A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO CONTINUADA PARA O DESENVOLVIMENTO DE BOAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

*Pier Angelly Luiz de Andrade

INTRODUÇÃO

O interesse em pesquisar esse tema surgiu em decorrência de algumas inquietações que fui verificando ao longo do tempo que estou trabalhando como coordenadora pedagógica. Essas inquietações surgiram a partir da análise e observação do trabalho pedagógico desenvolvido em Sala de Atividades pelo professor/ educador que atua na Educação Infantil. O problema percebido na realidade foi a defasagem teórica do profissional da Educação Infantil, o que resulta em uma distância entre a teoria e a prática.

O objetivo principal deste trabalho é demonstrar a importância da Formação Continuada para o desenvolvimento de boas práticas na Educação Infantil.  

Esta pesquisa se configura de cunho qualitativo/quantitativo.  Segundo Minayo (1999) a pesquisa de cunho qualitativo é considerada uma investigação capaz de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerente aos atos, às relações e as estruturas sociais, sendo estas últimas tomadas como construções humanas significativas. Moresi (2003), esclarece sobre a pesquisa qualitativa:

Esta técnica de pesquisa também deve ser usada quando se quer determinar o perfil de um grupo de pessoas, baseando-se em características que elas tem em comum (como demográficas, por exemplo) (MORESI, 2003, p. 69).

O campo empírico desta pesquisa se constituiu em um Centro Municipal de Educação Infantil – CMEI de Curitiba, de pequeno porte, situado na região urbana da cidade, que atende 130 crianças, na faixa etária de 3 meses a 5 anos e 11 meses.  A clientela atendida é predominantemente de baixa renda. O CMEI possui 5 turmas (Berçário, Maternal I, Maternal II, Maternal III e Pré). No CMEI estudado existem 20 educadoras (carga horária de 40 h semanais) e 2 professoras (20 h semanais).

Para a elaboração do relatório final foram ofertados aos profissionais 22 questionários, com 13 questões fechadas. Retornaram respondidos 20 questionários. Além desses dados, foi realizada uma revisão de literatura,  fundamentada basicamente em Freire (1997), Carvalho, Klisys e Augusto (2006) e Alarcão (2010).

O presente trabalho se justifica uma vez que toda formação continuada  pode provocar mudanças e reflexões no professor/educador, que a partir disso poderá melhorar sua prática pedagógica. Isso impactará diretamente no encaminhamento pedagógico na Educação Infantil, fomentando a aprendizagem.

Esta pesquisa iniciou-se em novembro de 2013, com a definição do tema proposto, a seleção de literatura e início da elaboração do projeto. Nos meses seguintes foi feita a pesquisa de campo, com a aplicação dos questionários, revisão de literatura, e escrita do texto.

De acordo com Carvalho, Klisys e Augusto (2006) na Educação Infantil o cuidar e o educar devem caminhar juntos nessa etapa da educação. Ainda para os autores, o processo de formação continuada deve ampliar e privilegiar o universo cultural do professor/educador, bem como os processos de construção de conhecimento.

O professor/educador que atua na Educação Infantil deve ter uma visão integrada da realidade e condições de pensar sua prática com propriedade e autonomia. Segundo Ferreira (2011) para ampliar seus conhecimentos, é fundamental que o educador realize sistematicamente uma reflexão sobre suas ações desenvolvidas junto às crianças. Essa reflexão pode ser propiciada na Formação Continuada.

Percebe-se na lide diária dos professores/educadores que atuam na Educação Infantil uma defasagem nesse processo de empoderamento[1] do conhecimento, incidindo diretamente nas ações pedagógicas ofertadas em Sala de Atividades. Pode-se atribuir essa defasagem à qualidade da formação inicial do professor que atua na educação infantil, com a pouca oportunidade de estágio na área.  Para Ostetto (2008) o estágio curricular deve estar atrelado às várias dimensões do processo formativo do profissional da educação. Futuramente, este profissional vai se deparar com situações em que precisará fazer escolhas, tomar decisões. Para tanto, deverá estar comprometido com a educação. Esse comprometimento, em parte poderá ser adquirido na sua caminhada acadêmica, sendo aprimorada na Formação Continuada.

A EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL E EM CURITIBA

A LDB (Lei, 9.394/96)  regulamenta a educação infantil, definindo-a como primeira etapa da educação básica, que tem por finalidade o desenvolvimento integral da crianças até seis  anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade.

De acordo com Barbosa e Horn (2001) durante muito tempo, a educação da criança foi considerada uma responsabilidade das famílias ou do grupo social ao qual ela pertencia. Era junto aos adultos e outras crianças com os quais convivia que a criança aprendia a se tornar membro desse grupo, a participar das tradições que eram importantes para ela e a dominar conhecimentos que eram necessários para a sua sobrevivência material e para enfrentar as exigências da vida adulta.  Por um longo período, não houve nenhuma instituição responsável por compartilhar esta responsabilidade pela criança com seus pais e com a comunidade da qual  faziam parte. Cada época tem a sua própria maneira de considerar o que é ser criança e de caracterizar as mudanças que ocorrem com ela ao longo da infância. Nas últimas décadas, a criança passou a ter uma importância como nunca havia ocorrido antes, sendo a infância objeto de muitos estudos.

            Barbosa e Horn (2001)  afirma que atualmente as crianças são vistas como seres ativos,  que podem se tornar cada vez mais competentes para lidar com as coisas do seu mundo, se tiverem oportunidades para isso. Nesse sentido, as instituições de Educação Infantil são hoje indispensáveis na sociedade.

Segundo as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil Municipal de Curitiba (CURITIBA, 2006),  a educação infantil atua na base da formação humana e na construção de diferentes identidades, porque cada criança apresenta características singulares, que precisam ser respeitadas. No respeito a essas individualidades, busca-se uma educação voltada para um sujeito crítico, criativo, autônomo, solidário, cooperativo e argumentativo, que saiba encontrar solução para os diversos problemas do cotidiano.

Esse sujeito é ponto de partida e de chegada da ação educativa. Nesse contexto, compreende-se hoje a criança como sujeito capaz, que participa ativamente da construção do conhecimento sobre si e o mundo e de sua própria história, o que reflete na cultura de seu grupo social.

Ostetto (2008) afirma que brincando a criança aprende a ser solidária, aprende a viver, a sonhar, a imaginar, a ter autonomia e a construir conhecimento sobre o mundo à sua volta. Por estar inserida em um contexto social e cultural desde seu nascimento, a criança, ao se relacionar com outros parceiros, vai aprendendo e se desenvolvendo. Na brincadeira a criança é levada a agir num universo imaginário; no entanto, ela busca elementos em sua realidade vivida,  trazendo para a brincadeira as vivências que fazem parte do seu mundo.

Quando  a criança participa do jogo simbólico (brincadeiras de faz de conta), ela traz consigo muitas de suas experiências já vividas e adquire outras experiências com seus colegas. Neste momento existe uma interação e uma troca de informações rica em aprendizagens significativas entre as crianças. De forma que as brincadeiras de faz de conta são fundamentais na primeira infância, pois possibilita a crianças a desenvolverem habilidades que irão ajudá-las na vida adulta.

É preciso lembrar que a criança tem o direito de freqüentar a Educação Infantil. Infelizmente, o direito à Educação Infantil é o mais negado, em relação às outras etapas, já que muitas  crianças ainda não têm o acesso. Sobre isso, Silveira (2010), ao analisar o direito à educação de crianças e adolescentes em São Paulo, discorre:

Das demandas que abrangem o acesso à educação básica em suas diferentes etapas e modalidades, os litígios acerca da negação do direito à Educação Infantil (EI) são os mais presentes, nos julgados do TJ-SP no período de análise, seguido das demandas por acesso ao Ensino Fundamental (EF) (SILVEIRA, 2010, P. 107).

Esses dados, embora sejam referentes ao estado de São Paulo, dado o tamanho e a importância econômica do mesmo, podem, em alguma medida, refletir a situação nacional.

O professor/educador que atua na primeira etapa da educação básica precisa compreender as diferentes fases do desenvolvimento infantil, dando ênfase às aprendizagens significativas, que valorizam o lúdico e o brincar. É imprescindível que esse profissional esteja atento às diversas atividades que podem ser oferecidas às crianças, favorecendo situações de entretenimento, alegres e prazerosas nas instituições de Educação Infantil.

Nessa etapa, é importante construir  diariamente  relações  de confiança e respeito com as crianças, priorizando  não somente  o pedagógico, mas também o cuidado e o afeto, a fim de favorecer  o desenvolvimento físico, social e cognitivo da criança.

A atuação dos professores/educadores nunca é neutra. Enquanto ação educativa, ela está repleta de intencionalidades. Para que sua atuação seja qualificada e relevante, este profissional deve fundamentar sua ação em uma prática pedagógica coerente com uma base teórica cientificamente válida e relevante.

A SALA DE ATIVIDADES E SUA IMPORTÂNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Na educação infantil no município de Curitiba é muito utilizado o termo  Sala de Atividades que é caracterizado por ser um ambiente que favorece as aprendizagens significativas das crianças, por ser multifuncional. Tem um caráter flexível atendendo a rotina e a demanda da turma. Geralmente se privilegia um espaço para brincadeiras livres, em que a criança possa ser protagonista da sua ação educativa. Ela tem acesso a brinquedos e materiais, podendo escolher. Isso favorece o desenvolvimento da sua autonomia. Na maioria das vezes, possui tapetes de borracha, variáveis em tamanho, para garantir a segurança e o conforto das crianças.

FIGURA 1 – Sala de atividades – Espaço de brincar

Fonte: Acervo da pesquisadora.

É interessante notar que o tapete pode se adaptado às necessidades do momento, de acordo com o número de crianças que dele vai se utilizar. Além disso, a organização dos brinquedos, em caixas transparentes favorece a visibilidade dos mesmos. Quando as crianças vão escolher os brinquedos, a professora/educadora abre as caixas e deixa que as mesmas se movimentem livremente, escolhendo o que quiserem. Quando a atividade acaba, as próprias crianças ajudam a guardar os brinquedos, desenvolvendo, nesta atividade aparentemente simples, inúmeros valores importantes para a vida em sociedade como autonomia, respeito, solidariedade e trabalho em conjunto, entre outros.

Na sala de atividades, também existem as mesas, que podem ser arranjadas e rearranjadas inúmeras vezes, a fim de suprir a necessidade do momento e da atividade proposta, conforme se vê a seguir:

FIGURA 2 – Sala de atividades – Uso das mesas

Fonte: Acervo da pesquisadora.

O profissional da educação infantil pode dispor das mesas como lhe parecer melhor. Na figura 2, foram juntadas duas mesas e há um trabalho em grupo acontecendo, com a orientação da professora/educadora.

Ao fundo, um outro grupo de crianças faz uma atividade diferente, com a orientação da outra professora/educadora. Saliente-se que são 3 educadoras que atuam nas Salas de Atividades (Berçário, Maternal I e II). Nas turmas de Maternal III, atuam 2 educadoras em período integral e uma professora no período da manhã. Nesse sentido, é importante a atuação dos profissionais de maneira integrada e harmoniosa, em um trabalho coletivo, em que o planejamento é construído por todos que atuam na sala, sob a supervisão e orientação da Coordenação Pedagógica.

FIGURA 3 – Sala de atividades – Uso das mesas

Fonte: Acervo da pesquisadora.

Na figura 3, um grupo de crianças usa a mesma mesa, porém , com atividades diferentes. Enquanto uns desenham ou escrevem, uma criança brinca com o telefone. É interessante perceber que não é um telefone de brinquedo, mas um aparelho de telefone, possivelmente avariado, que ao invés de ir para o lixo, foi para a caixa de brinquedos da Sala de Atividade.

A organização da Sala de Atividades revela as aprendizagens ali presentes, se tornando um ambiente alfabetizador que favorece a autonomia e ao crescimento intelectual das crianças, dando espaço para que o protagonismo infantil seja evidenciado.

A organização do espaço é adequada aos interesses e necessidades da turma e cada sala é diferente da outra, tendo seu layout flexível e ajustável.

FIGURA 4 – Sala de atividades – Organização dos materiais

Fonte: Acervo da pesquisadora.

  

            Na figura 4, é possível perceber a organização dos materiais, devidamente selecionados e facilmente identificáveis. Isso possibilita que as próprias crianças guardem o material e também o peguem, quando isto se faz necessário. Ostetto (2008) relata sobre a importância da organização do espaço da sala de atividades para o desenvolvimento de uma proposta educativa. O espaço não é apenas físico, é ambiente de vida, de relações e de trocas. Principalmente pelo fato de entendermos a dimensão simbólica do espaço destinado para as aprendizagens na Educação Infantil, como reflexo de objetivos, concepções e metas de quem o organiza.

            Não se pode pensar em processo de criação, em interações, brincadeiras, expressões, interpretações e faz de conta, sem refletir sobre a íntima relação que existe entre organização do espaço, formação continuada, planejamento e intencionalidade nas ações desenvolvidas em sala de atividades.

A FORMAÇÃO CONTINUADA DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO MUNICÍPIO DE CURITIBA

A formação continuada tem entre outros objetivos, fazer com que o profissional reflita e melhore sua atuação pedagogia, notadamente relacionando a teoria a práxis.

O documento Referencial Pedagógico-Curricular para a Formação de Professores da Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental do MEC tem como premissa o saber, saber fazer e ao saber explicar o fazer.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 em seu artigo 61, § único, instaura que:

  A formação de profissionais da educação, de atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos:

I- a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em  serviço;

II- aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades.

III- o aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e em outras atividades (LEI 9394/96, 61, § único,  Incisos I, II e III).

     A formação continuada deve ter como principio ações humanísticas, culturais, experiências consolidadas no âmbito das lides educativas, cujos sujeitos são os profissionais da educação. Para esses profissionais, buscar o conhecimento é de relevante importância para refletir sobre suas práticas pedagógicas.  O grupo deve registrar, produzir e disseminar o conhecimento adquirido.

O debate democrático é essencial para a formação continuada, as múltiplas linguagens e especificidades das ações pedagógicas determinam a intencionalidade e transições na educação infantil.

O pedagogo desenvolve papel fundamental na Formação Continuada dos professores/educadores. Sendo uma das principais atribuições do pedagogo observar com o intuito de diagnosticar, interagir e nortear o trabalho pedagógico da unidade, além de buscar o conhecimento transformador e promover o ambiente educativo em um espaço voltado à análise e reflexão para Formação Continuada.

