“Sous le ciel de Paris coule un fleuve joyeux, Il endort dans la nuit les clochards et les gueux”… já dizia Édith Piaf naquela famosa canção, onde entre outros personagens haviam os mendigos.
Sim, porque falar de Paris é falar de luxo, arte, moda, design, cultura e romantismo, mas é falar também da presença paradoxal e cada vez maior de pobres nas ruas… mendigos, imigrantes e demais excluídos.
Passeando na avenida Champs Elysées, é impossível não ficar tocado com tamanho contraste, enquanto se olha para as luxuosas e exclusivas vitrines de griffes famosas. Miseráveis em meio a festivais de cinema, e de teatros lotados de gente elegante e bem pensante.
Farrapos do terceiro mundo entre desfile de roupas de seda finíssima, sacolas de compras, restaurantes perfumados de pratos exóticos, atores e jogadores de beisebol posando para fotos, gente despreocupada e alegre desfrutando seus cafés.
Fazendo um estranhamento em relação à postura que homens e mulheres assumem em seu ‘ofício’ de sobrevivência nas ruas, me pergunto sobre os dramas sociais subjacentes a essa situação.
Mulheres com trajes orientais em poses que demonstram uma absoluta submissão à generosidade dos passantes, ou seria uma profunda resignação perante seu destino? Ou ainda uma prostração religiosa diante dos templos de consumo?
O que pensar sobre a atuação desses homens de olhar humilde e postura cheia de dignidade que pedem ajuda para alimentar seus cães nos cartazes escritos em um francês impecável? Dispersos e em performances individuais esses atores se proliferam no ‘contrateatro’ urbano da cidade das luzes.
Sim…a Champs Elysées é paradoxal mas perfeitamente coerente com a lógica perversa do neoliberalismo, e da assim chamada globalização, que produz os excluídos dos benefícios da civilização contemporânea, e premia o individualismo e o consumismo.
Na Paris do século XXI é preciso sonhar um mundo mais humano. Não, talvez seja preciso sonhar um mundo mais animal, com a beleza e o brilho de ternura que vi nos olhos do cão sentado no colo do pedinte, e dizer com Walter Benjamin que:
“Cada época não apenas sonha a seguinte, mas, sonhando, se encaminha para o seu despertar. Carrega em si o seu próprio fim e – como Hegel já o reconheceu – desenvolve-o com astúcia. Nas comoções da economia de mercado, começamos a reconhecer como ruínas os monumentos da burguesia antes mesmo que desmoronem.”
Texto e Fotos: Izabel Liviski
Referências:
BENJAMIN, Walter. Paris capital do século XIX. In: KOTHE, Flávio (Org.)- Walter Benjamin. São Paulo: Ática, 1985.