O JEITINHO BRASILEIRO E O SISTEMA EDUCACIONAL

Em qualquer sociedade humana, e não apenas na brasileira, a diferença entre o que é preconizado legalmente e a prática concreta, quando esta não pode ser expressamente caracterizada como fora da lei, mas também não constituiu exatamente a ideal, é denominada “jeitinho”, e aparentemente somos os campeões da modalidade.

VOCÊ PODE SER TUDO O QUE QUISER?…

Um boneco de barro despertado pelo sopro divino seria a origem de nossa espécie, e desde então o imaginário humano cria narrativas que envolvem seres inanimados, mecânicos ou cibernéticos com aparência semelhante à nossa e que adquirem, ou têm, vida e consciência, Pinóquio e o robô C3P0 são exemplos.

IDENTIDADES MUTANTES…

Embora nem todas as pessoas tenham um mesmo grau de acesso aos recursos tecnológicos, e estes possam até aumentar a desigualdade social, é evidente que sofremos alterações na forma de vida e atitudes em função da tecnologia.

A estratificação resultante das novas mídias, ou seja, as desigualdades resultantes do seu uso nas diversas classes sociais de cada região – algumas praticamente alijadas delas – produz aquilo que denominamos hoje de “lacunas de conhecimento”, pois países mais ricos, e principalmente suas classes sociais mais altas, tem acesso facilitado às modalidades mais sofisticadas de trabalho e aos novos empreendimentos.

Pessoas conectadas em rede tem mais facilidade não apenas às informações, mas a tudo que decorre destas: mais oportunidades de emprego, mais segurança, saúde, lazer, entre outros itens que trazem conforto e inovação na rotina diária.

No entanto, tudo isso se altera também na dependência da estrutura das personalidades envolvidas, e percebe-se hoje que as identidades pessoais têm sofrido alterações profundas se estamos off-line ou online: jovens e crianças estão desenvolvendo duas formas de identidade, inéditas em nossa cultura até o momento.

Seres humanos sempre apresentaram diferenças sensíveis entre seu comportamento privado e público, pois a sós temos um certo padrão de comportamento que nem sempre se repete quando acompanhados, já que as normas sociais interferem significativamente neste último caso. Comunidades e até povos podem ser mais expansivos ou introvertidos em comparação com outros, é o caso, por exemplo, da emotividade brasileira versus a contenção associada a europeus ou orientais.

Se o meio “permite” mais contato físico, como abraços ou demonstrações explícitas de afetividade, mesmo pessoas mais tímidas – no plano pessoal – tendem a soltar-se um pouco mais, socialmente falando. E é interessante verificar que muitos estrangeiros, sisudos em seus países de origem, se “contaminam” com a alegria brasileira.

Ilustração de Tomek Sętowski

Isso sempre existiu, mas vemos hoje o desabrochar de um controle bem mais difícil sobre nossas identidades sociais, já que nossas características pessoais podem ser extremamente passíveis de serem alteradas quando estamos online, e o tipo de vida que vivemos pode ser classificado como digitalmente mediada.

Claro que alterar nossos avatares pode modificar a forma como somos percebidos pelos demais, e isso certamente provoca confusão intima entre impulsos autênticos ou cultivados, até o ponto em que sejamos incapazes de discernir entre um e outro; e isso justifica inclusive o uso da internet para divulgar dados extremamente pessoais, que possivelmente trarão dissabores ou mesmo complicações judiciais.

Nestes casos estão aqueles que enviam nudes, declarações racistas, detalhes de renda ou atividades de lazer, xingamentos, machismos, homofobias, agressões de vários tipos, como se estivessem falando apenas entre amigos de estrita confiança.

Tais comportamentos, mais visíveis quanto mais jovens são os usuários das redes sociais, infelizmente é visto também entre adultos, numa época em que ninguém quer “crescer”, ou seja, amadurecer; e assim subestima-se o risco corrido em tempos de violência extremada, que muitas vezes extrapola o verbal e é explicitada no plano físico.

Observando crianças e jovens no ambiente escolar, é fácil verificar que as relações custo-benefício de alguns de seus procedimentos não estão nos universos emocionais, e que o desejo de aprovação social é preponderante a qualquer outra perspectiva em seus atos. Colocar-se com intimidade, oferecer o prazer do compartilhamento, concordar com o outro em suas mais estapafúrdias declarações, sentir-se membro daquele grupo parece cegar a autocrítica.