É atribuição do coordenador pedagógico promover e capacitar o professor/educador a pensar e refletir sobre suas ações em Sala de Atividades. E isso é realizado na Formação Continuada planejada e permanente no intuito de fomentar a reflexão e transformação da realidade, incidindo diretamente em sua prática pedagógica.

Para efetivação da formação continuada, a capacitação em serviço é relevante e necessária para o desenvolvimento de novas práticas e estratégias das ações educativas. Sabe-se que na prática a formação do professor/educador, agente fundamental da transformação da realidade está em constante evolução, readaptação e retro-alimentação, tendo a formação tem um caráter continuo.

Visando ampliar os conhecimentos dos professores sobre as práticas pedagógicas ofertadas em sala de atividade e com o intuito de aproximar cada vez mais a prática da teoria, a formação continuada tem um papel fundamental nesse processo, pois é nesse momento que o profissional se apropria de novos conhecimentos  empoderando-se intelectualmente para refinar sua prática pedagógica.

Sendo assim, entende-se que a formação do profissional da educação é inacabada, pois a sua capacitação e busca pelo conhecimento deve ser constante, acompanhando-o por toda a sua vida profissional.

Freire (1997) afirma que finalmente a educação toma consciência do inacabamento. O inacabamento do ser ou inconclusão é próprio da experiência vital. Onde há vida, há inacabamento. Esta idéia de inacabamento traz a sensação de movimento, de busca contínua.

 A formação continuada realizada nas unidades de ensino, tendo o coordenador pedagógico como profissional responsável de promover uma cultura de formação permanente nas unidades em que atua. Uma das prioridades da formação continuada é que os docentes tenham o hábito de refletir sobre sua prática pedagógica, possibilitando que esse profissional desenvolva ações pedagógicas com mais intencionalidade e objetividade.

Segundo Andrade (2013) a Formação Continuada pode ser definida como processo de qualificação e empoderamento epistemológico do profissional, por meio de aprendizagens que devem ocorrer sistematicamente, no ambiente de trabalho, a fim de construir uma sólida identidade profissional. A formação continuada ocorre em rede, sem uma estrutura rígida. Nem sempre acontece de cima para baixo, mas é um processo que pode se iniciar em qualquer um dos sujeitos.

Carvalho, Klisys e Augusto (2006) afirmam que a  formação continuada para atingir seu objetivo, deve ser significativa para o professor. Não adianta o professor/educador seguir apenas as orientações da Coordenação Pedagógica, é preciso que ele entenda teoricamente as razões pelas quais se prioriza determinada ação educativa. Isso faz parte do processo de reflexão sobre sua prática pedagógica.

Pimenta (2012, p. 27) afirma que:

As novas tendências investigativas valorizam o profissional reflexivo. Opondo-se à racionalidade técnica que marcou o trabalho e a formação de professores, entende-o como um intelectual em processo contínuo de formação. Enquanto tal, pensar sua formação significa pensá-la como um continuum de formação inicial e contínua. A formação na verdade, autoformação, uma vez que os professores reelaboram os saberes iniciais em confronto com as suas experiências práticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares. É nesse confronto e num processo coletivo de troca de experiências e práticas que os professores vão constituindo seus saberes, ou seja, aquele que constantemente reflete na e sobre a prática (2012, p. 27).

Para Freire (1997) a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/prática. A reflexão dos profissionais sobre suas ações e resultados fará com que repensem sua prática e proporcionem às crianças condições de agir com autonomia para ampliar seus conhecimentos, potencializando suas capacidades de comunicação e participação social. Um exercício que deve ser permanente, pois potencializa a cada dia a formação e a condição do profissional para atuar na Educação Infantil.

De acordo com Alarcão (2010) o professor reflexivo baseia-se na consciência da capacidade de pensamento e reflexão que caracteriza o ser humano como criativo e não como mero reprodutor de ideias e prática que lhe são exteriores. Neste sentido, o profissional deve estar atento às situações profissionais, tantas vezes incertas e imprevistas, para que possa  atuar de forma inteligente e flexível. Essa flexibilidade é necessária para atuar na primeira etapa da educação básica Brasil, determinada como Educação Infantil.

Para Carvalho, Klisys e Augusto (2006), a instituição de Educação Infantil pode ser definida como um lugar de convergência entre o universo do conhecimento e o mundo da subjetividade humana e, portanto, terreno fértil para a imaginação, para o desenvolvimento da sensibilidade e da inteligência. As ações pedagógicas lastreadas na cultura servem de interface entre o conhecimento social e o indivíduo na sua busca pela aprendizagem.

Uma das maiores especificidades da Educação Infantil, como já foi dito,  é que o cuidar e educar são indissociáveis nessa etapa, que deve ser rica em aprendizagens significativas. Segundo Carvalho, Klisys e Augusto (2006), o cuidar na Educação Infantil, pede uma visão ampla e dinâmica do educar. Éuma ação integrada que envolve conhecimentos sobre a criança e suas famílias e seu desenvolvimento nas diferentes dimensões e vínculos afetivos.

Dessa forma, as ações pedagógicas desenvolvidas em Sala de Atividades também compreende todas as ações que estão na questão do cuidado (limpar, lavar, trocar, alimentar, dormir etc.) e à forma como essas ações são realizadas. Sendo assim, pode-se dizer que o pedagógico está relacionado tanto ao cuidado como à educação.

Para Ostetto (2008) o educador/professor que atua na Educação Infantil é aquele que caminha junto com as crianças, observando/registrando, discutindo e refletindo sobre suas ações e sobre seus modos de expressão. Assim ele rompe com a educação centralizada somente no adulto e passa a ter a crianças como foco, adotando, então uma postura não só de observador, mas também de investigador das várias maneiras de ser e viver a infância.

Todas as ações desenvolvidas dentro da sala de atividades devem ser pensadas e planejadas antecipadamente, levando em consideração a fase que a crianças está vivendo, os objetivos que se pretende alcançar e a intencionalidade na prática pedagógica ofertada.

Esse processo de reflexão assertiva da praxis diária e aprimoramento das competências técnicas do professor fazem parte da Formação Continuada em serviço e do planejamento do educador/ professor.

Ostetto (2008) afirma que o planejamento acima de tudo está relacionado com o compromisso que cada educador/professor tem com a sua profissão, com o respeito que ele tem para com o grupo de crianças e com os valores nos quais ele acredita. Também parte do ato de observar as experiências vividas pelas crianças, de ouvi-las, enfim, de dar voz aos seus pensamentos e às suas criações. Registro, planejamento e avaliação estão intimamente ligados.

De acordo com Pimenta (2012) a profissão de professor requer saberes e conhecimentos científicos, pedagógicos, educacionais, sensibilidade, indagação teórica, e criatividade para encarar as situações ambíguas, incertas, conflituosas e, por vezes, violentas, presentes no contexto de uma sala de atividade. É da natureza da atividade docente proceder à mediação reflexiva e crítica entre as transformações sociais concretas e a formação humana das crianças, questionando os modos de pensar, sentir, agir e produzir e distribuir conhecimento.

Os diferentes saberes apresentam-se integrados e são constantemente ressignificados à luz da prática que se encarrega de produzir novas perguntas e algumas respostas, promovendo a criação de novos saberes.

Pimenta (2012) ressalva que a formação continuada envolve um duplo processo: o de autoformação dos professores, a partir da reelaboração constante dos saberes que realizam em sua prática, confrontando suas experiências em sala. Segundo Ferreira (2011) ampliar seus conhecimentos é fundamental para que o educador realize sistematicamente uma reflexão sobre suas ações desenvolvidas junto às crianças.

Para Ostetto (2008) que a formação do professor envolve muito mais que uma racionalidade teórico-técnica, marcada por aprendizagens conceituais e procedimentos metodológicos. Existe na prática pedagógica e na Formação Continuada, muito mais que um domínio teórico, competência técnica. Lá estão histórias de vida, crenças, valores, afetividade, enfim, a subjetividade dos sujeitos implicados.

A formação continuada ofertada para os profissionais da educação que atuam na primeira etapa da educação básica da Rede Municipal de Ensino de Curitiba é realizada por meio de uma “Rede Integrada de Aprendizagens” (ANDRADE, 2013, p.1), que envolvem os seguintes sujeitos: Secretaria Municipal da Educação, Departamento da Educação Infantil, Núcleos Regionais de Educação, Pedagogas de referência dos Centros Municipais de Educação Infantil e Profissionais da Educação que atuam nas unidades.

Essas formadoras atuam como multiplicadores de aprendizagens para as pedagogas de referências dos Núcleos Regionais de Ensino, que têm a função de repassar a formação para os pedagogos de CMEI em reuniões mensais com focos formativos definidos. Então os pedagogos de cada CMEI repassam para as equipes de docente na unidade em que atuam. Embora haja uma hierarquia descrita nessa rede, nem sempre a Formação Continuada acontece de baixo para cima. Em muitos casos as boas práticas didáticas experimentadas por um determinado CMEI são publicizadas e difundidas em toda rede. Na verdade a aprendizagem não começa e nem termina em um determinado ponto. Ela é contínua, cíclica e dinâmica, conforme demonstra o quadro abaixo:

Fonte: ANDRADE, 2013, P

ANÁLISE DOS DADOS – O QUE DIZEM OS PROFISSIONAIS

Para esta análise de dados, foram aferidos vinte questionários sobre Formação Continuada, tendo como participantes professores/educadores infantis do município de Curitiba.  O objetivo do questionário teve como  foi o de  obter resultados significativos que demonstrassem a realidade encontrada no campo de pesquisa. A seguir destacaremos algumas questões do questionário:

 Questão 1: Referente à Formação

De acordo com as resposta, 85% dos entrevistados possuem graduação em Pedagogia. Esse resultado pode ser explicado pela exigência da LDB, que em seu artigo 62 decreta:

Art. 62:  A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal (art.62 LDB).

Desta forma existe a garantia de que o docente precisa se qualificar minimamente para atuar na educação básica. Os dados demonstram entretanto, que nem todos os profissionais fizeram uma graduação. De fato 5% deles atuam profissionalmente na Educação Infantil apenas com o Ensino Médio. Essas profissionais entraram na função de Babá, em que não se exigia sequer o Magistério, apenas o Ensino Médio.

Questão 2: Quanto à participação de Cursos, palestras, reuniões pedagógicas e estudos em permanência que contemplam a Formação Continuada

Nessa questão resultou que 90% dos profissionais participam de eventos na área da Educação que contemplam a formação continuada. Esse dado é muito relevante, pois incide diretamente na proposta de formação continuada do município de Curitiba, que procura ofertar nas permanências cursos, palestras e formação em serviço aos profissionais.

A LDB em seu artigo 67 relata que os sistemas de ensino terão que promover  a valorização dos profissionais da educação, assegurando a todos, inclusive nos termos dos estatutos e dos Planos de Carreira do Magistério público o aperfeiçoamento profissional continuado, assegurando período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho.

Nos Centros Municipais de Educação Infantil de Curitiba, esse direito dos profissionais da educação é parcialmente assegurado, dado o número de profissionais que faltam em dia de permanência para irem ao médico ou resolverem questões de cunho particular. Outro motivo é que em determinados dias não é possível realizar as permanências, devido às faltas de professores/educadores em sala e desta forma é necessário que se faça uma nova organização dos funcionários da unidade no intuito de ofertar o melhor atendimento às crianças.

Questão 7: Opinião dos profissionais em relação à Formação Continuada ofertada pelo município

 Questão 8: Qualidade das ações pedagógicas do profissional que participa constantemente da Formação Continuada

Os dados obtidos com as questão 7 demostram que  80% dos entrevistados consideram a Formação Continuada ofertada pela mantenedora é satisfatória. Já na questão 8, 100% dos entrevistados acreditam que o profissional que se apodera do conhecimento na Formação Continuada desenvolve prática pedagógicas mais objetivas e consistentes, com maior qualidade portanto. Isso demonstra que os profissionais desta unidade têm clareza sobre a importância da formação continuada para o desenvolvimento de boas práticas pedagógicas.

De acordo com Alarcão (2010),  se existe o desejo de  mudança por parte dos docentes é necessário que assumam a instituição de ensino  como um organismo vivo, dinâmico, capaz de atuar em situação, de interagir e nesse processo, aprender e construir conhecimento sobre si próprio. Desta forma, é possível  falar de uma epistemologia da vida da escola. E de uma escola em desenvolvimento em aprendizagens permanentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao finalizar esta pesquisa, percebe-se que são muitos os avanços e contribuições teóricas que permitem que a Formação Continuada seja considerada pelos profissionais da educação primordial para o desenvolvimento de boas práticas pedagógicas em sala de atividades e desta forma ser um importante instrumento de empoderamento intelectual.

Ao mesmo tempo que falamos em avanços na formação continuada, constatamos também que existe uma grande distância entre a teoria e prática, sendo essa questão determinante para a melhoria das práticas pedagógicas ofertadas na educação infantil.

Nessa perspectiva, ainda são necessários estudos e pesquisas que tragam novas luzes a essa questão, indicando caminhos que possibilitem ampliar as relações entre teoria e prática nas práticas pedagógicas ofertadas nos Centros Municipais de Educação Infantil.

Desta forma é fundamental que o professor/ educador que atua na educação infantil, tenha claros conceitos, ideias e concepções que orientem suas ações e possibilitem o exercicío de refletir sobre sua prática pedagógica.

Para Alarcão (2010) a reflexão sobre a ação pressupõe um distanciamente benéfico da ação. Desta forma, reconstruímos mentalmente a ação e tentamos sempre analisá-la de maneira que nos possibilite a agir de maneira mais assertiva nesse processo de ensino e aprendizagem.

O professor/educador que atua na primeira etapa da educação básica tem um papel fundamental no planejamento e pesquisa que visam aprimorar as ações desenvolvidas no intuito de contemplar o desenvolvimento integral da criança que freqüenta a educação infantil.

Cabe ao professor/educador a competência e atribuição de criar condições favoráveis para que as aprendizagens significativas ocorram nas brincadeiras livres e dirigidas, mas também em toda a ação pedagógica orientada intencionalmente.

As crianças na faixa etária que freqüentam a educação infantil prestam muita atenção em tudo ao seu redor. Estão sempre atentas as diferentes situações que ocorrem durante a rotina de uma sala de atividades. Os professores passam a ser, nessa fase de desenvolvimento infantil mediadores das aprendizagens que nesse espaço acontecerão. Para que estas aprendizagens sejam assertivas é importante que o docente planeje suas ações e as executem com intencionalidade, pois somente desta forma serão alcançados os objetivos propostos.

