Penhasco Emocional

Na longa história humana da infâmia destaca-se a forma como os portadores de deformidades e deficiências foram, e infelizmente alguns ainda são, tratados pelos demais, por suas próprias famílias e pela sociedade.

Desde remotas eras, nações belicosas como Esparta, exigiam que meninos a partir dos 7 anos estivessem a serviço do exército, o que exigia pessoas saudáveis para defender o Estado em suas guerras, excluindo aqueles que tivessem algum tipo de deficiência e, segundo Plutarco, os bebês eram levados a uma espécie de conselho de anciãos, e se a eles a criança parecesse disforme, esta era levada a um abismo situado na cadeia de montanhas Tahgetos, de onde era lançada para a morte. Faziam isso na certeza, em nome do Estado e da própria família desta criança, de que não era bom nem para ela mesma nem para a República que ela vivesse, por não se mostrar bem constituída.

Mesmo em Atenas, berço da civilização ocidental, crianças com deficiência não recebiam tratamento muito diferente, mas cabia ao próprio pai o dever de matá-la; e este extermínio era consenso na comunidade, de tal forma que mesmo grandes pensadores, como Platão, acreditavam que os que receberam corpo mal formado deveriam ser levadas para a morte; e o próprio Aristóteles considerava que deveria haver uma lei que proibisse alimentar criança disforme.

Em Roma o tratamento dado às pessoas com deficiências era bastante similar ao grego, já que a Lei das Doze Tábuas, instituída em meados do século V a.C., permitia a morte dos filhos ditos anormais por seus pais; entre ricos e nobres, entretanto, havia certa tolerância com as pessoas que nasciam com alguma deficiência, e alguns chegaram a exercer funções de proeminência. Assim foi para os imperadores romanos Cláudio, que era manco, gago e sofria de convulsões, Galba e Othon que teriam malformação nos pés; isso os afastaria da vida pública não fossem do alto patriciado.

Em tempos mais recentes temos o testemunho dos retratos da nobreza espanhola do século XVII por Diego Velázquez, em que as deformidades decorrentes de casamentos consanguíneos são mostradas claramente, e no entanto, contrariamente ao que o senso comum de muitos afirmava, deficiência ou fragilidade física não são acompanhadas necessariamente de restrições intelectuais ou criativas, e mesmo as fragilidades cognitivas podem ser trabalhadas educacionalmente com excelentes resultados, tanto social quanto individualmente. É possível que cada ser humano viva ao máximo sua potencialidade com dignidade e respeito; bons professores e pais amorosos abrandam sequelas e trazem bem-estar, apesar das possíveis limitações.

Homero, o poeta a quem se atribui a autoria dos poemas Ilíada e Odisseia, e por conseguinte a gênese da literatura do ocidente, era cego. John Milton, um dos maiores poetas ingleses, autor de Paraíso Perdido, também o era. Da mesma forma, Jorge Luís Borges, o grande escritor, poeta e ensaísta argentino, perdeu a visão ao longo da vida, o que não afetou seu talento ou reduziu sua produção. No que parece irônico, um dos maiores e mais influentes compositores da humanidade, Ludwig van Beethoven, perdeu grande parte da audição aos 26 anos, o que não o impediu de compor algumas de suas magistrais Sinfonias. Ray Charles, Hermeto Pascoal, Andrea Boccelli, José Feliciano, Stevie Wonder, a lista de artistas com deficiência visual é tão grande quanto seu inegável talento.

O que foi considerado o maior presidente norte-americano do século XX, Franklin Delano Roosevelt, tinha problemas de locomoção consequentes de paralisia infantil, e ao longo de toda sua atuação política isso não diminuiu a importância de sua contribuição à criação do pacto social que tirou seu país da Depressão, e ao enfrentamento das potencias do Eixo na Segunda Guerra. Os heroicos atletas paraolímpicos honram o espírito esportivo e não deixam dúvida alguma sobre sua capacidade de superação, Jogos Paraolímpicos recebem competições entre atletas de alto nível, com deficiências sensoriais ou físicas em esportes adaptados, que nada ficam a dever em torcidas e entusiasmos aos Jogos Olímpicos tradicionais.

