*Por Lauren Nascimento
Quando falamos em mangá, uma das primeiras coisas que vem à mente são histórias com muita ação e velocidade, personagens caricatos com olhos grandes, em histórias fantásticas que se leem de trás pra frente. No Brasil, esse tipo de leitura ainda é associado apenas a um pequeno nicho de leitores jovens e aficionados pela cultura japonesa, porém, há um consumo bem expressivo no país, inclusive em períodos em que a produção editorial de quadrinhos no Brasil ainda era exclusiva a grandes conglomerados como os quadrinhos Disney publicados pela Abril.
Mangás são, na verdade, uma forma de história em quadrinhos que compartilha de alguns traços específicos surgidos no Japão, e remetendo, muitas vezes, a elementos fantásticos. Dentre os traços mais compartilhados estão a linha contínua e o desenho quase exclusivamente em preto e branco, devido ao fato de serem produzidos massivamente em impressão barata para rápida comercialização. Embora elementos da cultura japonesa abundem em boa parte de seus derivados, hoje há mangás de diversas nacionalidades, inclusive brasileira. O objetivo desse artigo é apresentar a história do mangá, a partir de renovações estéticas e do impacto das relações de consumo com esse ramo tão peculiar de histórias em quadrinhos.
O termo mangá
Mangá significa literalmente “desenho irreverente”, e esse termo foi usado pela primeira vez no século XIX pelo famoso artista de ukiyo-e (imagem desenhada na madeira) Katsushika Hokusai. Ele deu esse nome a seus livros de desenhos variados e esboços, a Hokusai Manga (algo como “desenhos irreverentes de Hokusai”); (BRAGA, 2005, p. 83). Até hoje, a partir das criações de Hokusai, mangás ainda são imaginados como apenas aqueles de raiz cômica, com forma exagerada de contar suas histórias, porém mais adiante observaremos os diferentes gêneros existentes.
As raízes desse gênero se encontram um pouco mais no passado, durante o Período Nara (século VIII d.C), quando surgem os primeiros e-makimonos, pergaminhos enrolados que iam contando uma história ao serem abertos, sendo, nesse momento, ainda cópias de obras chinesas que separavam o texto do desenho. A partir do século XI, começam a ser produzidos os primeiros e-makimonos com estilo japonês, sendo mais famoso deles obra do monge Toba Sojo, preservado no templo de Kozangi, em Kyoto. Essa obra traz, em sua maioria, cenas humorísticas com animais desenhadas em uma superfície de madeira e estampadas em papiros (BRAGA, 2005, p. 83).
Tanto o e-makimonos quanto seus sucessores, os kibyoshis (livros ilustrados do final do século XVIII) compartilhavam narrativas satíricas, cômicas, que tratavam do dia a dia daquela sociedade, histórias essas destinadas a um público adulto, nota-se, porém, que o texto dos kibyoshis e e-makimonos eram usados de forma descritiva em relação às imagens. Eles diferiam-se, portanto, da forma do mangá e das histórias em quadrinhos de hoje, cuja características são a relação artrológica estabelecida pelos diversos elementos na página: como explica o teórico dos quadrinhos Thierry Groesnteen, narrativas em imagens têm em comum o fato de compreenderem uma “solidariedade icônica”, i.e., elementos imagéticos diferentes que se relacionam entre si, e o fato de estarem dispostos em uma sequência.
Porém, a relação estabelecida entre as imagens, em uma página de histórias em quadrinhos, é “artrológica”, há uma articulação entre elas que cria uma relação de sequencialidade narrativa. À diferença de um livro ilustrado, como os kibyoshis, por exemplo, em que essa relação se dá página a página, nos quadrinhos ela ocorre em uma mesma “espaçotopia”, outro termo utilizado pelo teórico (GROENSTEEN, 2015). Nesse sentido, os mangás podem ser lidos como uma tradução para uma vasta gama de gêneros de quadrinhos surgidos no Japão.
O mangá que conhecemos hoje, segundo o pesquisador Amaro Braga (2020) é fruto de muitos processos históricos que, através de aculturações e transculturações, modificaram além da aparência a forma de os japoneses contarem e desenharem suas histórias. Dentre essas influências estrangeiras, em meados do século XX, técnicas como o uso de balões de diálogos passaram a ser incorporados nas obras, assim como a introdução das autorias coletivas, como no caso de Shû Chan No Bôken (As aventuras de Sho-Chan), de Katsuichi Kabashima (desenhos) com Nobutsune Oda (com os enredos da história).
