LETRAS QUE VALEM A PENA, EM TEMPOS DE QUARENTENA…

Neste mês a coluna INcontros tem a colaboração em forma de crônicas e poemas de integrantes da Academia de Letras José de Alencar (ALJA), que iniciou suas atividades em 1939 como Associação de Cultura José de Alencar em Curitiba, Paraná. Sua atual presidente é a Dra. Anita Zippin. Para ilustrar esses belíssimos textos inspirados nas circunstâncias da pandemia em que estamos vivendo, nada mais coerente do que as imagens do pintor surrealista Salvador Dalí (1904-1989, Figueres – Espanha), o que dispensa quaisquer explicações lógicas. Boa leitura!

 

Não use máscaras (Ariadne Zippin)

Antes de reclamar, leia o texto.

Desde que a quarentena começou, eu tentei ficar o máximo em casa. Eu já tinha esse hábito de sair o mínimo possível entao não foi uma mudança tão drástica.

Precisei sair, por motivos pessoais sérios e me deparei com um mundo novo ou melhor com um mundo real, infelizmente.

O mundo está triste, as pessoas nos olham com medo, como se oferecessemos algum perigo, que de fato podemos oferecer, mesmo sem saber.

As máscaras nos deixam sentir um mundo mais melancólico pois não vemos o sorriso, não vemos o movimento facial e não vemos as pessoas.

Parada em uma rua observando o fluxo, me deparei com uma realidade pouco percebida por nós. USAMOS MÁSCARAS O TEMPO TODO mas elas eram invisíveis!

Sorrimos quando tristes.

Passamos batom para seduzir ou nos colorir e animar.

Não queremos que o outro nos veja como realmente somos.

Tentamos usar máscaras invisíveis por meio de palavras.

Já estamos habituados a isso e nem percebemos.

Quando percebemos nos machucamos.

O que está deixando o ar pesado e a tristeza é que por um lado estamos sendo obrigados a ver, com os olhos, o que nossa alma sempre soube. Usamos máscaras o dia todo!

Entramos em casa, fazemos a todo ritual de descontaminação mas esquecemos de tirar a máscara virtual.

A cada dia que passa, no isolamento, vamos descobrindo mais um pedacinho de nós, tirando um pouquinho dessa máscara, afinal estamos sozinhos.

Por um lado é salutar tirarmos a máscara mas por outro muitas vezes nos deparamos com alguém no espelho que nem sabemos mais quem é.

A vem a tristeza ou a depressão ou o medo ou o susto ou a ansiedade ou o nervosismo.

Estamos sozinhos em casa com alguém que não conhecemos mais!

Vamos as ruas e a sensação de usar a mascara acaba ficando de certa forma até confortável.

Não nos preocupamos com o mau halito, nem com o buço, nem com o sorriso e nem mesmo as palavras.

Sorte de quem consegue ver as pessoas por meio do olhar.

Desejo que tenhamos coragem para nos despir e tenhamos um mundo com mais máscaras de pano e menos máscaras na alma.

(Ariadne Zippin, terapeuta, escritora sócio-efetiva da Academia de Letras José de Alencar).

“Galatea das esferas”, 1952.

 

É preciso saber viver” (Elisa Monticelli)

Mais do que nunca, é preciso, sim, saber viver. Mas e aí? O que a vida espera de mim? Pode ser que estejamos acostumados demais em perguntar “o que esperar da vida?” E te digo: NADA! Não nascemos para esperar algo da vida, e sim para vivê-la.

Como diria Viktor Frankl, viver é arcar com a responsabilidade de responder adequadamente às perguntas da vida, através do cumprimento das tarefas colocadas por ela a cada um de nós. Ou seja, a vida pede AÇÃO. Mas, e agora com essa tal de quarentena?