É no momento da formação continuada que esse profissional da educação vai ampliar seus saberes, aprender a refletir sobre sua prática pedagógica e desta forma ter clareza nas ações que pretende desenvolver com as crianças.

A análise dos dados coletados revelou que a formação continuada deixa de ser uma exigência e começa a ser encarada pelos profissionais da educação como uma importante ferramenta de apropriação do conhecimento, reverberando em boas práticas pedagógicas desenvolvida em sala de atividade.

Os dados analisados são muito relevantes e determinantes, pois revelam a disponibilidade desses profissionais em se aprimorar intelectualmente e desta forma ofertar melhores prática pedagógicas, que com certeza impactarão na aprendizagem das crianças da Educação Infantil.

Para Carvalho, Klisys e Augusto (2006), educar crianças é tarefa exigente, que requer tempo e disponibilidade por parte do educador, Formação Continuada em serviço e requer conhecer bem a criança e as fases de seu desenvolvimento.

A Formação Continuada tem o intuito de orientar o educador em sua própria prática para ampliar seu crescimento profissional, levando-o a buscar  fundamentação teórica que intensifique sua busca pelo conhecimento. Aliando a teoria a prática, o resultado desse processo será um professor/ educador reflexivo, capaz de compreender as especificidades da Educação Infantil, para que, desta forma possa desenvolver boas práticas pedagógicas na Sala de Atividades.

*Pier Angelly Luiz de Andrade é pedagoga, especialista em Coordenação Pedagógica e atualmente é diretora do Centro Municipal de Educação Infantil Heloina Greca em Curitiba. O texto apresentado é o resultado do trabalho de conclusão de curso da Especialização em Coordenação Pedagógica da UFPR.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BARBOSA, M. C. S. ; HORN, M. G. S. Organização do espaço e do tempo na escola infantil. In: CRAIDY, C.; KAERCHER, G. E. Educação infantil. Pra que te quero? Porto Alegre : Artmed, 2001.

BRASIL. Lei 9.394, 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.  Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, 23 dez. 1996.

BRASIL., Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.v 1. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CARVALHO, S. P. de; Klisys, A; AUGUSTO, S. (Org). Bem-vindo, mundo! Criança, cultura e formação de educadores. São Paulo: Petrópolis, 2006.

CURITIBA. Prefeitura Municipal. Secretaria Municipal da Educação. Diretrizes curriculares para a Educação Municipal de Curitiba: Educação Infantil. Curitiba: SME, 2006.

Educação Infantil: Saberes e fazeres da formação de professores/ Luciana Esmeralda Ostetto ( org.). – Campinas, SP: Papirus, 2008.

Escola Reflexiva e Supervisão: Uma escola em desenvolvimento e aprendizagem, de Isabel Alarcão. Porto: Porto Editora, 2010.

Freire, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janerio: Paz e Terra, 1997.

MORESI, E. Metodologia de pesquisa.

In: http://ftp.unisc.br/portal/upload/com_arquivo/1370886616.pdf

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Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa. São Paulo-Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO;1999.        

PIMENTA, S. G. Saberes pedagógicos e atividade docente. (org) -8. ed.– São Paulo: Cortez,2012.

ROSSETI-FERREIRA, M. C.; MELLO, T. V. ; GOSUEN, A.; CHAGURI, A. C. Os fazeres na Educação Infantil. São Paulo: Cortez, 2011.

SILVEIRA, A. A. O direito à educação de crianças e adolescentes: Análise de atuação do Tribunal de Justiça de São Paulo (1991-2008).

In: http://www.direitoaeducacao.org.br/tags/adriana-aparecida-dragone-silveira (Acesso em 01/08/2014).


A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL

 Luana dos Santos Torres

Vanisse Simone Alves Corrêa

 

RESUMO

O presente trabalho visa apresentar a importância do brincar na educação infantil. Foi realizada uma revisão de literatura com vários autores, entre eles Àries (1991), Kishimoto (2014) e Vygotsky (1997). O objetivo geral do trabalho é demonstrar a relevância do brincar para o desenvolvimento das crianças, especialmente na educação infantil. Para tanto demonstra a importância do brincar, apresenta um breve histórico das atividades lúdicas e destaca a importância das brincadeiras para o amadurecimento das crianças.

 

PALAVRAS-CHAVE: Brincadeiras,  Atividades Lúdicas.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo abordar a importância que o brincar possui na Educação infantil. O brincar e explorar para a criança é necessário pois é por meio dessas ações que a criança se expressa, interage, se desenvolve.

Atualmente, o brincar livremente vem sendo pouco utilizado nas escolas que possuem educação infantil e dando lugar ao que já é pronto, seja por falta de interesse ou de o que deixa o uso do brincar ou das brincadeiras de lado, e até mesmo no esquecimento. Para a criança, o brincar dá a ela o poder da imaginação, de tomar decisões, expressar sentimentos e valores, conhecer a si, aos outros e o mundo, de repetir ações prazerosas, de partilhar, expressar sua individualidade e identidade por meio de diferentes linguagens, de usar o corpo, os sentidos, os movimentos, de solucionar problemas e criar. Ao fazer isso, a criança experimenta o poder de explorar o mundo dos objetos, das pessoas, da natureza e da cultura, para compreendê-lo e expressá-lo por meio de variadas linguagens.

É importante entender do que se fala quando se fala em brincar fala-se da relevância de um tempo no cotidiano das crianças destinado a brincadeiras de qualidade, em um espaço adequado, com materiais interessantes para as crianças e que estimulem a criatividade. A mediação de um adulto, de outras crianças, ou dos próprios objetos que se encontram a disposição da criança faz a diferença nas brincadeiras. Não basta deixar brincar, aos adultos é preciso olhar um pouquinho mais para as crianças, perceber suas necessidades e assim tentar entender e estimular a brincadeira.

Os pequenos são capazes de “imitar uma variedade de ações que vão além dos limites de suas próprias capacidades.” (VIGOTSKY, 2008, p.101). Mas é no plano da imaginação que o brincar se destaca pela mobilização dos significados. O jogo de “faz de conta”, como destaca Madalena Freire (1994) em seu livro “A paixão de conhecer o mundo”, é a partir de ações como, brincar, desenhar, jogar que a criança desenvolve a capacidade de representar, de simbolizar, e assim vai se apropriando da realidade e assimilando a realidade externa (adulta) à sua realidade interna. “A brincadeira da criança não é uma simples recordação do que vivenciou, mas uma reelaboração criativa de impressões vivenciadas” (VIGOTSKY, 2010, p.17). Ou seja, a criança traz às suas ações aquilo que vivenciou anteriormente, mas não age da mesma maneira como viu tal ação, ela se apropria e reelabora construindo a partir de elementos, combinando o velho com novas maneiras de fazer, é nisso que se constitui a base da criação.  Enfim, sua importância se relaciona com a cultura da infância, que coloca a brincadeira como ferramenta para a criança se expressar, aprender e se desenvolver.

Brincar é preciso, é por meio dele que as crianças descobrem o mundo, se comunicam e se inserem em um contexto social. A brincadeira, segundo Brougère (2001, p. 45):

“[…] supõe contexto social e cultural, sendo um processo de relações interindividuais, de cultura. Mediante o ato de brincar, a criança explora o mundo e suas possibilidades, e se insere nele, de maneira espontânea e divertida, desenvolvendo assim suas capacidades cognitivas, motoras e afetivas” (Brougère, 2001, p. 45).

As crianças brincam, não se importando com o local ou as condições onde moram, das pessoas com quem convivem ou da cultura em que está inserida. Brincar faz parte do rol de necessidades básicas de qualquer criança, em conjunto com uma boa alimentação e sono. Brougére (2007, p. 97-98), comenta que:

A criança está inserida, desde o seu nascimento, num contexto social e seus comportamentos estão impregnados por esta imersão inevitável. Não existe na criança uma brincadeira natural. A brincadeira é um processo de relações interindividuais, por tanto de cultura […]. É preciso partir dos elementos que ela vai encontrar em seu ambiente, para se adaptar a suas capacidades. As brincadeiras pressupõem uma aprendizagem social. (Brougére, 2007, p. 97-98).

 

A atividade de brincar é de suma importância para o desenvolvimento da criança, e é possível verificar isso apenas olhando uma criança brincando: está aprendendo, conhecendo, desenvolvendo-se, explorando o mundo sem intervenção nenhuma. Enquanto brinca, recria situações cotidianas, experimentam situações de felicidade, medo, surpresa, aprende a lidar com o mundo exterior e forma sua personalidade.  Vygotsky (1998, p. 104), ensina que a brincadeira requer uma reflexão a respeito do mundo interior e da imaginação, por um lado, e do mundo exterior, da realidade, por outro. Serve para explorar o pensamento e a emoção.

A interferência e as consequências do brincar no desenvolvimento infantil são amplamente discutidas em pesquisas e estudos da área da educação ao longo dos anos, e, na maioria das concepções teóricas as brincadeiras são consideradas essenciais para construção de conhecimentos e desenvolvimento integral da criança. De acordo com Souza (2000, p. 7), compreender o desempenho da criança é de fundamental importância, pois o aproveitamento correto de sua capacidade é fator primordial para manutenção de sua saúde mental.

 

  1. A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR

 

Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia, se apresenta como a linguagem própria da criança, através da qual lhe será possível o acesso à cultura e sua assimilação. É essencial ao desenvolvimento cognitivo e motor da criança a socialização.

Para Vygotsky (1998, p. 201), “é no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva que depende de motivações internas”. Os argumentos a favor do desenvolvimento da criança na primeira infância são tão variados quanto numerosos: desde o econômico do aumento da produtividade ao ético do direito de viver e aproveitar ao máximo as possibilidades de cada pessoa, passando pelo argumento de maior igualdade entre classes e sexos e o científico de mais inteligência e um comportamento social mais equilibrado, até mesmo o argumento político de maior participação na sociedade e na transmissão de valores para as gerações seguintes; apesar da enorme variedade de ideias e abordagens, todos esses argumentos concordam que um dos primeiros elementos que facilita o desenvolvimento do conhecimento do ser humano, e tem sido assim ao longo de sua existência como espécie, são as brincadeiras.

 

O “brincar” não é simplesmente um meio de gastar energia ou passar o tempo, pois, “para além dos limites de ocupação puramente biológica ou física, é uma função significativa. No processo humano de brincar, relacionamentos são criados com objetos, situações e pessoas, o desenvolvimento cognitivo é aprimorado, especialmente para resolver problemas e criar novos conhecimentos (SANTIAGO, 2000, p. 12).

 

Piaget (1998, p. 47) deixa claro que os jogos não são apenas uma forma de desafogo ou entretenimento para gastar energia das crianças, mas meios que contribuem e enriquecem o desenvolvimento intelectual. Ainda nessa perspectiva, o autor explica que o jogo pode ser estruturado por meio de exercício, simbólico na construção e regra e, neste sentido as brincadeiras evoluem conforme a faixa etária. Piaget (1998) segue ensinando que conversar com a boneca, brincar de médico, imitar bichos, se fantasiar, são brincadeiras de grande intensidade afetiva. Assim que as brincadeiras vão se aproximando mais do real, o símbolo começa a representar a realidade, imitando-a: a criança cria histórias nas quais há grande preocupação em seguir a sequência que ela conhece na sua realidade.

Steiner (1992, p. 109) completa o pensamento, ao asseverar que histórias, músicas, desenhos, jogos, são recursos especialmente atraentes no período de 4 a 6 anos; já que contribuem para ampliar a capacidade da criança de pensar, e ao, mesmo tempo, ampliam o vocabulário. A autora diz ainda que por volta dos 4 a 5 anos, a criança já tem noções de tempo – manhã, tarde e noite; ontem, hoje e amanhã – relacionando esses conceitos com sua vida cotidiana. Já aos 6 anos é despertada a curiosidade por aprender os “porquês” e “para que” do mundo físico, agora percebido com maior lógica e coerência.

Vygotsky (1998), destaca o faz de conta, já Piaget (1998), ensina sobre jogos simbólicos e ainda assim os dois autores correspondem-se. As maiores aquisições de uma criança são conseguidas no ato de brincar, aquisições que no futuro instituirão seu nível básico de ação real e moralidade. A atividade lúdica é o início obrigatório das atividades intelectuais da criança, sendo, por isso, indispensável à prática educativa.

 

1.2 HISTÓRICO DO BRINCAR

Já na antiguidade os seres humanos jogavam e brincavam sozinhos e em grupos, e essas atividades acompanharam a evolução histórica, estando presente em todas as civilizações. Segundo Áries (1991, p.51), “na sociedade antiga, o trabalho não ocupava tanto o dia, não tinha o mesmo valor que lhe é atribuído hoje. Os jogos e divertimentos se estendiam por longos momentos”.

 

Crianças Brincando de Esconde-esconde, de Josefina Holmlund Kurrogomma (1827-1905)

In: https://pt.wikipedia.org/wiki/Esconde-esconde.

 

Ao longo do tempo as brincadeiras vão modificando-se, adquirindo novas características, já que resultam das interações que os indivíduos fazem durante suas práticas. Áries (1991) explica que aos poucos esses jogos, brincadeiras e divertimentos passaram a ser visto como atitude moral pelos moralistas e pela Igreja, que os associava aos prazeres carnais, ao vício e ao azar. Além disso,

Com o tempo a brincadeira se libertou de seu simbolismo religioso e perdeu seu caráter comunitário, tornando-se ao mesmo tempo individual. Nesse processo ela foi cada vez mais reservada às crianças, cujo repertório de brincadeiras surge então como repertório de manifestações coletivas abandonadas pela sociedade dos adultos (ÁRIES, 1991, p.47).

 

Inclusive, Áries (1991) comenta que em meados de 1600, as crianças maiores de quatro anos de idade participavam das brincadeiras semelhantes às dos adultos e, muitas vezes, de maneira conjunta. Não existia uma separação tão rigorosa como hoje entre as brincadeiras e os jogos reservados às crianças e as brincadeiras e jogos reservados aos adultos. Ambos jogavam os mesmos jogos.

Desse modo, os humanistas do Renascimento notaram que haviam possibilidades educativas dos jogos e passaram a considera-lás de modo a preservar a moralidade das crianças. Portanto, proibiam os jogos considerados “maus” e incentivavam os considerados “bons”.