Embora nascida sem problemas físicos, Mara Gabrilli, tetraplégica após um acidente, teve atuação destacada em defesa desta população em diversos cargos, muitos dos avanços da política brasileira na área se devem exatamente às suas atividades, e hoje é senadora pelo estado de São Paulo, e continua ativa pela conquista de espaços aos vários aspectos da população com necessidades especiais. A conquista da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência deve-se a ela e muitas outras brasileiras e brasileiros, persistentes e dedicados à causa da inclusão, que mudou o panorama do mundo do trabalho para homens e mulheres com alguma inabilidade congênita ou adquirida.

O britânico Stephen Hawking, um dos mais renomados cientistas do século, passou a maior parte de sua vida adulta sem a capacidade de falar e fazer movimentos, o que não impediu sua monumental contribuição a vários ramos da ciência como cosmologia e mecânica quântica. Estes e muitos outros exemplos mostram que estamos caminhando rumo à inclusão e acolhimento de todos, cada um de nós com suas especificidades; entretanto falta muito para atingirmos o completo reconhecimento do Outro como iguais dentro das diferenças.

Os penhascos atuais, embora não sejam físicos, podem ser emocionais. Deles atiramos outros seres humanos para a morte, ao retirarmos a dignidade e aceitação que todos necessitamos.

TÍTULOS E SEUS USOS

Normalmente – embora haja algumas exceções notáveis – o ocupante de cargo público sente-se um aristocrata com direito a todos os badulaques materiais e imateriais desta condição. Todas as verbas e todos os elogios são devidos, e até insuficientes para sua grandeza.

O direito de ofender, humilhar, jactar-se de seus privilégios parece inerente a tal fidalguia, sendo dever de todos os demais tolerar, preferencialmente ajoelhados, esta prerrogativa.

Em função disso, prospera na esfera privada uma indústria de concessão de títulos, em que o cidadão faz uma nada módica contribuição e passa a ser “comendador fulano de tal” ou “cavaleiro da ordem de…”.

Há países em que a titulação acadêmica quase faz parte do nome da pessoa, é o caso por exemplo dos Estados Unidos onde Doctor, PHD, MD, são adicionados normalmente à assinatura e apresentação. Aqui há uma saudável informalidade nessa questão, alguém apresentar-se gratuitamente como “doutor sicrano” soa pretensioso, mas é mais comum do que se pensa.

A titulação acadêmica é muito mais do que um mero apêndice curricular, outorgada por instituições sérias e qualificadas para isto, representa o cumprimento de uma série de requisitos: aprovação nas disciplinas do curso, apresentação de um trabalho escrito segundo normas estritas, e defesa e aprovação deste trabalho perante uma banca de professores qualificados na área.

A observar: na fase em que desmerecemos as instituições de ensino superior, valorizarmos tanto os títulos por ela concedidos, a ponto de mentir que os possuímos.

Quando o intelectual, jurista e economista alemão Max Weber descreveu autoridade, normalmente  a utilizou no sentido de dominação legitimada, o que parece ser o desejo de todo aquele que utiliza demasiadamente seus títulos: “No sentido geral de poder e, portanto, da possibilidade de impor a própria vontade sobre a conduta de outros, a dominação pode apresentar-se sob as mais diversas formas. De um lado, a dominação mediante uma constelação de interesses e do outro mediante a autoridade, implicando poder de mando e dever de obediência.”

“Manto Tupinambá” – domínio público

Ou seja, a utilização dos títulos (universitários ou não) parece trazer imediatamente a capacidade de se fazer obedecer, e que esta obediência seja de certa forma voluntária, num reconhecimento implícito das qualidades superiores do portador. O título seria uma espécie de aval àquele que o ostenta, dando-lhe capacidade em todos os setores; por exemplo, tem sido muito comum um dirigente político opinar sobre saúde, prescrevendo remédios sem ter conhecimento médico, comportamentos sem possuir noções sociológicas, realizando ilações sobre virtudes desejáveis, apenas apoiado no cargo que exerce, como se este o habilitasse instantaneamente à sapiência suprema.

Rótulos referentes à monarquia parecem ter um poder mágico, talvez resquícios da infância onde ser uma princesa ou um conde eram aspiração máxima de crianças sob estímulo de suas famílias. O Brasil é oficialmente uma República há mais de cento e trinta anos, e no entanto convivemos com uma nostalgia invencível da nobreza e de seus símbolos, que podem ser vistos nas mesuras exageradas nos rituais dos três Poderes e os privilégios excessivos de seus luminares, ou mesmo no ressurgimento das ideias monarquistas como mais adequadas que as republicanas.

