Palmas… melhor não aplaudir. Importunação ou Estupro?

Por Célio Pinheiro*

Em setembro deste ano na cidade Palmas, no Paraná, um caso absurdo ocorreu. Uma moça anda de bicicleta. Um carro com quatro jovens se aproxima, um deles passa a mão no corpo da moça. Ela cai, sofre vários ferimentos. Tudo filmado pelas câmeras. Nos dias seguintes o caso se torna público causando grande comoção nacional. As manchetes em quase todos os jornais usam as mesmas palavras para se referir ao caso. Destaco uma a titulo de exemplo: Manchete: “Jovem ficou ferida após cair de bicicleta ao ser vítima importunação sexual em Palmas; câmera registrou carro se aproximando e passageiro tocando a ciclista enquanto pedalava.” (Fonte: Por g1 PR e RPC Foz do Iguaçu — Foz do Iguaçu 28/09/2021 11h09)

Há várias questões condensadas nesta cena e na forma que a cena é relatada. Há subtextos que precisam ser discutidos, nos âmbitos sociológicos, antropológicos, jurídicos, psicanalíticos e semânticos. O carro era ocupado por jovens na faixa dos 19 a 21 anos. E um deles era menor de 18 anos. E esse é um dos fatos que mais chama atenção. É grave para além da violência praticada que essa violência seja praticada por um menor. Isso indica uma falência geral. Falência da família que não fez seu papel de criar um sujeito que respeitasse qualquer outro semelhante seu, que não respeitasse a mulher nesse contexto. Falência da escola que não transmitiu valores éticos a seu aluno.

Falência da Cultura em reprimir atos de crueldade e desumanidade. Falência da religião em seu papel moralizador. Falência do Estado, falência das instituições, falência de todos nós. Ou estariam eles seguindo um exemplo que lhes conferia liberdade para cometer tal ato? Se assim o for, é urgente determinar que exemplo é esse. Que modelos esses rapazes estão seguindo? Que modelo de construção do masculino esses jovens estão exercitando? Quem lhes deu o direito de uso do corpo alheio para extrair um prazer baseado na violência? A cultura do estupro escancara seus dentes nessa cena.

A herança do colonizador violento de outrora que dominou e estuprou as mulheres por essas terras criou uma cultura criminosa que mostra estar viva. Sem saber esses jovens estão desempenhando um modus conhecido nas paragens em que o colonizador praticou tais violências. A perversão, conceito complexo, denuncia o quanto a prática perversa coloca o outro na condição de objeto de prazer e gozo. Gozo na submissão e rebaixamento do outro à condição de objeto de sevícias. O outro é dessubjetivado. Diante de tudo isso, o uso da palavra “importunação”, conforme destaca a manchete e conforme foi tratado juridicamente este caso, causa algumas estranhezas.

ANDRÉ KERTÉSZ- Distortion #126 – (1931-1933)

Dizer que é importunação é uma forma negatória para minimizar uma prática que deixa marcas profundas na vítima. Valho-me aqui da semântica, da grafia e da sonoridade da palavra importunação. Diz o dicionário que o significado de Importunação é: ação ou efeito de importunar. Ação de insistir de maneira inconveniente. Coisa ou circunstância inconveniente… É essa a aceitação social, coloquial e mesmo vulgar da palavra importunação, ou seja, uma coisa inconveniente. Ser inconveniente não é tão mal assim. Passar a mão no corpo de uma mulher com fins de prazer próprio, sem o consentimento, quase causando sua morte, equivale a ser inconveniente?

Pois esse é o efeito semântico e não nos esqueçamos que o texto da Lei diz muito (ou tudo!) de uma sociedade e em especial das pessoas que a confeccionam, a aprovam, a proferem. Por que essa cena deve ser qualificada como estupro? É simples. Se nos ativermos ao estupro apenas como ato de penetração genital sem consentimento, estamos desprezando a vida psíquica das vítimas. O dano causado pela invasão na esfera das emoções não pode ser desprezado. A vítima sofreu invasão em sua dimensão humana, afetiva, de direitos, à liberdade de ir e vir. Estes casos são sim uma forma de penetração tão – e por vezes mais – causadoras de danos do que a penetração do que se convencionou chamar de estupro.

Os danos em ternos de efeitos psíquicos são extensos, todos eles relacionados ao efeito do trauma gerado por essas ocorrências. Não nos esqueçamos que a palavra trauma quer dizer: perfuração! Trauma é perfuração. É a invasão na vida psíquica de uma carga tamanha de violência e de significados. Chamar a isso de importunação é uma forma de ratificar aquilo que se está querendo combater. É “passar o pano” como se diz em linguagem dos dias de hoje. Chamar de importunação é como dizer: “Ah, esses moleques aprontando das suas de novo. Merecem puxãozinho de orelha da titia.”

Ou seja, é minimizar tudo o que vem junto com essa prática. E, mais. Chamar de importunação é operar a mais nefasta de todas as reações diante de uma violência que é o “desmentido”. Desmentir é negar que o fato tenha acontecido. Desmentir é diminuir a gravidade do ocorrido. Desmentir é usar palavras atenuantes que diminuem a gravidade social do ocorrido. Desmentir é culpabilizar a vítima. A vítima assim se expressou: “O problema que aconteceu comigo acho que é só um de tantos outros que estão acontecendo. Então o fato de prenderem o rapaz não vai diminuir o problema que está na nossa sociedade. Eu acho que tudo isso aconteceu só porque eu fui filmada.

Tem muitas mulheres que não conseguem fazer denúncia por medo e porque não têm uma prova. Tudo isso que aconteceu eu consegui por causa da uma câmera de segurança.” Sim, só ganhou repercussão porque foi filmado e as imagens são repugnantes. Mas os agressores ainda tentam dizer que não queriam fazer aquilo… Quem escutou um dos rapazes presos informou que ele contou que estavam alcoolizados e que chegou a pedir para que os amigos não fizessem aquilo. O carro, um veículo Gol branco chegou a ser apreendido, mas foi devolvido ao pai do condutor, que alegou que ele teria pego o carro sem permissão.

É urgente pensar a palavra transmissão. Afinal, o que estamos transmitindo? O que a Cultura está transmitindo para essas gerações que estão chegando à idade adulta? Se esse for o exemplo do que virá, o que será do mundo? É preciso indignar-se, agora, não depois, não amanhã, deixar claro que para esses atos não queremos mais Palmas.

*Célio Pinheiro – Psicanalista e Antropólogo

A CULTURA OCULTA DA GALERIA ALASKA

BALBINO MOURA GALVÃO JUNIOR

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CURSO LICENCIATURA EM HISTÓRIA

A CULTURA OCULTA DA GALERIA ALASKA

BALBINO MOURA GALVÃO JUNIOR

Resumo: O presente trabalho busca analisar o local situado no bairro de Copacabana da cidade do Rio de Janeiro que teve o nome de Galeria Alaska, que durante quase quarenta anos (precisamente no final dos anos 50 até o começo dos anos 90) foi se transformando em diversos bares e boates com diferentes nomes e públicos onde o público mais frequentado eram de homossexuais, o local em si ficou conhecido para os moradores do Rio de Janeiro como “inferninho” por nunca ser visto com bons olhos pela sociedade carioca e nem pela mídia. O trabalho busca analisar como mesmo o local sendo total menosprezado pela sociedade carioca não deixou de ter seu público que criou uma espécie de “cultura oculta” no local, onde também será analisado pessoas que frequentaram o local para saber o que os atraiam para a Galeria Alaska a fim de entendermos mais a popularidade mesmo que não divulgada ou aceita.

Palavras-chaves: Rio de Janeiro; Homossexuais; Copacabana; Inferninho; Estigma; Cultura Oculta.

Abstract

Abstract: The present work seeks to analyze first the place located in the Copacabana neighborhood of the city of Rio de Janeiro, which was named Galeria Alaska, which for almost forty years (precisely in the late 1950s until the early 1990s) it was transformed into several bars and nightclubs with different names and audiences where the most frequented public were homosexuals, the place itself became known to residents of Rio de Janeiro as “inferninho” because it was never seen with good eyes by society in Rio de Janeiro and nor by the media. The work seeks to analyze how even the place being totally underestimated by the society of Rio did not fail to have its public that created a kind of “hidden culture” in the place, where people who frequented the place will also be analyzed to find out what attracted them to the Gallery Alaska in order to understand more the popularity even if not disclosed or accepted.

Keywords: Rio de Janeiro; Homoseuxuals; Copacabana; Hellraiser;
stigma; Hidden Culture;

Introdução

A História do Brasil é um campo que possui diversas possibilidades de estudos em toda a sua área, mas nunca deixou de ser um campo desafiador para seus pesquisadores. Muitos temas e objetos não foram estudados, ou mesmo foram pouco estudados. Este consiste no motivo pelo qual esse trabalho foi realizado.

O que tem como título “A cultura oculta da galeria Alaska” irá tratar sobre a história ocultada pelos frequentadores de um lugar que era e ainda é localizado na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, no Rio de Janeiro, por 40 anos, entre os anos de 1950 até 1990 o local havia bares, restaurantes e boates com os mais diversos tipos de público. Entre os frequentadores, heterossexuais, homossexuais e transexuais.

Os termos “oculto”; “estigma” e “marginal” serão utilizados para a caracterização diagnóstica da “Galeria Alaska” por conter significados que representam aspectos de uma contracultura que, num contexto mundial de crítica “juvenil” ao sistema moral coercitivo de uma sociedade que julgavam ultrapassada, reagiam com movimentos políticos e sociais em todo os continentes: entre movimentos estudantis, pacifistas, com referenciais de uma esquerda resistente ao capitalismo, estavam os resistentes às “acomodações” morais de hábitos e comportamentos sociais que eram relacionados ao conservadorismo de gerações anteriores.

No contexto brasileiro, a Ditadura Militar encontrava a resistência armada de organizações político-partidárias e de movimentos culturais que se manifestavam pelas artes: as plásticas, as teatrais, e cinematográficas, literárias e musicais. Num ambiente de produção cultural que representava mudanças, o humor também teve lugar de importância através de charges e programas na TV qu demonstravam teor crítico à situação autoritária vigente.

A produção de uma “cultura de classe média”, aquela que se pode conceber como característica de distinção que, conforme Pierre Bourdieu, compõe características distintivas pelo acesso à “cultura”. Considerando que, para o sociólogo francês, o “Capital Cultural” se refere aos “bens culturais”, tratados enquanto uma lógica econômica que estabelece relações entre as condições em que esses “bens” é produzidos e seus consumidores.  (BOURDIEU, 2006).

Neste sentido, a “distinção” se faz entre capitais culturais que se diferenciam pelo acesso ao que é considerado “alta cultura”, a “cultura” que se caracterizaria por uma “erudição” livresca e artística adquirida em instituições educacionais ou em meios familiares cujo poder aquisitivo media este acesso, e a “cultura popular” que seria incorporada aos sujeitos pelas tradições e experiências sociais imediatas, da convivência cotidiana das camadas populares.