A partir da década de 1950, Ozamu Tezuka causou grandes mudanças na estética do mangá, ao introduzir influências do mundo Disney em suas obras, sendo Shin Takarajima (A Nova Ilha do Tesouro, no Brasil) um marco no estilo e na indústria japonesa da época, trazendo as bases para o que conhecemos com mangá moderno (BAUDRY, HÉBERT, ROGER, 2019, p. 54-55).
Também passaram a fazer parte da linguagem utilizada nos mangás a partir das décadas de 1940-1950 os cortes e angulações de câmera, forte contraste de preto e cinza e a utilização das chamadas “linhas de ação”, com a intenção de ilustrar rapidez e movimentação. Há também influências diretas do cinema noir, como “obras de tons escurecidos, temática e fotograficamente, surpreendentes em sua representação crítica e fatalista da sociedade americana e na subversão à unidade e estabilidade típicas do classicismo de Hollywood” (MASCARELLO, 2006, p. 176).
A divisão das publicações entre revistas para meninos e meninas já acontecia há muito tempo, com a popularização das revistas voltadas ao público infantil, no fim da Era Meiji; surgiram aí publicações famosas como a Shonen Sekai (desde 1895), publicação voltada para meninos, e a Shojo Sekai (1906), versão para meninas (BRAGA, 2020). Durante a Guerra Sino-Japonesa (1937 – 1945), uma nova temática foi introduzida nos mangás, a propaganda pró-guerra e defesa dos valores do Império Japonês. Mudanças na forma de produção também aconteceram durante esse período, como a escassez do papel e outros materiais, forçando as editoras a reduzir páginas em seus volumes e passar a utilizar o papel jornal por ser mais barato; até que, em 1937, o governo militar japonês proibiu as revistas de entretenimento (BRAGA, 2020).
Após a Segunda Guerra Mundial o mangá no Japão toma um novo fôlego e novas temáticas são exploradas nas histórias, explorando o cotidiano da população e trazendo personagens com enredos capazes de ajudar o povo desse país, que saiu perdedor da Grande Guerra, a se reerguer e ultrapassar as dificuldades daquele momento tornando-se uma das maiores economias do mundo. A divisão do mercado de mangá por “demografias” – faixa etária e social – serviu para ampliar a distribuição de materiais dos mais variados temas sem que algum se sobressaísse aos outros pois cada divisão possui seu público de interesse. Se tratando de divisão por idade e gênero as classificações mais conhecidas são: “Kodomo (crianças), Shonem (meninos adolescentes), Shojo (meninas adolescentes), Seinen (homens adultos) e Josei (mulheres adultas). Mas não para por aí… Em cada uma destas nomenclaturas pode haver outras subdivisões para especificar os gêneros e o tipo de público dentro de cada categoria” (BRAGA, 2020, p. 84).
Resumidamente, ainda segundo Amaro Braga, os mangás Shonen são aqueles em que os protagonistas (geralmente jovens meninos ou adolescentes) passam por muitos desafios e aventuras para, com muita dor e sofrimento, ultrapassar esses obstáculos. É comum que haja também subenredos dentro das histórias que envolvam ficção científica, esportes e fantasia; como exemplos de alguns mais famosos no ocidente temos Hunter X Hunter, Saint Seiya, One Piece, Dragon Ball Z, entre outros. Já os mangás dirigidos às jovens meninas e adolescentes, os Shojo, apresentam temáticas que em geral são mais dramáticas, envolvendo romances, conflitos psicológicos que podem ocorrer em família ou escola. Assim como nos Shonen, o Shoujo também se utiliza de planos de fundo dos mais variados tipos, como colegiais ou ficção científica, para contar suas histórias.
As personagens apresentadas geralmente são meninas gentis, inseguras e o protagonismo feminino tende a ser foco nas histórias; dentre algumas mais famosas temos Fruits Basket, Sailor Moon, Ao Haru Ride, Cardcaptor Sakura, Orange. Direcionado ao público infantil temos a demografia denominada Kodomo, com histórias de cunho humorístico e desenhos mais simples, geralmente trazem alguma lição moralizante e/ou pedagógica e a presença de animais companheiros. Amaro Braga cita Doraemon, A caminhada de Yaya, Pan Pan Panda, Roji, Kimba e o Leão Branco como alguns exemplos de mangá Kodomo.
