Maquiavel: nova concepção política, analisando os tipos de principado e como manter sua governabilidade

 

                                                                                                    Arthur Pereira Chagas 

Arthur Pereira Chagas, graduando em História pela Universidade Federal Fluminense, possui estudos voltados para o Brasil República, com foco maior no Golpe de 1964 e a Ditadura Empresarial Militar.

 

Maquiavel: nova concepção política, analisando os tipos de principado e como manter sua governabilidade

Resumo: O presente artigo busca fazer uma análise dos três primeiros capítulos da clássica interpretação de Maquiavel sobre o Estado, os tipos de principado e como haveria possibilidade de governabilidade em torno da própria natureza humana e das ações do príncipe que para conseguir se manter no poder durante um bom tempo deveria possuir duas características básicas segundo o autor, a virtú e a fortuna. 

Palavras-chave: Maquiavel; principados; governabilidade; virtú; fortuna. 

Antes de começar a breve análise aqui proposta sobre “O Príncipe” de Maquiavel é interessante pensar nas condições que foi escrito, faz-se necessário uma breve contextualização do período histórico em que Maquiavel constrói sua obra mais famosa e que aqui será analisada  fora escrita no século XVI, num momento em que se via o republicanismo em algumas cidades da Itália. Aqui não existe nenhuma pretensão em encerrar as discussões sobre esse importante pensador, até por que para tal seria necessário várias coletâneas de livros e mesmo assim poderia ficar incompleto, no caso se trata de uma primeira leitura, uma forma de começar a ter contato com um clássico do pensamento político.  Segundo Maria Tereza Sadek (2011)Seu uso extrapola o mundo da política e habita sem nenhuma cerimônia o universo das relações privadas.”                                                      

   Nicolau Maquiavel, durantes vários anos de sua vida, exerceu a profissão de funcionário público e por esta razão possuía contato próximo com vários governantes ou como o próprio chamava “príncipes”, um desses fora o famoso César Bórgia, filho do então papa Alexandre VI, este possui extrema relevância para Maquiavel, tanto que o inspirou a escrever esta obra que posteriormente se torna primordial para todos pesquisadores da ciência política.  

“Desejando eu, portanto, oferecer-me a Vossa Magnificência com um testemunho qualquer da minha submissão, não encontrei entre os meus cabedais coisa mim mais cara ou que tanto estime, quanto o conhecimento das ações dos grandes homens apreendido através de uma longa experiência das coisas modernas e uma continua lição das antigas as quais tendo, com grande diligência, longamente perscrutado e examinado e, agora, reduzido a um pequeno volume, envio a vossa Magnificência.” (MAQUIAVEL, 1515, p. 7-8)

Através desse trecho que estava na dedicatória, é possível perceber que para ele a utilização da história como mestra é base para que um Príncipe seja bem sucedido, logo não existiria presente melhor para este filho da família Médici, o autor escreve “O Príncipe” com destinatário a Lourenço II, no ano de 1505, Florença já estava sendo controlada pela família Médici, mesmo em condição de exílio político escreve esta brilhante espécie de manual de instruções políticas, para que o príncipe soubesse como ele chegaria ao poder e de que maneira conseguiria lá se manter durante determinado tempo, inclusive poderia fazer uso até da força de armas se o caso fosse, acreditava também na história como mestra de vida,sobre isso Maria Tereza Sadek (2011) ” A história é cíclica, repete-se indefinidamente, já que não há meios absolutos para “domesticar” a natureza humana.” Para o bom príncipe se destacar e dentro do possível conseguir sucesso em governabilidade ele precisaria olhar o passado e não repetir os erros já cometidos pelos príncipes ruins, em contramão, seguir o exemplo dos grandes príncipes, como se estabelece no poder e como lá se manteve. A análise aqui proposta pretende listar e exemplificar quais são os tipos de principados presentes na obra de Maquiavel, sobre isto o cientista político Luís Falcão diz: 