As brincadeiras infantis com utilização de materiais pedagógicos foram inseridas no final do século XIX, a partir da revolução industrial houve as primeiras pedagogias científicas e o estudo mais aprofundado do desenvolvimento infantil, o que modificou ainda mais o sentido das brincadeiras na educação. As décadas de 1920 a 1940 caracterizam-se pelo período de estudos da interação entre pares e, na década de 1960, Jean Piaget fez vários apontamenos sobre o brinquedo que são referência até hoje.

Foi o professor alemão Friedrich Froebel, criador do Jardim da infância, o responsável por introduzir as brincadeiras no contexto infantil. Para o autor, brincar favorece o desenvolvimento humano por significar a representação das necessidades e impulsos internos. Já Kishimoto (2014), destaca que o brincar da criança é fonte libertadora de prazer e autodeterminação.

Kishimoto (2014, p. 41) afirma que as brincadeiras infantis das crianças brasileiras foram influenciadas pelos portugueses, índios e negros. Por exemplo os jogos de botão e o pião foram trazidos pelos portugueses e as brincadeiras que envolvem a natureza partiram da cultura indígena.

Em decorrência do contato que existiu entre esses diferentes povos quando se encontraram em nosso país, surgiu uma grande quantidade de jogos, brinquedos e brincadeiras que participam da cultura infantil popular brasileira fazendo parte  do contexto social de outros povos.

Antigamente as crianças podiam brincar, tinham mais tempo e espaço nas ruas e praças. Atualmente há várias maneiras de brincar, que são introduzidas pelas crianças e adultos do lugar conforme seus aprendizados com as outras gerações do grupo e dos interesses do momento.

Portanto, o ato de brincar vem sendo alterado nas últimas décadas, inclusive o avanço tecnológico provocou modificações nos hábitos da sociedade, trazendo novas formas de lazer. As crianças brincam menos na rua, passando a brincar mais em seus pequenos quintais e em apartamentos, onde falta de espaço e com a insegurança trazida pelos assaltos, sequestros, mortalidade, os jogos e brincadeiras na vida das crianças tem se limitado ao espaço da escola. Conforme Friedmann, 2004:

 

Vivemos em uma cultura de muitos brinquedos e menos brincadeiras; muita impessoalidade e pouco respeito à individualidade; mais competitividade do que cooperativa; uma cultura lúdica violenta, impassível, indiferente, com medo. E inúmeras dúvidas a respeito de como restituir ou recriar uma ludicidade mais saudável (Friedmann, 2004, p.16).

 

Além de em algumas residências a criança sofrer influência da mídia e dos brinquedos eletrônicos, ainda existe a questão da falta de tempo da criança. Os pais, preocupados em dar uma boa educação para os seus filhos, preenchem seu tempo com atividades paralelas, como aulas de inglês, esportes, entre outras. Essas atividades consomem o tempo da criança, que, completando com as obrigações escolares, não tem tempo suficiente para despertar suas fantasias, ou seja, não sobra tempo para as brincadeiras. Isso impede que a criança desperte sua criatividade e suas descobertas, além de impedir que elas se tornem independentes.

Quando a criança brinca ela está representando diferentes papéis e neles ela aumenta sua expressividade. A partir das brincadeiras a criança constrói conhecimentos diversos sobre o mundo e amplia seu vocabulário, e desenvolve habilidades. Além disso, é através das brincadeiras que ocorre o ajustamento afetivo emocional.

A urbanização descontrolada e o aumento da violência nas grandes cidades, transformaram a realidade das crianças, que antigamente brincavam nas ruas, nas portas de suas casas. Essa mudança no contexto social influi diretamente na forma de brincar das crianças. Entusiasmados pelos novos jogos e influenciados pela mídia, as crianças desejam possuir diversos brinquedos, pois as novidades surgem dia após dia e os brinquedos rapidamente vão perdendo seu valor, já que existe no mercado algo mais atualizado. O marketing leva as crianças a desejar sempre novidades do mercado. Para Kishimoto (2001), a urbanização, a industrialização e os novos modos de vida fizeram com que a criança fosse esquecida e que a infância se encerrasse, transformando a criança em um precoce aprendiz.

As brincadeiras e os jogos desenvolvem a linguagem, despertam engenhosidade, desenvolvem o espírito de observação, afirmam a vontade e perfeiçoam a paciência. Elas também favorecem as habilidades, aliviam a noção de tempo e de espaço. A aplicação proveitosa dos jogos favorece o desenvolvimento biológico, psicológico, social e espiritual da criança. É no jogo que elas encontram formas para representar o contexto em que está inserida.

Além disso, o ato de brincar permite desde os primeiros momentos a capacidade de imaginar, fantasiar através de jogo e, em seguida, progressivamente permite que o indivíduo compreenda o mundo do símbolo, da metáfora o que possibilita a entrada no mundo da poesia, de poder brincar com as palavras e com a linguagem, também possibilita, através da imagem, o brincar com a arte em suas múltiplas facetas.

Almeida (2004), ressalta que o brincar desenvolve a criatividade, a competência intelectual, a força e a estabilidade emoções e sentimentos de alegria e prazer, enfim de ser feliz.

O aumento da variedade de brinquedos industrializados disponíveis no mercado, proporcionou às crianças, de diferentes níveis sociais, o contato com brinquedos eletrônicos. Com o avanço das tecnologias das ultimas décadas, surgiram diferentes tipos de brinquedos, cada vez mais computadorizados. Apesar de possuírem os valores mais elevados, alguns brinquedos eletrônicos estão se tornando populares e acessíveis às crianças de todos os níveis sociais, como por exemplo os videogames. No entanto, em geral, esses brinquedos são de acesso restrito às crianças que possuem nível social mais elevado. Essas crianças estão passando a brincar cada vez mais sozinhas, já que esses brinquedos não exigem a companhia de outra criança.

Uma outra realidade é o uso dos computadores e celulares para jogos eletrônicos. Esses aparelhos têm entrado cada vez mais cedo nas vidas das crianças. Além de transmitir informações, esses aparelhos podem ser influentes nas relações sociais da criança. Porém, ainda que seja um grande atrativo, brincar com aparelhos eletrônicos precisa despertar o interesse da criança, pois se a criança não tiver prazer nele, este não terá valor algum.

Existem, ainda, aquelas crianças que se vêem obrigadas a brincar sozinhas, ou pela localização de onde moram, ou por não dispõem de espaço suficiente, já que moram em pequenos apartamentos. Nesse contexto a televisão é uma grande influenciadora no desenvolvimento das crianças. A partir dos desenhos animados a criança libera suas fantasias, porém, esses mesmos desenhos podem influenciar no modo de agir dessas crianças.

É inegável que a tecnologia tem proporcionado conforto e praticidade para a população, entretanto, essa mesma tecnologia é responsável pelo desenvolvimento de várias doenças oriundas do sedentarismo e estilo de vida das pessoas. As crianças, com os jogos eletrônicos que não exigem queimar calorias, estão crescendo cada vez mais obesas e indispostas a praticar esportes ou exercícios físicos. Além disso, essa tecnologia que já traz as respostas prontas, não estimulam o pensamento, o raciocínio lógico e atrasam o desenvolvimento intelectual da criança.

 

1.3 AS BRINCADEIRAS NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

 

O ato de brincar é importante, é terapêutico, é prazeroso, e o prazer é o ponto fundamental da essência do equilíbrio humano. No ser humano desenvolve-se uma atitude lúdica que tem seu início em tenra idade, na barriga materna quando se diverte com o cordão umbilical que o une a sua mãe e suga seu dedo quando ele está entediado, então quando nasce a conhecer e compreender seu ambiente, para o qual a “atitude lúdica” é fundamental (DUARTE, 1996). Logo, pode-se dizer que a ludicidade é uma necessidade interior, tanto da criança quanto do adulto. Por conseguinte, a necessidade de brincar é fundamental ao desenvolvimento. Para Lopes (2006):

 

Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo poder se comunicar por gestos, sons e mais tarde, representar determinado papel na brincadeira, faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras, as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas capacidades de socialização, por meio da interação, da utilização e da experimentação de regras e papeis sociais (Lopes, 2006, p. 118).

 

 

Por meio da brincadeira, a criança tem um comportamento de referência maior do que é na realidade, realiza simbolicamente o que mais tarde poderá realizar na vida real. Vygotsky (1998), destaca que:

 

O brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança. No brinquedo, a criança sempre se comporta além do comportamento habitual da sua idade, além do seu comportamento diário; no brinquedo é como se ela fosse maior do que é na realidade (Vygotsky,1998, p. 122).

 

Ainda segundo Vygotsky (1998), a criança procura suprir seus desejos por meio do ato de brincar. Mas esses desejos não podem ser satisfeitos de imediato, o que leva a criança a buscar situações imaginárias como solução.

No inicio da idade pré-escolar, quando surgem os desejos que não podem ser imediatamente satisfeitos ou esquecidos, e permanece ainda a característica do estágio precedente de uma tendência a satisfação imediata desses desejos, o comportamento da criança muda. Para resolver essa tensão, a criança em idade pré-escolar envolve-se num mundo ilusório e imaginário onde os desejos não realizáveis podem ser realizáveis e esse mundo é o que chamamos de brinquedo Vygotsky (1998, p. 108).

 

A atitude lúdica leva ao pensamento divergente, levando à busca pela resolução de situações em que o diferente tem um lugar no ambiente lúdico de possibilidades. Além de sua qualidade de ocorrer no assunto e a partir dele, permite o uso pedagógico e a interação com o conhecimento cotidiano que gera idiossincrasia e costumes e, finalmente, a riqueza cultural das comunidades, o que permite encorajamento, as atitudes amigáveis e festivas, que é desejável em nos tempos atuais e ainda mais no Brasil (MELO; VALLE, 2005).

A criança brinca para representar um papel, um lugar específico na sociedade, e não somente porque o ato de brincar traz uma fantasia desejada. Por exemplo: quando a criança faz de um cabo de vassoura, um cavalo, ela está tentando se inserir na sociedade, isso parte de sua natureza. É a forma que ela utiliza para representar o contexto na qual se insere.

O jogo nasce com as impossibilidades da criança de poder satisfazer seus desejos, então a brincadeira pode ocorrer para os seres humanos como uma forma de interagir com o mundo, compreendê-lo e tornar possível os seus desejos de forma equilibrada e com a possibilidade de dissipar a incerteza e escapar da frustração.

É com as brincadeiras que a criança supera os limites da manipulação dos objetos que a cercam e se fixa num mundo mais extenso. Segundo Leontiev (1998), o brinquedo é a atividade principal da criança. É nele que a criança estabelece uma conexão com a realidade e assim é capaz de se desenvolver psiquicamente, preparando o caminho de transição entre o mundo infantil e o mundo adulto que a espera.

Oliveira (2002, p. 99) diz que o jogo simbólico ou faz-de-conta, é ferramenta para a criação da fantasia, necessária à leitura não convencional do mundo. Abre caminho para a autonomia, a criatividade, a exploração de significados e sentidos. Esse jogo simbólico atua também sobre a capacidade da criança de imaginar e de representar, articulada com outras formas de expressão. Os jogos são instrumentos para aprendizagem de regras sociais, contribuem para que a criança compreenda o uso das regras o que irá beneficiá-la mais tarde na vida adulta.

Zanluchi (2005, p. 67) reafirma que ao brincar, a criança se prepara para enfrentar os problemas reais da vida, pois é através da brincadeira que ela desenvolve habilidades que usará no contato social adulto.

Para Vygostsky (1998, p. 114), a aprendizagem implica em uma natureza de ordem social específica e num processo mediante o qual as crianças se elevam à vida intelectual daqueles que a rodeiam.

Vygotsky (1997), a noção de brincadeira desempenha um papel importante em várias teorias, sejam elas psicológicas, antropológica, filosófica, pedagógica e até econômica e política, relacionando o brincar e a cultura como dispositivos de controle ético para ordenar o corpo social, porque em todas as culturas o jogo tem desempenhado um papel duplo: um fator socializador e como fundamento seguidor, que evidencia o instinto gregário do ser humano.

Os professores, particularmente aqueles que trabalham na educação infantil e especial, necessitam de conhecimentos e habilidades lúdico-pedagógicas para reinterpretar, analisar, discutir e debater os principais fenômenos que afetam o sucesso escolar.

O jogo promove a aquisição do conceito de regra (em seus aspectos cognitivos e afetivo), que tem muito a ver com o nascimento do julgamento ético e autonomia na criança, já que através do jogo ela começa a entender como as coisas funcionam, o que se pode ou não fazer, descobrindo que existem regras de causalidade, probabilidade e conduta que devem ser obedecidas (VYGOTSKY, 1997).

O jogo é uma atividade essencial para o desenvolvimento cognitivo, afetivo e da criança e é necessário para um desenvolvimento integral, pois permite o desenvolvimento das funções básicas de maturação psíquica, sendo a atividade lúdica – uma função simbólica, cujo objetivo é a manifestação criativa da representação comum (PIAGET, 1998).

Assim, os jogos e as brincadeiras são para o ser humano importantes ferramentas culturais, porque nos primeiros anos ele é desenvolvido na companhia de um adulto, estabelecendo uma relação que leva a formação de vínculos afetivos, adquirindo assim um significado social.

O jogo tem um grande poder de socialização, porque ajuda a criança a sair de si mesma; entender, aceitar, respeitar e, às vezes, até transformar as regras que possibilitam a convivência harmoniosa e pacífica.

A brincadeira é um exercício real de preparação para a vida e é importante, porque ensina a alegria quando é praticada e para aqueles que a praticam; pois parte da passividade e coloca a pessoa em uma situação de compartilhar com os outros, por isso é importante respeitar as brincadeiras; o mundo da criança é mutante está em constantes mudanças, e é brincando que elas poderão diferenciar a fantasia da realidade, e estarem preparadas para a vida.

A partir das brincadeiras pode-se desenvolver também o vínculo afetivo, com que a aprendizagem, viabilizando a motivação e a disciplina como ‘meio’ para conseguir o autocontrole da criança e seu bem-estar. Estas não deixam de ser conquistas significativas, no processo de ensino-aprendizagem.

Neste sentido de acordo com Kaercher (2001):

As crianças aprendem desde seus primeiros momentos neste mundo. […] é essencial que as crianças pequenas recebam estímulos que desenvolvam seus sentidos e posteriormente sua intelectualidade  (Kaercher , 2001, p.109).

