Natal, Natais

O Natal é uma data que divide opiniões, desde os adeptos entusiasmados como as crianças, até aqueles que o encaram apenas como atividade comercial. Mas não é só isso. É difícil ficar indiferente às luzes fascinantes, às canções nostálgicas ou nem tanto, às intenções, verdadeiras ou não, de um mundo com mais paz.

A festa brasileira baseia-se em duas vertentes, agora imbricadas, a italiana/portuguesa que valoriza o presépio, tradição que remonta a São Francisco de Assis, que pela primeira vez reviveu, com o auxílio de pequenos artesãos, as cenas relacionadas ao nascimento de Jesus conforme relatado nos Evangelhos de Lucas e Mateus. A Sagrada Família, os reis magos, tudo remete à fraternidade, à solidariedade, ao amor desinteressado.

Já a tradição germânica trouxe a árvore que representa a perenidade pois permanece verde mesmo no rigor do inverno; e as guirlandas, símbolo de sorte, um convite para entrar na casa, que é anterior ao cristianismo, pois eram usadas pelos gregos como boas-vindas aos deuses, enquanto romanos as utilizavam nas casas como desejo de saúde.

Não podemos esquecer a Folia de Reis, também trazida pelos portugueses e totalmente adaptada à nossa gente e nossa cultura. Esta festa é feita em homenagem aos Reis Magos: Gaspar, Melchior – ou Belchior- e Baltazar, que visitaram Jesus após seu nascimento, e envolve cantorias, uso de roupas coloridas e cheias de brilho, que tradicionalmente era exclusividade masculina e com o passar do tempo, ao se espalhar por várias cidades, passou a aceitar mulheres que compartilham a folia. A Saturnália, o Solstício, a Natividade, mesmo o velhinho vestido de vermelho aparentemente criação publicitária de uma marca de refrigerante, são signos fortes cada um à sua maneira.

Evidentemente, tendo a escola como dever a promoção de ações concretas de valorização da cultura, não deve ficar indiferente a celebrações culturais ou religiosas que marcam o calendário. Especialmente num país de tradição cristã, o Natal, mais que uma festa do comércio – que certamente tem razão ao aproveitar a festividade para acelerar a economia – é cada vez mais uma celebração essencialmente familiar, onde os presentes exercem o papel de manutenção ou ampliação dos vínculos afetivos. Uma troca de presentes torna-se símbolo da entrega mútua, do amor, simbolicamente falando, e, para os cristãos representa também a entrega de cada um ao sentimento de congraçamento com todos os seres humanos.

O ensino é também uma arte, além de ciência, professores eficientes utilizam nas suas práticas as tradições, que podem melhorar a aprendizagem dos alunos, aumentam a motivação, evidenciando suas características e os valores comunitários. Ensinar numa sociedade multicultural é sempre um grande desafio, pois em função de razões sociais e econômicas, o empenho é proporcionar as mesmas oportunidades educacionais a todas as crianças em um ambiente volátil, em que tradições mudam constantemente.

Mas vale a representação do nascimento de um menino, filho de peregrinos que não acharam abrigo como tantos até hoje, adorado em uma manjedoura por anjos, pastores, animais e reis, ou a árvore que teima em permanecer verde; tudo isso significando permanência, esperança, renascimento.

E, vencendo o materialismo e a descrença, milhares de pessoas dão seu tempo e seu amor para angariar brinquedos e alimentos para crianças pobres e moradores de rua, muitas instituições promovem ceias em que acolhem os solitários, os desesperados, aqueles que não tem mais nada e ninguém e que, pelo menos numa noite estarão entre outros.
Todo Natal renova nosso desejo de ser melhore

Pequenas Tiranias

O filósofo social francês Montesquieu formulou no século XVIII o princípio da separação de poderes, base da constituição da maioria dos Estados modernos do ocidente. Tal conceito deriva da democracia ateniense, e preconiza que o Estado deve ser constituído por três poderes – legislativo, executivo e judiciário – que atuem separadamente, de forma independente e em harmonia, com o objetivo de evitar poder concentrado em uma única pessoa ou grupo. Poder absoluto e sem limites inevitavelmente gerará abuso.

Vemos com frequência as péssimas consequências de empresas públicas ou privadas agirem sem o controle da lei, e isso se aplica também a pessoas em posições ou cargos em que se sintam “empoderadas” ou inexpugnáveis.