Como uma “versão ampliada do Shonem” (BRAGA, 2020, p. 85), os mangás Seinen são voltados para homens adultos jovens e, em geral, trazem desenhos menos caricatos e menos humorísticos. Situações de violência, horror e até mesmo cenas mais eróticas costumam fazer parte dessa narrativa. Alguns exemplos citados por Amaro Braga são: Death Note, Attack On Titan, Monster, Black Lagoon, Ghost in the Shell e Cowboy Bebop. Já para as mulheres jovens adultas são explorados temas relacionados a família, casamento e vida doméstica. Em geral o foco das revistas Josei recai sobre personagens masculinos bem sucedidos e interessados em casar. Nos roteiros é possível encontrar muitas vezes situações de atividade sexual – sem cenas explícitas ou violentas – e “que (quase) nunca são consumadas.
Em certas medidas, o crescente sucesso deste gênero é que levará ao surgimento de subgêneros eróticos problemáticos para o ocidente” (BRAGA, 2020, p. 86). Alguns exemplos de mangá Josei são: Happy Mania, Suppli, Loveless, 07-Ghost, Karneval, Gokusen, Paradise Kiss. Os mangás Hentai – que literalmente significa “pervertido” – são voltados justamente para essas temáticas pornográficas e eróticas, com cenas se sexo explícito, explorando diversas temáticas relacionadas ao desejo sexual. No Japão são conhecidos como Seijin e em geral, não possuem enredos profundos e os desenhos buscam quadros mais abertos e explorando a nudez do corpo feminino. Alguns exemplos de Hentai são: Henshin, Power Play, Twin Milf, Boy Meets Harem, Nudist Beach ni Shuugaku Ryokou de!!, Giri Giri Sisters.
Os mangás denominados Yaoi e Yuri são subdivisões dos mangás Shoujo. Os Yaoi são romances, comédias, dramas ou aventuras com protagonistas gays, voltados ao público feminino) e os Yuri, com as mesmas características dos Yaoi porém retratando relações entre mulheres. Outro detalhe é que, diferente do Yaoi, os mangás desse estilo podem ser publicados tanto em revistas de mangás masculinos quanto nas direcionadas para as garotas.
Atualmente é possível identificar algumas formas de hibridização, como diz Amaro Braga, tais como o Nouvelle Mangá, que traz um quadrinho com fortes influências do movimento do cinema francês conhecido como Nouvelle Vague, e o Mangá Nacional, produzido por brasileiros mesclando características culturais nacionais ao estilo mangá para compor suas narrativas.
Mangás brasileiros
No início do século XX, com imigração japonesa chegando ao Brasil (1908), temos a cultura japonesa introduzida diretamente no país e, a partir daí, mesmo que levemente, influenciando a cultura brasileira. Essas colônias japonesas do país, em especial a localizada até hoje no Bairro Liberdade em São Paulo, foram os primeiros a importar mangás para o país para consumo interno desses imigrantes. A partir das décadas de 1950 e 1960, alguns desses imigrantes passaram, então, a produzir quadrinhos inspirados no estilo japonês, sendo um deles Minami Keizi, que planejou publicar seu personagem Tupazinho em estilo mangá, inspirado em Astro Boy de Tezuka, na editora Pan Juvenil, porém foi orientado a adotar o estilo ocidental (NARANJO,2018). A editora Pan Juvenil foi a que, em 1966, publicou o primeiro mangá brasileiro, “Álbum Encantado”, com arte de Fabiano Júlio Dias e roteiro de Minami Keizi (PAN JUVENIL, 2007).
Na década de 1960, o descendente de japoneses Claudio Seto passou a fazer parte do quadro da EDREL (Editora de Revistas e Livros, fundada após o fim da Pan Juvenil por Minami Keizi, Jinki Yamamoto e Salvador Bentivegna) e se tornou um dos primeiros autores de mangá conhecidos no Brasil, publicando títulos como O Samurai, Flavo (também inspirado em Astro Boy) e Maria Erótica (que traz semelhanças com os hentais japoneses – mangás eróticos) Claudio Seto chegou a ser premiado, em 1966 como “Pioneiro e Mestre do Mangá no Brasil” pela Associação dos Desenhistas de Mangá e Ilustradores (CLAUDIO SETO, 2007).