A instabilidade da identidade pessoal produzida pela enorme insegurança de quem pode ou não ter acesso às postagens – já que amigos compartilham com outros amigos – tem criado hoje identidades sociais assentadas em premissas falsas, e as agressões crescem.

 

NÃO É FAVOR….

Por muito tempo, até hoje incrivelmente, boa parte das pessoas consideraram que a ajuda que porventura prestassem aos “desfavorecidos” seria um gesto de grandeza e caridade, que lhes daria pontos em alguma contabilidade celeste, com a devida vênia aos verdadeiramente solidários.

OS MUSEUS ESTÃO VIVOS…

Muito tempo atrás, quando alguém falava ou propunha algo dissonante do status quo vigente, poderia ser exortado jocosamente a “se apresentar num museu”. Não se tratava de uma proposta de exposição de ideias, como hoje é possível nos ambientes virtuais, e sim da opinião quase generalizada de que estes eram locais onde se guardavam objetos antigos, esdrúxulos, obras de arte engessadas, tumbas praticamente, adequados a conter tudo o que não cabia no mundo real. Felizmente tal concepção mudou, e museus são locais onde a vanguarda artística e intelectual se expressa, sendo muito frequentes as mostras provocativas, interessantes, instigantes.

MAC – Museu de Arte Contemporânea, Curitiba-Pr.

Há os indispensáveis ambientes para o antigo, mas contextualizados: em recente exposição o Metropolitan de Nova York apresentou resultados de tomografias computadorizadas realizadas em múmias egípcias e incas que revelaram a humanidade daquelas pessoas, vistas no imaginário popular como muito diferentes de nós.

O sistema educacional brasileiro desperta cada vez mais para o museu como ferramenta pedagógica, hoje escolas, públicas ou privadas tem utilizado visitas guiadas como complemento às aulas. Há museus dedicados à língua portuguesa, à casa brasileira, ao futebol, além daqueles especializados em arte, história, ciência, tecnologia, moda, automóveis, cinema, histórias em quadrinhos, o universo que abrangem é imenso. Em muitos deles os visitantes podem manipular os objetos expostos e são desafiados a responder algumas perguntas ou até mesmo a formular outras.

Museu da Fotografia Cidade de Curitiba.

Em Paris, o Louvre criou no século XIX o ainda atuante serviço educativo permanente, no que foi seguido pelo de Londres, e logo depois por vários norte-americanos. No Brasil, ações educacionais nestes ambientes iniciaram no século XX, influenciadas principalmente pelo movimento Escola Nova, que pretendia impulso espiritual e desenvolvimento da autonomia de todos os educandos, e esteve no auge por volta de 1920. No Paraná muitos museus têm excelentes programas de visitas guiadas para estudantes, destacando-se em Curitiba o Oscar Niemeyer – MON.

MON – Museu Oscar Niemeyer

Estimulando a curiosidade e o gosto pela pesquisa, sofisticadas e inovadoras, estas instituições representam um poderoso auxiliar ao processo de ensino-aprendizagem escolar. Cumprindo o objetivo de “conservar, investigar, comunicar, interpretar e expor, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento”, o museu sempre esteve presente nas escolas dos países desenvolvidos do mundo, acentuando o espírito crítico, tanto naqueles voltados à arte quanto à ciência, e muitos tem na missão educativa a sua razão de ser.

Museu do Holocausto de Curitiba

Mesmo as visitas àqueles voltados ao complemento das ações escolares são consideradas como experiências de aquisição cultural que transcendem esta função, por proporcionar experiências com artefatos que podem, por si mesmos, gerar curiosidade e motivação, tanto cognitivas quanto afetivas. Em nosso tempo voltado ao consumo, os museus conseguiram conciliar o desejo da juventude por espaços modernos, com lanchonetes e lojas de lembranças sofisticadas, ao lado da valorização dos aspectos históricos, sociais ou econômicos que moldaram as comunidades humanas.

Museu do Automóvel, Curitiba – Pr.

Na perspectiva hegeliana o homem não é definido simplesmente pela sua vida natural, mas também pela inserção na vida da razão, ou seja, aquela que construímos intelectualmente e compartilhamos com os demais. Os museus, repositórios de cultura e educação, têm participação essencial neste processo.