O diretor estado-unidense Quentin Tarantino se mostrou um grande criador a partir dos recursos audiovisuais, inventando situações de conflito complexas e inusitadas e reinventando o cinema a partir de sua própria história de imagens. Muito se fala dessa forma criada pelo diretor, mas pouco se fala dos temas recorrentes em seus filmes e como eles se relacionam com o contexto da chamada pós-modernidade em que se encontram. Gostaria de apontar aqui alguns elementos que são recorrentes em seu estilo e como se dá a construção artística que os envolve, a partir de uma releitura da própria história do cinema e das ideologias.
Três filmes do diretor chamam a atenção quanto aos elementos que mencionei: À prova de morte (2007), Bastardos Inglórios (2009) e Django Livre (2012). Todos esses filmes compartilham a ideia inicial da violência, manifestada na forma de vingança por meio do cinema, mas cada um em particular se destina a um grupo a ser vingado: mulheres, judeus e negros, respectivamente.
A ideia de opressão aos três grupos mencionados foi recorrente na história, como bem sabemos. O que Tarantino nos traz, no entanto, é uma luta de representação desses três grupos a partir de histórias narradas pelo cinema, manifestando uma violência extrema que tem a possibilidade de recriar o imaginário do público resignificando uma violência histórica sofrida. Assim, por exemplo, em À prova de morte vemos um agressor de mulheres se vingado pelas mesmas; em Bastardos Inglórios vemos judeus se vingando dos nazistas; e em Django Livre vemos escravos negros se vingando de seus senhores.
A sequência que melhor representa essa ideia de vingança pelo cinema, ao meu ver, se encontra no filme Bastardos Inglórios. A história do filme retrata um grupo de assassinos de nazistas que se infiltraram na Alemanha nazista para vingarem a perseguição e morte dos judeus promovida por Hitler. Em um cinema mantido por uma judia fugitiva será exibido um filme sobre um suposto herói de guerra nazista que matou 300 soldados. Para a estréia, espera-se que Hitler esteja presente e, portanto, os bastardos inglórios preparam uma emboscada nesse dia. Ao decorrer do filme Hitler ri e se orgulha do filme que mostra todas as 300 mortes promovidas pelo suposto herói de guerra, quando o grupo dos bastardos consegue se infiltrar no cinema e matar todos os nazistas na sala de cinema de forma brutal e magnífica. Seria errado pensar que é magnífica uma cena de morte? Nesse caso, minha resposta é negativa, pois devemos nos atentar para o significado dessa vingança.
(Trecho do massacre no cinema do filme Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino)
Trata-se de uma vingança que busca reconstruir a história marcada pela guerra na mesma moeda que ela se apresenta no filme. Não por acaso, o número de mortos que é exibido no filme nazista em sua estréia é de 300 soldados, mesmo número de nazistas que estão presentes na sala de cinema. Minha interpretação sobre essa coincidência proposital é que se trata de uma vingança da representação: é como se Tarantino fizesse um filme que lutasse contra a representação ideológica dos filmes nazistas, como em Triunfo da vontade (1935) de Leni Riefenstahl . Sendo assim, essa sequência do Bastardos Inglórios representa a ideia de vingança que se encontra nesses três filmes mencionados, fundamentando uma leitura do significado dos filmes do Tarantino à luz da própria história das representações que marcaram a sétima arte.
Por fim, queria mencionar algo sobre o estilo pós-moderno de Tarantino. Com essa leitura sobre a vingança em seus filme e a representação da violência podemos ainda pensar em como o sistema de referências do diretor se reconstrói na forma de pastiche em seus filmes. A referência cinematográfica a muitos filmes da história faz de Trantino um reinventor da própria história do cinema em um embate à linearidade marcada pela modernidade. Trata-se de uma nova lógica espaço-temporal que marcou a ideia de pós-modernidade e que corrobora para nossa interpretação sobre a vingança na representação cinematográfica a partir da violência no cinema, pois cria uma linha referencial de guerra às violências afirmadas pela história e legitimadas pela ideologia dos filmes.
A guerra também se dá na imagem da guerra.