Um caso recente é o de uma promotora do estado da Bahia, que impôs a várias escolas municipais do sertão baiano servirem apenas refeições veganas a seus alunos em pelo menos dois dias da semana. O Veganismo é uma prática de restrição de qualquer alimento de origem animal, e segundo consta, a promotora é ativista desta causa. O assunto é complexo, vegetarianos e veganos defendem sua opção alimentar com argumentos que vão desde os supostos malefícios que o consumo de carne causaria até relatos horripilantes (e muitos infelizmente verdadeiros) sobre como animais são criados e abatidos.

De outro lado, muitos nutricionistas e pediatras consideram que a retirada da proteína animal da dieta, principalmente de crianças, é preocupante, não havendo substituto em custo viável à disposição. Há também uma questão cultural, a região em tela é rural, e tem parte de sua economia advinda da criação de caprinos e ovinos. As crianças se alimentam normalmente da carne e derivados destes animais, e não aceitam facilmente uma substituição.

Poderia ser dito que são apenas dois dias da semana, porém serão dois dias em que a alimentação fornecida não atenderá nem mesmo à legislação sobre a merenda escolar, que não permite a substituição de alimentação já testada pela que pode ser considerada experimental. E fala-se que o objetivo é chegar aos 100% de oferta de alimentos sem carne e ovos.

A promotora tem uma crença legítima, e como adulta pode consumir ou não determinados alimentos, não pode, no entanto, impor sua crença no uso de seu cargo. Não há lei que impeça as pessoas de comer carne, não há lei que as obrigue a comer apenas vegetais, não há lei que as impeça de comer apenas vegetais. O cargo público tem, ou deveria ter, limitantes, as escolhas pessoais do ocupante não devem influir em seu trabalho; sua religião, seu partido político, seu time do coração, sua dieta alimentar, são questões que só a ele dizem respeito e não podem jamais interferir em suas decisões profissionais. Infelizmente não é o que acontece.

Num cúmulo de arrogância e despreparo, quando foi questionada sobre os alunos que preferem que a merenda tenha carne, a promotora declarou “que comam em casa com o seu dinheiro, porque aqui a gente está falando de recurso público”. De fato, os recursos para a merenda escolar são públicos, e é indecente que se proponha usa-los para firmar posição acerca de uma filosofia alimentar que contraria a maioria dos seus usuários.

Supõe-se que determinadas práticas impliquem necessariamente em superioridade moral, é o caso do ciclismo, do não tabagismo, do vegetarianismo, do uso de roupas de brechó, da proteção aos animais. A maioria delas é decorrente de decisão pessoal meritória, vem ao encontro da preservação da saúde física e mental dos praticantes, e representa inegável mérito social.

Entretanto, a superioridade moral automática é algo contestável: vemos com frequência ciclistas em atitudes de desrespeito com os demais que competem com as dos piores motoristas, e não esqueçamos que Hitler era vegetariano, não fumava e gostava de cachorros, mas isso não exime um sequer dos horrores que seu regime político praticou.

MORAL E BONS COSTUMES

Rio de Janeiro: o prefeito manda recolher revistas na Bienal do Livro por “conteúdo ofensivo”.
Porto Alegre: a presidente da Câmara Municipal censura uma exposição de cartuns políticos.
Salvador: um vereador tenta proibir a tradicional realização de desfile de carnaval na manhã da quarta-feira de cinzas, por “ofender a religião”.
Algum lugar: um vereador licenciado do Rio de Janeiro publica post contra a democracia, e diz que foi mal interpretado pela “mídia canalha”.

Nenhuma dessas medidas teria possibilidade de prosperar por ofenderem o bom senso e afrontarem a Constituição. Seriam seus autores insanos? Talvez, mas há método na sua loucura, nenhum deles é ingênuo porém grande parte de seus eleitores e seguidores é. Divulgar sandices como a planura da Terra, atribuir a autoria das letras dos Beatles ao filósofo Theodor Adorno (que nunca praticou astrologia, a propósito), elogiar ditadores, ditaduras e torturadores, tentar impor uma visão obscurantista do mundo; tudo isso impressiona os incautos e rende votos e “likes”.

“O fascismo é fascinante, deixa a gente ignorante fascinada” (Engenheiros do Hawaii).
Os novos candidatos a Savonarola, além de geralmente serem também candidatos a outras coisas, dizem-se guardiães da moral e dos bons costumes, como se estas práticas necessitassem de paladinos quando sinceras; geralmente não são. Imoral é a existência de crianças passando fome, dormindo na rua, sendo exploradas sexualmente; imoral é que os assassinos de Marielle Franco e Anderson Gomes, e muitos outros, permaneçam impunes; mau costume é roubar dinheiro público; mau costume é a prática de nepotismo; mau costume é destruir o meio ambiente e o futuro do país; mau costume é explorar a boa-fé do próximo.