Enquanto isso, alguns títulos como “cientista”, “professor”, “pesquisador” e muitos outros estão cada vez mais desvalorizados, pois se referem a trabalho sério, dependentes de estudo e dedicação, não vindos por prestidigitação ou herança miraculosa.

É como se a verdadeira formação, profissional ou pessoal, pudesse ser adquirida em mensagens de WhatsApp, no exercício de opiniões ouvidas aqui e ali, no voluntarismo de que algo seja verdadeiro pois advindo de algum ídolo.

Desprezando escolas, emitindo máximas absurdas de conhecimento pela dor, desvalorizando o saber dos docentes, será difícil o desenvolvimento sustentável de um país e seu povo.

Insensatez

A mulher do governador de São Paulo, em conversa com uma socialite, seja lá o que isso for, se manifestou contrária às doações de alimentos aos moradores de rua pois isso “seria um estímulo a que eles permanecessem nessa condição”.
Com a repercussão negativa à impropriedade, a “primeira dama” apelou ao recurso comum a quem diz bobagens e é surpreendido pela opinião pública: declarou ter sido mal interpretada e que sua fala foi tirada de contexto. Talvez, mas é de pensar em qual contexto a ideia de não alimentar os mais vulneráveis da sociedade seria menos abominável.

Existe uma série de mitos acerca de miséria, é como se as pessoas escolhessem “perder”, viver em condições precárias e humilhantes apenas por um ato de vontade. Dormir no chão das cidades, por vezes em temperaturas abaixo de dez graus, estar o tempo inteiro sob ameaça dos poderes públicos e dos que se arrogam o direito de agredi-los, comer por vezes apenas o que outros descartam.
Imagina-se que a maioria dessas pessoas optaria por uma vida mais fácil, é o que fazem os que se abrigam temporariamente nas instituições de proteção; mas para muitos as exigências de cumprimento de horários, abstenção de álcool ou outras drogas, até mesmo a obrigação de tomar banho ou conviver com outras pessoas, não são negociáveis em troca de umas poucas noites teoricamente mais confortáveis e seguras.

Muitos moradores de rua são levados a isso por pobreza extrema, desavenças familiares, perda de emprego ou de casa, esses podem ser “salvos” para a sociedade mediante políticas públicas de inclusão, renda mínima, habitação social. Mas há um contingente que está além das possibilidades convencionais, são os que se deparam com a escolha entre o insuportável e o menos insuportável, padecem de indisciplina patológica, inadequação social, vício em drogas, doenças mentais várias; talvez sejam os que mais precisam de ajuda, muito mais do que marmitas que os “estimulariam a continuar na rua”, permanecem na rua por que não conseguem viver em outro lugar, e isso não é nem um pouco lisonjeiro para nosso tipo de comunidade.

O Jardim de Proserpina – Algernon Charles  Swinburn

E não podemos romantizar a miséria, a grande maioria é infeliz, desadaptada, em risco de doenças várias e de vida; não são os “clochards” parisienses charmosos e, na verdade, inexistentes conforme a fantasia.
De forma geral estiveram à margem do sistema educacional, ou nunca tiveram qualquer espécie de acesso, e assim tem pouca ou nenhuma probabilidade de um emprego formal, pouca compreensão do mundo e de si mesmos, ou estão já fora de qualquer possibilidade de convivência segundo as normas sociais. De forma geral estiveram desde cedo imersos em situações de violências e abusos, que os marcaram de tal forma que não são discursos motivacionais que irão abrandar os estragos emocionais e cognitivos. Afeto é importante sempre, mas algumas síndromes exigem mais que isso para serem tratadas.

