O amor é a nossa arma no meio da travessia!

Nínive Pinto Caetano da Silva

                                                            

No momento em que escolhemos amar, começamos a nos mover contra a dominação, contra a opressão. No momento em que escolhemos amar, começamos a nos mover em direção à liberdade, a agir de formas que libertam a nós e aos outros.

(HOOKS, 2006 p. 250)

 

Há uma citação de Guimarães Rosa que diz que o real não se dispõe na saída e tampouco na chegada. Ele se estabelece para a gente é no meio da travessia. Brava gente, não tem sido uma travessia fácil não é mesmo? Esse poder político, que invadiu os lares dos cidadãos e cidadãs brasileiros, com a promessa de armar a população com arma de fogo e pôr em prática políticas de eugenia, amordaçou os nossos sonhos. Confesso-vos que ingressei esse ano de 2019 em luto. E acredito que você também. E sabe quem me carregou no colo? Essa constelação de educadoras e educadores da nossa rede de Educação em Direitos Humanos, e do Africanidades, Literatura Infantil e Circularidade.

Figura 1: Esse coração cercado de lutadoras e lutadores, recheado de tambores sagrados, e coberto pela flecha de Oxóssi serviu para selar o nosso compromisso de amar e transbordar esse amor para além dos muros da Universidade e da escola.

Vocês têm tornado essa travessia nesse mar turbulento algo mais leve. Até aqui, podemos dizer que o amor nos uniu, nos acalentou, nos fez sorrir, e também chorar porque as lágrimas são necessárias para o desabafo da alma. Abro o meu coração para dizer que para mim é um privilégio realizar essa travessia ao lado de vocês, que decidiram fazer do amor a única arma de transformação desse mundo. Podemos dizer que o nosso amor pela educação em direitos humanos, uniu as nossas diferenças e nos permite tocar a mais bela das sinfonias. É pelo amor que lutamos para nos libertar desse sistema opressor que nos dilacera, e, também para libertar aquelas e aqueles que esse sistema dilacerou ou simplesmente enlouqueceu. É por meio do amor que alimentamos os nossos sonhos e também os sonhos de tantos outros que sonham conosco.

Figura 2: Segunda oficina de arte-educadoes. Ofertamos 20 vagas, e recebermos mais de 150 inscritos.

Figura 3: Essa foto foi retirada no segundo dia da oficina. Me sinto emocionada por pertencer a um grupo tão coeso e potente.

Concordo com a célebre citação de Guimarães Rosa. O real, não foi a vitória do fascismo esquizofrênico nas eleições brasileiras de 2018, e tampouco será a nossa alforria dessa loucura, quando esse desgoverno chegar ao fim. Real mesmo é o meio dessa travessia, em que encontramos os direitos da pessoa deficiente serem pisoteados, o aumento da pobreza, o racismo inescrupuloso, gays sendo espancados e espancadas, pessoas trans sendo desumanizadas, terreiros sendo deflorados. Somos esbofeteados por essas infrações aos direitos humanos e também por muitas outras, e se é pelo amor que lutamos, então que o amor nos faça de mãos dadas lutar para que sejamos restaurados e restauradas. Que possamos sonhar e que esse sonho também agregue o sonho de outras pessoas.

Sem uma ética do amor moldando a direção de nossa visão política e nossas aspirações radicais, muitas vezes somos seduzidas/os, de uma maneira ou de outra, para dentro de sistemas de dominação — imperialismo, sexismo, racismo, classismo. Sempre me intrigou que mulheres e homens que passam uma vida trabalhando para resistir e se opor a uma forma de dominação possam apoiar sistematicamente outras. Fiquei intrigada com poderosos líderes negros visionários que podem falar e agir apaixonadamente em resistência à dominação racial e aceitar e abraçar a dominação sexista das mulheres; com feministas brancas que trabalham diariamente para erradicar o sexismo, mas que têm grandes pontos cegos quando se trata de reconhecer e resistir ao racismo e à dominação por parte da supremacia branca do planeta. Examinando criticamente esses pontos cegos, concluo que muitas/os de nós estão motivadas/os a mover-se contra a dominação unicamente quando sentimos nossos interesses próprios diretamente ameaçados.

(HOOKS, 2006 p. 243).

Faço uso dessa estupenda declaração para dizer que, sem o amor, não há revolução! Portanto, ama-te a ti mesmo e faça esse amor transbordar. E ao fazer isso, que possamos perceber que maiores são os que estão conosco do que os que estão contra nós!

Figura 4: Agradeço a essas duas grandes personalidades por me ocasionarem uma metamorfose e me possibilitou chegar até aqui: professora doutora Ana Dietrich e meu orientador professor doutor Guilherme Brockington.

Figura 5: Essa foto foi tirada na oficina intitulada: o pensamento matemático na cultura africana. Ao meu lado direito está a professora de artes e também escritora Alcidea Miguel, grande parceira.

Figura 6: Maiores são os que estão sonhando conosco do que os que estão pelejando contra nós!

 

Referências bibliográficas

HOOKS, Bell. Love as the practice of freedom. In: Outlaw Culture. Resisting Representations. Nova Iorque: Routledge, 2006, p. 243–250. Tradução para uso didático por wanderson flor do nascimento.

 

 

 

Ninive Pinto Caetano da Silva

Possui bacharelado interdisciplinar em Ciência e Tecnologia e Licenciatura em Física, ambos cursados na Universidade Federal do ABC. Atualmente, está matriculada no curso de graduação de Neurociências e de mestrado em Ensino e História das Ciências e suas Interfaces com a Educação na instituição supracitada. É Pesquisadora no Projeto Africanidades Literatura Infantil e Circularidade na UFABC. É Afro-Brasileira, filha de angolano pertencente ao grupo étnico mbunda e de uma brasileira. Sua pesquisa é voltada para a Cosmologia Bantu no Ensino de Ciências. Realiza palestras e oficinas voltadas para a História da África em escolas particulares e públicas.

 

É editora-chefe da Contemporâneos - Revista de Artes e Humanidades e coordenadora do ContemporARTES. Coordena o grupo de pesquisa do CNPQ Educação em Direitos Humanos/ certificado pela UFABC em parceria com a UFV, UFJF, UFF, UFPA, USS e UFBA. É professora adjunta da UFABC. Pós-doutora em Sociologia pela UNICAMP, doutora em História pela USP com doutorado sanduíche pelo Centro de Estudos de Anti-Semitismo (Universidade Técnica de Berlim). Integrante Permanente da Pós Graduação de Ensino, História e Filosofia da Ciências e da Matemática (UFABC) Autora de Nazismo Tropical (Todas as Musas, 2012), Caça às Suásticas - O partido Nazista em São Paulo (Imprensa Oficial / Humanitas 2007) e outros.

2 Comments

  1. Iraci Harich Redivo disse:

    Eu precisava ler esse texto. Mesmo buscando se otimista e não desistir. Tentando estimular os que estão ao redor, chega um momento que se faz necessário saber que ainda há pessoas que privilegiam o amor, em todas as suas representações.
    Parabéns Nínive. É muito obrigada se manter firme.

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