O mais chocante nos fundamentalismos é a sua essência mais profunda, a crença de que não basta a liberdade de crer no que se queira e praticar os atos que desejar, desde que dentro da lei. O fundamentalista apenas se sentirá seguro em sua doutrina religiosa ou política se conseguir impô-la, pela violência se necessário, a todos os demais. É muito diferente do prosélito que abre mão de seu descanso nos finais de semana para tentar convencer, pacificamente, seus vizinhos da verdade em que acredita, embora muitas vezes os vizinhos não o acolham exatamente com paciência.

Uma batalha enfim vencida pela sociedade foi a aprovação da Lei que instituiu o divórcio no Brasil, em 1977. Durante as escaramuças que a antecederam, grupos conservadores bradaram aos Céus e à Terra que o país inteiro mergulharia no inferno e na licenciosidade se adotasse uma legislação praticada na maior parte do mundo, e que tratava de uma questão de foro íntimo das pessoas.

De nada adiantava o argumento de que o divórcio seria apenas permitido, não obrigatório, o importante parecia ser o ato de controlar a vida familiar dos outros; e são as mesmas pessoas que hoje preferem ignorar feminicídios e outras agressões em família, dizendo cinicamente que “em briga de marido e mulher ninguém põe a colher”.

O mesmo ocorre com diversas outras questões ainda controversas, liberação da maconha para fins medicinais, permissão de aborto em determinadas situações, casamento entre pessoas de mesmo sexo; evidentemente não ocorre a nenhum dos defensores dessas medidas obrigar sua prática a quem não o deseje, mas a tentação de controlar a vida das pessoas é muito forte.

No momento em que a cultura e a educação parecem ofender a muitos, em que se tenta cingir a educação a um gueto de onde “não incomode a ignorância”, precisamos ter o máximo empenho para preservar estes valores, não apenas no interesse de quem os reconhece, mas também pelo bem e independência presente e futura de todo o nosso país.

Segurança nas Escolas e Comunidades

É lamentável que certas escolas de ensino fundamental ou médio, instaladas em áreas distantes e de entorno com população carente, sofram muitas vezes sérias consequências da insegurança de toda a região. São instituições fechadas por grades e cadeados, em que não apenas os alunos, mas também professores e funcionários estão submetidos a um eterno receio de assaltos e violências, tornando o período escolar desagradável para uma comunidade que, como todas as outras e talvez um pouco mais que algumas, precisa do sistema educativo como chance de melhorar suas próprias condições econômicas e sociais.

Políticas com o objetivo de prevenção da violência criminal não costumam ser políticas estruturais, de longo prazo, que atuam sobre as macroestruturas socioeconômicas do país, e desmerecemos aquelas tópicas, que combatem a inercia: “enquanto não eliminarmos as grandes mazelas fundamentais da sociedade brasileira, nada se pode fazer para melhorar a segurança”, assumido por aqueles cuja crença é de que ou se faz tudo, ou nada é possível fazer; ou erradicamos as causas todas do crime, ou estaríamos condenados a enxugar gelo.

Negando a viabilidade de soluções a curto prazo, conduzimos a população à descrença e frustração, fatores de risco para que prosperem propostas descabidas e autoritárias de combater violência com mais violência, armando a população, cercando favelas, erguendo mais muros, trocando a segurança pública pela privada, incentivando a brutalidade, a pena de morte, o justiçamento.
Pesquisas bem realizadas mostram, no entanto, que estabelecer ações públicas de natureza preventiva com resultados rápidos, é eficiente mesmo não atuando sobre causas estruturais do problema.

Ou seja, agir de modo eficiente, rapidamente e mobilizando poucos recursos, sobre o fato a ser modificado pode representar um alento àqueles que necessitam soluções; incluindo aí a prevenção. Mesmo que políticas preventivas não promovam mudanças estruturais e não impeçam o retorno do problema, podem salvar vidas, reduzir danos e sofrimentos, equilibrando as pessoas e instaurando melhores padrões de comportamento.

Isso tem consequência a médio prazo, pois práticas de crimes afastam comércio, serviços e empresas da região em que se tornam frequentes, e este fator contribui para o aumento do desemprego, que por sua vez amplia as condições para o crescimento de certas formas de criminalidade, beneficiadas pela sensação de impunidade, fechando um ciclo perverso em torno deste eixo. Até porque o contrário é absolutamente verdadeiro, quando reduzimos a criminalidade atraímos mais pequenos negócios cujos donos, sentindo-se seguros, oferecem mais empregos.

