Acreditar na Ciência

Em pesquisa recente constatou-se que os brasileiros, de modo geral, não acreditam na ciência, em torno de 36% dos consultados disseram não crer muito nela, descrença que vem aumentando ano a ano. Em consultas anteriores, mesmo muitos dos que declararam ter fé na ciência não lembraram do nome de nenhum cientista. Em princípio isso não teria maior importância, considerando que o tema é setorizado, mas se considerarmos que durante os processos relativos ao “mensalão” grande parte da população citava os nomes dos ministros do Supremo Tribunal Federal com a mesma desenvoltura do enunciado da escalação de times de futebol de preferência, vemos que este conhecimento é medida da importância que a população atribui a determinadas instituições em dados momentos.
O Brasil teve e tem grandes expoentes da ciência e da tecnologia em vários segmentos do conhecimento, ainda que em um ambiente de grandes desigualdades sociais que se refletem na educação.
Convivemos portanto com o melhor e o pior do processo educativo, mas aparentemente estamos cada vez mais desconsiderando o patamar superior. Fala-se muito no “complexo de vira-latas”, mas talvez haja algum método no sintoma, um certo desprezo ostensivo e intencional pela cultura acumulada por alguns acadêmicos, que parecem cada vez mais distantes da comunidade.
Há um viés elitista manifestado entre os brasileiros que obtém sucesso em qualquer área, econômica, intelectual, artística, política, desportiva. Os exemplos são muitos, desde funcionários de consulados brasileiros em outros países que parecem se envergonhar de seus patrícios que recorrem a essas instituições, como se estas não existissem para servi-los, ao cidadão embriagado que quer privilégios indevidos em um restaurante de luxo bradando que “tem berço”. Muitos daqueles que tendo, por nascimento, sorte ou até mérito, ascendido a melhores situações na vida acreditam-se pertencentes a uma aristocracia medieval na qual seus direitos são “diferenciados” com relação aos demais.
Persistem dúvidas sobre o processo de adquirir mais conhecimento, pois enquanto alguns defendem um conhecimento livresco, intenso e profundo a consumir tempo e disposição dos estudiosos, outros defendem um saber mais ligado à prática, mais social que individual.
Teoria e aplicação sempre tiveram seus defensores e detratores, e os interesses de curto prazo em pesquisas rapidamente aplicáveis para resolver alguns problemas imediatos de uma comunidade sempre tiveram opositores entre os que defendem uma ciência mais pura, menos dedicada a resolver urgências passageiras em prol de uma visão de mais longo prazo.

A Academia vêm gradativamente abandonando o ideal e a aspiração à “torre de marfim” em que os estudiosos, pesquisadores, sábios, se isolariam das vulgaridades do mundo e fariam o seu mister sem serem perturbados. Foi reconhecido enfim o óbvio: somos todos uma só humanidade, com problemas comuns, com necessidades comuns, com questões teóricas e com questões práticas, e tudo nos diz respeito e nos afeta. “Sou humano, nada do que é humano me é estranho” (Publio Terêncio – dramaturgo romano).
É inescapável que algumas demandas necessitam investimento em pesquisa para serem resolvidas em mais curto prazo, como é o caso atual do desenvolvimento das vacinas contra a Covid-19, que podem representar a salvação da vida de milhares, milhões, de pessoas.
Fato muito diferente é a apologia da ignorância que assistimos hoje. De certa forma, desconhecer, ou até mesmo desdenhar, tudo o que se passa ao redor é uma forma de defesa contra o que não se consegue compreender. Com este procedimento relegamos o ensino às ultimas prioridades, como se o futuro da nação não estivesse estritamente ligado a este cuidado; é a primeira atividade da qual se deseja reduzir as verbas de investimento, é o professor que sempre se considera incompetente ou aliciador.
Difícil ver um bom futuro nesta bola de cristal…

NARRATIVAS

Quando um fato se torna memória costuma sofrer algumas mutações, até involuntárias; há inevitavelmente diferenças grandes ou pequenas entre o que aconteceu e como é recordado. Mesmo as descrições mais racionais não são totalmente fiéis, o que o narrador conta é a sua visão particular do evento, sempre sujeita à sua opinião e particularidades cognitivas. Quem testemunha um acidente ou um crime geralmente não está prevenido para isto, e sua visão é comprometida pela surpresa, pelo susto ou pelo medo; relato posterior, mesmo em juízo, pode ser honesto e fidedigno até certo ponto, o suficiente para esclarecer a investigação, mas não trará a verdade absoluta, e nem a isso se destinam os processos investigativos.

