DAS ALEGORIAS POSSÍVEIS:
A educação faltando aulas ? (I)
Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti – Programa de Pós-graduação em Família na Sociedade Contemporânea (UCSAL). vanessa.cavalcanti@ucsal.br
Antonio Carlos da Silva – Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador (UCSAL). antonio.c.silva@pro.ucsal.br
Nunca foi tão importante buscar informação, combater fake news e analisar para além do rasteiro e superficial. Se para Christopher Hill (1991), a Inglaterra do século XVI estava de “ponta-cabeças”, o ano antes de 2020 parece ainda mais monstruoso e distópico. Com muitos braços, poucas cabeças e afetos mínimos, retomamos a ideia de educação “privada”, vigiada e pouco reflexiva.
Figura 1 – Capa do livro “O Mundo de ponta-cabeça”.
Se 2015, 2016 foram intensos e conflituosos, catástrofes e tragédias tem tomado proporções para além do previsto. Retrocessos e entradas de “Triunfos da Vontade” (1935)? Muitos. E a educação foi afetada e deverá alterar rotas se não quisermos manter a orientação histórica da farsa.
Como dimensão dos Direitos Humanos e parte de todas as tentativas de criar, gestar, gerir e fazer valer pactos internacionais e nacionais, o campo da educação não demonstra pacificação ou não-lugar.
O que desejarmos para futuro, começamos na compreensão do passado – o que no atual campo histórico da modernidade é o lançar sobre o passado uma interrogação que abarque o presente como uma história em aberto. Planos, agendas, debates de esferas e composição continental não apenas como instâncias, mas exigências políticas para (re)pensar esse país não como uma lógica destituída de universalidade.
Destarte, as influências na educação deixaram de restringir-se a uma escala nacional e a relevância do global-local deverá ser considerada para melhor compreendermos o fenômeno. Seja através da abordagem formal ou informal, a estratégia segue uma orientação dialética frente a tática – como alude Agamben (2004) – para potencializar o processo civilizatório ou abrir as portas e acentuar a barbárie.
Negar o processo de mercantilização de todos os aspectos da vida, em contraste com reducionismo da forma social, é confirmar a supremacia da forma dinheiro (como um fim em si mesmo) em detrimento do reconhecimento das alteridades, do Outro como sujeito político e histórico. Neste contexto, a precarização dos direitos sociais resulta em exclusão de expressões de humanidade (aquilo que construímos de melhor e coletivamente) e engendra o não reconhecimento das diversidades.
O devir, sob os auspícios da lógica empresarial, está fadado ao vazio. Quais serão as atividades criativas, de inovação e emancipação frente a economização abstrata do mundo? Haverá espaço para utopia, esses lugares sonhados e abensonhados (COUTO, 2012).
Figura 2 – Capa do livro “Estórias abensonhadas”. De autoria de Mia Couto.
Como é fácil de intuir, a escola, a universidade, os lugares de socialização e aprendizagens não ficarão incólumes aos desafios advindos de conjuntura complexa, tensa e violenta. Esses lugares de passagens, de tradição e costumes (o ethos coletivo) deverão ser ocupados por outros públicos e culturas, ampliados na essência e multifacetados na composição. Todavia, na sociedade fast & track, não há o espaço para criação de saberes e fazeres.
A educação (formal ou não) está perdendo o “bonde da História” e submetendo-se às idiossincrasias, desencantando jovens e não introduzindo interpretações possíveis. Tempos sombrios revelam agenda imensa em prol de acesso à justiça e à cidadania frente ao recrudescer de desigualdade e emergências sociais.
Eis o quadro nacional, anunciando necessidades de analisar, interferir e construir instituições (sim, apesar de tudo) e práxis pautada em Direitos Humanos, não apenas àqueles “seres solventes” e submissos à lógica da reprodução do capital.
Por isso, essa coluna apresentará diálogos, conexões, notas investigativas (resultados de pesquisas de pós-graduação) como interface entre educação e direitos humanos, entre problematizações e abordagens interdisciplinares, valorizando ecologia de saberes e epistemologias do sul, mas especialmente vertentes críticas da produção, difusão e circulação de conhecimento científico.
Dos anos 1980 para cá, configuram-se agendas para e pelos direitos humanos: desde efetivação de projetos já existentes até o enfrentamento a partir de uma cultura que nos vincule à alteridade, que busque reconhecer aquilo que nos vincula ao Outro (Butler, 2017). Há que visualizar um sonho ético-político da superação de injustiças por intermédio da difusão de conhecimento, criação de redes e ampla educação. Não o contrário.
Precisamos inquirir que lugar ocupam tais direitos no devir histórico? A resposta pode ser simplificada na ideia de que a educação para direitos humanos é aquela que desperta “indignados/as” para a liberdade: a razão de ser da política (ARENDT, 2006).
Da realização de um mundo possível, para além das estruturas vigentes, não existe solução perfeita. Há que se valorizar o humano como princípio de/para reflexão crítica. O que podemos? Através da educação para/pelos Direitos Humanos conhecer, promover e difundir princípios de ordenamento social, rompendo grilhões da apatia, além de enfrentar os que se avizinham. Sem esperar Godot, mas conscientes de que a culpa não está nas estrelas.
Figura 3 – Capa de “Esperando Godot”, de Samuel Becket (2017).
Referências
AGAMBEN, G. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
ARENDT, H. Entre o passado e o futuro: oito exercícios sobre o Pensamento Político. Lisboa: Relógio D´Àgua, 2006.
BUTLER, J. Relatar a si mesmo: crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2017.
COUTO, M. Estórias abensonhadas. São Paulo: Cia das Letras, 2012.
HILL, C. O mundo de ponta-cabeça: Ideias radicais durante a Revolução Inglesa. São Paulo: Cia das Letras, 1991.
O triunfo da vontade/Triumph des Willen. Direção de Leni Riefenstahl. Alemanha, 1935. Filme de guerra, 2h.