De acordo com Huizinga (1990):

O brincar da criança é a manifestação mais profunda do impulso que conduz ao fazer, sendo que neste fazer, o homem tem a sua verdadeira essência humana. Não seria possível imaginar uma criança que não desejasse ser ativa, como o é quando brinca, pois o brincar representa a liberação de uma atividade que deseja se libertar do cerne do ser humano (Huizinga, 1990, p. 95).

 

A criança por si só, é um ser curioso. Convivendo, diariamente com crianças, percebemos que não há como impedir a observação espontânea, a curiosidade natural, as descobertas, o interesse em ler, escrever, calcular, cantar, correr, pular e desenvolver uma infinidade de atividades.

Conforme Weiss (2007, p. 95):

“[…] o uso de situações lúdicas é mais uma possibilidade de se compreender, basicamente o funcionamento dos processos cognitivos e afetivo-sociais em suas interferências mútuas, nos moldes de aprendizagem das crianças. ”

Brincar é importante para o ser humano. De acordo com Kaercher (2001):

Brincar é uma das atividades fundamentais para o desenvolvimento da identidade e da autonomia. O fato de a criança, desde muito cedo poder se comunicar por meio de gestos, sons e mais tarde, representar determinado papel na brincadeira, faz com que ela desenvolva sua imaginação. Nas brincadeiras as crianças podem desenvolver algumas capacidades importantes, tais como a atenção, a imitação, a memória, a imaginação. Amadurecem também algumas capacidades de socialização, por meio da interação, da utilização e da experimentação de regras e papéis sociais. (Kaercher, 2001, p.116)

 

De acordo com Negrine em seus estudos sobre aprendizagem e desenvolvimento infantil. “Quando a criança chega à escola, traz consigo toda uma pré-história, construída a partir de suas vivências, grande parte delas através da atividade lúdica”. (Negrine, 1995, p. 67).

O professor, por sua excelência, é o profissional que sabe ensinar e tem domínio sobre as situações que envolvem o contexto escolar. Apesar de aparentemente óbvios esses conceitos, às vezes isso não acontece no dia-a-dia.

Neste sentido, de acordo com Silva (2005, p.57): “[…] uma tematização das práticas pedagógicas no âmbito das escolas exige, necessariamente, considerações a respeito dos fundamentos, conhecimentos e rumos que orientam o trabalho docente”.

Com base nas afirmações de Chalita (2003, p. 85) constata-se que os educadores devem adquirir a consciência de seu papel fundamental de amparar, reerguer, reavivar os sentimentos, valores e atitudes que tendem a renovar a confiança em dias melhores e que precisam exercer suas funções com amor, sabedoria e respeito.

Tais conceitos estão também relacionados ao desenvolvimento da afetividade da criança. Neste sentido, é importante reafirmar a reflexão de Wallon (1968) quanto ao desenvolvimento da afetividade. Segundo o autor, ela se manifesta, primitivamente, nos gestos expressivos da criança.

Ressaltando ainda que brincar é um direito de toda criança no mundo inteiro, cada uma deve estar em condições de aproveitar as oportunidades educativas voltadas para satisfazer suas necessidades básicas de aprendizagem, (NEGRINE, 1995, p. 68).

Os conteúdos podem ser trabalhados com o uso de atividades lúdicas, pois estas tendem a contribuir muito para que o trabalho do professor seja bem-sucedido. Mas, é preciso reconhecer e vale ressaltar que os jogos e as brincadeiras, são algumas das estratégias a serem utilizadas, para a garantia de um bom desenvolvimento na educação das crianças e não as únicas.

Neste sentindo, segundo Mahoney (1993):

A criança, ao se desenvolver psicologicamente, vai se nutrir principalmente das emoções e dos sentimentos disponíveis nos relacionamentos que vivencia. São esses relacionamentos que vão definir as possibilidades de a criança buscar no seu ambiente e nas alternativas que a cultura lhe oferece, a concretização de suas potencialidades, isto é, a possibilidade de estar sempre se projetando na busca daquilo que ela pode vir a ser. (Mahoney, 1993, p.68).

 

Portanto, a qualidade das interações que ocorrem em sala de aula, incluindo todas as decisões de ensino assumidas, refere-se a relações intensas entre professores e alunos, proporcionando diversificadas experiências de aprendizagem, a fim de promover o desenvolvimento dos mesmos. (OLIVEIRA, 1992, p. 79)

Como destaca Oliveira (1992, p.80):

 

[…] o processo pelo qual as crianças vão se apropriando dos objetos culturais ocorre a partir das experiências vividas entre as pessoas à sua volta; essa “passagem do nível interpsicológico, entre as pessoas, para o nível intrapsicológico (no interior do próprio sujeito) envolve, assim, relações interpessoais densas, mediadas simbolicamente, e não trocas mecânicas limitadas a um patamar meramente intelectual  (Huizinga, 1990, p. 79).

 

O ato de ensinar e o de aprender envolvem certa cumplicidade do professor a partir do planejamento das suas ações e condutas dentro da escola. É preciso reconhecer que ao brincar, as crianças não aprendem somente informações escolares e sim a conviver e compartilhar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

        Ensinar atualmente exige a convicção de que a mudança de paradigmas é necessária e adotar novas posturas diante das práticas pedagógicas habituais é fundamental.

A graduação deverá fornecer aos educadores base teórica que norteará a prática docente, porém não garantirá que sejam sensíveis e capazes de favorecer mudanças comportamentais e estruturais, significativas, nas rotinas das instituições de ensino e que efetivamente possam cumprir seu papel, como educadores.

Cabe aos educadores contemporâneos adquirir a consciência de que a educação não pode limitar-se a repassar informações para os alunos, mas sim ajudar os alunos a tomarem consciência de si mesmos e do outro. Por meio da intervenção pedagógica, cabe aos professores proporcionar atividades significativas que conduzam a uma aprendizagem fecunda. Refletir sobre sua prática pedagógica, percebendo o aluno mais que um mero executor de tarefas, é fundamental ao educador.

É preciso atuar a partir de uma prática reflexiva, que possibilite os ajustes necessários para favorecer o lúdico no trabalho pedagógico. É preciso entender que os alunos têm prazer em aprender, se a aprendizagem se der de forma lúdica.

Quando brinca, a criança toma certa distância da vida cotidiana, entra em seu mundo imaginário e ilusório, despreocupando-se com a aquisição de conhecimento ou desenvolvimento de qualquer habilidade mental ou física. O que importa, neste caso, é o processo em si de brincar, algo que flui naturalmente, pois a única finalidade é o prazer, a alegria, a livre exploração do brinquedo. Brincar é fundamental ao processo de aprendizagem, crescimento e amadurecimento, especialmente na educação infantil.

 

 

REFERÊNCIAS

ÁRIES, P. História social da criança da família. Trad. Dora Flaksman. Rio de Janeiro: Zahar, 1991.

BROUGÉRE, G. Brinquedo e cultura. São Paulo: Cortez, 1997.

____. Jogo e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

FELDMANN, Juliane. A importância do psicopedagogo dentro da instituição escolar. Disponível na Internet em http://www.psicopedagogia.com.br. Acesso em 05 de novembro de 2019.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Editora  Paz e Terra,1996.

FRIEDMANN, A. O papel do brincar na cultura contemporânea. Pátio: Educação Infantil. Porto Alegre. Ano l, n.3, p.14-16, mar., 2004.

KAERCHER, Gládis E. & CRAIDY Carmem. Educação Infantil: pra que te quero?. Porto Alegre: Artmed Editora: 2001.

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Artigo extraído/produzido  a partir do Trabalho de Conclusão de Curso de Luana dos Santos Torres, orientado pela Prof.ª Vanisse S. A. Corrêa.

Luana dos Santos Torres é graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Paraná – UNESPAR campus Paranaguá.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A ABORDAGEM REGGIO EMILIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

 

CELIA MARIA RAMOS

CINTIA YAMANOUCHI

VANISSE SIMONE ALVES CORRÊA

RESUMO

O presente trabalho tem como tema a abordagem Reggio Emília na Educação Infantil. Tal temática surgiu devido ao fato de que a educação infantil é essencial para a criança e seu desenvolvimento. A metodologia de trabalho utilizada na educação infantil é um fator importante, uma vez que pode facilitar ou atrapalhar o desenvolvimento infantil. Nesse sentido, pesquisar outras metodologias é de suma importância. O problema da pesquisa é o fato de que muitos profissionais da área desconhecem a metodologia Reggio Emília. Esta pesquisa tem como objetivo geral fazer com que a metodologia Reggio Emília torne-se conhecida por seus extensos e ótimos resultados, podendo assim auxiliar aos profissionais em seu cotidiano, contribuindo significativamente, ultrapassando seus limites e desenvolvendo novas expectativas em torno do processo educacional. Está estruturada teoricamente em vários autores, entre eles, Malaguzzi (1999), Gandini (2002), Rinaldi (2018) e Vecchi (2017).

Palavras-chave: Educação Infantil. Reggio Emília. Aprendizagem.

 

1 INTRODUÇÃO

O cenário educacional vem passando por várias mudanças. Desta forma temos novas crianças e novas estruturas familiares que nos desafiam a buscar inovações. A era tecnológica vem acelerando a mente das crianças, impondo-lhes mais atenção e concentração em todos os processos. Nesse contexto, os métodos devem ser inovados, necessita-se de um olhar diferente sobre o processo de ensino aprendizagem, de como ele pode mais efetivo para nossas crianças, que possuem habilidades e competências múltiplas e distintas.

Goldemberg (1993), fala sobre o repensar da educação no Brasil, aliado à observação do cotidiano escolar. Através de um olhar atento, percebe-se que cada criança tem seu método natural de aprendizagem.

Os profissionais que atuam nas escolas, embora haja muita discussão sobre como se deve agir em relação a estes novos modelos, na maioria das vezes, sentem-se perdidos em como agir para fixar o conteúdo e atender as propostas do currículo. Sendo assim, passam a ter uma abordagem apenas conteudista, deixando de lado outras práticas, essenciais para o bom desenvolvimento da criança.

A metodologia Reggio Emília, questão norteadora deste trabalho,  pretende aprofundar a discussão e a prática conteudista, tão comum nas escolas, que torna o processo de aprendizagem mecânico e repetitivo.

A presente pesquisa tem como problema a pouca utilização e/ou conhecimento sobre importância da metodologia da Reggio Emília na Educação infantil.

O profissional da educação deve estar em busca constante e incansável para ensinar e aprender, e acima de tudo pelo compromisso eminente do ato de ensinar, de causar gosto, de fazer com que o outro sinta a necessidade de aprender, que queira mais, sempre mais.

Os objetivos deste trabalho são:

Apresentar uma metodologia que possibilite desenvolver o hábito da aprendizagem de forma prazerosa;

Contextualizar historicamente a Reggio Emília;

Demonstrar a importância deste método para a educação infantil.

Aprofundar as questões teóricas referentes ao método Reggio Emília.

A proposta de Reggio Emília possui uma metodologia inovadora em termos de educação e coloca o aluno como um protagonista, que aprende e ensina ao mesmo tempo. Destaca Rinaldi (2018):

A experiência pedagógica de Reggio Emília é uma história que vem perpassando mais de quarenta anos e que pode ser descrita como um experimento pedagógico em toda uma comunidade. Como tal, ela é única; até onde temos conhecimento, jamais houve algo assim antes (RINALDI, 2018, p.23).

Há assim o desejo de colocar estas experiências em prática, fazendo com que estas ideias possam ser expandidas. Se em Reggio Emília foi algo único e trouxe resultados relevantes, por que não se pode engajar em tal prática, almejando os mesmos resultados ou senão similares em nossas escolas?

A metodologia Reggio Emília, contribui para o processo de ensino-aprendizagem na Educação Infantil, assim como possibilita aos envolvidos nesse processo uma reflexão acerca de sua prática para que se sintam capazes de inovar sempre que necessário.

Rinaldi (2018), a pedagoga e gestora que vivenciou a metodologia Reggio Emília afirma:

Uma das razões do vigor e da longevidade de Reggio tem sido a disposição para ultrapassar limites, decorrente de uma curiosidade infinita e do desejo de criar novas perspectivas. Os educadores de Reggio reuniram teorias e conceitos de diversos campos diferentes, não apenas da educação, mas também da filosofia, da arquitetura, da ciência, da literatura e da comunidade visual. Eles relacionaram seu trabalho a uma análise do mundo mais amplo e de seus contínuos processos de mudança (RINALDI, 2018, p. 24).

 

As experiências de Reggio Emília, esse seu contexto histórico e social ao longo das últimas décadas o estabeleceu um novo marco para a educação infantil sob uma nova filosofia acerca da criança e da infância, a qual vê na criança o protagonista de todo o processo, como agente mediador e potencializador de suas habilidades e competências. Esta forma de enxergar a criança demonstra a sua particularidade no processo, em que não se trata de um ser passivo, mas sim ativo, em que são respeitadas todas suas potencialidades, explorando-as através das mais diversas linguagens, as quais incluem aspectos expressivos, cognitivos, comunicativos; sua imaginação, sua simbologia, cultura, metáforas, tudo o que interfere direta e/ou indiretamente em seu processo de formação. Neste processo, o diálogo e a interação são essenciais, uma vez que envolvem os elementos que trazem informações as quais serão processadas, adaptadas e transformadas conforme o necessário.

Esta pesquisa foi fundamentada teoricamente em autores como Loris Malaguzzi (1999), Gandini (2002), Rinaldi (2018), Vecchi (2017), entre outros. Foi feita uma revisão histórica acerca do processo pedagógico da Educação Infantil, os métodos utilizados. Foi também explanada sobre a vida de Loris Malaguzzi, sua metodologia; e sobre o que é o protagonismo Infantil. Também foram utilizadas análises e avaliações de livros e artigos, a fim de dar subsídios acerca do tema proposto.

A Lei nº 12.796, de quatro de abril de 2013, que altera a LDB n. 9394/96, deixa clara a importância do ingresso da criança na Instituição de Ensino, na creche ou na Educação Infantil. A partir dos quatro anos é visto como obrigatório, e possui carga horária específica. Esta lei abrange aspectos considerados importantes que incluem a rotina, o bom desenvolvimento da autoestima, quanto ao ambiente adequado ao bom desempenho de atividades, dando-lhes conforto e condições necessárias. Nessa fase educacional a criança precisa de um olhar criterioso. Os teóricos com suas pesquisas auxiliam os educadores no decorrer de sua prática, mediando situações e construindo outras que poderão dar suas contribuições para a educação infantil.