Portanto, distinguindo-se a ideia de “cultura” enquanto acesso econômico a um conhecimento “mais elaborado”, o movimento de Contracultura também correspondia às lógicas dos acessos na perspectiva de distinção intra e entre classes sociais.  Deste modo, os movimentos Desbunde e Tropicália correspondiam a exemplos de elaborações culturais na perspectiva da classe média com acesso à educação letrada e artística. O Movimento Desbunde, surgido na cidade de São Paulo, propunha, segundo Alê Youssef, “buscar um pensamento alternativo ao sufocante contexto político e social da ditadura”.[i] O Desbunde reunia artistas que propunham usar formas alternativas para expressar a crítica política e social com humor e ludicidade. Uma importante expressão do Desbunde foi a encenação da peça O Rei da Vela, de Oswald de Andrade, dirigida pelo ator e diretor de teatro José Celso Martinez Correa em 1967, o fundador do grupo de teatro paulistano Oficina. A Oficina se constituía enquanto Grupo de arte de resistência.

Quanto a Tropicália, este foi nomeado “movimento” por jornalista que entrevistou Caetano Veloso em Londres durante seu exílio. O movimento Tropicália, também chamado “Tropicalismo”, reuniu correntes musicais e literárias, como rock in roll, músicas religiosas, músicas populares de cantores “de rádio” das décadas de 1950 e 1960 e da vanguarda da década de 1970, com críticas sociais e políticas. Também reuniu a arte plástica e a poesia concreta e arranjos musicais criados pelo maestro Rogério Duprat.

          Importante ressaltar, usando o conceito de Bakhtin [ii]de dialogização e circularidade que podem contribuir para a compreensão das relações interculturais que, sob a hegemonia ocidental, estabeleciam diálogos híbridos que se homogeneizaram pela Indústria Cultural.

De acordo com a perspectiva de análise de Mikhail Bakhtin, a dialogização ou polifonia inclui a questão da alteridade, que tem o sentido de visar o encontro com o “outro”. No mesmo sentido da dialogização e da polifonia, Bakhtin aponta para a ideia de circularidade que, utilizada por Carlo Ginzburg, foi trazida à reflexão da disciplina História no sentido de demonstrar que as ideias produzidas em determinados tempos e lugares não são estáticas ou passivas: as ideias circulam. Ao se espalharem a partir de seus locus de produção, as ideias podem ser apreendidas, modificadas e estabelecidas em outros lugares e contextos. Esta perspectiva é a que se aponta para a demonstração de que a recepção de uma concepção de “contracultura”, o movimento de resistência e rebeldia juvenil, com propostas de experiências que se contrapunham às das gerações anteriores, vistas como acomodadas e servis ao , sistema capitalista, se estendeu especialmente pelo Sudeste brasileiro, no “Eixo Rio-São Paulo”, alcançando os jovens da classe média, entre os portadores de uma “alta cultura” e aqueles que não compartilhavam do acesso a um “capital cultural” distintivo, conforme a interpretação de Bourdieu.

 Pode-se afirmar que a Contracultura é um movimento da indústria cultural que, como indústria que absorve a massa consumidora. Conforme análise de Adorno e Horkheimer em 1985, a indústria cultural estimularia o cultivo de falsas necessidades psicológicas que seriam satisfeitas pelos produtos do capitalismo, sendo absorvida pela diversidade cultural e econômica na qual se localiza a classe média, ou classes médias, aquelas que detêm certo poder econômico e que reivindicam estéticas diversificadas que, em comum, caracterizam-se pelo acesso disponível através do consumo. Portanto, diferindo de uma composição estética em que a tradição conserva aos setores dominantes, a “cultura de classe média” é produto da indústria cultural. Neste sentido, o acesso a esta indústria produz gostos e comportamentos específicos.

No caso da Galeria Alaska, as distinções intra e entre classes, embora mantidas e presentes, seriam superadas por gostos e comportamentos comuns e que apontavam para uma certa cultura hedonista em que o lugar era relacionado à ideia de lazer e prazer com livre acesso de todas as classes sociais.

O contexto em questão, o período em que o Brasil estava submetido à uma Ditadura Militar, em que as participações da sociedade civil estavam limitadas a alguns setores econômicos e sociais atrelados à ideologia de um desenvolvimentismo submisso às imposições estadunidenses políticas e de mercado, as mudanças geopolíticas se pautavam pelo contexto da Guerra Fria, das divisões entre os Primeiro, Segundo e Terceiro Mundos. Neste sentido, os movimentos da juventude assumiram posturas contrárias às guerras que disputavam regiões estratégicas para as nações que se opunham no mundo dividido pelo controle capitalista versus socialista. Portanto,

O comportamento moral que se estabelece como hegemônico na sociedade brasileira desta época, e ainda atual, rejeitava publicamente os comportamentos homossexuais. Assim, a Galeria Alaska servia como um lugar para que as pessoas pudessem se encontrar sem a preocupação de serem discriminadas ou sofrerem preconceitos ante às suas orientações sexuais. Neste sentido, a Galeria Alaska seria compreendida como o lugar de uma “cultura oculta” na cidade do Rio de Janeiro, pois o comportamento de alguns no interior da Galeria era rejeitado por muitos dos seus frequentadores fora dela.

Esse trabalho consiste em, com o uso dos conceitos de cultura e contracultura, realizar uma análise sobre o comportamento de uma cultura estigmatizada e com isso analisar a cultura do local.

Por estigma, entende-se, de acordo com a análise de Erving Goffman (1988), a deterioração social da atuação ou personalidade ou aparência dos sujeitos em discordância com as normas sociais.  O Estigma, assim como a dialogização de Bakhtin, refere-se à experiência interativa com o “outro”. O Estigmatizado é relacionado, na perspectiva de Goffman, à “imagem deteriorada”. Deste modo, o “comportamento desviante” só encontraria aceitação entre os que compartilham o estigma. Segundo Goffman, “os informados [termo utilizado por homossexuais] são os homens marginais diante dos quais o indivíduo que tem um defeito não precisa se envergonhar nem se autocontrolar porque sabe que será considerado como pessoa comum.” (GOFFMAN, 1988, 37).

Além destas considerações teóricas, dois campos da História muito importantes servirão de base para o tratamento do tema. O primeiro campo é o da História Local pelo qual poderá ser entendida a importância da referência a determinado local para seus frequentadores. O segundo campo, o da metodologia da História Oral, que foi utilizada na construção de fontes dialogadas com pessoas que frequentavam o local. O objetivo foi o de compreender as motivações, desafios e observações particulares e coletivas sobre os estigmas que cercavam frequentadores e o próprio local e, também, a sua resistência e persistência no tempo.

Enquanto “Construções de memórias”, a Metodologia da História Oral é utilizada no sentido de apreensão da mutabilidade da Memória como projeção idealizada. Chamando a atenção para o que considera “tópicos negligenciados”: “amnésia social” e “gestão social da memória”, Meneses considera que a memória, não sendo confundida com “pacote de recordações”, é um “processo permanente de construção e reconstrução” (MENESES, 1992, 10). Como escreve Meneses, “Se a memória costuma ser automaticamente relacionada a mecanismos de retenção, depósito e armazenamento é preciso apontá-la também como mecanismo de seleção e descarte” (MENESES, 1992, 16).

A importância desse trabalho se demonstra pela tentativa de se apontar que, apesar de oculta e estigmatizada, este movimento de contracultura popular e marginal em meio às outras manifestações de contracultura, como o Desbunde e a Tropicália,  se impôs no contexto da indústria cultural na medida em que alguns artistas que ali se apresentavam tornaram-se figuras de destaque no âmbito artístico nacional, como as cantora Dolores Duran, Aracy de Almeida e Alcione, servindo de cenário de documentários, como o “Divinas Divas” em 2016, dirigido pela atriz e diretora Leandra Leal, que conta as trajetórias das primeiras travestis que se apresentaram na Galeria Alaska.

Entender a rotina desse local para que sua memória não seja apagada com o tempo e que para seus frequentadores e através das próximas gerações possam descobrir porque esse local foi tão importante para o lazer de muita gente.

A Galeria Alaska

Importante ressaltar que a memória da Galeria Alaska não teria adquirido evidência sem o auxílio dos historiadores Sílvia Oliveira Cardoso e Heitor Leal Machado e seu texto intitulado: “A Galeria do Amor” Cidade, corpo e emoções na música de Agnaldo Timóteo[iii]. Conhecida nos dias atuais como Galeria Atlântida, a Galeria Alaska foi projetada tal como projetos de galerias que surgiram em Paris, França, por volta dos meados do século XIX, com a arquitetura projetada com corredores largos, iluminação vinda de cima e vitrines das lojas dos lados esquerdo e direito desses corredores, a decoração sempre luxuosa até porque as lojas vendiam artigos de luxos.

          Com isso em 1951, no Posto 6, localizado na praia de Copacabana, mais precisamente no patamar térreo de um condomínio residencial de classe média cujo um corredor ligava a Avenida Nossa Senhora de Copacabana e a Avenida Atlântida inaugurou-se a Galeria Alaska[iv], no texto ainda nos situa que:

A entrada principal da Galeria Alaska é decorada com altas colunas de concreto cobertas com uma cor clara, que olhando de longe parece imitar mármore — material que é utilizado nas paredes internas da galeria —, criando um ambiente sofisticado e distinto.

Essa entrada localiza-se na Av. Nossa Senhora de Copacabana, que possui estabelecimentos comerciais, prédios residenciais, hotéis, pontos de ônibus e intenso tráfego de carros. (CARDOSO, MACHADO [2015] p. 34).

Assim como os autores do texto expressaram a sua dificuldade para fontes de pesquisa que tenham relatos sobre a história da Galeria Alaska o objeto de estudo no qual está sendo apresentado também passou pelas mesmas dificuldades, contudo a análise desse texto será voltada sobre algumas boates e o público delas, salientando as mais importantes. Porém, com as transformações da Galeria Alaska ao longo do tempo, muitos vestígios deste passado se perderam fisicamente, permanecendo na memória e nos registros imagéticos que foram guardados.

Em 1952, inaugurou-se na Galeria Alaska o Teatro Perroquet e o cinema Royal. O Perroquet era um local com espetáculos musicais. Em 1953 inaugurou-se o cinema Alaska, além de bares e restaurantes também, a Galeria, até então, voltava-se a um ambiente familiar e luxuoso.

Nos anos 1960, a Galeria Alaska passaria a receber espetáculos protagonizados por travestis. Estes se tornaram as atividades mais procuradas pelo público na época. As travestis Rogéria, Valéria, Manon, entre outras, se apresentaram na boate Stop. O espetáculo International Set teve lugar durante o ano de 1964[v]. Logo após, o espetáculo Les Girls atrairia o público homossexual, mudando definitivamente o ambiente social da Galeria Alaska. Esta passaria a reunir crescente número de “inferninhos” além de apresentar a circulação de número significativo de prostitutas, travestis e pivetes, gerando incomodo aos moradores que moravam nos arredores da Galeria Alaska. Restaurantes e o cinema continuavam em pleno funcionamento durante o período diurno. Durante a noite, as boates e os bares levavam outro público, o que marcaria a história do local, que chegaria a ser classificada como “o maior reduto gay do país[vi]”.