Um grupo de amigos de longa data que se reúne a recordar os “velhos tempos” está na verdade narrando lembranças particulares com os vieses do que mais marcou cada um deles nos acontecimentos lembrados. E podem se surpreender com a constatação de que viveram vidas diferentes na mesma época e lugar, valorizando ou não outras festas, viagens, namoros, venturas e desventuras.

Pode-se dizer que todas as pessoas vivem várias histórias, vão contando o vivido ao longo da existência, e elas mudam ou vão se transformando na dependência de um modelo interpretativo dos acontecimentos. Alguns pesquisadores chegam a dizer que o passado não é imutável, ou seja, na medida em que avançamos em maturidade ou compreensão de certos fatos, ao contar nós os mudamos um pouco, e o velho ditado de “quem conta um conto acrescenta um ponto” termina por ser verdadeiro inclusive nos relatos de nossa vida.

Pierre-Auguste Renoir

Assim é que algo entendido como uma grande injustiça na extrema juventude pode ir se tornando mais palatável ao longo dos anos, quando toda a cadeia de eventos podem ser relacionadas, e as razões de outros mais perceptíveis a nós.

Isso acontece por ser toda narrativa constituída a partir de três componentes: uma determinada história, abrangendo personagens envolvidos em certos acontecimentos, num específico espaço e tempo que fornecem a primeira interpretação do que é contado; um discurso, que é a forma particular como qualquer história é apresentada; e por fim um significado, uma interpretação posterior que o receptor desta história vai estruturar internamente, colocando seus próprios pontos de vista no relacionamento entre história e discurso entendidos.

É sempre importante distinguir entre narrativa e história, pois fatos constituem a história, enquanto o método que investiga e descreve o fenômeno só pode concretizar-se por meio das narrativas, que terminam na verdade sendo a forma como explicamos o mundo. Numa guerra, por exemplo, relatos de vencedores e vencidos diferem frontalmente, e é bastante compreensível que assim seja; cada um de nós percebe a realidade de forma distinta, e o sentido atribuído a determinadas situações é alterado pelas nossas crenças, religiosidade e cultura de nossa comunidade. Representações nos permitem decodificar e interpretar as situações vividas, dando a elas significados. Em todo esse processo a linguagem é essencial, pois não somente criamos com ela histórias, pessoais ou comunitárias, mas também organizamos a experiência diária como a de nossa civilização.

Por meio de nossa relação entre o cotidiano e sua expressão cultural é que manifestamos a riqueza de nossa vivência, em toda sua diversidade e complexidade. Consequentemente, é preciso desconstruir a tendência dominante, tanto nos discursos da direita como da esquerda, de minimizar o cotidiano, como se nele não transcorrêssemos grande parte de nossa experiência, burilássemos nossa ideologia e praticássemos o diálogo entre as incongruências e teorias opostas dos modos de pensar dominantes na sociedade contemporânea, que tem se intensificado nos últimos meses.

Mapa não é Território

“Naquele Império, a arte da Cartografia alcançou tal perfeição que o mapa de uma única província ocupava uma cidade inteira, e o mapa do Império uma província inteira. Com o tempo, estes mapas desmedidos não bastaram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império que tinha o tamanho do Império e coincidia com ele ponto por ponto.”
Jorge Luís Borges – Sobre o rigor na Ciência.

A Neurolinguística é comumente definida como “ciência que estuda a elaboração cerebral da linguagem”. Em princípio, trata-se do estudo dos mecanismos do cérebro humano destinados ao conhecimento abstrato da língua, falada ou escrita.
Um dos seus pressupostos diz que “o mapa não é o território”, ou seja, relembra que ter a representação genérica de um percurso não nos conta sobre o sol, a chuva, alegrias, tristezas, os demais seres humanos ou animais que nele encontraremos, e que podem alterar de forma as vezes extrema o que planejamos anteriormente. Para este propósito o mapa imaginado por Borges talvez fosse o único realmente fidedigno.
Isso também revela que cada um de nós tem percepção da realidade distinta dos demais, e tende a ver somente o que escolhe ver, pois durante a maior parte do tempo estamos ocupados com projeções da realidade interna, vendo no entorno aquilo que, na realidade, está em nós mesmos, e não no outro.