 

Na metodologia Reggio Emília a família passa a ter um papel essencial, a educação não fica apenas a encargo da escola, mas sim existe uma parceria em que os detalhes são apresentados e essenciais para o bom desenvolvimento da criança. E a documentação serve como registro, a fim de que se possa buscar a memória vivenciada em relatos que poderão embasar outras vivências. Segundo Rinaldi (2018):

 

Em síntese, de acordo com essa abordagem conceitual e com essa prática didática, os documentos (e as reflexões e interpretações que eles extraem dos educadores e alunos) não intervêm durante a trajetória do aprendizado nem do processo de aprendizagem de modo a dar sentido e direção a esse processo. Eis a diferença substancial. Em Reggio Emília, onde exploramos essa metodologia durante anos, damos ênfase à documentação como parte integrante dos procedimentos que almejamos para fomentar o aprendizado e modificar o relacionamento entre ensino e aprendizagem (RINALDI, 2018, p. 121).

 

Vivenciar as memórias em registros possibilita ver onde se precisa mudar, melhorando e até mesmo acrescentando ou tirando itens que compõe o processo, percebendo também aqueles que são essenciais em toda a trajetória. Tão fundamental quanto o papel do professor na educação das crianças é o papel da família, não importa qual seja a composição atual, afinal os primeiros vínculos de aprendizagem são estabelecidos por eles, dentro do lar que é o lugar mais confortável para o aluno. Desta forma, é essencial que haja a consciência por meio dos responsáveis e que eles saibam discernir qual é o dever que faz parte da escola e o que compete a eles, e o que lhes é comum e essencial.

Entretanto, percebe-se certa inversão de papéis, em que atualmente as famílias delegam às escolas a educação de seus filhos, algumas vezes atribuindo-lhes autoridade, outras vezes tirando totalmente. Para Vasconcellos (1995):

 

Percebemos muitas famílias desestruturadas, desorientadas, com hierarquia de valores invertida em relação à escola, transferindo responsabilidades suas para a escola […], a família não está cumprindo sua tarefa de fazer a iniciação civilizatória: estabelecer limites, desenvolver hábitos básicos (VASCONCELLOS, 1995, p. 22).

 

É essencial que a família perceba a necessidade de uma parceria com a escola, que a compreenda em sua essencialidade. Fortalecer a parceria é também um dos papéis do educador de acordo com a abordagem de Reggio Emília.

A abordagem educacional de Reggio Emília destaca-se por sua inovação, é o que ressalta Sá (2017). O contexto vivenciado pela Reggio Emília foi o pós-guerra, e a escola foi construída com poucas condições econômicas e sociais. O que existia era o desejo de contribuir para uma melhor qualidade de vida tanto das crianças quanto das famílias. Para tanto

era necessário haver a soma de forças entre todos os envolvidos no processo.

Tal proposta teve que quebrar certos paradigmas tradicionais de educação, uma vez que desvinculou o saber apenas ao educador. Vecchi (2017), explica essa abordagem:

 

É importante para a sociedade que as escolas e nós, como professores, tenhamos clara consciência de quanto espaço deixamos para as crianças terem um pensamento original, sem levá-las a restringi-lo a esquemas predeterminados, que definem o que é correto segundo a cultura escolar. O quanto apoiamos as crianças que têm ideias diferentes das ideias dos outros e como as habituamos a argumentar e as discuti-las com os colegas de classe? Estou bem convencida de que uma maior atenção para os processos, em vez de unicamente para o produto final, nos ajudaria a ter maior respeito pelo pensamento independente e pelas estratégias de crianças e jovens (VECCHI, 2017, p. 11).

 

Na abordagem educacional da Reggio Emília, o professor ensina e aprende, criando um método de aprendizagem em relação à criança, por meio da escuta, aí se obtém a parte fundamental do trabalho pedagógico. Esta proposta trabalha com a participação constante de todos, tendo um só método e inúmeras vertentes.

 

  1. HISTÓRICO DA METODOLOGIA REGGIO EMÍLIA: A IMPORTÂNCIA DE LORIS MALAGUZZI

 

Segundo Bujes (2008), Loris Malaguzzi nasceu em Correggio, 23 de fevereiro de 1920. Ele se formou em Pedagogia na Universidade de Urbino. No ano de 1940 começou a ensinar nas escolas primárias: De 1941 a 1943 em Sologno, uma cidade perto de Reggio Emília, no município de Villa Minozzo. Conforme Rinaldi (2018), Loris Malaguzzi em 1963 inspirou a pedagogia da primeira escola municipal em Reggio Emília, o qual guiou esta experiência por quase trinta anos seguintes, vindo a falecer no ano de 1994, deixando profunda tristeza a todos com os quais convivia, e a superação diante de tal fato, só ocorreu, graças à profunda convicção de que o conhecimento, o aprendizado junto naqueles anos era uma herança viva. Sendo assim, os primeiros verdadeiros autores da continuidade do trabalho de Malaguzzi foram os educadores que haviam sido os primeiros e fundamentais autores e inspiradores.

Malaguzzi (1999) acreditava com toda certeza que as crianças podiam aprender de outras maneiras, não apenas de uma forma mecância. Acreditava que as crianças possuiam enorme potencial e que a aprendizagem podia acontecer de uma maneira mais dinâmica e criativa.nA escola é como se fosse a um verdadeiro laboratório, há a análise constante das crianças e de suas potencialidades, compara-se a uma obra que está em processo de elaboração. Ao norte da Itália está Emília Romana, sua capital é Bolonha e das províncias que a constituem está Reggio Emília. Trata-se de uma cidade pequena que está em fase de desenvolvimento.

Após a Segunda Guerra Mundial no Vilarejo de Vila Cella, toda a comunidade se uniu e juntou objetos bélicos deixados pelos alemães, os quais foram vendidos.  A verba obtida foi utilizada para iniciar a construção de seu projeto, as famílias construiriam a própria escola dos seus filhos. Malaguzi (1999) explica:

 

Esta ideia pareceu-me incrível! Corri até lá em minha bicicleta e descobri que tudo aquilo era verdade. Encontrei mulheres empenhadas em recolher e lavar pedaços de tijolos. As pessoas haviam-se reunido e decidido que o dinheiro para começar a construção viria da venda de um tanque abandonado de guerra, uns poucos caminhões e alguns cavalos deixados para trás pelos alemães em retirada (MALAGUZZI, 1999, p.59).

 

Para Rinaldi (2018), no meio desse processo havia também o anseio de ressurgir para a vida, atribuindo uma melhor qualidade de vida para todos que ali viviam, em especial as crianças que seriam o futuro da sociedade local. Era um período de recomeço, em que a vontade de todos era iniciar uma nova vida.

A curiosidade, aliada a necessidade e abertura de ultrapassar limites colocaram Reggio a frente de seu tempo. Utilizaram teorias e filosofias sobre educação que apenas hoje vem sendo amplamente discutidas e utilizadas.

Segundo Malaguzzi (1999, p.62), o que se desejava era:

 

Reconhecer o direito da criança de ser protagonista e a necessidade de manter a curiosidade espontânea de cada uma delas em um nível máximo. Tínhamos de preservar nossa decisão de aprender com as crianças, com os eventos e com as famílias, até o máximo de nossos limites profissionais, e manter uma prontidão para mudar pontos de vistas, de modo a jamais termos certezas demasiada (MALAGUZZI, 1999, P.62).

 

Com o intuito de orientar, guiar e cultivar o desenvolvimento pleno das crianças surgiu a metodologia Reggio Emilia. Além de estar baseada na crença das potencialidades das crianças, delega à família um papel essencial neste processo de ensino. Passa a considerar a escola como um local importante para a aprendizagem da criança, entretanto não é o único, fato este que impõe às famílias os valores culturais que são capazes de enriquecer a cultura que engloba a própria escola.

A base da Reggio Emília é direcionada a cada criança em conjunto com outras, aos professores, aos pais, familiares e comunidade. Muitos aspectos foram enfocados para que este método obtivesse eficácia. A criança é a protagonista, entretanto em um olhar geral, a organização, a comunidade, o ambiente, os profissionais, todos atuam para que a pedagogia da escuta de Loris Malaguzzi seja considerada um verdadeiro sucesso.

Segundo Vecchi (2017), Reggio Emília privilegiava a organização e os métodos. A democracia, a experimentação e a ética permearam toda a proposta educacional por eles abordada. Em 1963 Malaguzzi inspirou a primeira escola municipal em Reggio e a guiou por longos anos. Com o sucesso garantido, vieram novas escolas que passaram a abordar o mesmo método.

Sá (2017), fala sobre o percurso das escolas em Reggio Emília, demonstrando detalhes essenciais para a compreensão desta proposta inovadora, que privilegiava a construção da aprendizagem e não a detenção do conhecimento. Através da pedagogia da escuta, as crianças eram ouvidas e analisadas pelo professor para, a partir de então o professor estabelecer o seu método de ensino. Desta forma, o educador estabelecia um elo com a criança, aprendendo com esta a ministrar suas aulas. O professor se esforçava em compreender a criança para pensar em um método eficiente de estabelecer o ensino-aprendizagem.

A primeira escola Municipal surgiu pelo fato de que as mulheres necessitavam de um espaço para deixar seus filhos. Nesse período, pós-guerra e que pedia renovação, as famílias começaram a enxergar as possibilidades múltiplas para a educação. Houve muitos elogios e muitas críticas, as quais vinham em especial daqueles que não concordavam com o método estabelecido. Para tanto, os alunos foram levados a espaços abertos, e todos podiam ver o quão feliz estes estavam, a fim de que pudessem então aceitar este novo método.

Em 1967, as escolas passaram a ser administradas pelo município de Reggio Emília e não mais pelos pais dos alunos. Com esta conquista foram estabelecidos fundos públicos, que eram destinados ao direito para a educação de crianças de 3 a 6 anos. Assim, o número de atendimento a grupos de crianças foi crescendo aumentando paulatinamente, ano a ano.

 

 

3  PRINCÍPIOS E ASPECTOS DA ABORDAGEM PEDAGÓGICA

            Quando se fala em escola sem muro, se fala naquela escola em que a comunidade é capaz de interagir e participar ativamente da escola em questão. Reggio Emília enfoca em sua abordagem pedagógica a importância da escola sem muros, reconhecendo a forte influência da comunidade para a construção do processo de ensino aprendizagem, em que as potencialidades das crianças nesta construção sempre eram exaltadas. Princípios como respeito, participação da comunidade e responsabilidade norteavam todo o trabalho desta escola. Um método que buscava a exploração e a descoberta privilegiava o desenvolvimento criativo da criança; isto é, a criança como base para construir o conhecimento. A criança era ouvida, em todas as suas múltiplas linguagens, que vinham de suas palavras às suas ações. Neste processo, a sensibilidade era fator fundamental, uma vez que trazia a tona palavras que não foram ditas, mas que foram expressas pelo coração.

A representação simbólica é valorizada pela abordagem de Reggio Emília e neste interim surgiram os Ateliês, que privilegiavam a ludicidade através de um ambiente educativo artístico, em que as diversas atividades , como pintura, pesquisa, música, histórias, entre outras, faziam da brincadeira uma importante aliada para a construção da aprendizagem significativa. De acordo com Vecchi (2017, p.24):

 

A minha intenção é a de fazer surgir, com alguns traços distintivos, uma cultura do ateliê capaz de produzir, com as crianças, os professores, os pedagogistas, as famílias, a cidade, aquele confronto entre abordagens e pensamentos diferentes, que até agora se revelou, para a didática e a educação de Reggio, borbulhante de possibilidades e de avanços (VECCHI, 2017, p. 24).

 

             O ateliê era um espaço privilegiado, nele professores e alunos construíam a aprendizagem através da exploração de projetos e pesquisas, em que não apenas constavam ideias, mas sim objetos e instrumentos que pudessem nortear o mundo das ideias e pensamentos, fazendo com que a imaginação fosse fator importante também neste processo. Como a criança era a verdadeira protagonista de seu conhecimento, este espaço devia ser pensado de uma forma que propiciasse a esta o exercício de sua imaginação e espontaneidade. Como uma pedra bruta a ser lapidada criativamente nas mãos de um artista. Para Malaguzzi (1999), todas as atividades deviam ser norteadas através de projetos, isto porque, os objetivos, métodos, seriam pensados minuciosamente, focando nas metas a serem atingidas. Os ateliês eram ambientes hospitaleiros, aconchegante, buscando a total interação e familiaridade da criança com o meio em que vive. Os móveis, a arquitetura, a beleza, tudo deveria ser harmônico, as cores das paredes, portas e janelas, o tamanho das janelas para que tornasse o ambiente arejado, plantas, enfim, tudo que transmitisse beleza, familiarização e aconchego. Vecchi (2017) assim descreve os ateliês:

 

De modo compatível com o espaço à disposição, o ateliê é um ambiente suficientemente grande para acomodar várias crianças e permitir diversas atividades, e está em relação, também visual, com o resto da escola. É equipado com instrumentos: mesas; recipientes para materiais; computador; impressora; maquinas fotográficas digitais; há muitos tradicionais: tintas para pintura e para desenho de diversos tipos, consistências e tonalidades; argila preta, branca, vermelha, óxidos de diversas cores, tintas para a cerâmica; arames de diversas espessuras; chapas metálicas; material reciclado e muitos outros materiais (VECCHI, 2017, p. 26).

 

No ateliê percebe-se a riqueza de detalhes e materiais, sendo um espaço construído por todos e para todos. Há também o lugar para exposição dos trabalhos de cada criança, enriquecendo ainda mais o ambiente e o tornando acolhedor. A criança aprende nestes detalhes, tornando o ambiente também um educador, o qual é atualizado constantemente.

A abordagem Reggio Emília via na infância uma fase essencial para a construção do cidadão, desta forma tudo o que pudesse aguçar e desenvolver as habilidades neste momento de vida da criança era essencial. Deixá-las à vontade, mas com olhar pedagógico aguçado fazia parte desta proposta, pensando nas minucias e na forma em que estas poderiam transformar o indivíduo. Para Reggio Emília não apenas os professores interferiam no processo educacional, mas o ambiente surgia também como um educador capaz de ensinar a todos que o cercam.