Este panorama exigiria um programa sério, completo, envolvendo as áreas de saúde e educação e desenvolvido por pessoas competentes e bem-intencionadas para a solução; mas o país vive uma crise de valores morais ou de desinteresse puro e simples em outras formas que não a repressão como solucionar seus problemas. Estas pessoas recebem muitas agressões, principalmente por parte do que chamamos segurança pública, e o ciclo de brutalidade se agrava cada vez mais.
Quando aqueles que tem acesso às escolas revelam-se insensíveis ou mesmo ignorantes das mazelas sociais, mostram que cidadania não tem sido o foco do percurso formativo, o que permite pessoas pouco empáticas em posições de comando ou proeminência, capazes de “opiniões” como a emitida.
Como resolver o dilema entre conteúdos formais – matemática, história, geografia… – e aqueles indispensáveis para o conhecimento da realidade social, da problemática comunitária? Num tempo em que as ciências humanas estão sendo profundamente desprezadas, não será simples.

RACISMO

Alguns estudos verificaram a hipótese de que preconceito racial e comportamentos contra imigrantes estão relacionados ao aparecimento de discursos de extrema direita, e ao consequente aumento de votos nos partidos associados a ela.
Isso nem sempre indica o reaparecimento da ideologia nazista ou fascista, mas sempre significa o culto à personalidade autoritária, o desejo de lideranças fortes, críticas a uma aparente desordem nacional e a procura de certa cidadania que exclui os “diferentes”.
Mesmo não defendendo um racismo no conceito usual do termo, tentam defender que diferenças culturais, vigentes nas relações entre os vários grupos, podem inviabilizar o funcionamento das normas sociais.
Isso constituiu o que denominamos racismo estrutural, uma forma de violência reproduzida no tecido social que assume características institucionais e culturais, ou seja, não direta, porque esta costuma chocar as pessoas.

É perceptível este fenômeno naqueles que denominados “capitão do mato”, ou seja, o discriminado que assume todos os valores dos discriminadores, numa tentativa desesperada e infrutífera de, pela adesão emocional, estar ao lado dos dominadores e, assim, superar a inferioridade de que se julga possuidor. Estão aí alguns dirigentes de órgãos estatais que ilustram a triste realidade, material farto para várias análises.
Ressalta bem este conceito a minuciosa construção da inferiorização dos negros com afirmações que os mantêm em posições subalternas, sob justificativa de incapacidade, ou falta de vontade para o trabalho, ignorando a ausência histórica de um efetivo processo educativo abrangente e inclusivo capaz de produzir isonomia na formação para o mundo do trabalho.
As meias verdades e o passado escravagista associados aos conceitos de supremacia branca, surgidos oportunisticamente para justificar o colonialismo e sua absurda comitiva de desmandos, brutalidades e genocídios, reforçaram o preconceito contra negros, índios e imigrantes.
Preconceito este sempre negado no aparecimento da opinião sobre democracia racial e o falso discurso da meritocracia, segundo o qual aqueles que se esforçarem poderão usufruir de direitos iguais – uma falácia utilizada para apontar as políticas de combate ao racismo como desnecessárias, já que pessoas possuem as mesmas oportunidades, e as ofensas raciais passam a ser consideradas como simples piadas, parte do espírito irreverente de nosso povo. Somos engraçados e sinceros, apenas.
Desta forma estruturamos uma determinada normalidade para o racismo presente nas relações sociais, econômicas, jurídicas e políticas, perpetuando a desigualdade e principalmente negando-a, o que não muda mesmo quando aceitamos uma responsabilização individual: dizemos que aquela pessoa (ou empresa) foi racista, como se isso fosse exceção.
As melhores posições no mundo do trabalho, assim como a total liberdade, propriedade privada, finanças, são dominadas por brancos, que definem as normas de conduta à qual todos devem sujeitar-se. Isso institucionaliza o racismo, tornando os atos de discriminações falsos ou inexistentes, e carregamos desde nosso processo de colonização, fortemente dependente da mão de obra escrava, um Estado em constante estado de exceção.
O processo educacional precisa ser completo e eficiente para que possamos falar em igualdade de condições, e darmos um passo concreto na direção da isonomia e justiça plena. Quanto mais soubermos sobre nós mesmos, nosso processo civilizatório, nossa ciência e nossa tecnologia, mais combateremos diferenças circunstanciais baseadas na quantidade de melanina na pele ou região de nascimento.
Boa escola é maturidade e inclusão, capacidade de desenvolver boas políticas públicas e as transformações sociais, como aquelas que as declarações da Organização das Nações Unidas (ONU) tem promulgado para colaborar no minorar este estado de coisas, promovendo novas visões sobre normas discriminatórias.