Nesta teoria, grande parte dos conflitos não existem em uma realidade objetiva, e sim na mente das pessoas, criados pelas emoções e nossa incapacidade de lidar com elas. Assim é que muitos odeiam no próximo aquilo que na verdade tentam escamotear em si mesmos, pois normalmente não reagem ao mapa alheio, mas sim aos seus próprios mapas, ou seja, ao que é realidade para elas.
As formas peculiares pelas quais pensamos podem ser analisadas, para assim entendermos porque em algumas circunstâncias conseguimos “pensar de forma positiva”, ou “manter a calma”, ou agirmos de forma a termos domínio pessoal de certas situações. A relação entre a forma como nos expressamos, as palavras que utilizamos e o comportamento que apresentamos é estreita, para mudar um deles é indispensável mudar os outros dois, o que nesta teoria é sempre possível, embora dependa de um certo empenho.
Autoajuda confunde-se, talvez legitimamente, com autoengano; o princípio é de que se acreditarmos já termos atingido determinado objetivo nós o conquistaremos. Pelo menos, muitos autores e “coachs” o conseguem para si mesmos, através da venda de livros e palestras.
No entanto, o verdadeiro trabalho de autoaperfeiçoamento não é assim tão simples, demanda resiliência e foco, pois algumas atitudes, modos de falar e relacionar-se com os demais formam características identificadoras tão fortes que mesmo aqueles que convivem desagradavelmente com estes aspectos de nossa personalidade tendem a reagir às demonstrações de mudanças, sempre tememos o desconhecido. Embora muitos confiem apenas nas suas religiosidades para a obtenção de uma nova postura, exemplos recentes nos mostram que são muitos os discursos moralizantes, porém poucas práticas reais de vivência na solidariedade e empatia.
O que denominamos programação neurolinguística seria adequado, portanto, para solucionar conflitos, permitir maior conhecimento de si próprio, facilitando uma melhor convivência com os demais, superar as ansiedades e inseguranças. Reconhecer nossos padrões linguísticos e comportamentais traz, com certeza, uma reestruturação de nossa experiência subjetiva, que na verdade é a finalidade de todos processo educativo.
Toda escola, ao inserir o educando numa realidade comunitária, de regras a serem estabelecidas e obedecidas pelo grupo, propicia o conhecimento dos limites de cada mapa, o estabelecimento das fronteiras dos territórios alheios, o contato saudável com a realidade do mundo e não apenas com uma projeção otimista ou pessimista dela.

CARPE DIEM

Não, o mundo não vai acabar agora, nem em um futuro próximo, embora muitos se esforcem para isso. Em tempos ameaçadores, como em pandemias, existe a tendência de “viver como se não houvesse amanhã”, fazer dívidas, descuidar da saúde, esquecer medidas de prudência e disciplina usuais. A sensação de que algo terrível pode acontecer a qualquer momento leva à crença de que tudo irá dissolver-se e que é preciso viver rápida e intensamente antes disso.
As drogas “lícitas” como álcool e tabaco são usadas sem nenhuma parcimônia, a alimentação deixa de ser saudável os exercícios físicos básicos são abandonados.
Os mais jovens, talvez na ilusão de serem imunes à peste, talvez movidos pelo apelo hormonal da idade, lotam bares, parques e praias sem o menor cuidado com distanciamentos ou uso de máscaras; e por terem vivido menos tempo são os que teriam mais tempo de vida a perder, se o pior acontecesse.
É como se uma imensa injustiça tivesse ocorrido e fosse necessário desafiar a morte para repará-la.
Atitudes de desafio a regras impostas podem ser o último recurso de afirmação da liberdade: os judeus que se recusaram a usar a infame estrela amarela de Davi imposta pelo nazismo e foram assassinados são símbolos de resistência à barbárie; os negros americanos e sul africanos que não aceitaram as leis racistas tiveram parte fundamental no combate à discriminação racial em seus países; a “resistência pacífica” de Gandhi definiu a independência da Índia do império britânico; as feministas que, desde as “sufragistas” do início do século vinte, enfrentaram e ainda enfrentam a violência explícita do machismo contribuem para a construção da igualdade de oportunidades independente de gênero; os que se negaram a acatar a censura de nossa ditadura militar. São, estes e muitos outros, os exemplos de resistência à tirania e à injustiça.


Há, no entanto, um tipo de desafio que é pueril, e pode ser perigoso e antissocial, como as manifestações de voluntarismo dos motociclistas que se recusam a usar capacete de proteção e dos motoristas que usam seus veículos como verdadeiras armas. E atualmente dos cidadãos que não usam máscara em lugares públicos, justificando a sandice com o suposto direito que teriam de arriscar a própria vida em defesa de uma ideia, o que em um universo patafísico poderia proceder desde que a única vida arriscada fosse a do “herói”, mas nesta atitude são ameaçadas todas as pessoas próximas a ele. Ademais, o custo de seus possíveis internamentos e tratamentos tende a recair, através de impostos, ao erário público, e toda a comunidade pagará por sua imprudência.
O direito individual e o coletivo nem sempre estão próximos, muitas vezes aceitar um é recusar o outro, como no dilema de segurança e liberdade: para termos total segurança é preciso renunciar a boa parte da liberdade que temos no ir-e-vir, nos lugares em que podemos estar, nos comportamentos de risco, na diversão que podemos usufruir e assim por diante. Então, estabelecer o limite do quanto de segurança ou liberdade aceitamos é sempre delicado e muda muito através dos anos, quando deixamos de nos sentir imortais como aqueles muito jovens, aparentemente optamos por mais segurança.
No entanto, é compreensível que muitos escolham mais liberdade em detrimento da segurança: nossa sociedade cultua os corajosos, que não se deixam intimidar, mesmo ao preço do verdadeiro exercício da cidadania, que implica na ciência de que a ousadia de um pode acarretar consequências para muitos que não realizaram esta escolha.
A liberdade de nossa individualidade pode prejudicar a segurança da comunidade, e a exata medida entre um e outro não depende apenas da idade, mas também de nossa formação intelectual e moral, quais valores norteiam nossa vida, assim como a dependência daqueles a quem amamos.
Um processo educativo eficiente pode orientar nossos jovens nestes dilemas e decisões, em que muitas vezes o caminho individual impacta toda a sociedade.

