Rodolfo Fiorucci
Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná – IFPR/Jacarezinho e Pesquisador do Grupo Integralismo e Outros Movimentos Nacionalistas
“Talvez sejam os públicos fascistas, e não seus líderes, que precisem ser psicanalisados” (Robert Paxton em A Anatomia do Fascismo).
Em A Revolução dos Bichos, Orwell nos ensinou, num desfecho glorioso, que seres que até ontem compartilhavam das mesmas mazelas que seus pares, podem se tornar algozes piores que os antigos inimigos. Foi assim que os porcos da fazenda, representando esta transformação, passaram a caminhar em duas patas na casa grande; antropomorfizando-se.
Publicada em 1945, esta obra é um dos maiores ícones de resistência aos Totalitarismos (Seja de Direita ou de Esquerda), aos sectarismos, às reverências a violência, às manipulações e a qualquer tipo de intolerância. Mas todos estes terrores são consequências de momentos anteriores, e estes é que devem ser percebidos a tempo. O alarme sempre soa, mas precisamos estar atentos para ouvi-lo.
Os terrores de ditaduras, totalitarismos e fascismos não surgem repentinamente. São construções sociais, políticas, econômicas e discursivas que se valem de momentos de crises para desenterrar os mais profundos sentimentos de ódio e medo. Grupos assumem protagonismos sociais ancorados em discursos moralistas, religiosos, nacionalistas e anticorrupção em tons extremados, construindo sempre… SEMPRE, um inimigo comum (judeus, negros, índios, homossexuais, testemunhas de Jeová, comunistas, imigrantes, mulheres, líderes sociais, petistas etc) que justifique toda e qualquer delinquência e violência. Pelo “bem comum”, alguns precisam ser sacrificados e a democracia despedaçada… e a partir daí, os seguidores deste fenômeno sócio-político se sentem livres para agir, com carta branca, como se protegidos por um excludente de ilicitude.
Nunca antes na História do mundo a escalada fascista assumiu contornos muito diversos dos supracitados. Não seria diferente em terras tupiniquins. Um espectro ronda o Brasil, e este é o espectro de um autoritarismo com pitadas fascistas. Como em A Revolução dos Bichos, tornamo-nos lobos (ou porcos) de nós mesmos. Hipnotizados sob a égide de um moralismo torpe, que se vale dos mesmos motes nazistas (“Alemanha [Brasil] acima de tudo, Deus acima de todos”) e integralista/fascista (“Deus, Pátria e Família), legiões de pessoas comuns revelam seus lados mais sombrios, crentes de que exista um inimigo comum e/ou uma grande conspiração para destruir as bases da sociedade cristã.
Cegos e apaixonados seguem o líder (já chamado noutros tempos de Fuhrer, Duce, Chefe… hoje Mito), consubstanciando palavras de ordem de essência violenta e intolerante, em práticas sociais e virtuais que erigem, pouco a pouco, o inferno coletivo. Defendem projetos de destruição de seus próprios direitos, de sua estabilidade social, de suas garantias democraticamente cidadãs, de suas liberdades individuais, em nome de uma fantasiosa segurança que se resume em armar a todos, numa sociedade de extrema desigualdade. Esta é a receita da hecatombe!
Bailamos a beira do precipício, vendados e sem paraquedas. Contaminados pela patologia do antipetismo, diuturnamente produzido por uma mídia antissocial e antinacional (dominada por 5 famílias no Brasil – e muitos acham que isso é democracia [?!]…), que se vale de todos os recursos disponíveis para aflorar ódio e medo, entregamo-nos a projetos megalomaníacos, atacamo-nos, ofendemo-nos, tornamo-nos assassinos, agressores, violentos!
A isto a psicologia chamaria de histeria coletiva, que é um fenômeno psíquico de tendência a repetir qualquer ato e crença quando em grupos que os praticam. Deixamos de ser racionais para nos converter em autômatos passionais, misseis teleguiados, cujos alvos somos nós mesmos. Aceitamos perder tudo, entregar as riquezas nacionais, vender nossa água, floresta, recursos minerais, trabalho formal, tudo! Depois disso, o que nos restará? Até mesmo passamos a defender quem nos explora dia-a-dia, lutamos para que enriqueçam mais e mais, ludibriados por uma lógica nada empírica de que sem eles nada seremos. Quando, sem nós, eles também nada são. A sociedade é um jogo de equilíbrio de forças, que só funcionará quando princípios de justiça social mínimos fizerem parte da cultura popular.
O inimigo não é o seu irmão da cruel labuta diária. Não é a carne negra, não é a cultura indígena, tampouco o/a homossexual, ou a mulher que, empoderando-se, mitiga seu primitivo e frágil machismo. Muito menos é aquele/a progressista que luta em prol da diminuição de desigualdades, de justiça social, de acesso a bens mínimos para todos! Os inimigos meu/minha irmão/irmã, são outros. Exatamente aqueles que te fazem acreditar que seus pares são seus horrores. Que os que compartilham de uma vida medíocre (até mesmo você que ganha 5 ou 10 mil reais por mês) como a sua, seriam os adversários, devido a singelas diferenças que cada um pode apresentar em relação a ti. Você ainda não percebeu que tudo que sustenta ainda alguma garantia e direito a você está sendo demolido sob a verborragia de uma moral nebulosa.
Ingmar Bergman, o talentoso cineasta sueco que produziu O ovo da Serpente (1977) – uma obra prima sobre a sociedade que produziria o nazismo -, foi um ardoroso admirador de Hitler na juventude, sentimento alimentado após assistir um discurso do Fuhrer, em 1936. Dizia ele que se sentiu eletrizado com aquelas ideias! Bergman, em uma entrevista a escritora Maria-Pia Boethius, rememorou: “O nazismo que eu via parecia divertido e juvenil. A grande ameaça eram os bolcheviques [comunistas], que eram odiados”. No mesmo livro revela que o irmão e amigos atacaram a casa de um judeu e picharam a suástica em suas paredes. Eles acreditavam estar fazendo o correto para defender a nação, a pátria e a família, tudo em nome de Deus. Bergman lamenta o que descobriu mais tarde: “Quando as portas dos campos de concentração foram abertas, a princípio não quis acreditar em meus olhos. De uma maneira brutal e violenta, de repente fui arrancado de minha inocência”.
O alarme está soando, berrando na verdade! Precisamos, com urgência, escutar. Do contrário, que sociedade estamos erigindo neste exato momento? AINDA não é tarde demais… e por isso todos devem empunhar a única arma capaz de modificar um futuro tenebroso: o voto! Aqueles que se abstiveram de escolher, que o façam agora, pois a onda fascista engole a tudo e a todos.
Como escreveu Dante Alighieri em sua Divina Comédia: “Os piores lugares do inferno são reservados aqueles que, em tempos de crise, permanecem-se neutros”. Não sejamos mornos.