Entre Macunaímas e Unicórnios

Bill Gates afirmou certa vez que se precisasse de alguém para fazer um trabalho urgente contrataria uma pessoa preguiçosa, pois esta certamente descobriria o jeito mais rápido de fazê-lo. Evidentemente, ele não se referia à preguiça paralisante que até impede a ação, falava de pessoas que preferem evitar o excesso de trabalho inútil, mental ou físico, e dirigem-se expeditamente às soluções mais práticas, pulando etapas desnecessárias.

O modernista Mário de Andrade criou um personagem dito símbolo do caráter, ou da falta de caráter, brasileiro: Macunaíma, baseado em lendas indígenas, concentra as qualidades da malandragem, da picardia, da criatividade e, por fim, da preguiça que nos definiriam. Desde sua publicação em 1928 a obra tem sido incompreendida, como se fosse um veredito fatal e não uma alegoria.

Outro cultor da “preguiça” é o sociólogo italiano Domenico de Masi, autor de “O ócio criativo”, em que defende a necessidade e benefícios do lazer para a criatividade e realização pessoais, sem apologia ao “não trabalho”, e sim ao equilíbrio entre trabalho e ócio. No entanto, a moral capitalista, exacerbada pelas vertentes da Reforma protestante e magnificada pelo sucesso material inegável que obteve, parece ver o ser humano como máquina de trabalho, com a maior produtividade possível.

O amor ao trabalho, levado ao paroxismo até em detrimento da família e do lazer parece ser a grande virtude hoje, os julgamentos morais realizados pelo senso comum colocam a preguiça quase como uma deformação do caráter, embora algumas vezes, como no caso do Jeca Tatu, personagem mítico, censurado por todos, venha a ser descoberto que sofria de uma verminose causadora da falta de entusiasmo pelo trabalho.

Assim, distinguir preguiça e falta de condições de saúde é essencial, perceber quais as condições psicológicas do exercício profissional e suas consequências, já que muitas pesquisas de patologias mentais resultante do trabalho apontam para um sentimento crônico de desânimo, de apatia, de despersonalização em algumas áreas, síndrome particularmente notável nos trabalhadores encarregados de cuidar de idosos, de crianças, e principalmente daqueles que não irão sarar como muitos dos sofredores de desordem psíquica. Dentre os profissionais cuidadores, o professor tem um certo destaque, já que compõe no tecido social o futuro de milhares de crianças e jovens: esperamos dele ânimo, alegria, determinação e juventude de espírito.

No entanto, temos visto homens e mulheres desanimados, abatidos, sem mais vontade de ensinar, como se já houvessem desistido. Possivelmente não serão preguiçosos, e sim deprimidos, queixosos até de detalhes insignificantes sobre o magistério, vendo, inconformados, alunos com inquietações e rebeldias próprias da idade. Muitos deles estão doentes, sem um tempo ou recurso financeiro para lazer, pressionados por familiares e amigos a serem mais bem-sucedidos, sem espaço para autocuidado. Usufruir um tempo para si, ficar sem fazer nada, nos foi incutido em nosso processo de formação como contrário aos valores sociais, sendo fundamental estruturar atividades em acordo com certos padrões no tempo cotidiano, como se todo ele precisasse estar voltado à produtividade financeira ou obtenção de prestígio.

A percepção de utilizar tempo de maneira criativa depende do valor dado às atividades culturais como leitura, teatro, cinema, ou familiares como festas e reuniões, lazer em parques ou prática de esportes, e a necessidade de descanso emocional; porém, no tempo ocioso temos exercido um consumismo desenfreado, que deteriora e mercantiliza seu significado. Escolas preparam para a importância da profissão e uma vida adulta moldada pelo trabalho, mas muitas vezes esquecem da orientação para o equilíbrio existencial, para a inventividade e a inovação, o tempo da preguiça.