 

3.1  O ateliê: o espaço educacional interativo e sensibilizado

 

Por meio dos ateliês, Lóris Malaguzzi, pretendia criar uma verdadeira revolução no espaço educacional. E, diga-se de passagem, conseguiu. As escolas de Reggio Emília que atendiam a educação infantil enfocaram em suas estruturas a construção de um ateliê, fugindo assim dos métodos tradicionais que eram baseados em fórmulas medíocres. Isto porque, tratava-se de um ambiente planejado, moldado pelas próprias crianças exigindo a exploração individual e buscando a sensibilização de cada um em todo o processo. A expressão e a comunicação eram um forte aliado, permitindo a exploração da criatividade da criança, onde elas podiam explorar o seu conhecimento e interagir com os demais. Sobre o ambiente, ressalta Vecchi (2017):

 

Em relação ao ambiente escolar, não posso deixar de me perguntar o quanto de respeito existe pelas crianças que o habitam e quanto o cuidado com o ambiente no qual se formam pode incidir na educação delas em geral. Por sorte, a importância do ambiente como agente educativo foi percebida por muitíssimas pessoas que visitaram nossas creches e escolas da infância, de modo que foram apreciados o constante cuidado e a pesquisa, por parte do pessoal e da Direção sobre mobiliário, materiais e contextos interessantes (VECCHI, 2017, p.135).

 

               Tal relato enfatiza a importância do ambiente para a construção da aprendizagem. É no ateliê que o artista explora a sua criatividade e desenvolve a sua melhor obra; é no ateliê que as crianças são vistas como pedras preciosas; é no ateliê que a expressividade através da sensibilização encontra o momento da interação entre o objeto e o conhecimento, priorizando o que deve ficar para a vida.

É importante ressaltar a presença do atelierista, enfocada por Malaguzzi para eles e para os professores como “Os profissionais do maravilhamento”; isto porque, eram eles que faziam com que a maravilha do processo de ensino-aprendizagem fosse desenvolvida de forma plena e eficaz. Vecchi (2017) ressalta:

 

Creio que em Reggio tenha sido concretamente realizado o difícil processo de aprendizagem por meio do outro, em uma contínua relação entre ateliê e classes, entre atelierista, professores e pedagogistas. Talvez nem sempre esse processo tenha sido realizado nas suas formas melhores e mais completas, mas muitos dos nossos desejos, a organização do trabalho e o nosso imaginário estavam, e estão centrados nesse objetivo (VECCHI, 2017, p. 171).

 

O fato é que a partir da criação do ateliê e do atelierista, houve a mudança do modelo de escola até então utilizado. A mudança não veio apenas nos termos, e sim em uma nova construção de ambiente e concepção. Pouco a pouco, estes termos foram encontrando respeito de acordo com sua definição e objetivo; a medida que os esforços eram somados e os resultados surgiam de forma concreta, não havia como dissociar a importância e essencialidade dos mesmos. Muitos educadores enfatizaram há muito tempo a importância do lúdico e do concreto no processo de ensino aprendizagem, a importância do visual, da interação com o meio; tudo isto se encontrava nesta nova estrutura.

 

Figura 1  O Atelier detalhes

Fonte: https://www.criandocomapego.com.br

 

 

Figura 2 Atelier: Palavras e Figuras

Fonte: https://reggiokids.blogspot.com/

 

Figura 3 Atelier: Objetos

Fonte: https://reggiokids.blogspot.com/

Figura 4 Atelier de frutas

Fonte: https://reggiokids.blogspot.com/

 

3.2 O professor em Reggio Emília

Quanto ao professor, o que se esperava dele na Reggio Emília, era que ele promovesse a aprendizagem em todos os seus aspectos: cognitivo, afetivo, social, interacional. A criança era vista como protagonista em que o diálogo e a interação com o outro, auxiliaria na sua promoção do desenvolvimento. O professor auxiliará nas descobertas vivenciadas por estas crianças e observará a construção das mesmas, e diante delas construirá as estratégias necessárias para a sua promoção.

Para o melhor desenvolvimento da ação, os professores devem trabalhar em pares em Reggio Emília, isto é, um coopera com o outro em todos os aspectos; portanto deve haver entre eles além de interação e sintonia, um objetivo comum a ser alcançado. Eles devem evocar possibilidades para as crianças, as quais sobre elas devem desenvolver o seu crescimento individual e social. Destaca-se a fala de Vecchi para completar tal ideia:

 

Ao mesmo tempo, perceber de quantas e de quais maneiras uma pessoa pode explorar, acariciar ou agredir o papel, o grande pincel imerso na tinta, a gana que as crianças têm ao estratificar as tintas que se transformam, enquanto se sujam entre elas. O material/ a cor que facilmente para as crianças de três anos, transfere da folha para as mãos, pode ser ou tornar-se, durante a pintura, uma presença perturbadora, não desejada. Por esse motivo, muitas crianças precisam da certeza de que a cor pode desaparecer e as mãos podem voltar a ficar limpas (VECCHI, 2017, p. 174).

 

              Não é fácil para o professor adentrar tal possibilidade, entretanto é preciso destacar o fato de que quando a criança está gostando do que faz, tende a desenvolver com mais habilidade cada detalhe chegando ao objetivo desejado. O objetivo não é tornar fácil ou mesmo leve, mas sim estimular a propensão à reflexão, fornecendo-lhes os estímulos necessários.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

             Quando se pensa na primeira infância como um momento de extrema criatividade e aprendizagem intensa, percebe-se o quanto é importante acompanhar este processo de forma intensa e eficaz, aproveitando cada detalhe que a criança fornece.

Ter um olhar atencioso sobre a criança envolve muito diálogo e observação e isso fará com que se busquem metodologias criteriosas que possam direcionar a criança para a aprendizagem significativa e o desenvolvimento de sua autonomia.

Após as pesquisas sobre a abordagem de Reggio Emília, pudemos compreender o quanto é importante a busca de diferentes experiências pedagógicas, uma vez que estas nos trazem resultados, permitindo-nos saber o que devemos ou não utilizar em nossa prática. É a experiência da prática pedagógica em uma fase que fará muita diferença para a criança no futuro.

A metodologia usada em Reggio Emília, nos permite compreender que as crianças em seu processo de aprendizagem fazem experimentos, levantam hipóteses, discutem e conversam sobre assuntos, trazendo seus conhecimentos de mundo para a sala de aula, a fim de serem lapidados e que possam desenvolver sua autonomia com segurança. Há um envolvimento, que possibilita tanto para as crianças quanto aos professores, um progresso constante de acordo com as ideias debatidas e exploradas.

Esta pesquisa nos possibilitou uma reflexão sobre o quanto a criança possui um potencial e o quanto devemos respeitá-lo. Assim como muitas vezes são ignorados, perdendo os detalhes que contribuem para o desenvolvimento de sua autonomia.   A partir desta pesquisa, passamos a compreender a criança como protagonista da situação, exercendo seus direitos, cumprindo com seus deveres e desenvolvendo sua aprendizagem de forma plena, e isto depende tão somente do estímulo que lhe é fornecido. Esse estímulo que a criança precisa, reforça o compromisso educacional o qual a escola e todos os que estão envolvidos em sua aprendizagem devem ter.

Na metodologia Reggio Emília não apenas são revelados os potenciais das crianças, mas também como nos direcionam, com sugestões para que a nossa prática pedagógica possa ser renovada, isso faz com que possamos repensar inúmeros métodos, mudando a direção sempre que necessário, uma vez que o foco é a criança.

O professor Loris Malaguzzi alcança seu objetivo quando nos faz repensar, no momento em que mudamos a direção, em que podemos traçar novos caminhos, é possível ver que sua abordagem pedagógica fez a diferença em termos de educação infantil. Sem dúvidas, Reggio Emília foi uma inovação para nossas crianças. Ao percebermos isso, sentimo-nos impelidas ao desafio de lutar pela Educação Infantil, uma vez que ali reside a maioria das potencialidades que servirão de alavanca para um futuro promissor. O desenvolvimento intelectual da criança é colocado em pauta nesta metodologia através de um foco sistematizado sobre a representação simbólica. E isto nos faz descobrir, uma prática diferenciada nesta fase de desenvolvimento da criança. Prática esta, que traz consigo, a exploração e o encorajamento, e que faz com que o seu ambiente torne-se rico em possibilidades, onde a forma de expressão deva ser percebida em suas múltiplas linguagens.

A metodologia Reggio Emília em sua pedagogia possibilita ao professor o exercício da escuta e o reconhecimento das múltiplas potencialidades que cada criança traz em si, e melhor ainda, nos mostra que quem é capaz de escutar as crianças passa a rever sua forma de pensar sobre elas.

O que chama a atenção é o fato de que quase somente  escolas particulares trabalham com a metodologia Reggio Emília. Entretanto isso não impede de se trabalhar alguns princípios importantes da Reggio Emília nas escolas públicas, caso o pedagogo queira e conheça. Nesse sentido cabe ao pedagogo aprofundar seus conhecimentos e incentivar e orientar a equipe de professores.

 

 

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*Artigo produzido a partir do Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia da UNESPAR, de Celia Maria Ramos e Cintia Yamanouchi, orientado pela Prof.ª Vanisse S. A. Corrêa.

*Imagens extraídas da Internet sem fins comerciais.

 

 

 

EDUCAÇÃO INFANTIL: O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS MÍDIAS COMO INSTRUMENTOS PARA A GARANTIA DO DIREITO

Dalessandro de Oliveira Pinheiro
Vanisse Simone Alves Corrêa

RESUMO

Este artigo discute a ampliação do direito a educação infantil no Brasil, prevista pela Emenda Constitucional nº 59/2009, e a publicização, pela mídia nacional, das condições de exigibilidade e judicialização desse direito, por meio das ações do Ministério Público. Discute a carência de vagas como elemento comum a todas as regiões do país, e a incapacidade dos entes federados em fazer frente a demanda da sociedade. O foco está nas publicações jornalísticas de acesso amplo que tratam do tema, compiladas através do portal do Movimento Todos Pela Educação. A análise do material permite observar a não concretização das metas de acesso à educação infantil na maioria dos municípios brasileiros e os óbices elencados para justificar essa negação do direito. Bem como, a utilização das diversas mídias e instrumentos na luta política por sua garantia.

Palavras-chave: Educação Infantil. Garantia do direito. Ausência de vagas.

Introdução

A ampliação do direito à educação nas duas últimas décadas no Brasil (1996-2016) trouxe crescimento da demanda para os sistemas educacionais em todos os níveis e modalidades. Essa ampliação foi impulsionada pelo desenvolvimento de políticas públicas e por um aporte de recursos maior, com o incremento permitido pelas políticas de financiamento, inicialmente o Fundef e, posteriormente, o Fundeb (EC nº 53, de 2006), que ampliou a abrangência do atendimento a toda educação básica.
O traço a ser destacado neste texto refere-se à ampliação do direito à educação infantil, e a publicização das condições materiais de execução pelos sistemas de ensino, daquilo que se transformou na previsão legal. A Emenda Constitucional nº 59/2009 passou a amparar o direito a partir dos 4 anos de idade ampliando a faixa etária, a demanda social por vagas e, consequentemente, a obrigação dos entes federados, sobretudo dos municípios.

texto destaca também, os meios e instrumentos utilizados pela sociedade para exigibilidade do direito, como o processo de judicialização via Ministério Público e, de outro viés, pelas mídias, com foco nas publicações de acesso mais amplo que tenham capilaridade na sociedade. Assim, o ponto principal refere-se a forma como se torna pública a incapacidade dos sistemas em levar aos bancos escolares, crianças nas faixas etárias previstas.

No aspecto metodológico, o instrumento utilizado para compilar as publicações foi o portal do movimento “Todos Pela Educação” (TPE), onde se realizou uma triagem, sobre as notícias publicadas nacionalmente que abordam a ausência de vagas nas redes públicas, quando o assunto é a educação infantil. Na perspectiva de que “os modos” ou, às maneiras como as diversas mídias trazem à baila as informações aponta o quão significativo pode ser o conjunto de mediações (econômicas, políticas e sociais) que implicam na negação do direito e na utilização dos instrumentos públicos na busca por sua efetivação.

Para tanto, trabalha-se com notícias angariadas por meio do portal do movimento TPE, durante o ano de 2014, oriundas dos diversos meios de informação nacional (jornais, revistas, internet e outras mídias) e com os alguns textos acadêmicos do campo do Direito à Educação.

Notícias do “front” – Educação Infantil: Não há vagas!

A conjuntura da educação brasileira aponta modificações consideráveis de acesso e permanência na escola pelas crianças nas diferentes faixas etárias, durante os 20 anos posteriores a LDB 9394/96. Apesar de ainda vivenciar um quadro distante das proposições contidas no Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), o quadro é satisfatório quando comparado ao do início dos anos 1980, onde às estatísticas e os dados educacionais colocavam a maioria da população brasileira alijada e excluída de participação, quando o tema era o direito básico de cidadania e de socialização pela via escolar.

No que tange a educação infantil houve uma ampliação do direito legal, mas a materialidade do mesmo envolve campos de disputa diversos, onde os instrumentos de exigibilidade pela via jurídica e a mídia possuem destaque especial.

Quando observada a Constituição de 1988 e a regulamentação do direito à educação na legislação subsequente, elas aparentam vigor, não incorporado pelos governos e pela sociedade na consecução do objetivo construir um processo de universalização do acesso das crianças e a permanência nos sistemas de ensino do país. São disputas históricas, tensões entre grupos e composições próprias do desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

A aproximação com a realidade material e o acompanhamento da história, condicionadas por mediações diversas, como a econômica, social, política, cultural e religiosa, vai mostrar o quão penoso se torna este processo. Que aquilo que se conquistou no aspecto legal, ainda não se constitui em realidade e que há uma discrepância imensa entre às diversas regiões do país, entre os estados e municípios, e até mesmo diferenças marcantes dentro dos próprios sistemas.

A utilização do portal público do movimento o “Todos Pela Educação” como parâmetro se deve pelo entendimento de que, na existência diversos movimentos disputando o espaço das políticas públicas nacionais, esse realiza um monitoramento das ações governamentais e consegue aglutinar informações e dados significativos captados junto aos órgãos governamentais nos portais de acesso público. Bem como, acompanha o processo de atendimento das demandas da sociedade sobre a educação. O que permite, nesse espaço particular, compilar dados e informações para uma análise específica sobre a ausência de vagas na educação infantil.