Notícias Falsas, Notícias Verdadeiras

O protagonista de “1984”, de George Orwell, é ouvido pelos serviços de informação dizendo que “liberdade é o direito de afirmar que dois mais dois são quatro”. Preso como inconformista, é destruído física e mentalmente pelos torturadores do onipresente “Big Brother”; então, indagado quanto seriam dois mais dois responde com absoluta sinceridade “tanto quanto o Estado disser que são”, pela resposta redentora é considerado reabilitado. A questão toda nada tinha a ver com aritmética, sequer com nada racional, era de poder que se tratava, dominar corações e mentes até o ponto em que qualquer absurdo passa a ser real.

O dramaturgo Luigi Pirandello escreveu em 1917 uma peça chamada “Assim é (se lhe parece)”, é o caso de uma família que se muda para uma pequena cidade e é, aparentemente, disfuncional em relação aos hábitos locais. A população passa a se dedicar em tempo quase integral a bisbilhotar os “esquisitos”, suas ações e seus motivos, e não chega nunca a conclusões minimamente consensuais. É um estudo irônico da curiosidade humana colocada no aspecto patético, as pessoas abandonam seus interesses mais práticos para focar em algo que apenas marginalmente lhes diz respeito. E chegam a descobertas e opiniões variadas sobre os mesmos fatos, o que parece ser o tema da peça: a inexistência de verdades únicas, mesmo em questões simples.

Não há verdades únicas e absolutas no mundo real, talvez com a exceção relativa das verdades comprovadas cientificamente e, mesmo essas estão sempre sujeitas ao escrutínio eventual de novas descobertas. Mas os espíritos autoritários independentemente de sua cor ideológica baseiam-se sempre na crença, aplicável aos demais e talvez menos a eles mesmos, de que são os portadores da luz.

E aí reside um dos maiores males de ditaduras, a negação do dissenso, da opinião diferente, do pensamento, a autoiluminação demente. “A terra é plana”, “as eleições foram fraudadas”, “a covid-19 é uma gripezinha”, “cloroquina salva”, “distanciamento social não é necessário”. As declarações estapafúrdias se amontoam e acreditamos, queremos acreditar pelo menos, que seus autores não são tão néscios assim, há método nesta algaravia destinada a fazer seguidores e influenciar eleitores.

O princípio da liberdade de expressão é constitucional e indispensável para o verdadeiro Estado de Direito e o convívio civilizado; seu limite é a responsabilidade pelo que se fala, injúrias, calúnias e difamações não são aceitáveis de modo algum. O inquérito em curso pelo STF destina-se a investigar, também, a prática de disseminação de “Fake News” por recursos eletrônicos chamados “robôs” que possibilitam o envio da mesma postagem por milhares, até milhões, de vezes, a um custo elevado cujo financiamento está também sob investigação.

Isso não se constitui na legítima divulgação de opiniões, e sim em agressões e tentativas de intimidação de adversários ou simplesmente de divergentes; no mundo anterior à pandemia, a coletividade e a solidariedade vinham sendo substituídos paulatinamente pelo indivíduo e suas opiniões, num desprezo absoluto pela ciência e a comunidade. A psicologia social analisa bem como nossa tendência a formar noções simplificadas para entendermos e sobrevivermos às complexidades da vida real e que aos poucos se tornam imunes às contradições, passam a ignorar as exceções e rejeitam inclusive a própria experiência. Simplificar torna o ambiente reconhecível, elimina pormenores e assim nos permite adotar acriticamente as normas e valores vigentes, mas traz como consequência o medo do conhecimento.

Atribuir à autoridade constituída o ato de pensar, faz odiar os que pensam por si, ou seja, duvidam das atitudes e comportamentos que estão fundados no estereótipo, nas explicações dadas pelos “guias”, eliminam a necessidade de manter viva a percepção. Toda criança é dependente do consenso de seus pais, tutores ou mesmo professores, e inicia sua vida em acordo com as exigências impostas dentro de seu círculo mais restrito, de onde extrai segurança, alimentos e os valores que nortearão suas vidas futuras. Escolas, como outras instituições que socializam são, portanto, junto com a família responsáveis pelas crenças que desenvolverão, e a educação para a maturidade, para a vida intelectual, poderá firmar autonomia e autodeterminação.