Agir correta e rapidamente sobre a propagação de crimes reduz o número de vítimas, o risco, a sensação de insegurança, mesmo que não atue sobre cerne exato do problema; aumentar fiscalização, adequar áreas de lazer para a comunidade, oferecer equipamentos esportivos e palestras em centros comunitários – que podem ser feitas por instituições de ensino superior como parte de suas atividades extensionistas – versando sobre saúde, empregabilidade, empreendedorismo, segurança, Lei Maria da Penha, qualidade de vida e muitas outras, podem ser valiosos auxílios.

É preciso evitar a todo custo que o crime se torne causa do crime, e isso pode ser auxiliado pela melhoria financeira e maior preparo para as diversas esferas da vida social. Isso prepara o caminho para a perda de relevância sobre a distinção entre políticas preventivas estruturais e localizadas, pois ambas são importantes, não se justificando sacrificar uma em detrimento de outra, o que apenas contribui para o imobilismo.

 

A NATURALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA

Em todas as mídias assistimos ao crescimento da violência entre jovens, marcadamente entre os rapazes, fenômeno visível infelizmente nas escolas atualmente, pois envolve não apenas as rixas entre eles mesmos, mas também contra as garotas (aos poucos igualmente incrementando suas desavenças) e inclusive professores.

Isso abrange todas as classes sociais, e nos referimos à verdadeira banalização da violência nas várias esferas das relações comunitárias, que aparentemente subsidiam uma “naturalização”, ou seja, representações que legitimam tais comportamentos, com o individualismo, consumismo e uma verdadeira competição sobre quem é mais forte ou descolado, que promovem enfraquecimento do respeito pelo outro.

Acabamos de assistir mais um exemplo da absoluta falta de empatia no episódio do jovem perturbado que sequestrou um ônibus e manteve dezenas de pessoas presas dentro dele. Embora polícia tenha agido corretamente, negociando com a serenidade possível, infelizmente o desfecho, num cenário em que aparentemente nada mais pôde ser feito, foi concluído com autoridades, vindas depois de terminado o perigo, comemorando o evento como se fosse a obtenção de um campeonato de futebol, e não uma tragédia que traumatizou pessoas e terminou com a morte de um ser humano.

Uma vida mais virtual que real tem como consequência a alienação nas relações sociais, e os discursos supremacistas sem um mínimo de civilidade de nossos governantes, trazem cada vez mais violência na convivência entre os gêneros, estabelecida a partir de uma ordem social na qual simbolicamente a dominação masculina é preponderante.

Quando legitimamos o domínio do masculino sobre o feminino nesta ideologia de supremacia, estamos outorgando aos homens, que tendem a considerar hegemônica a dominação como pertença da masculinidade, o direito de usá-la.

Tudo se passa como se um jovem, para obter o status de homem, tenha violência como elemento da construção de identidade, entendida como o conjunto de valores, atributos e comportamentos esperados numa determinada cultura. O conceito desta identidade varia, portanto, com características de algumas classes sociais dentro de um mesmo país, e se diferencia de um país para outro, porém sempre vinculado a contradições internas na assimilação de modelos e rupturas históricas. E é ideologicamente voltado à masculinidade pela heterossexualidade, racionalidade e privilégio no uso da violência.

O envolvimento de homens em homicídios e acidentes de trânsito, tanto como vítimas quanto como autores estão certamente associados a dois símbolos masculinos: armas (poder de vida ou morte sobre o outro, subjugação de vontades); e carros (demonstrativos de poder econômico, status, velocidade e, principalmente, liberdade).

Brinquedos presentes desde cedo na vida de meninos celebram este universo e formam o contexto de sua vida futura. Na juventude, seus grupos étnico/racial, gênero, nacionalidade, trarão a base histórica nacional e regional do “ser homem” que perdurará. Brigas entre distintos grupos já demonstram a magnitude da violência vivida na esfera pública, muitos chegando à agressão física.

Desigualdades socioeconômicas, questões de ordem territorial em áreas consideradas de risco podem agravar o problema, instituindo o processo de naturalização destas características do modelo preponderante, que passam a ser vistas como manifestação biológica.

A única possibilidade de enfrentamento da questão passa efetivamente por um bom sistema educacional, envolvendo crianças e homens jovens como protagonistas da construção de um olhar a partir de outros horizontes; reconstruindo novos sentidos para que possam conceber novas formas de convivência que desnaturalizem a violência como natural do masculino, possibilitando a perspectiva do cuidar de si e dos outros, diminuindo riscos para tornar a vida e as relações mais saudáveis.