LETRAMENTO VISUAL

O público em geral, até mesmo professores, muitas vezes se esquece do quanto a criação de alguns recursos de comunicação, a invenção do papel, da impressão, da fotografia, da televisão, dos projetores de transparências ou slides, entre outros, foram essenciais para a veiculação do conhecimento cientifico, permitindo novas formas de construção de saberes e melhoria da qualidade do ensino.

No entanto, em meio à pandemia, como nunca antes estamos vivemos um momento de ascensão das tecnologias, pois fomos impactados por alterações nos modos de relacionamentos, saúde, finanças, comunicação, no mundo do trabalho.

Teríamos mais sucesso caso a desigualdade imensa do país houvesse permitido o desenvolvimento mais equitativo das habilidades de leitura dos textos visuais, dentro de um processo dinâmico, que envolve o contexto cultural dos participantes, pois esta comunicação é permeada pelos saberes, valores, ideologias e visões de mundo na qual é criada e consumida.

Para a compreensão de uma imagem é indispensável um mínimo de letramento visual, já que a capacidade de correta interpretação decorre de intervenções educacionais de vários tipos; a habilidade de entender e produzir mensagens visuais de forma cuidadosa e crítica é fundamental neste momento de poucas interações presenciais.

Wassily Kandinsky – Composição IV

Desde meados do século XX eram visíveis mudanças significativas na forma de veiculação da informação. De lá, sabíamos o valor de recursos hoje vistos como extremamente simples, dos aspectos gráficos contidos num texto, como fotografia, ilustrações, tabelas, negrito, sublinhado, tipos diferentes de fontes, que passam a ser cada vez mais utilizados nos meios de entretenimento e ensino, para garantir absorção de conhecimento com mais agilidade e rapidez.

Ou seja, recursos visuais não constituíam meramente ilustração de apoio, e sim mensagem estruturada, e os teóricos área educacional passam a admiti-los como indispensáveis ao bom processo ensino-aprendizagem.

Entretanto, num país com a quantidade de analfabetos – na casa de milhões – ou analfabetos funcionais, pessoas que assinam o nome e entendem instruções extremamente simples quando escritas, mas incapazes de compreensão de textos um pouco mais elaborados, a capacidade de entendimento de imagens mais complexas, gráficos e tabelas é quase inexistente, o que dificulta muito a possibilidade de acompanhamento das novas metodologias, que envolvem tecnologia de ponta. Sem contar a dificuldade de acesso à internet, e a pequena porcentagem da população com computadores, tablet ou notebook em casa, de forma geral apenas com celulares pré-pagos e pouco acesso à rede, o ensino remoto tem enfrentado também a quase impossibilidade de apreensão de conteúdos veiculados digitalmente.

Em que pese a grande dedicação da maior parte dos professores, que em sua esmagadora maioria não são nativos digitais, e tiveram que realizar um imenso esforço para superar suas dificuldades em aulas à distância, nem todos os alunos puderam acompanhar esta mudança brusca, seja pela questão da visualização seja pela capacidade de desempenho cognitivo face ao exposto, mais visual agora que em sessões presenciais.

A rápida disseminação da pandemia, as incertezas sobre seu controle, acrescidos da imprevisibilidade sobre sua duração e possibilidade de retorno às aulas presenciais, principalmente naquelas disciplinas que necessitam aulas práticas, constituem fatores de risco para a difusão de mitos e informações equivocadas, notícias falsas compartilhadas que contrariam as orientações de autoridades sanitárias e minimizam os efeitos da doença. O fechamento de escolas e universidades e o distanciamento social diminuem as conexões face a face e as interações sociais rotineiras, prejudicando ainda mais a tranquilidade indispensável para a aprendizagem.