Ora, ora, a vida é dinâmica, meu caro leitor, e a cada hora e a cada um de nós ela pede algo. O que ela pede de você agora? Ah, Elisa, sei lá, não escuto nada, só vejo o caos se formando lá fora…estou preocupado demais, estou com medo futuro…e parece que ainda vai piorar né? Será o apocalipse? Pode ser que sim, mas pode ser que não. “Tudo muda o tempo todo no mundo”. Pergunte, silencie e escute. Ao perguntar, lembre-se de estar pronto para agir, pois sim, certamente ela lhe pedirá uma ação. Então aprume-se e pergunte. Pergunte realmente desejando ouvir a resposta: VIDA, O QUE VOCÊ ESPERA DE MIM?

Eu não tenho como adivinhar o que ela lhe pedirá, mas a mim ela respondeu “deixe o seu coração falar”. Confesso que meu primeiro impulso foi devolver com outra pergunta – “como?” – ela me sorriu e ainda respondeu: “apenas faça”. E aqui estou eu. Do meu coração ao seu coração.

n.a.: Respire profundamente 3 vezes, pergunte e solte-se da necessidade de ter a resposta no seu tempo. Esteja atento, sem ser marrento; a vida é sábia. Concentre-se no bem, e lembre que, o discernimento mora no silêncio.

(Elisa Monticelli- Formada em Coaching com PNL, certificada internacionalmente como Practitioner em Barras de Access, habilitada dentro do Sistema Universal de Cura Reiki e Magnified Healing, entre outras formações e pesquisas complementares na área de organização e autogerenciamento emocional. Além disso, é escritora, sócia-efetiva da Academia de Letras José de Alencar, e ainda, aprendiz da vida e professora por vocação).

“Rosa meditativa”, 1958.

 

Retiro Cultural (Anita Zippin)

No outono dia vida, quem diria que ficaríamos ao mesmo tempo em casa, a pensar e repensar na vida?

Quem diria que não iríamos viajar fisicamente, mas como bons escritores, darmos algumas passadas nos lugares sonhados ou até vividos em outras viagens?

Quem diria que estaríamos mais voltados para a família, para a mesa do café da tarde que nunca era usada , porque todos nós tínhamos nossos afazeres até a noite chegar bem forte?

Quem diria que poderíamos tomar banho longo, até de espuma para quem tem banheira ou hidro, como nos filmes, porque, depois de tantos anos, ou décadas… temos tempo?

Quem diria que os abraços e beijos proibidos pelo vírus mundial que se instala, deixariam de ser dados, ao menos nos companheiros e companheiras que há muito esperavam por um afeto um pouco mais longo?

Quem diria que podemos, mesmo de longe, dar um aceno para vizinhos que não víamos há anos, mesmo que de janela a janela, mas pensemos, há quanto tempo não notávamos a existência dos que vivem ao nosso redor?

Quem diria que podemos nos dar ao luxo de ver televisão sem que aquela voz estranha dentro de nós, obrigue a levantarmos para a produção de trabalho, literária ou mesmo doméstica?

Quem diria que iríamos ganhar férias, quase todos ao mesmo tempo, quase sempre remuneradas e poderíamos ficar de papo pro ar, vendo o sol nascer, se por e a lua toda bela chegar no meio das estrelas, dando até noites de luar?

Quem diria… quem diria…quem diria…

Saca do mal o bem, já me ensinava Dálio Zippin, advogado e jornalista, meu saudoso pai. Também ele dizia em alto brado:

para nós, nada de ruim acontece”.

E mais, pintou em letras garrafais no quarto das meninas Diana, Anita e Marilu, com o lápis de olhos de nossa mãe Lili a seguinte frase, um lema de vida:

Quando só se pretende a prática do bem, sempre se triunfa” (J.J. Rousseau)

Quem diria que um dia, todos ficaríamos em casa e poderíamos produzir literatura, textos, buscar outros escondidos em pastas, deleitarmos com matérias alheias que temos tempo de ler, organizar nosso computador que tudo aceita mas merece uma limpeza para deixar só o bom ao nosso redor?

Quem diria que os escritores estariam em Retiro Cultural?

