O processo educativo caracterizou-se, durante a maior parte da civilização, pela ênfase na aprendizagem do pensamento racional, desenvolvimento da capacidade do autogoverno segundo as leis da razão, resistência às emoções e desejos.
Ao longo dos anos, por um excesso de preocupação com a questão, parecemos nos ter afastado de qualquer expressão emocional, deixando então de acreditar que pudéssemos aprender pela sensibilidade; e a escola foi se caracterizando apenas pela apologia da racionalidade, algumas vezes se mantido apartada inclusive das artes plásticas, da música e demais formas consideradas mais sensíveis de expressão.
No entanto hoje parecemos estar sofrendo o efeito contrário, e estamos, como comunidade, vivendo o que parece ser um excesso de suscetibilidade, nos afastando do império da razão, agindo como seres imaturos que não toleram a menor crítica, não podem ouvir que cometeram algum erro, por menor que este seja – passamos a considerar que somos perfeitos, e não admitimos descensos em nossa autoestima.
Nas redes sociais apenas mantemos pessoas que pensam exatamente como nós e têm as mesmas opiniões políticas e iguais gostos, e relacionamentos amorosos são desfeitos com celeridade ao menor sinal de “imperfeição” – leia-se diferença de ponto de vista – do outro.
Nas atividades profissionais, onde problemas reais podem existir, e muitas vezes são sérios, nem sempre estamos efetivamente analisando fatos com isenção, constituindo verdadeiras equipes, trabalhando em prol da comunidade. Às vezes preocupados em destruir a realização alheia, dificilmente somos inovadores e autônomos.
Nas escolas torna-se cada vez mais complexo um professor repreender alunos por comportamentos indevidos ou mau aproveitamento, a culpa será obviamente debitada a ele, que não ensinou adequadamente. Estudar, dedicar-se às leituras complementares, esforçar-se para aprender são ações penosas ou de difícil realização.
Preservar o amor próprio do estudante, reconhecer sua ausência de orientação, mesmo quando este não tem o menor interesse em superar suas próprias dificuldades parece mais relevante do que estabelecer como meta a sua aprendizagem, já que ninguém aprende sem acrescentar às aulas um tanto de esforço pessoal. O modelo desejado para o futuro do estudante parece centrar-se, às vezes, num máximo de vantagens pessoais, com um mínimo de ações comunitárias.
Para melhorar, é indispensável um objetivo a atingir, comprometendo-se com ele, com o reconhecimento de sermos imperfeitos e carentes de conhecimento. Conhecer o périplo humano, nosso percurso em relação à eliminação da ignorância, nossas dificuldades e defeitos ao lado de nossas qualidades e potencialidades é fundamental para a melhoria da ciência, da tecnologia e também de nossa convivência com os demais.
Estamos, no entanto, em um momento no qual docentes têm sido censurados por abordarem em sala obras de autores reconhecidos, porem escritas em outras épocas, e que hoje, descontextualizadas, são consideradas ofensivas a minorias ou difíceis demais para o conhecimento precário de muitos.
Bonito ou feio, este é o percurso que realizamos, e estas obras poderão ser utilizadas exatamente para frisar a evolução que tivemos em muitas áreas, desde aquela em que utilizávamos teias de aranha para cicatrizar ferimentos ou considerávamos que a escravidão era “natural”. Afinal, se sempre fomos corretos, inclusivos, bondosos e solidários, porque estaríamos como estamos?
Relatar com o máximo possível de fidelidade nosso passado, analisando ganhos e perdas ao longo do processo, facilitar a percepção do muito conquistado e os avanços ainda realizáveis, refletindo a verdade de nossa natureza humana, é essencial para melhorar nossos procedimentos, este é o papel da escola.