Com isto, a história da Galeria Alaska começaria a ser conturbada porque sua fama, e ausência de policiamento, representava insegurança e incerteza quanto ao comportamento de seus frequentadores “destoantes”. Através dos anos, com a imprensa sendo talvez sua principal inimiga, a Galeria Alaska passaria ser conhecida como lugar estigmatizado e frequentado por pessoas de “condutas dissonantes”.

Porém, por mais que as notícias e até mesmo a sociedade local da época demonstrassem suas oposições ao lugar, a Galeria Alaska manteve seu público e, ampliou, abrigando assim, as duas boates – Sótão e Katakombe – mais movimentadas do Rio de Janeiro, na década de 1970 e 1980, segundo “A Galeria do Amor” de Agnaldo Timóteo. As boates eram os locais mais frequentados das noites cariocas da época. Ainda na década de 1980 ocorreu uma significativa mudança, as salas de cinemas da galeria se transformaram no Teatro Alaska com espetáculos de dança voltados ao público homossexual e feminino.

Com isso o cantor Agnaldo Timóteo em 1975 homenageia a Galeria Alaska, a música intitulada como: “A galeria do amor”. Esta foi a principal faixa do seu LP que tem o mesmo nome, na música em questão ele cita a Galeria Alaska da seguinte forma:

“Na galeria do amor é assim

Muita gente à procura de gente

A galeria do amor é assim

Um lugar de emoções diferentes

Onde a gente que é gente se entende

Onde pode se amar livremente…”

(TIMÓTEO, Agnaldo. 1975)

Agnaldo Timóteo deixou claro que a música se chamaria “Galeria Alaska”, porém o departamento de marketing da gravadora pediu para que ele mudasse com receio da parte conservadora de seu público.[vii]

A Galeria Alaska em 1979 também foi palco para um curta metragem do diretor José Joffily chamado: “Curta-Sequência: Galeria Alaska[viii]”, no curta os atores Anselmo Vasconcelos e Paulo Barbosa interpretam Jairo e Silvinho que estão sentados em um bar em frente a Galeria Alaska começam a conversar e discutem, com isso os próprios atores e a equipe de filmagem interagem com o público local e com isso capturam histórias das pessoas que frequentam a Galeria Alaska dando a visão de como era um pouco do cotidiano para o espectador.

Na década de 1980, uma das principais atrações que lotou o Teatro Alaska foi a: “Noite dos Leopardos”[ix] onde o espetáculo de nu frontal masculino atraiam não só os frequentadores do Teatro Alaska como até mesmo famosos como: Caetano Veloso e Elza Soares.

O surto de HIV ocorrido em meados da década 1980 foi atribuído principalmente às práticas sexuais homoafetivas (ARRUMAR UMA FONTE), implicando assim ao início do fim da Galeria como ambiente voltado para o público homossexual, culminando em um fechamento definitivo no começo da década de 90 quando duas igrejas evangélicas compraram os principais locais de atrações: o Teatro Alaska, segundo o depoimento de Jane Di Castro, que participou de alguns espetáculos no local. A compra do espaço pela igreja, caracterizada pela expansão neopentecostal, aliada a falta de informações sobre a nova doença, criou um cenário de “guerra aos travestis” forçando uma desconcentração do público, desfazendo a essência da Galeria, que com o passar dos anos também tem seu restaurante adquirido também pela Igreja, que por fim transforma a Galeria Alaska em Galeria Atlântida como é conhecida hoje em dia.

Boate Sótão

        A importância da história da Galeria Alaska se dá principalmente aos seus estabelecimentos, alguns muitos famosos e outros nem tanto, o marco que esses estabelecimentos trouxeram para o local é de extrema importância para a história tanto local (nesse caso da Galeria Alaska e do bairro de Copacabana) até mesmo para a história dos frequentadores (sendo eles ou elas homossexuais ou não).

        E no dia 16 de julho de 1970 numa quinta-feira à noite se inaugurou a Boate Sótão[x] porém no dia anterior o Jornal do Brasil publicava numa parte do Jornal chamada Caderno B o acontecimento desse evento, o jornal do dia 15 de julho de 1970 anunciava que no dia seguinte era a inauguração da boate Sótão, e ainda dizia que: “a cozinha é internacional, decoração a base de tecidos estampados no teto e paredes brancas, nuas. A pista de Dança é feita com placas de acrílico, iluminada por cima e por baixo.” Em 2013 um frequentador da Galeria Alaska conhecido como Regis escreveu como era a Boate Sótão[xi] que serviu como fonte para essa pesquisa.

          Na primeira metade dos anos 1970 a Boate Sótão tinha como principais atrações a sua cozinha e shows ao vivo, com a era Disco Music chegando com força na segunda metade dos anos 70 a Sótão se transforma em uma boate Disco Music, onde os homens eram proibidos se tocar enquanto estavam na pista de dança. Sendo o primeiro clube privê do Brasil, para entrar na boate você tinha que ter uma certa influência no ambiente, senão era barrado na porta e a fama corria solta por ser uma boate de luxo e considerada a melhor boate do Rio de Janeiro. Em 1978 a boate Sótão ganhou fama internacional sendo comparada às boates de Nova York e de Paris, um dos DJs que deu fama a Sótão foi o DJ Amândio, onde inclusive lançou um LP com os maiores sucessos da pista de dança da Sótão. A Sótão, inclusive por causa da sua fama nacional e internacional, atraiu inclusive celebridades nacionais e internacionais como Mick Jagger e Freddie Mercury onde alavancou ainda mais sua fama. A Boate Sótão teve seu fim com a queda do público gay da Galeria Alaska no final da década de 1980 e início da década de 1990.

A Sociedade Carioca e a Imprensa

Um dos pontos principais deste trabalho é entender como a imprensa e a sociedade carioca tratavam a Galeria Alaska. O trabalho dos autores Sílvia Oliveira Cardoso e Heitor Leal Machado citado anteriormente serviu para observar como era o comportamento da imprensa sobre a Galeria Alaska, a imprensa em questão é o jornal O Globo. Assim como em outro livro da autora Carla Bassanezi Pinsky (2005)[xii], onde analisou historiadores que utilizaram os jornais impressos como fontes históricas para as suas pesquisas, aqui será feito o mesmo. Os jornais impressos tendem a entender, nesse caso, como a sociedade carioca recebia informações sobre a Galeria Alaska sem ao menos conhecer o local, valendo lembrar que a sociedade não via muito bem os relacionamentos homoafetivos com bons olhos onde muitos viam como um tabu esse tipo de relação.[xiii]

Com isso, a primeira matéria analisada é do jornal O Globo do dia 02 de setembro de 1958, aqui vemos que com o aumento do público da Galeria Alaska principalmente dos estabelecimentos noturnos, na matéria em questão com o título “Policiamento para Galeria Alasca”[xiv] na matéria, além de pedir um policiamento mais rigoroso para os bares suspeitos da  Galeria Alaska, a matéria aponta que os “inferninhos” tem como público delinquentes e pervertidos corrompendo menores e com isso culpando o que estaria acontecendo a juventude da época. É interessante observar o ponto do policiamento para a Galeria Alaska, segundo James N. Green[xv] observando duas casas que eram a boate Sótão no Rio de Janeiro e a boate Medieval, em São Paulo:

“Embora os proprietários dos clubes eventualmente fossem pressionados pelas autoridades, o dinheiro da propina mantinha a polícia apaziguada. Essa contradição entre a atmosfera política geral e a ampliação do espaço gay parece contrariar a lógica. Seria de esperar que um governo militar de direita, que censurava peças consideradas “subversivas” ou que violavam “a moral e os bons costumes” também fossem fechar os clubes gays. Mas isso não ocorreu. (GREEN, 2019, 408).

Essa citação nos faz observar e até mesmo responder como nos governos mais autoritários onde havia censura sobre muitos espetáculos, esses lugares não tiveram seus espetáculos censurados ou até mesmo os lugares fechados.

Numa reportagem em 1966, o jornal O Globo tem o título em sua matéria: “Inferninhos” – Chagas abertas em Copacabana”[xvi]. A matéria em questão aponta o crescimento do público nos estabelecimentos considerados “inferninhos” no bairro de Copacabana, especialmente porque a Galeria Alaska era considerada como um dos “inferninhos”, a reportagem primeiramente fala sobre os locais, quando descreve que “a Galeria Alaska é zona de ninguém” apontando aos locais de prostituição que tinha na avenida, além dos estabelecimentos que exibiam shows de “strip-tease”. No início da reportagem temos uma fala sobre uma briga entre homossexuais e alguns malandros e o fato da demora do policiamento no local. O maior destaque da matéria é o quanto os moradores estão sendo prejudicados com a vida noturna, que ao anoitecer estavam sendo expostos a “vexames inevitáveis” e também com seus imóveis sendo desvalorizados cada vez mais devido a “má fama” que os endereços estavam adquirindo devido a essa vida noturna e aos “inferninhos”, inclusive a Galeria Alaska ao longo dos anos sendo mais vigiada pela polícia e principalmente pelos moradores que tratava o local com desrespeito e discriminação. Em 5 de fevereiro de 1973 a Galeria Alaska ganha o destaque novamente de forma negativa com uma catástrofe, o jogador de futebol Almir Pernambuquinho[xvii] se envolveu em uma briga de bar na Galeria Alaska, o jogador estava com amigos no local do estabelecimento estavam um grupo de portugueses e o grupo de dançarinos Dzi Croquettes que ainda estavam maquiados após o espetáculo, com isso os portugueses estavam dirigindo insultos homofóbicos aos dançarinos. Almir Pernambuquinho se colocou em defesa, onde ocorreu uma briga, os portugueses e um dos seus amigos sacaram armas onde deu início ao tiroteio, desarmado Almir Pernambuquinho levou um tiro no peito onde faleceu[xviii]. De fato, para a imprensa,  1973 não era o ano de sorte para a Galeria Alaska, duas matérias em destaque negativo nesse mesmo período tomaram conta dos jornais, a primeira reportagem que ocorreu três dias depois do assassinato de Almir Pernambuquinho no dia 8 de fevereiro, na reportagem[xix] mostra uma ambiguidade na Galeria Alaska entre o dia e noite, durante o dia os moradores do condomínio, onde inclusive os elevadores ficam no centro da galeria que ficava na Galeria circulam pela galeria principalmente para atravessar em direção a uma das avenidas, o local também era movimentado graças ao salão de beleza e ao cinema que também funcionavam no local, porém a noite segundo a reportagem as pessoas evitavam o acesso à galeria, até mesmo para cortar caminho, devido a sua “clientela especial”. Com o assassinato do jogador Almir Pernambuquinho, a área em volta da Galera Alaska era considerada “barra pesada” e a notícia também fala da baixa valorização dos apartamentos do condomínio da Galera Alaska. Porém, na mesma reportagem, os comerciantes que funcionavam à noite na Galeria Alaska não se sentiam prejudicados com a movimentação e nem com o ocorrido que teve alguns dias antes. A segunda reportagem foi feita no dia 02 de abril, em um texto elaborado através de “contos” no bairro de Copacabana chamado “Draminha[xx]”, onde a história em questão contava que, mesmo depois do assassinato do jogador Almir Pernambuquinho, o local continuava sem policiamento. Porém, o narrador não fala dos frequentadores da Galeria Alaska e sim das pessoas que ficam ao redor do local.