“No correr do texto, Maquiavel distingue os principados em dois grandes grupos: hereditários (ereditari) e novos (nuovi). O modo de se chegar ao governo emerge como um critério de classificação e, nesse ponto, o secretário florentino apresenta uma peculiaridade diante da tradição aristotélica.” (FALCÃO, 2013, p.53)

Partindo dessa observação e do próprio Príncipe, as duas primeiras formas de principado, primeiro o hereditário, o príncipe seria alçado ao poder por questão de sangue e linha sucessória do trono, o segundo seria o novo, poderia se chegar ao poder pelo meio da força e assim lá se estabelecer, porém na concepção de Maquiavel estes seriam mais complexos e por isso o príncipe deveria tomar cuidado e conseguir o respeito de seus súditos, se preciso fosse poderia recorrer à força. Segundo Luís Falcão (2013) “Essas duas maneiras iniciais de se obter o governo, pela hereditariedade ou pela conquista, se fazem pelo sangue, baseado na tradição, ou pelo assalto ao poder.” Logo no inicio do capitulo I Maquiavel diz que:

“Todos os Estados, todos os governos que tiveram e têm autoridade sobre os homens, foram e são ou repúblicas ou principados, os principados são: ou hereditários, quando o sangue senhoril é nobre há já longo tempo, ou novos” (MAQUIAVEL, 1515, p. 10)

No capítulo II “Dos principados hereditários”, Maquiavel discorre sobre os principados hereditários, aqueles que seriam passados justamente por questões familiares de sucessão. Luís Falcão:

“A identificação de como se governa se verifica mais por uma alternativa posta ao príncipe do que propriamente uma definição da forma de governo, esta continua sendo pelo modo de obtenção de um principado, pelo sangue ou herança.” (FALCÃO, 2013, P.55)

Partindo dessa argumentação é possível chegar  a conclusão que os principados hereditários por já existir uma ordem vigente, relações sociais e acordos entre os súditos e seu príncipe seria muito mais simples de se governar, como por exemplo um principado que foste de fato novo por completo. Já no início do capítulo III, Maquiavel após explicar sobre os principados novos e hereditários, dedica este capítulo a um terceiro modelo de principado: o misto.

Em primeiro lugar, se não é totalmente novo mas sim como um membro anexado a um Estado hereditário (que, em seu conjunto, pode se chamar de quase misto) (…)” (MAQUIAVEL, 1515, P. 13)

Ainda sobre os principados mistos, Luís Falcão (2013) acredita que “Assim, o principado misto deve ser entendido como uma categoria à altura dos hereditários e novos, e não como uma especificidade de um principado novo ou hereditário.” Possuindo tal argumentação como pressuposto chega-se à conclusão que o principado misto não uma parte ou condição de um principado novo ou hereditário, mas sim acaba se tornando uma terceira forma de principado, este pode ser fruto de batalhas que seriam anexados pós perca governamental de determinado príncipe para outro.

O Príncipe se trata de uma obra que quebra paradigmas questões tanto sociais quanto políticas, segundo Maria Tereza Sadek “Maquiavel rejeita a tradição idealista de Platão, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino e segue a trilha inaugurada pelos historiadores antigos, como Tácito, Políbio, Tucídides e Tito Lívio.” Contrapondo com os antigos  que estavam preocupados com um governante benevolente, moralmente bom e que governaria partindo de sua moralidade, ainda segundo esta vertente que acredita na honestidade e que o príncipe de sucesso teria um conjunto quatro virtudes: justiça, coragem, temperança e sabedoria. A bondade e virtude intrínsecas na política, acreditava no “dever ser” ou seja numa cidade ideal e harmônica que era pensada dando grande ênfase na questão do “bem comum”. No entanto, na visão de Maquiavel o governante não precisaria ser este santo moralmente falando, segundo Maria Tereza Sadek “Esta é sua regra metodológica: ver e examinar a realidade tal como ela é e não como se gostaria que ela fosse. A substituição do reino do dever ser, que marcará a filosofia anterior, pelo reino do ser, da realidade (..)” e por isso para entender este pensador se faz necessário compreender os conceitos de “Virtú e Fortuna”, a primeira se trata da forma com que o príncipe irá se manter no poder, enquanto a segunda era vista como uma deusa, oportunidades ou herança, o príncipe precisaria dessas duas características para alcançar o sucesso dos grandes homens. Trecho que chama atenção sobre a “fortuna” deve ser contextualizado para a concepção do período que foi escrito para não cair em uma crítica anacrônica:

“Considero que seja melhor impetuoso do que dotado de cautela, porque a fortuna é mulher e consequentemente se torna necessário, querendo dominá-lá; e bater-lhe e contraiá-lá; e ela mais se deixa vencer por estes do que por aqueles friamente.” (MAQUIAVEL,1515, p.150)                             

Apesar de hoje isto  ser uma frase condenável naquele, período é possível reparar que prática de violência contra a mulher lamentavelmente eram recorrentes e ainda mais naturalizadas tendo em vista a fala de um importante intelectual como fora Maquiavel, mas a questão central é que ele queria demonstrar que o príncipe deveria trabalhar com mão de ferro, não dando brecha para que a Fortuna escape ou fuja de seus interesses para assim manter a governabilidade intacta. Maria Tereza Sadek (2011) “A Fortuna não tem mais como símbolo a cornucópia, mas a roda do tempo, que gira indefinidamente sem que se possa descobrir o seu movimento.”                                            

Maquiavel aparece contrapondo criticando justamente esse idealismo do que a cidade deveria ser, para este pensador o que deveria ser feito era tratar do real, da cidade que existe de fato, a chamada verdade efetiva, Maria Tereza Sadek (2011) “A crença na predestinação dominava há longo tempo. Este era um dogma que Maquiavel teria que enfrentar, por mais fortes que fossem os rancores que atraísse contra si.” Não acreditava no “bem comum” para ele o que ocorria ela uma simples disputa de poder, não se importava com a moral e a bondade do príncipe, para ele se tratava de uma irrealidade sem tamanho acreditar que um príncipe possuiria esse conjunto de virtudes, seria uma questão muito mais teórica do que prática, por essa razão observa o real para dar concretude a sua argumentação recorre a fatos históricos, essencial seria como conseguiria manter república com certa estabilidade, apegando se a questões reais  fugindo de subjeções, mostra que os homens são seres egoístas e que através do medo respeitam a lei, discorre sobre “Fortuna e Virtú” que para ele são características que um bom príncipe precisa possuir para poder chegar ao poder e lá se estabelecer, após listar os tipos de principado agora o objetivo mostrar como o príncipe se manteria no poder. Sobre a “Virtú” Maria Tereza Sadek escreve:

“O governante não é, pois, simplesmente o mais forte — já que este tem condições de conquistar mas não de se manter no poder —, mas sobretudo o que demonstra possuir virtù, sendo assim capaz de manter o domínio adquirido e se não o amor, pelo menos o respeito dos governados.” (SADEK, 2011, P. 20)

Uma das maneiras que o autor lista de manter a “Virtú” é através do respeito ou até medo com relação às armas. Na concepção de  Luís Falcão (2013) “contudo, vale destacar, o comando das tropas é um elemento que está submetido à virtù do comandante.” Mesmo possuindo a força de armas e exército bem preparado seria necessário o príncipe possuir Virtú para que desta maneira conseguisse êxito em manter a governabilidade.

“O príncipe que tiver mais temor do seu povo do que dos estrangeiros, deve construir as fortalezas; mas aquele que sentir mais medo dos estrangeiros que de seu povo, deve abandoná-las. O castelo de Milão, edificado por Francisco Sforza, fez e fará mais guerra á casa dos Sforza do que qualquer outra desordem naquele Estado. Por isso, a melhor fortaleza que possa existir é não ser odiado pelo povo (…)” (MAQUIAVEL, 1515, p. 127-128)   

Maquiavel esclarece neste ponto que o príncipe teria que ser respeitado pelo seu povo, aqui as armas fariam papel importante pois serviriam tanto na esfera punitiva, na qual por coação conseguiria respeito do seu povo, ou como recém chegado em hipótese alguma poderia retirar as armas do povo pois poderia gerar uma futura rebelião que talvez resultaria em sua morte, em caso de não possuírem armas cabe ao príncipe doar, para que desta forma mantenham fidelidade ao soberano.   