Assim vejo os cancelamentos de reuniões culturais de todos os lados, de teatros e cinemas fechados, da Broadway, coração da cultura estar de portas fechadas por uma grande causa.

Por isso venho incentivar o escritor que vive dentro de cada um, aquele que procuro sempre nas palestras que ministro, dizendo que ou estes seres maravilhosos acordam, ou partem sem serem apresentados.

Busco o escritor dentro de cada um, e não precisa escrever. Basta apreciar a leitura, ou não gostar .É o escritor quem está se manifestando. Se derem um chance , ele vai acordando e, até dará textos belos, poemas lindos. Tudo poderá ficar dentro de uma gaveta, no computador, ser deletado, ou até se transformar em belo livro ou fazer parte de alguma antologia.

Por isso, querido leitor que me dá ouvidos, vamos , vamos, vamos!

Vamos ler, escrever, assistir os filmes que adoramos e nunca mais tivemos tempo para rever, conversar mais com nossos parentes e amigos, mesmo à distância. Mas vale a pena contar a eles o quão importantes são em nossas vidas. Temos tempo!

Que tudo volte ao normal, em breve.

Por enquanto, maestro música e Champanhe de Peppino de Capri.

Se quiserem acompanhar esta crônica com uma Moet, maravilha.

Até qualquer dia, ou qualquer noite, sempre com entusiasmo de quem está em Retiro Cultural.

Que “Tua seja a terra. E o céu também”!

(Anita Zippin, advogada, jornalista, escritora, presidente da Academia de Letras José de Alencar, ocupante da cadeira patronímica 7- patrono Humberto de Campos).

“O sono”, 1937.

 

ABSURDO (Arioswaldo Trancoso Cruz)

Planeta Terra, 2020

É tão válido representar um modo de aprisionamento por outro, quanto representar qualquer outra coisa que de fato existe por alguma coisa que não existe”. Daniel Defoe, (In “A Peste”- Albert Camus, 1947).

Se hoje a nossa existência é um pélago profundo,

tudo ao nosso redor nos abate e amedronta,

invisível algoz nos castiga e afronta

com a dor mais cruel dentre os males do mundo;

Se vedado é o viver em convívio fecundo,

virulento, aleatório, o morrer nos confronta

essa ausência do amor que, liberto, desponta,

é de o homem cismar, sério e meditabundo:

– É mister que se feche a caixa de pandora!

Antes, deixe-lhe o fundo o brilho da esperança

por um retorno à paz, farol da liberdade.

Canto o instante feliz que bem próximo aflora,

pois purgado é o sofrer, e o direito à bonança

por merecer já o fez a pobre humanidade.

(Arioswaldo Trancoso Cruz, professor, poeta e escritor, 1a. vice-Presidente da Academia de Letras José de Alencar, ocupante da cadeira patronímica 24, patrono Castro Alves).

“Girafa em chamas”, 1936.

 

MAR CORÔNICO (Alberto Vellozo Machado)

(maio/2020)

Estamos, vários dias, navegando num mar corônico.

Em casas/naus trancados.

Grilhões: no isolamento atados.

Dúvidas anseios ansiedade.

Ajudaria sair, correr, falar, tocar: intimidade!

Entorpeceria, um momento,

Da doença o tempo.

Moléstia de Gaia, engendrada por seus filhos,

Agora, temerosos, nos tugúrios encolhidos.

Ajudaria o beijo, o abraço,

Os queridos, enlaçados, eon demorado.

Passará este dilúvio, esta lava de vulcão humano

Surto da teimosia e engano,

Nos erros persiste, persistiu sempre,

Hábito a não reservar, no presente,

Reflexão sobre as demandas humanas,

As reais.

Trancam-se, as pessoas, exasperam, insanas.

(Alberto Vellozo Machado, Procurador de Justiça, poeta, escritor, sócio efetivo da Academia de Letras José de Alencar, cadeira 38 – Patrono: Nestor de Castro)

“Cisnes refletindo Elefantes”, 1937.

 

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