A má fama da Galeria Alaska sobre ser um local barra pesada com péssimos frequentadores não se tratou só durante a época. Em uma reportagem de 2011 do canal Brasil [xxi]sobre a Galeria Alaska temos as falas de alguns moradores de Copacabana, onde a palavra “má fama” foi a mais falada, podemos observar que realmente a sociedade de Copacabana muitos não viam com bons olhos a Galeria Alaska e que muito dessa má fama contribuiu para o próprio fim dos estabelecimentos da galeria e por ter ficado tão esquecida pela história do Rio de Janeiro.

Sabemos que o jornal impresso contribuiu bastante para a má fama da Galeria Alaska, as matérias sobre o local estava bastante em destaque nas páginas dos jornais, especialmente o jornal O Globo que foi o mais pesquisado, analisando outros jornais como Jornal do Brasil[xxii] e Correio da Manhã[xxiii] na parte de classificados, muitos dos eventos que aconteciam nos estabelecimentos da Galeria Alaska eram retratados nos classificados e até outros acontecimentos como celebridades indo até a Galeria Alaska, como o vice-presidente da Globo o Boni indo prestigiar um espetáculo no qual um amigo estava protagonizando[xxiv].

Nesse trabalho fica o questionamento: será mesmo que para os frequentadores e até alguns moradores a Galeria Alaska era um local tão ruim? Mesmo sendo má afamada como a Galeria Alaska se manteve por tanto tempo? As perguntas foram feitas aos frequentadores da Galeria Alaska.

A Cultura Oculta

          Pela Galeria Alaska ser má afamada, a questão desse trabalho era o porquê da Galeria Alaska ter funcionado por tanto tempo? A questão de ter uma Cultura Oculta não é pelo fato de ser uma contracultura a sociedade segundo um estudo feito pela autora Cinthia Jardim Negromonte da Silva[xxv], não seria um fenômeno ideológico para os frequentadores locais, mas sim uma Cultura Oculta, algo que só dentro dos estabelecimentos da Galeria Alaska existia. O próprio cantor Agnaldo Timóteo quando gravou a música “A galeria do amor” teve o seu primeiro obstáculo para o seu lançamento que foi o questionamento do local feito pela própria gravadora, Agnaldo Timóteo afirmou que:

“[…] gente isso é uma realidade. Você sai a noite pra passear, chega na Galeria Alaska e encontra centenas de pessoas se paquerando. Isso é um fato real. É preciso falar disso. São milhões de pessoas que vivem dessa maneira: homens com homens, mulheres com mulheres. Não se pode mais fugir dessa realidade hoje no mundo.” (ARAÚJO, 2015. P. 142).

Para entendermos isso foi realizado um trabalho de história Oral sobre o local, onde pessoas que frequentavam foram entrevistadas, foi necessário entrevistar alguns frequentadores da Galeria Alaska. Desse modo, a História Oral se fez muito presente neste trabalho, usando como método o estudo realizado pela historiadora Sônia Maria de Freitas (ANO) em seu livro: “História Oral: Possibilidades e Procedimentos.” sua metodologia está presente nos procedimentos utilizados com meus entrevistados para a realização desse trabalho a prática da História Oral temática, Nela o tema tende a ser mais importante para todo o debate do que a própria história de vida do entrevistado, destacando sempre a Galeria Alaska como foco principal para a memória do entrevistado e com isso a discussão sobre o local, a mídia e o porquê era tão frequentada, Sônia Maria de Freitas nos mostra que:

Com a História Oral temática, a entrevista tem um caráter temático e é realizado em um grupo de pessoas, sobre um assunto específico. Essa entrevista – que tem característica de depoimento – não abrange necessariamente a totalidade da existência do informante. Dessa maneira, os depoimentos podem ser mais numerosos, resultando em maiores quantidades de informações, o que permite uma comparação entre eles, apontando divergências, convergências e evidências de uma memória coletiva, por exemplo[xxvi].” (FREITAS, 2006. P. 21-22).

          Para a realização deste trabalho foi preciso colher depoimentos com o intuito de estimular a construção de memórias do entrevistado sobre o local, relacionar os estabelecimentos que ele frequentava e com isso saber como era a visão dele sobre o local perante a mídia. Foram, no total, cinco entrevistados e sete perguntas mostradas abaixo:

  1. “Como e quando você descobriu a Galeria Alaska?”

Essa pergunta foi feita para descobrir principalmente o ano que o entrevistado descobriu a Galeria Alaska, como a Galeria Alaska funcionou por quase quarenta anos é importante para a pesquisa saber em que momento da funcionalidade da Galeria Alaska o entrevistado teve o seu primeiro contato com ao local. Também é importante observar nessa pergunta o modo no qual o entrevistado descobriu a Galeria Alaska, de modo que se muitos jornais tinham em sua manchete de destaque os acontecimentos ruins, principalmente após o assassinato do jogador Almir Pernambuquinho, não só a Galeria Alaska sofria da má fama como os locais ao redor, muitos jornais anunciavam atrações (mesmo ela sendo escondidas) nos seus anúncios e também o entrevistado pode ter descoberto a existência da Galeria Alaska por meio de amigos, parceiros e etc.

  1. “Como e quando eram suas frequências na Galeria Alaska? Caso não frequentasse, quantas vezes você foi?”

A importância dessa pergunta se faz com o objetivo de estimular a construção da memória do entrevistado. A quantidade em si não seria considerada, mas sim a importância que ele dava ao local a partir da quantidade de frequências ou simplesmente a quantidade de vezes que foi até o local, desse modo é possível também perceber o conhecimento do entrevistado sobre a Galeria Alaska.

  1. Em qual localidade você morava? E como fazia para se dirigir até a Galeria Alaska?

O Rio de Janeiro sempre separou pessoas de classes médias, altas e baixas em seus locais de moradia, então a importância dessa pergunta é saber em que localidade o entrevistado morava para fazermos a análise de que não só moradores ao redor da Galeria Alaska frequentavam, mas sim moradores do Rio de Janeiro e até de cidades próximas também frequentavam a Galeria Alaska. Vale observar que como o entrevistado se dirigia até a Galeria Alaska mostra o quanto tempo ele poderia passar no local.

  1. Quais estabelecimentos você foi? Lembra onde eram localizados dentro da Galeria Alaska?

A Galeria Alaska tinha funcionamento tanto de dia quanto de noite, vimos em matérias de jornais e pesquisas que a Galeria Alaska tinha salões de cabeleireiros, cinemas, restaurantes, além do próprio condomínio que ali ficava e que dava passagem entre as avenidas Atlântica e Nossa Senhora de Copacabana, então os estabelecimentos foi uma importante questão para saber de algum estabelecimento não citados durante a pesquisa feito sobre o local.

  1. Quais atrações artísticas você viu no local?

As atrações da Galeria Alaska foi um movimento muito forte para o sucesso do local, os espetáculos nas casas de shows dentro do local como o International Set e o Les Girls no final da década de 1950 na boate Stop, além do espetáculo: A Noite dos Leopardos no Teatro Alaska como uma das principais atrações dos anos 1980 no Teatro Alaska, onde além do público também sempre atraiu famosos para os locais da Galeria Alaska.

A Galeria Alaska sempre foi uma das grandes memórias não só para a história da Galeria Alaska quanto para os frequentadores do local, além dos espetáculos de dança que começaram já no final dos anos 60, não podemos esquecer também dos shows de música que muitos cantores apresentavam no local.

  1. Qual o maior acontecimento que tenha acontecido no local que você presenciou que você possa contar?

Além da memória das atrações do local, essa pergunta de cunho mais pessoal foi feita para analisarmos também eventos fora das atrações artísticas que tinha no local, de modo que o entendimento do local poderá ser observado tanto nas atrações quanto ao redor, nos bares e até mesmo ao redor da Galeria Alaska.

  1. A Galeria Alaska nunca foi vista com bons olhos pela alta sociedade carioca e nem pela imprensa, mesmo assim não impedia as pessoas frequentarem o local, porque você acha que a Galeria Alaska era muito frequentada?

Essa é a pergunta chave de todo o questionário e também para a realização desse trabalho, conforme vimos a relação da imprensa com o local podemos também entender que o local não era muito bem visto para a sociedade do Rio de Janeiro porém o público da Galeria Alaska continuava frequentando mesmo com o comportamento da sociedade carioca, com isso a análise será feita com mais importância a partir dessa pergunta sem descartar as outras, mas o trabalho de pensamento sobre o local e a conclusão será realizada a partir dos estudos feito sobre essa pergunta, as perguntas anteriores serviram de um complemento para a pergunta final.

Conclusão

Pode-se entender, por meio dos depoimentos dos entrevistados, que a “cultura oculta” que existia na Galeria Alaska se constituía como um estigma que lhes era atribuído por suas “condutas discordantes” com as normas sociais. Deste modo, o “oculto” espelhava-se no estigma como “prevenção” e autodefesa. Na Galeria Alaska, a identidade oculta se libertaria dos estigmas lhes impingidos por uma sociedade moralista e pelo Estado autoritário.  Na percepção dos próprios frequentadores, pessoas de diferentes lugares do Rio de Janeiro, de diferentes ocupações laborais e que usavam diferentes formas de acesso à Galeria Alaska, esta representava o lugar “onde podiam ser elas mesmas” e se divertirem com liberdade nos ambientes múltiplos da Galeria Alaska onde


“Muita gente a procura de gente
A galeria do amor é assim
Um lugar de emoções diferentes

Onde a gente que é gente
Se entende
Onde pode se amar livremente” (TIMÓTEO, 1975)

Constatar a importância deste lugar como local de encontros, de construção e afirmações pessoais de identidade é reconstruir uma memória coletiva “ocultada” pelos frequentadores era concomitante com o período da Ditadura Militar e de movimentos culturais alternativos que se caracterizavam como contraculturais. O contexto do “desbunde” da Tropicália.

 Considerar como objeto de análise a Galeria Alaska como parte do Rio de Janeiro, assim como da vida noturna do bairro de Copacabana foi o objetivo deste trabalho que teve o intuito de preservar a memória da Galeria Alaska e entender que mesmo um local que era mal falado por muito e até mesmo pela imprensa, para os seus frequentadores era um local de liberdade para que eles poderiam ser quem quiserem e se relacionar com quem quiserem, assim também esse trabalho poderá servir de periódico para outros pesquisadores  sobre a Galeria Alaska, a sua memória nunca será esquecida como espaço de uma contracultura comportamental, de uma contracorrente ao autoritarismo, de construção de identidades, exercício das artes e de estéticas marginalizadas.

 

BIBLIOGRAFIA

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BOURDIEU. Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2006.