“(…) vê-se que, quando os príncipes pensam mais nas delicadezas do que nas armas, perdem seu Estado. A primeira causa que te faz perder o governo é negligenciar dessa arte, enquanto que a razão que te permite conquistá-lo é o ser professor da mesma.” (MAQUIAVEL, 1515, p. 86)

Seguindo a mesma linha, o autor, contextualizando, inverte outra concepção que era existente nos espelhos de príncipe anteriores, tendo em vista o conceito de conflito, na Idade Média ele não fazia parte da sociedade, já em pleno feudalismo as relações de vassalagem e dos chamados grandes no poder era vista como algo natural,  o surgimento do republicanismo trouxe consigo o conflito entre grandes e pequenos, aristocracia e povo, segundo Maria Tereza Sadek (2011) ” Note-se que uma das forças quer dominar, enquanto a outra não quer ser dominada.”  Disso que resulta a política ou vida ativa, Maquiavel acreditava que este conflito vem da natureza humana que é má, um constante jogo de interesses no qual sempre tentávamos sair beneficiados de todas as situações independente do outro.  

“Os Estados bem organizados e os príncipes hábeis têm com toda a diligência procurando não desesperar os grandes e satisfazer o povo conservando-o contente, mesmo porque este é um dos assuntos mais importantes que um príncipe tenha de tratar.” (MAQUIAVEL, 1515. P. 111)  

Partindo disso, concluo que Maquiavel vai muito para além quando o assunto é a Virtú, o governante precisaria ser respeitado e por vezes temido, mas deveria possuir certa dosagem para não provocar sentimento de ódio em sua população, ainda mais em Florença que era reconhecidamente uma cidade “tiranocída”, quando os súditos fossem desagradados não pensariam duas vezes antes de matar o príncipe, precisaria ser um bom gestante governamental no tocante aos conflitos sociais, manter tanto o povo quanto os nobres em seu poder ou ao menos coagi-los, entre ser amado e temido era melhor ser amado, mas entre temido e odiado, seria muito mais vantajoso ser temido pela população.

Como o titulo desta análise já diz por si só, “O Príncipe” foi uma obra que quebrou paradigmas e rompeu com a ordem vista antes disso, os espelhos de príncipe e os pensamentos antes vigentes como de Cícero e São Tomás de Aquino com uma cidade idealizada, porém  irreal, príncipe totalmente virtuoso com postura quase que santificada e governando em nome do bem comum passam a serem vistos como mera abstração, para Maria Tereza Sadek (2011) “Trata-se de uma indagação radical e de uma nova articulação sobre o pensar e fazer política, que põe fim à idéia de uma ordem natural e eterna.” Maquiavel parte primeiro da premissa que todos os homens possuem uma natureza má, seríamos egoístas e respeitarmos o soberano graças ao sentimento de medo, acredito que seu ponto alto de análise na questão do Estado é deixar de lado idealizações e apontar caminhos através do real, utilização da história com exemplo, repetir a fórmula de sucesso de grandes príncipes e da mesma maneira evitar fracassos já cometidos outrora, centralizando seus conceitos base de Virtú e Fortuna. Por esses motivos aqui listados e entre vários outros “O Príncipe” ficará eternizado como uma das maiores obras de todos os tempos.

 Referência bibliográfica:

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Ridendo Castigat Mores.

  1. WEFFORT, Francisco, organizador. – 14.ed. Os clássicos da política, 1 /. São Paulo : Ática, 2011: 0 Federalista” 1. Ciência política. I. 1ª Edição – Arquivo criado em 08/08/2011 e-ISBN 9788508149797

Falcão, Luís. As formas do principado maquiaveliano. Revista Estudos Hum(e)anos. 2013.

 

Professora Doutora do Departamento de História do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense. Coordenadora do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendência (LEIT) e do Laboratório de Estudos das Direitas e do Autoritarismo (LEDA). Membro do Grupo de Estudos do Integralismo (GEINT).

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