O “Todos Pela Educação” (TPE) é apresentado, em sua página na internet, como um movimento organizado da sociedade brasileira, que inicia suas atividades em 2006, e que visa “contribuir para que até o ano de 2022 se efetive o direito de todas as crianças e jovens à Educação Básica de qualidade”. Em 2014, passa a se qualificar como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e em seu Estatuto Social (2013) se caracteriza como “uma associação de fins não econômicos, sem fins lucrativos, de caráter privado e natureza filantrópica”. O movimento se envolve com vários setores sociais e órgãos governamentais ganhando capilaridade e força para empreender suas ações.

Explicitados os motivos da opção de escolha pelo TPE como mecanismo de busca e desenvolvida esta apresentação inicial sobre o mesmo. Debruça-se sobre a utilização do banco de dados, onde se apresenta um repertório gigantesco de notícias das principais mídias nacionais. O movimento faz um compêndio, onde permite selecionar tudo o que foi publicado nacionalmente referente à educação. Valendo desse instrumento e utilizando como filtro de busca a palavra “Ministério Público” e “justiça” selecionamos várias reportagens sobre educação, onde às ações judiciais voltadas ao direito à educação infantil são enfocadas.

Assim adota-se na seleção das reportagens questões que vinculadas a exigibilidade do cumprimento pelos governos, de medidas legais determinadas pela justiça. Onde o Ministério Público cobra a execução de ações voltadas ao acesso, permanência e qualidade na educação básica. Então, baseado nas informações contidas nas mídias, foram elencadas notícias relativas a interferência judicial na exigência da educação como direito público subjetivo.

O ano de referência é 2014, o espaço e instrumento é o “Índice TPE”, de onde foram selecionadas mais de 270 notícias, quando o filtro utilizado é a palavra-chave “justiça”. No refino da busca utiliza-se a palavra-chave “Ministério Público” (MP e MPF) e o número de reportagens passa a ser de 165 reportagens. As notícias foram separadas por tópicos, aqui selecionadas apenas as ideias centrais das mesmas em função do espaço, para manter aspectos da lógica em que estavam embutidas na pesquisa principal. Os tópicos: 1 – Garantia do Direito: acesso, permanência e qualidade; 2 – O Pedagógico; 3 – A infraestrutura; e 4 – Problemas vinculados a corrupção e policial. Os três últimos tópicos apesar de vinculados a questão da exigibilidade do direito possuem especificidades desnecessárias ao propósito deste texto.

A observação recai sobre a Garantia do Direito e a exigibilidade via Ministério Público (MP) de ações governamentais para sanar problemas diversos relativos à educação infantil. Assim, o Ministério Público torna-se um dos instrumentos da sociedade na luta pela execução e cumprimento de garantias legais e no aprofundamento e alinhamento das áreas de Educação e Justiça. Desta forma, pode auxiliar na concretude da garantia do direito de toda criança e jovem brasileiros a uma educação de qualidade. O debate entre os diversos setores, entre os profissionais da educação, pesquisadores e membros da Justiça potencializa o conhecimento, amplia os argumentos e ampara decisões levando em conta as especificidades da educação e os diferentes contextos das diferentes regiões do país (MPU, 1993).

A forma como são tornadas públicas estas ações do MP, causa interesse, pois através delas a sociedade tem acesso e compreensão sobre uma das maneiras de se lutar por um direito estabelecido em Lei. Essas ações, presentes em um noticiário tão diverso e, inseridas nos canais midiáticos, tiram da sombra formas cidadãs de agir dentro do Estado Democrático de Direito. Bem como, traz à baila esses mesmos direitos e os casos corriqueiros de negação que são evidenciados e, facilmente identificados, com as realidades diversas encontradas pela população no Brasil.

Cury (2002, p. 259) pondera sobre o significado de declarar um direito, colocá-lo como ponto prioritário das políticas sociais. Mais ainda, é assegurá-lo e implementá-lo pela via do Estado, especialmente no Brasil, onde somente camadas privilegiadas historicamente possuem acesso a este bem social. Declarar, segundo Cury, é retirar do esquecimento, e cobrar quando o direito não é respeitado. Portanto, a forma como se difunde é de extrema importância.

As notícias foram selecionadas por tópicos e a maior ocorrência, no que tange a “garantia do direito” refere-se às vagas em Creches/CMEI/Pré-Escolas. Selecionamos reportagens, abreviadas para este espaço, sobre o tema em várias regiões do país, onde a sociedade, de forma coletiva, instrumentalizada pelo MP, cobra do poder executivo nas três esferas (União, estados e municípios) a efetivação do direito.

A primeira retrata a situação de São Paulo, onde o jornal “Estadão.com”, de 04 de dezembro de 2014, trouxe reportagem sobre a “fila” em creches e Pré-Escolas, no mês de novembro, com 187.535 crianças de até três anos (SP possui instrumento de informatização da “fila”). No início de 2014 a demanda era de pouco mais de 90 mil esperando matrícula e dobrou no mesmo ano. A reportagem traz a exigência fixada pela Justiça, cobrando um número de 150 mil vagas a serem criadas até 2016 (Estadão.com, 04 de dezembro de 2014).

Outra reportagem da Folha de São Paulo (16 de outubro de 2014) aponta uma cobrança, através de uma ação do Ministério Público, sobre a Prefeitura de Barretos-SP, a respeito do descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) voltado a eliminação do déficit de vagas na educação infantil.

No Paraná, às condições são semelhantes, e há um distanciamento da realidade em relação às metas do Plano Nacional de Educação. Sendo que, com as inclusões previstas pela Emenda Constitucional 59/2009, o desafio legal passou a ser cada vez maior tendo em vista a ampliação da faixa etária. A realidade paranaense é retratada pela matéria do Jornal Gazeta do Povo, de 03 de setembro de 2014, e o foco principal da reportagem refere-se às estratégias utilizadas por alguns municípios para maquiar a realidade, reduzindo o período integral, para dobrar as vagas e, em outro caso, deixando de ofertar novas matrículas para crianças de 0 a 3 anos, faixa que era atendida anteriormente.

Estas estratégias governamentais são inconstitucionais e maquiam a realidade, sendo motivos de reclamações diversas e de ações judiciais, pois a via jurídica acaba por se tornar última instância de busca pelo cidadão do direito determinado pela Constituição Federal.

Na divisão de responsabilidades delineada pelo incipiente pacto federativo, e na previsão constitucional a educação infantil cabe aos municípios. Nas metas previstas pelo Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), em 2016, toda criança com mais de quatro anos deveria ter vaga assegurada e metade das crianças menores de 3 anos até 2024 deverão estar matriculadas em instituições de ensino.

Em Curitiba, a Justiça determinou a ampliação de vagas na educação infantil, como consta da reportagem do Jornal Gazeta do Povo, de 03 de setembro de 2014. A determinação também foi motivada por uma ação do Ministério Público e previa multa no caso de não cumprimento. A Prefeitura recorreu da ação alegando possuir um plano de expansão de oferta de vagas e dificuldade orçamentária. Também alega a questão do georeferenciamento, dificultando a aquisição de espaço/terreno para construção de novas instituições onde a demanda da população é maior.

Em Foz do Iguaçú, a utilização de escolas para a educação infantil e para o ensino fundamental em compartilhamento de espaço trazia outros problemas pedagógicos e sociais, tendo em vista a necessidade de atendimento em período integral em função do trabalho dos pais. O déficit no estado do Paraná também é trazido pela reportagem apontando que o levantamento do MP indicava em 2012 um déficit de 72% na faixa etária de 0 a 3 anos e de 30% para crianças de 4 e 5 anos.

No Rio Grande do Sul, com 348 municípios, somente um terço deles consegue garantir pré-escola para as crianças, até 2016 a demanda seria de 87 mil vagas. Segundo o Tribunal de Contas do Estado, considerando crianças de 0 a 3 anos o número sobe para 215 mil vagas, conforme publicação do Jornal Zero Hora (RS), do dia 24 de abril de 2014.

O principal problema alegado pelos municípios relaciona-se a falta de recursos orçamentários. Além da construção da estrutura física e custos com manutenção, a contratação de professores é outro problema, pois os gastos com as folhas de pagamento de pessoal são condicionados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF, 2000).

Diante da exigência posta pela Constituição Federal e pela Lei do Plano Nacional de Educação, alguns municípios gaúchos possuem estratégias para zerar a fila de espera por creches. O exemplo citado na reportagem é da cidade de Ivoti-RS, no Vale dos Sinos, que zerou a fila, investindo 31% da arrecadação na área e valorizando a formação continuada dos professores.

Em outra reportagem, o Portal IG, 24 de junho de 2014, aponta outros municípios brasileiros, exceções, que priorizaram a garantia do direito a educação infantil. Cidades onde gestores municipais “batem de porta em porta” atrás de crianças fora da escola, um mecanismo conhecido como busca ativa, combatendo a exclusão que recaí, quase sempre, sobre as comunidades pobres.

Estes municípios apontam caminhos, mas as diferentes “realidades” não permitem importar modelos. Porém torna-se possível trocar experiências e, dentro de cada espaço, buscar soluções para a garantia do direito a educação básica.

A Constituição de 1988 (EC 59/2009) é o amparo principal, por permitir a regulamentação do direito em outras leis subsequentes, como é o caso Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente, da Lei 9394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e, mais recentemente, da Lei 13.005/2014, o Plano Nacional de Educação. O PNE (2014-2024) modifica, amplia, especifica os direitos, dando trato a questões onde as tensões foram e são maiores. Fato é que, amparados pela legislação, os brasileiros passaram a fazer cobranças maiores a seus governantes nas três esferas.

Evaldo Vieira (2001) dialoga com a Lei maior do Brasil, como espaço de disputa e de tensão. Evoca os princípios constitucionais e os direitos que, na prática, para a maioria da população brasileira, não foram efetivados com vigor. Mas pelo fato de estarem ali, já caracterizam uma defesa no estado democrático.
No que tange ao Direito Educacional Vieira afirma que,

na condição de direito especializado, envolve definições, princípios, comparações com outros sistemas, legislação, jurisprudência, levando em conta as relações jurídicas geradas na atividade educativa e tendo por objetivo proporcionar a educação a todos (cf. Boaventura, 1996; Ranieri, 2000). No que diz respeito à educação, o direito público subjetivo expressasse na faculdade de exigir, proveniente de relação jurídico-administrativa. Pelo direito público subjetivo, o indivíduo tem a possibilidade de exigir da administração pública o cumprimento de prestações educacionais, asseguradas por norma jurídica. Além disso, pelo poder regulamentar, os órgãos do Poder Executivo possuem a capacidade de editar regulamentos, ou seja, editar regras ou normas, mas tal capacidade não se desliga da lei, não é exercida contra ela, e sim dentro da lei, que a limita e a condiciona (2001, p. 27).

Esta condição evocada por Vieira (2001), a “possibilidade de exigir” traz para um patamar que depende menos das concessões governamentais, de “favores”, de “populismos locais baratos” que negociam com as populações mais pobres como se fossem doações. Na mesma direção Cury (2002) salienta a luta para se chegar a algum avanço.

É por essas razões que a importância da lei não é identificada e reconhecida como um instrumento linear ou mecânico de realização de direitos sociais. Ela acompanha o desenvolvimento contextuado da cidadania em todos os países. A sua importância nasce do caráter contraditório que a acompanha: nela reside uma dimensão de luta. Luta por inscrições mais democráticas, por efetivações mais realistas, contra descaracterizações mutiladoras, por sonhos de justiça. Todo o avanço da educação escolar além do ensino primário foi fruto de lutas conduzidas por uma concepção democrática da sociedade em que se postula ou a igualdade de oportunidades ou mesmo a igualdade de condições sociais (CURY, 2002, p. 247).

Não se pode esquecer o histórico processo de negação dos direitos no Brasil, dos mais 400 anos de escravidão, dos anos de interrupção de processos democráticos. Nossa história no que se refere aos direitos sociais, políticos e econômicos é bem curta, mas a luta é simbólica.
A tensão sobre o Estado para garantir acesso, permanência e qualidade na educação, especialmente para a classe trabalhadora e seus filhos é atual, é disputa posta. Não há como descansar sobre as garantias da Lei, mas utilizar os instrumentos possíveis para ocupar espaço, oportunizar condições mínimas e maximizá-las todos os dias, em todos os lugares. Para tanto, o Ministério Público e a mídia são instrumentos dessa luta.

O Brasil no processo de construção de sua democracia política, econômica e social alterou nos últimos 30 anos todo seu arcabouço jurídico, e ainda não se tornou uma democracia consolidada. As lutas dos anos 1980/90, especialmente aquelas vinculadas aos profissionais da educação, sindicatos e movimentos sociais fomentaram uma busca pela garantia de um direito, negado durante séculos, a maioria da população brasileira, o direito à educação. Entrar na escola, nela permanecer e aprender sobre o conhecimento historicamente produzido pela humanidade não fazia e não faz parte da realidade cotidiana no país.
Este quadro vem lentamente mudando e ganha reforço com cada passo dado pela sociedade brasileira no sentido de efetivar esta questão humana fundamental. Assim, o Plano Nacional de Educação e suas metas (PNE 2014-2024), a destinação de um volume maior de recursos orçamentários, a ampliação da faixa etária obrigatória de atendimento público educacional, são conquistas da classe trabalhadora ocorridas nas últimas décadas e que, correm grande risco diante do avanço recente de uma perspectiva conservadora (2016/18).

Considerações Finais

Neste espaço, buscou-se trazer à tona uma noção sobre instrumentos e espaços utilizados pela sociedade brasileira na garantia do direito à educação infantil. Tratou-se sobre a ação da mídia jornalística, que publiciza o Ministério Público como um dos agentes da sociedade, na cobrança pela efetivação de políticas públicas voltadas a área.

Não se trata de buscar a judicialização como espaço único, mas como alternativa de responsabilização dos governos na concretização do que é determinado legalmente. As intervenções do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Conselhos Tutelares nas questões educacionais são de extrema importância, pois reduzem a possibilidade de negação do direito e de desvios de conduta. Outro aspecto importante, é que, essas intervenções, podem dissuadir gestores públicos e privados dos “erros” e “mal feitos” historicamente cometidos no país.

Das alternativas de luta da sociedade brasileira na exigência da garantia do direito à educação caminhamos com a pressão da sociedade, com atuação política ou através de instituições, com participação popular nos fóruns diversos, no acompanhamento da gestão pública com mecanismos políticos, democráticos, administrativos e jurídicos. Para tanto, se faz necessário dar conhecimento aos pais, professores e a sociedade de uma maneira geral das variadas formas de atuação e cobrança.

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*Imagens retiradas da Internet sem fins lucrativos.