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CURTA Sequência – Galeria Alaska. Direção de José Joffily. Rio de Janeiro: Tamanduá Tv, 1980. Disponível em: <https://tamandua.tv.br/filme/default.aspx?name=curta_sequencia_galeria_alaska>

FREITAS, Sônia Maria de. História oral: possibilidades e procedimentos. 2. ed. – São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2006.

GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: LTC, 1988.

GREEN, James N. Além do carnaval: a homossexualidade masculina no Brasil do século XX / James N. Green; traduzido por Cristina Fino, Cássio Arantes Leite. – 2. ed. – São Paulo: Editora Unesp, 2019.

LEAL, Leandra (Direção). Divinas Divas (documentário). Rio de Janeiro, 2016

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. História, cativa da Memória? Para um mapeamento da Memória no campo das Ciências Sociais. In Rev. Inst. Est. Bras. São Paulo.34: 9-24, 1992.Cf.: http://www.revistas.usp.br/rieb/article/view/70497/73267 Acesso 12/12/2020.

SAMPAIO, Paulo. Show de strippers tinha plateia de famosos, ereção e Guilherme de Pádua. Disponível em: <https://paulosampaio.blogosfera.uol.com.br/2018/01/17/show-de-strippers-tinha-plateia-de-famosos-erecao-e-guilherme-de-padua/>. 2018.

SANTOS, Vicente Saul Moreira dos.  Trajetórias culturais e musicais da “Princesinha do mar” – Copacabana: 1946-1965. São Paulo: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História,2011. Cf.: http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300484276_ARQUIVO_TRAJETORIASCULTURAISEMUSICAISDAPRINCESINHADOMAR.pdf. Acesso 12/12/2020.

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TIMÓTEO, Aguinaldo. Galeria do amor (Long-Play). Berlim/São Bernardo do Campo: Odeon Records, 1975.

TUSSINI, Gabriel. A vida de Almir Pernambuquinho e a cobertura de seu assassinato. Disponível em: <https://medium.com/@gabrieltussini/a-vida-de-almir-pernambuquinho-e-a-cobertura-de-seu-assassinato-c86591204d14>. 2019.

YOUSSEF, Alê. Desbunde é o que nos resta. 24/02/2015. Conferir em: https://revistatrip.uol.com.br/trip/desbunde-e-o-que-nos-resta

 

Anexo

Entrevistas:

Entrevistada: Graça Casemiro, 56 anos de idade. Mora no Rio De Janeiro/ RJ;

  1. Como e quando você descobriu a Galeria Alaska?

R: Conheci a Galeria Alaska por volta do início da década de 1970, com meus colegas de trabalho na época trabalhava no Jornal O Pasquim .

  1. Como e quando eram as suas frequências à Galeria Alaska? Caso não frequentasse, quantas vezes você já foi?

R: Passei a frequentar as noites de quinta-feira no fechamento do jornal, para jantar no restaurante Ele Faro, na galeria Alaska na Avenida Atlântica. E íamos sempre na noite gay na boate O Sótão, nos finais de semana, principalmente aos domingos.

  1. Em qual localidade você morava? E como fazia para se dirigir até a Galeria Alaska?

R: Eu residia em Ipanema com meus e como disse ia com meus companheiros de trabalho de táxi.

  1. Quais estabelecimentos você foi? Lembra onde eram localizados dentro da Galeria Alaska?

R: A noite na boate Sótão, o Teatro Alaska eram o que eu mais frequentava. Tinha um boteco na N.Sra.de Copacabana muito bom também.

  1. Quais atrações artísticas você viu no local?

R: O show dos Leopardos era o máximo, aqueles homens musculosos dançando eroticamente começaram no teatro Alaska. Também vi os shows do Dzi Croquettes que era um musical com ótimos bailarinos.

  1. Qual o maior acontecimento que tenha acontecido no local que você presenciou que você possa contar?

R: Fiz bons amigos como Tião Macalé, Emílio Santiago, Elke Maravilha, eram frequentadores assíduos. Também teve a presença de Mick Jagger e David Bowie, eles deram um show pra nós.

  1. A Galeria Alaska nunca foi vista com bons olhos pela alta sociedade carioca e nem pela imprensa, mesmo assim não impedia as pessoas frequentarem o local, por que você acha que a Galeria Alaska era muito frequentada?

R: Por preconceito era mal vista, pois era muito frequentada por homossexuais! Travestis famosas e toda a sorte de gays. Havia liberdade.

Entrevistado: Fernando Carlos da Silva Ramos, 64 anos, morador de: Manaus/AM

  1. Como e quando você descobriu a Galeria Alaska?

R: Assim que me assumi como gay, isso em 1979.

  1. Como e quando eram as suas frequências à Galeria Alaska? Caso não frequentasse, quantas vezes você já foi?

R: Fui várias vezes ao longo dos anos 1980.

  1. Em qual localidade você morava? E como fazia para se dirigir até a Galeria Alaska?

R: Eu morava em São Gonçalo. Ia de ônibus, pegava a barca em Niterói e pegava novamente ônibus para Copacabana.

  1. Quais estabelecimentos você foi? Lembra onde eram localizados dentro da Galeria Alaska?

R: As boites: Sótão e Le Jardin. Fui ao Teatro Alaska, assim como os bares e restaurantes na sua entrada. Ia às boites e o teatro dentro da galeria.

  1. Quais atrações artísticas você viu no local?

R: Vi o espetáculo “A Noite dos Leopardos” na década de 1980, encontrava muitos artistas que eram gays.

  1. Qual o maior acontecimento que tenha acontecido no local que você presenciou que você possa contar?

R: Encontrar atores e músicos conhecidos aumentava a nossa autoestima.

  1. A Galeria Alaska nunca foi vista com bons olhos pela alta sociedade carioca e nem pela imprensa, mesmo assim não impedia de as pessoas frequentarem o local, porque você acha que a Galeria Alaska era muito frequentada?

R: Eram anos nada fáceis para a comunidade LGBTI, a Galeria era um lugar que podíamos frequentar sem sermos discriminados, viver em gueto era mais seguro, e também, claro, havia a possibilidade de encontrarmos parceiros sexuais. Lia o jornal Lampião da esquina, ele nos dava uma lista de lugares para frequentar sem sermos discriminados e lugares para encontrar parceiros.

Entrevistado: Geraldo Diniz, 60 anos de idade, morador de: Campos dos Goytacazes/ RJ

  1. Como e quando você descobriu a Galeria Alaska?

R: Em 1979, fui com um amigo que já frequentava.

  1. Como e quando eram as suas frequencia a Galeria Alaska? Caso não frequentava quantas vezes você já foi?

R: Depois da primeira vez, frequentei todas as quintas-feiras. Frequentei até o fim da galeria.

  1. Em qual localidade você morava? E como fazia para se dirigir até a Galeria Alaska?

R: Morava em Copacabana, na rua Constante Ramos, ia e voltava a pé.

  1. Quais estabelecimentos você foi? Lembra onde eram localizados dentro da Galeria Alaska?

R: Não,  eu sempre chegava direto para a boate SÓTÃO. Até porque nos bares dentro da Galeria, havia um ” mercado de prostituição” e drogas.

  1. Quais atrações artísticas você assistiu no local?

R: Assisti A Noite dos Leopardos, no Teatro Alaska, dirigido por Eloína.

  1. Qual o maior acontecimento que tenha presenciado no local que você possa contar?

R: Um desfile promovido por Silvinho do Jambert, o michê[xxvii] mais bonito da Galeria.

  1. A Galeria Alaska nunca foi vista com bons olhos pela alta sociedade carioca e nem pela imprensa, mesmo assim se não impedia que as pessoas frequentassem o local. Porque você acha que a Galeria Alaska era muito frequentada?

R: O mistério, a prostituição e o melhor som do Rio na época, Boate Sótão, com  o  Melhor DJ da época,  O DJ Amândio. Na Boate Sótão, passaram famosos como Mick Jagger, Freddie Mercury, Cat Stevens entre outros, para mim tudo era novo, um mundo que eu não conhecia. E era frequentada por um público que queria muito ser feliz, mas era muito elitizada. Mesmo pagando, se o porteiro sentisse que não era a sua praia, você não entrava mesmo.

Entrevistado: Marcio Pereira, 58 anos de idade, morador de: Campos dos Goytacazes/ RJ

  1. Como e quando você descobriu a Galeria Alaska?

R: Na década de 70, na era Disco, eu tinha amigos gays que moravam no Rio de Janeiro antes de morar em 1981. Depois que servi ao exército, então a Galeria Alaska já era muito conhecida. Era muito bom. O DJ Amândio já era muito conhecido, então chegava aqui em Campos dos Goytacazes essas informações sobre a Galeria Alaska e vez ou outra eu aparecia por lá, na década de 1970 ainda por volta de 1977.

  1. Como e quando eram as suas frequências na Galeria Alaska? Caso não frequentasse, quantas vezes você foi?

R: Nos 10 anos que eu morei no Rio de Janeiro, eu ia de 3 a 4 dias por semana. O Rio de Janeiro naquela época era um “fervo”.

  1. Em qual localidade você morava? E como fazia para se dirigir até a Galeria Alaska?

R: Na época que morava na Rua Duvivier em Copacabana mesmo, então a gente ia caminhando pelo calçadão ou pela Avenida Nossa Senhora de Copacabana até chegar na Galeria Alaska, eu lembro que vi Lauro Corona, conversei com o Cazuza, com o Emílio Santiago, a Galeria Alaska era boa demais e tinha a polícia, o 13º era na frente e de vez em quando eles iam lá mas como a ditadura estava se dissipando, eles só iam lá pra encher o saco mesmo.

  1. Quais estabelecimentos você foi? Lembra onde eram localizados dentro da Galeria Alaska?

R: Os bares eram nos extremos, na Avenida Nossa Senhora Copacabana tinham dois, eu me lembro da boate Sótão, do Teatro Alaska e amanhecia quando a gente via o sol nascer saindo da boate Sótão. Tinha também uma pizzaria na Avenida Atlântica também, mas a parte da Avenida Atlântica não era tão gay assim. Naquela época os apartamentos da Galeria Alaska não valiam nada, porque a Galeria Alaska era considerada um lugar sujo, promíscuo, antes disso era frequentada pela classe alta mas depois na Era Disco com o advento gay, com o HIV e essas coisas foi decaindo e agora tem igreja evangélica e tem tudo lá dentro.

  1. Quais atrações artísticas você assistiu no local?

R: As boates gays tinham atrações muito rápidas de Gogo Boys e tal, mas o Teatro Alaska tinha o show da Noite dos Leopardos, tinha show de bonecas, pornochanchadas, tinha os travestis, eram muito bonitos os shows as dublagens, eram bem profissionais como se fosse um show de vedetes, era muito bom no Teatro Alaska. Rogéria, Silvetty Montilla, Lola Batalhão, eram muitos nomes, difícil lembrar todos os nomes depois de tanto tempo, a Rogéria então usou muito o Teatro Alaska para se apresentar, eram um grupo de amigas que eram da Galeria Alaska, ali era um espaço para todo mundo, para o travesti, para a lésbica, para o gay, a Galeria Alaska era plural.

