente
Percorrendo-se na linha do tempo da história da educação no Brasil, no dia 15 de outubro do ano de 1827, Dom Pedro I, o então Imperador do Brasil, baixava um decreto que criaria as Escolas de Primeiras Letras, equivalente ao ensino fundamental nos dias de hoje, o qual simboliza e marca o Dia do Professor. Nesse documento, também estavam estabelecidas as condições de trabalho do professor, dentre as quais, a sua contratação e o seu salário.
A reflexão que ora proponho trata-se do ofício da docência e parte de uma tríade de questionamentos de sentidos que, frequentemente, buscamos dar ou atribuir ao nosso “ofício” e à sua ação histórica e social, isto é, ao trabalho docente conduzido, muitas vezes, em uma larga trajetória de nossas vidas: Que professores nós somos? Que professores nós gostaríamos de ser? Que professores nós realmente podemos ser?
Na obra O Capital (1984), Marx define o “ofício” do homem como o conhecimento essencialmente articulado à sua natureza, produção e desenvolvimento de uma ação. Nas sociedades primitivas, cada indivíduo realizava a sua especialidade com um sentido próprio e pessoal da ação empregada socialmente. Historicamente, os diferentes ofícios ou conhecimentos eram concentrados em um mesmo local e, por meio da cooperação, cada um realizava sua atividade especializada. O trabalho feito em conjunto obtinha o seu produto final, ou seja, a sua totalidade era executada pela união desses especialistas e seus ofícios.
Ao se transpor a relação entre sentido e significado de uma ação para o trabalho docente vamos entender que, a simbiose existente entre o significado das ações do professor e os seus sentidos para o mesmo, se descaracterizou a partir da divisão social do trabalho e da exploração deste quando na adoção e implantação de uma sociedade capitalista em quase todo o mundo. Houve a ruptura da integração entre o significado e o sentido da ação na execução do trabalho humano. O sentido pessoal da ação não corresponde mais ao seu significado. O processo do sistema fabril, sobretudo o trabalho mecânico ou técnico (racional/instrumental), foi transferido para todas as instâncias do setor produtivo e, porque não, para o sistema produtivo educacional.
O professor torna-se, então, um executor de tarefas prescritas a serem cumpridas no seu trabalho de docência, quais sejam, preenchimento de relatórios, planejamento de aulas e cumprimento de conteúdos e cargas horárias. Analisando-se por esta perspectiva, verificamos que o trabalho da docência sofre uma forte ruptura entre o significado socialmente construído de ser professor e de qual é o seu verdadeiro papel na (forma)ação do indivíduo e o(s) sentido(s) que este especialista da educação atribui à sua atividade como formador hoje. Em síntese, as condições subjetivas da formação humana e profissional do ofício de professor perdem seus sentidos em meio às condições objetivas que se lhes apresentam (tarefas e metas a serem ligeiramente cumpridas, salas de aula abarrotadas de alunos com uma grande heterogeneidade cultural, social e econômica, dentre tantos outros) no sistema educacional brasileiro.
Para finalizar essa breve reflexão, retomo o pensamento histórico de Karl Marx de que “o homem é o seu trabalho” e, considerando os atuais impactos ideologicamente políticos, econômicos e socioculturais sobre o trabalho da docência, respondo ao questionamento “Que professores nós realmente podemos ser?” atribuindo um novo sentido para os versos de uma canção popularmente brasileira, e digo: “somos o que podemos ser, somos o que podemos crer” mediante às atuais condições subjetivas e objetivas, sob as quais, exercemos nossa docência.
NOTA: Artigo de autoria publicado no Jornal Folha de Londrina, seção Opinião, em 07/02/2019.
Disponível em: https://www.folhadelondrina.com.br/opiniao/sentidos-do-trabalho-docente-1026142.html
Imagens:
Disponível em: https://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/o-professor-ao-longo-do-tempo.htm
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=k4qFN1O93oc
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/11/doria-preve-subsidio-em-reestruturacao-da-carreira-de-professor.shtml