  1. Qual o maior acontecimento que tenha acontecido no local que você presenciou que você possa contar?

R: O show da Noite dos Leopardos na Boate Sótão foi um sucesso. E o fato de eu ter encontrado Freddie Mercury na Boate Sótão foi um grande acontecimento para mim, isso foi muito interessante. Mas o “fervo” mesmo foi a Noite dos Leopardos, que foi o “fervo” mesmo.

  1. A Galeria Alaska nunca foi vista com bons olhos pela alta sociedade carioca e nem pela imprensa, mesmo assim não impedia as pessoas de frequentarem o local, por que você acha que a Galeria Alaska era muito frequentada?

R: Existia gente da alta sociedade descolada que frequentava a Galeria Alaska, como iam bandidos. Cazuza chegava de Mercedes, mas não tinha dinheiro e pedia para o pai pagar. Tinha muita gente mesmo, o morro descia, vinha o cara de Ipanema… Era isso, era diferente, apesar de ser estranha, de ser meio escura…não seria festa, mas o Rio de Janeiro não era tão limpo assim, era um clima muito bom, foi bom demais ter passado por lá.


[i] Trecho do jornalista Alê Youssef publicado em 24 de fevereiro de 2015 para a Revista Trip, visto em: https://revistatrip.uol.com.br/trip/desbunde-e-o-que-nos-resta

[ii] BAKHTIN. Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: HUCITEC, 2010.

[iii] Trabalho apresentado no GP Comunicação e Culturas Urbanas do XV Encontro dos Grupos de Pesquisa em Comunicação, evento componente do XXXVIII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, em 05 de setembro de 2015.

[iv] Hoje em dia o nome “Galeria Alaska” não existe mais, foi substituído por Galeria Atlântida, porém o condomínio Alaska permaneceu com o mesmo nome.

[v] Essa data segundo o livro: “Além do Carnaval: A homossexualidade masculina no Brasil do século XX” do autor: James N. Green

[vi] Trecho retirado do livro “Eu não sou cachorro não” (ARAÚJO, p. 140)

[vii] Trecho retirado do livro “Eu não sou cachorro, não” (ARAÚJO, p. 141)

[viii] As filmagens foram gravadas em 1979, porém o filme que se encontra no Tamanduá Tv aponta que o filme é de 1980.

[ix] Um pouco da história do espetáculo foi escrito pelo jornalista Paulo Sampaio em seu blog: https://paulosampaio.blogosfera.uol.com.br/2018/01/17/show-de-strippers-tinha-plateia-de-famosos-erecao-e-guilherme-de-padua/

[x] Jornal do Brasil, 16 jul. 1970, Caderno B

[xi] Texto publicado em seu blog: https://grisalhos.wordpress.com/2013/11/26/breve-historia-da-boate-sotao/

[xii] O livro tem como título “Fontes Históricas

[xiii] Eu não sou cachorro, não (ARAÚJO, PAULO CESAR DE. p. 143)

[xiv] O Globo, 02 de setembro de 1958. Segunda seção. P. 15

[xv] Além do Carnaval (GREEN, James N. p. 408)

[xvi] Jornal O Globo, 10 de maio de 1966. Segunda seção. P. 3

[xvii] Almir Pernambuquinho foi um jogador de futebol que jogou em diversos clubes brasileiros, além de ter jogado pela seleção brasileira, o jogador tinha fama de “briguento” para muitos torcedores e até mesmo para a imprensa.

[xviii] Reportagem do site Medium feita pelo jornalista Gabriel Tussini (Março, 2019)

[xix] Jornal O Globo, 8 de fevereiro de 1973. Primeira seção. P. 18

[xx] Jornal O Globo, 2 de abril de 1973. Vespertino, Segunda seção. P. 5

[xxi] Entrevista dada ao programa: “Caminhos da Reportagem” da Tv Brasil em 2011 – https://www.youtube.com/watch?v=YExbxfXEMKA

[xxii] Jornal do Brasil, 13 de janeiro de 1973. Caderno B. P7

[xxiii] Jornal Correio da Manhã, 3 de janeiro de 1973. Jornal do Serviço. P. 9

[xxiv] Jornal do Brasil, 12 de julho de 1983. Caderno B. P. 5

[xxv] Contracultura e Cultura Negra (SILVA, p.15-19)

[xxvi] Essa foi uma das falas ditas pelo próprio Agnaldo Timóteo que consta no livro: Eu não sou cachorro, não. do historiador Paulo Cesar de Araújo.

[xxvii] O termo michê é usado para se referir ao homem, geralmente jovem, que se prostitui.

A nascente sociedade urbana da Vila de Entre-Rios e o lugar dos escravos libertos e seus descendentes. – 4ª parte

A cidade de Três Rios, inicialmente Vila de Entre-Rios, tem sua formação urbana vinculada aos espaços físicos das fazendas de café que pertenceram à Mariana Claudina P. de Carvalho, a Condessa do Rio Novo e seus pais, o Barão e a Baronesa de Entre-Rios. Os escravos, personagens com pouca acuidade para a história vista de cima, mas importantes no contexto historiográfico da Nova História Cultural, foram libertos por desejo expresso no testamento da Condessa que deliberou a utilização das terras de uma das suas propriedades para o assentamento destes e criação da Colônia Agrícola de Nossa Senhora da Piedade composta no ano de 1882 e extinta em 1932 motivada por uma combinação de fatores.

Neste artigo, dividido em 4 partes para publicação, analiso a inserção da população pobre e negra no espaço urbano de relação daquela sociedade nascente no pós-abolição, utilizando-me pata tanto, além das referências literárias, das fotografias do acervo acumulado nas minhas pesquisas do mestrado, entendendo-as em sua dupla dimensão como fonte e testemunho de memória, um lugar de lembrança relacionado a todas as representações a elas associadas, percebendo presenças e ausências destes indivíduos em determinados espaços e grupos de relação.

É possível admitir que a coletividade entrerriense, mesmo sendo de uma cidade em formação no interior do Estado do Rio de Janeiro, refletia a configuração da sociedade brasileira a época: nova organização social burguesa republicana (comercial, industrial e financeira), capitalista e urbana e são os representantes desta elite que produziram as imagens analisadas: o olhar fotográfico reflete em sua maior parte “as cenas” do cotidiano deste grupo.

Educação e Trabalho

No campo da educação, importante para inserção do indivíduo na sociedade e para a conquista de melhores condições de trabalho e renda, as fotografias que seguem indicam as oportunidades experimentadas pelos descendentes dos negros libertos. Em uma escola particular não estão presentes, em um colégio do Estado são percebidos em número menor e em uma escola técnica profissional, meninos negros aparecem sendo preparados para funções no mercado de trabalho, onde se exigia capacitação técnica e não o ensino superior.

Fotografia 1: Vista externa do Gynásio Pinto Ferreira, instituição educacional tradicional com matriz na cidade de Petrópolis/RJ. Nesta imagem alunos e professores estão perfilados; os meninos na frente abaixo e as meninas na sacada do edifício, não sendo possível identificar um representante negro entre estes. Fotografia do ano de 1935, sem fotógrafo conhecido, do acervo André Mattos
Fotografia 2: Vista externa do Grupo Escolar Condessa do Rio Novo, na Praça São Sebastião, com seus alunos perfilados em frente à escola, observando-se no primeiro plano à direita, crianças plantando uma muda de árvore, e junto a elas, a professora Alva Coutinho Carvalhido. Nesta fotografia do início da década de 1940, é possível observar à presença em número maior de crianças brancas e em maioria meninas, mesmo sendo este um colégio mantido pelo Estado. Do acervo André Mattos sem autor conhecido.
Fotografia 3: Vista interna da Oficina da Escola Profissional de Entre-Rios, onde a presença de jovens meninos negros aparece com maior destaque. No segundo plano ao fundo a direita, membros da diretoria desta instituição de ensino e atrás bem ao fundo, dois possíveis instrutores, que em sendo, seriam os únicos professores negros observados nas fotografias. Registro da década de 1940, do acervo André Mattos.

“Dentre os libertos retiraram-se logo após a recepção de sua liberdade 8 indivíduos, todos do sexo masculino, e estes foram somente dos que tinham ofícios e que preferiram exercê-los fora da colônia, como mais rendosos. Foi interesse e não outro motivo que os fez emigrar.Eles eram carapinas, ferreiros, pedreiros e cozinheiros. Estes retirantes deixaram de obter lotes na colônia (…).” 1

Alguns negros desenvolviam nas fazendas outros ofícios além da atividade na agricultura, trabalhos que exigiam maior esforço físico, e que, imputaram a estes, a representação de indivíduos aptos ao trabalho na carpintaria, nas serralherias, nas obras urbanas, como pedreiros, pintores, entre outros.

Fotografia 4: Vista externa do Armazém de Café construído em Entre-Rios pelo presidente de Minas Gerais, observando-se os trilhos da E. F. Central do Brasil, bem em frente de um dos galpões. Nota-se que os que estão descarregando as sacas de café do vagão são todos negros, em destaque na imagem pela posição e por estarem bem trajados, em sua maioria, por senhores brancos. Fotografia do início da década de 1930, sem fotógrafo conhecido, do acervo Srº Altair.

Esta condição de serem trabalhadores acostumados com a lida braçal, acrescido da necessidade de sobrevivência além das fronteiras das fazendas, conduziu a população negra a atividades outras nas cidades, mas sempre em posições onde havia o imperativo de uma mão-de-obra menos qualificada, nos setores residuais, limitados às práticas ou ocupações inadequadamente retribuídas e degradadas, posições onde havia o imperativo de uma mão-de-obra menos qualificada.

Identificado em alguns jornais com o nome de Carlos (há referências também ao Lucas da Lata D`água), temos como exemplo desta realidade, o indivíduo destacado no registro que se segue, que vendia latões de água pelas ruas do distrito de Entre-Rios. No segundo plano veem-se lojas comerciais, além da presença de três crianças, sendo que apenas uma está com os pés calçados.

Fotografia 5: Registro da década de 1920, sem informação do fotógrafo, acervo Srº Altair.

Desta maneira, quando da implantação das propostas de educação para o trabalho, como as Escolas Profissionais, estas receberam no seu início, um número maior de alunos negros. A educação formal, que permitia com mais possibilidades a ascensão social, educando os doutores e bacharéis, comerciantes e industriais, atendia majoritariamente, as crianças e os jovens da elite branca.

Um aspecto importante percebido na fotografia 8, única do meu acervo a demonstrar sua condição da mulher negra como provedora familiar através da ajuda assistencial, indicando que mesmo entre grupos silenciados e esquecidos, subsistem…

“(…) zonas mudas e, no que se refere ao passado, um oceano de silêncio, ligado à partilha desigual dos traços, da memória e, ainda mais, da História, este relato que, por muito tempo, “esqueceu” as mulheres, como se, por serem destinadas à obscuridade da reprodução, elas estivessem fora do tempo, ou ao menos fora do acontecimento.” 2

Pesquisando sobre as transformações urbanas na Vila e depois, distrito de Entre-Rios, através dos testemunhos das fontes fotográficas, os estudos apontaram para um crescimento urbano no entorno dos espaços “indicados” pelas estradas rodoviária e ferroviária, além dos terrenos à margem esquerda do rio Paraíba do Sul, constituindo-se o que atualmente é identificado como o centro da cidade de Três Rios.

Neste período entre a Vila de Entre-Rios e a emancipação e criação do município de Entre-Rios, grupos sociais escreveram a suas histórias e memórias, refletindo na própria concepção dos espaços sociais de relação, seus embates de memória, concebendo zonas segregadoras e de inter-relação, nos territórios da cidade, não somente considerando sua ocupação física, mas e principalmente, a formação econômica e cultural da sociedade.

Uma análise da população da cidade de Três Rios na atualidade através dos espaços urbanos organizados em bairros residências populares e o centro dividindo-se principalmente entre os prédios mais luxuosos e casas residenciais e lojas comerciais – incluindo-se clubes, escolas particulares e universidades; permite constatar que os indivíduos negros e mulatos em sua grande maioria estão vivendo nos bairros em casas mais simples e trabalhando em atividades profissionais que exigem mais esforço físico e um nível escolar menor.

Mesmo distinta na sua origem do período delimitado neste trabalho, tem-se na imagem 86 digitalizada de um jornal, a configuração de uma representação que se construiu como consequência dos embates de memória entre grupos detentores dos poderes políticos e econômicos e as minorias sociais, presente ainda atualmente – que perdura desde o século XIX e que entendo define muito bem os papéis imputados aos negros.

Fotografia 9: Imagem digitalizada da parte superior da capa do periódico “Correio Trirriense” na sua edição de nº 413 de 30 de abril de 1970.

A imagem do negro neste exemplo está diretamente relacionada às representações do trabalho, de um proletariado amigo e subserviente, do homem humilde e religioso, simboliza o popular que se expressa enquanto grupo social apenas nas manifestações de cultura, música e esporte, aquele que se faz feliz com os benefícios providenciados pelos grandes líderes políticos. A posição do homem negro nesta imagem – ele está num plano menor, numa atitude de reverência -, indica uma supremacia de um (o branco benevolente) para com o outro. O texto de inferência a imagem reforça estes estereótipos.

 “Alberto Lavinas, o líder popular [o homem branco como líder, o chefe, o que segue na dianteira e tem suas vontades e determinações definidas como as melhores para o povo], o amigo dos trabalhadores, comemora o 1º de maio inaugurando obras que farão mais feliz o proletariado trirriense. No flagrante de Abdisio, o Prefeito Lavinas abraçando a um dos muitos trabalhadores trirrienses, homenageia de maneira simbólica, aquele que constrói a grandeza nacional: o Trabalhador Brasileiro.”


Em 22 de janeiro do mesmo ano, ou seja, 5 meses antes, na edição nº 401 do “Correio Trirriense” na sua capa, esta mesma fotografia é utilizada pela primeira vez, para enaltecer a relação entre o povo da cidade de Três Rios/RJ, mais especificamente, do bairro Monte Castelo, que através deste gesto de um dos seus moradores “agradecia” as melhorias realizadas naquele logradouro pelo governo municipal. O abraço representava a devoção e a manifestação de carinho de todos os residentes:

 “O governador trirriense recebe “AQUELE ABRAÇO” tão querido José Grilo, trirriense autêntico, homem do povo, velho motorista do DNER, morador antigo do bairro do Monte Castelo e irrestrito admirador do Chefe do Executivo trirriense”. 4

Os discursos da cidade são construídos e reconstruídos nas ações dos diversos grupos sociais que a compõem; mas todos de uma forma ou de outra, lembrados ou deixados no esquecimento, “escrevem” seus traços identificadores culturais: assim também os negros libertos e seus descendentes construíram sua fala, sua narrativa, memória visitada pelas fontes e testemunhos literários e fotográficos.

Referencias:

1 – Boletim nº 3 da Sociedade Central de Imigração do Rio de Janeiro, de 1884. Relatório do Srº Drº Ennes de Souza, apud, INNOCENCIO, Isabela Torres de Castro. Liberdade e acesso à terra. Rio de Janeiro/RJ. Folha Carioca Editora Ltda. 2005.

2 – PERROT, Michelle. As mulheres ou os silêncios da história. Bauru/SP. Editora Edusc, 2005.

3 – PREFEITO homenageia data do trabalhador inaugurando melhoramentos. “Correio Trirriense”. Três Rios/RJ. Ano IX, quinta-feira, 30 de abril de 1970, nº 413, capa.

4 – PREFEITO homenageia data do trabalhador inaugurando melhoramentos. “Correio Trirriense”. Três Rios/RJ. Ano IX, quinta-feira, 30 de abril de 1970, nº 413, capa.

Ristorantino: sofisticação, boa comida e arte

Aliar a alta gastronomia com sofisticação e arte.  Esta é a proposta do Ristorantino Ópera Arte, restaurante inaugurado recentemente, no Shopping Pátio Batel, em Curitiba e que tem como diferencial um menu contemporâneo em ambiente elegante. O espaço foi projetado pela arquiteta e proprietária Isabela Aguirra Pilagallo, que também é chef de cozinha formada pelo Centro Europeu. A decoração foi pensada nos mínimos detalhes para um espaço que tem a arte como uma das suas principais propostas.

Uma adega para mil garrafas – projetada com madeira nobre – divide os dois salões. Entre as novidades estão uma grande escultura em alumínio que fica sobre o bar, feita por Isabela, e  uma parede com obras de arte da artista plástica India Filipin cedidas pela galeria Zilda Fraletti. O projeto adotado foi o As-built, que preconiza o reaproveitamento de materiais como forma de evitar o desperdício e a geração de resíduos. 

Entrada do Ristorantino, no Pátio Batel, em Curitiba

Os ambientes – incluindo a enorme varanda com vista para o bosque – é um dos diferenciais do restaurante e que favorece a absorção de luz natural. O projeto luminotécnico é 100% com luminárias de led. Segundo Isabela, aliar as duas profissões –  a de arquiteta e chef de cozinha – tem feito a diferença para administrar o negócio em um ano tão atípico. “O curso de chef nos prepara para administrar negócios na área de gastronomia e isso fez toda a diferença na gestão do restaurante”, conta.

Além disso, a formação como arquiteta contribui para a proposta de oferecer um projeto diversificado ao público curitibano, que é conhecido por sua exigência. Para o diretor acadêmico do Centro Europeu e supervisor dos cursos de gastronomia , Rogério Gobbi, o sucesso do Ristorantino demonstra que – seja em tempos de pandemia ou não – para um negócio prosperar precisa ser administrado por pessoas com conhecimento.

“A Isabela é uma profissional muito talentosa e que aliou conhecimento em outras áreas de atuação para empreender. Gastronomia não envolve apenas cozinhar, mas também fazer a gestão do negócio, o que é fundamental”, ressaltou Gobbi. Com foco na gastronomia italiana, estão entre os diferenciais do restaurante Ristorantino Ópera Arte o toque brasileiro nos pratos preparados pelo chef Marcos Rodrigues. O menu inclui massas com frutos do mar, pizzas, foccacias e burratas – a gastronomia moderna da Itália.

A apresentação dos pratos é impecável, o serviço de qualidade e o ambiente agradável. “Temos alguns pratos do dia com entrada, prato principal e sobremesa para as refeições em horário de almoço”, diz Isabela. O Ristorantino é comandado por Isabela e sua irmã Rafaela Pilagallo. A família também é proprietária do restaurante e espaço de eventos Ópera Arte que funciona junto à Ópera de Arame, cartão postal de Curitiba.

Serviço:

RistorantinoShopping Pátio Batel – Endereço: Rua Hermes Fontes, 69 – Batel, Curitiba – PR.

Centro Europeu
https://centroeuropeu.com.br/
(41) 3233-6669

História da Alquimia: empirismo, ciência e arte

A alquimia sempre povoou o imaginário dos sujeitos ao longo da história, a começar pela busca da pedra filosofal ou a fonte da juventude, a própria História da Alquimia apresenta um rico universo com uma imensa variedade de obras e artigos. O tema, em questão, apresenta vários tópicos interessantes, como a relação entre alquimia e teoria da matéria, medicina, química, geologia e filosofia, outros recorreram às ferramentas da arte, da história, história religiosa e mesmo arqueologia para compreender a história da alquimia, ligando-a à história do corpo e da história da ciência, bem como à história da arte, literatura e cultura material. Em suma, os estudiosos da alquimia estavam engajados numa ampla e interdisciplinar gama de tópicos que se apresentavam, não apenas na história da ciência, mas também da arte, literatura e história social e cultural européia de forma ampla ou seja, a alquimia continua a ser um tópico particularmente importante para a história da ciência, arte e da filosofia, especialmente no início da Sociedade Moderna, período esse que produziu adeptos da alquimia algumas das figuras mais ilustres da ciência, incluindo Robert Boyle e Isaac Newton, ambos engajaram-se nos estudos da alquimia e várias formas intrincadas de elaboração matemática, buscando respostas as suas aflições intelectuais, na arte temos representações pictóricas em Hieronymus Bosch, Rembrandt, Goya, John Henry Fuseli e Willian Blake e na literatura temos feiticeiras e seres mágicos em William Shakespeare com Macbeth e Goethe com Fausto.  Para compreendermos a relação entre alquimia e ciência, temos que discutir o papel que o empirismo, no início da gênese do capitalismo, desempenhou como ponto de partida dos pensadores modernos, sendo assim, cada vez mais vem à tona que a alquimia aponta para a possibilidade de ampliar estudos que visam incorporar um amplo espectro de experimentadores e novas formas de conhecimento sobre a natureza em obras definidas como “nova ciência” no início período do Renascimento. 

Fonte: ROOB, Alexander, 2020

Concomitante livresca e experiencial, a alquimia era conhecida como um conjunto de conhecimentos empíricos e receitas, acumulados pelos precursores da química, porém como a medicina, a alquimia sempre foi tanto teórica quanto prática. Por outro lado, a alquimia tinha uma longa tradição textual, emergindo das penas de estudiosos que buscavam compreender as origens e os comportamentos dos metais e outras substâncias, o exemplo de transformar em ouro outras substâncias era um dos objetivos principais da alquimia. A alquimia surge na Antiguidade, provavelmente na Escola de Alexandria, onde os estudos alquímicos ligados ao núcleo de estudos aristotélicos, associados aos resultados obtidas empiricamente. Quando, por volta do século VII D.C., os árabes conquistam o Egito, a Síria e a Pérsia e trazem  para o Ocidente, particularmente à Espanha, os seus conhecimentos alquímicos, que passam então a ser difundidos, por meio de textos medievais, textos estes que apresentavam em seu núcleo, o corpus alquímico, um conjunto sofisticado de teorias, elaboradas em contextos do pensamento clássico, islâmico e cristão. Por outro lado, a alquimia têm raízes igualmente profundas no mundo do artesão/Demiurgo – isto é, dos destiladores, mineiros, ourives e boticários, trabalhadores cujo conhecimento de águas, álcoois, metais e minerais, bem como os equipamentos e processos necessários para trabalhar com estas substâncias, constituem o fundamento prático da alquimia. De muitas maneiras, o intelectual, o estudioso e o artesão são de diferentes classes sociais, bem antes do início da Sociedade Moderna na Europa e do surgimento da burguesia; porém, já no trabalho do alquimista, entretanto, esses mundos sempre estiveram unidos. Os praticantes alquímicos, freqüentemente consultavam livros e praticavam as teorias no laboratório; da mesma forma, receitas, descrições de processos e imagens de equipamentos de destilação encontraram modelos de experiências na consulta aos textos alquímicos. Sendo assim, o objetivo do artigo é discorrer sobre a história das práticas dos alquímicos e discutir uma abordagem que envolve as seguintes questões: Que tipo de sujeito praticava alquimia e qual o seu tipo de projeto? Como as pessoas aprenderam a fazer alquimia? Em que tipo de espaço os alquimistas trabalharam e que tipo de equipamento, e materiais eles utilizavam? Em suma, o que significava “fazer alquimia”? Responder a essas perguntas exigem do pesquisador procurar novas fontes, incluindo cadernos de anotações de laboratório, documentos que descrevem o trabalho alquímico e artefatos arqueológicos.

Fonte: ROOB, Alexander, 2020

 Junto com os textos clássicos, como tratados alquímicos, essas fontes mais recentes permitiram que os estudiosos produzissem uma compreensão da alquimia como um produto social e cultural de uma determinada época. Então, podemos perguntar, o que significava praticar a alquimia no início da Sociedade Moderna na Europa? Na obra “Alquimia e Misticismo”, de Alexander Roob (2020), o autor pretende responder ao apresentar o chamado “Museu Hermético”, a obra propõe discorrer sobre o universo ilustrado da alquimia, desde do cosmorama medieval até a arte romântica na Europa.

Para Roob (2020), a alquimia era pelo menos, em parte, uma prática textual e mística. Como um repositório de teoria alquímica, as informações sobre processos e, potencialmente, segredos preciosos, o corpus alquímico, ofereceram um recurso importante, embora complexo, para muitos estudantes e praticantes de alquimia. Muitos alquimistas da Baixa Idade Média e do início do Renascimento compartilhavam a intuição de seus contemporâneos, o de olhar para o passado em busca de conhecimento confiável, de certa forma canônico, localizando os fundamentos da alquimia em escritos atribuídos (embora às vezes de forma pseudônima) a adeptos de séculos passados. Segundo King (1996, p. 13):

“A meados do século XV foram redescobertos os textos herméticos, quando um monge levou a Cosme de Médicis, Marsílio Ficino, tinha ainda sem terminar a tradução completa de Platão, deu prioridade ao Corpus Hermeticum; e entre 1463, data da versão de Ficino, e o final do século seguinte, foram impressas nada menos que 16 edições.”

O estudo da alquimia, portanto, frequentemente começava com a coleta e o escrutínio de textos antigos em várias bibliotecas e monastérios espalhados na Europa e no Oriente Médio. No início do período moderno, um crescente número de novos textos, tanto em latim, árabe, quanto em vernáculo, começaram a superar os cânones antigos. Tratados contemporâneos, comentários, poesia alquímica e fragmentos de receitas prometiam novas ideias e concepções sobre a alquimia, interessando os primeiros leitores modernos e adicionando há já longa lista de textos antigos. O processo de coletar, avaliar, comparar e comentar todos esses textos envolveram muitos alquimistas e adeptos da alquimia, assim como qualquer pessoa interessada em descobrir os segredos da natureza, ou seja, os textos alquímicos não eram tão simples de se trabalhar ou compreender, eram textos denominados herméticos. Esses textos herméticos eram preenchidos com linguagem altamente alegórica, usavam codinomes para determinadas substâncias ou empregavam outras técnicas de ocultação para evitar que segredos alquímicos caíssem em mãos “erradas”. Além da “confusão terminológica” resultante, qualquer pessoa que colecione textos alquímicos teria que lidar com uma variedade desconcertante de gêneros e formas: misturas de receitas vernáculas, trechos descontextualizados de tratados, série de imagens e iconografias representando processos alquímicos, poesia alquímica, fragmentos de manuscritos, muitas vezes anônimos, e fragmentos de textos de segunda mão supostamente recolhidos por adeptos misteriosos ou outros praticantes. O que fazer com todos esses pedaços e peças, especialmente se cada um tinha o potencial de revelar um segredo valioso, como o verdadeiro método de preparar a pedra filosofal ou manter o fogo na temperatura adequada? 

Roob (2020) aponta que, como leitores, compiladores e tomadores de notas às voltas com uma tradição textual complicada, os alquimistas têm um lugar importante na história da erudição, da leitura e da construção de formas particularmente antigas de conhecimento científico.

Os alquimistas raramente liam e escreviam sobre alquimia sem antes passar pela experiência, entretanto; eles coletavam, comparavam e organizavam fragmentos de texto a fim de localizar elixires e métodos de processos alquímicos, testar teorias e colocar em prática experiências com os vários tipos de metais. Uma série de estudos recentes, segundo Roob (2020), os alquimistas concebiam a natureza nas suas múltiplas facetas, como uma espécie de escrita cifrada, um imenso criptograma com o propósito de ser desvendado por determinadas técnicas, portanto, os alquímicos exploraram de forma constante a relação entre os textos e a prática alquímica. O objetivo do envolvimento com a natureza – na verdade, a própria prova de que o praticante havia alcançado certo conhecimento – era a produção de elementos, particularmente  elementos que poderiam imitar os próprios poderes criativos da natureza, ligando-se a máxima da relação entre o saber e o fazer.

Em suma, o objetivo principal, na maioria dos casos, não era contribuir para a produção de uma teoria alquímica, seja em manuscrito ou impresso, mas, sim, usar a alquimia para produzir novos elementos, sejam eles elixires, metais preciosos ou pedras preciosas, além de desvendar o microcosmo e o macrocosmo. Portanto, esta ênfase em produzir elementos ligando a alquimia textual à cultura artesanal e comercial das primeiras cidades europeias modernas, levaram os alquimista, frequentemente a se juntavam aos seus colegas artesãos na esperança de que sua experiência no trabalho, com materiais ou metais, proporcionassem vida ou anima. Lembrando, que a prática da alquimia diferia de outros ofícios, por não ser organizada em guildas, o comércio de segredos alquímicos, incluiu a alquimia à crescente cultura comercial do início da Sociedade Moderna. Como fornecedores de técnicas, práticas, invenções e curas, os alquimistas também eram apreciados por mecenas principescos, que os empregavam para desenvolver práticas de cura, invenções e aumentar as suas fortunas. Portanto, muitos dos alquimistas, trabalhavam não apenas nas cidades, mas também na corte de um determinado príncipe ou rei, assumindo cargos assalariados para produzir elixires em laboratórios alquímicos ou assumindo projetos arriscados em um esforço para sustentar as práticas alquímicas.

Os praticantes da alquimia também atribuíam outros significados ao seu trabalho experimental, Segundo Roob (2020), os químicos dos experimentos laboratoriais como Andreas Libavius,  procuravam aperfeiçoar os princípios empíricos da alquimia, aproximando-a desse modo dessa forma da química analítica, ora esta multivalência da alquimia, de fato, é precisamente o ponto, e emerge mais claramente dos estudos sobre a história da alquimia.

No início do período moderno, os sujeitos podiam se envolver com a alquimia como estudiosos, artesãos, pastores, mecenas e burgueses, situando-se em uma variedade de espaços sociais e culturais. Na ausência de guildas ou de um sistema de licenciamento para estabelecer normas e policiar os limites da prática “legítima”, a alquimia permaneceu acessível a pessoas de quase todos as classes sociais, além disso, essa falta de regulamentação garantiu que a alquimia fosse maleável o suficiente para permitir que alquimistas e seus mecenas improvisassem quando construíssem laboratórios, avaliassem as habilidades dos praticantes. Contudo, essa abordagem foi crucial para colocar a alquimia  na paisagem social, cultural e intelectual da história européia, ligando-a ao comércio, à cultura urbana, às demandas da Reforma e assim por diante. Roob  (2020) aponta a diferença entre os alquimistas teosóficos, ligados a Rosa Cruz, e os da prática laboratorial, de um lado, profundamente imersos no trabalho de classificar os ricos e variados vestígios textuais de compromissos antigos e contemporâneos com a alquimia, e aqueles que se engajaram na alquimia experimental, com o intuito de produzir elixires, águas, a pedra filosofal e outros produtos alquímicos. Para King (1996, p. 55): 

“A alquimia manteve sempre estreita relação com a magia ritual. Alguns Magos consideraram um mero ramo da magia, alegando que o alquimista que preparasse a pedra filosofal estaria simplesmente purificando a matéria inferior, do mesmo que o celebrante de um ritual de iniciação purifica o candidato.”

Frances Yates (2007) lembra que a intenção dos folhetos rosa-cruciamos era estimular o espírito pesquisador, por meio de alegorias, apoiar politicamente os protestantes do Palatino. Contudo, a maioria dos alquimistas ficavam em algum ponto intermediário, entre os dois mundos, entre textos e experiências, entre realizações tecnológicas e as experiências práticas com os componentes espirituais e mágicos.

Essa ênfase na integração de textos e experimentação alquímica, juntamente com o reconhecimento do amplo espectro de compromissos com a alquimia, restituiu a alquimia na historiografia graças ao trabalho da historiadora Francis Yates (1899-1981), já citada, ou seja, a alquimia habitou o reino interdisciplinar da história intelectual do Renascimento, ligada aos estudos de hermetismo, magia natural, arte, literatura e “filosofia oculta”, memória, a ênfase na experiência deixou claro não apenas que a alquimia compartilhava muito com a história da química e da medicina, mas também envolveu sujeitos de diferentes classes sociais, do artesão ao aristocrata e burguês , todos contribuíram na  expansão da cultura impressa, no surgimento da ciência moderna e de novas formas de comércio, produzindo uma nova forma de perceber a natureza e sua relação com o homem, transformando a relação entre empirismo e ciência, impactando nas artes e produzindo efeitos duradouros em várias áreas. Os estudiosos agora reconhecem amplamente que qualquer história da alquimia deve levar em consideração a relação dos fundamentos teóricos e experimentais. Portanto, se desejamos compreender o desenvolvimento do conhecimento sobre a natureza no início da Sociedade Moderna, devemos resgatar o papel da alquimia na gênese do capitalismo e sua relação com o surgimento da ciência moderna.

Referências

DANGELMAIER, Ruth. Bosch. Paris: Könemann, 2018.

KING, Francis. Magia. Portugal: Ediciones del Prado, 1996.

ROOB, Alexander. Alquimia & Misticismo: O museu hermético. Portugal: Taschen, 2020.

YATES, Frances A. A arte da memória. Campinas: Ed. Da Unicamp, 2007.