Ainda na EDREL, a primeira publicação a citar os mangás japoneses no Brasil é o livro A técnica universal das histórias em quadrinhos de Fernando Ikoma. A EDREL fechou em 1975 após várias trocas de direção (EDREL, 2007). A extinta editora Ninja publicou três edições do mangá erótico Angel de U-Jin, no início da década de 1990, sem licenciamento para publicação (GUIA DOS QUADRINHOS). Havia também revistas como a Animax, da Editora Magnum, e Herói, da Editora Acme em parceria com a Nova Sampa publicando quadrinhos brasileiros emulando estilos japoneses (CANALTECH, 2019), e até já se fazia pesquisa, como o notório trabalho da professora Sonia Luyten sobre quadrinhos japoneses, marcado por sua premiação como pesquisadora em 1988 com um Troféu HQ Mix, premiação destinada à histórias em quadrinhos, cartuns, charges e artes gráficas e pesquisas nessa área no Brasil, criado naquele mesmo ano.
Os mangás, portanto, são um fenômeno editorial importante no país, em que tradicionalmente se consumia quadrinhos infantis e juvenis de origem americana vendidos em bancas de jornais. A partir dos anos 2000, a produção de mangás suplantou esse espaço, e cada vez mais percebe-se um maior interesse de editoras em publicarem traduções de mangás de diversos tipos. Há também uma produção em crescimento de mangás de autoria brasileira, a produção da revista Holy Avenger, de 1999, escrita por Marcelo Cassaro e desenhada por Erika Awano e que mesmo nunca sendo tratada pelos autores com o termo mangá mas sim “em estilo mangá”.
Foi reconhecida como mangá, em 2007, pelo Ministério dos Assuntos Estrangeiros do Japão, no Concurso Internacional de Mangás, sendo a única finalista brasileira na competição (CASSARO in NAGADO, 2011, p. 9); Mais atualmente temos muitos outros mangás criados por brasileiros como Tools Challenge, de Max Andrade (2011, Editora Draco), Sigma Pi, Shoujo de Adriana Yumi (2010, independente) e Shoujo Bomb (2019), que reúne várias autoras do cenário independente de mangás no Brasil como Renata Rinaldi, Cah Poszar, Lígia Zanella, Mari Petrovana, Janaina Araújo e Juliana Loyola, mostrando que esse jeito de fazer quadrinhos não mais se restringe aos japoneses.
Mas o mangá brasileiro também possui algumas subdivisões que mostram apenas a operacionalização das produções de mangá feitas no país. Como nos mostra Amaro Braga, são três as divisões principais:
(1) O Moho-Mangá ou Mangá-Mimético, que são aqueles que reproduzem totalmente os elementos do Mangá original, temática e esteticamente, e são reconhecidos como “nacionais” apenas por serem feitos no Brasil ou por brasileiros. Sendo, portanto, copias dos Mangás. Nestes materiais os autores querem mostrar que são desenhistas profissionais, competentes ao ponto de fazerem algo igualzinho ao original japonês e até mesmo trabalhar naquele mercado. Entre os modelos do Moho-Mangá, podem ser enquadradas a revista “Oiran”, do Studio Season de São Paulo, e as revistas “Vitral” e “O Príncipe do Best Seller”, das gêmeas do Futago Estúdio de Mangá: Silvana e Sônia de Alvarenga.
(2) O Kongo-Mangá ou Mangá-Híbrido, que se apropria de determinados bens estéticos ou temáticos dos Mangás, mas não reproduzem totalmente seus esquemas estilísticos, resultando em produtos híbridos. Grande parte da produção brasileira de Mangá fica enquadrada neste segmento.
E o terceiro, o (3) Nikkei-Mangá ou Mangá-Nativo, onde os quadrinhos se produzem como elemento nacional, brasileiro, com identidade própria e particular, porém esteticamente reconhecido como um “Mangá” japonês. (BRAGA, 2020, p. 114)
Mas, esses mangás produzidos fora do Japão, como os brasileiros, são ainda reconhecidos como mangá ou seriam quadrinhos no estilo japonês? O que faz o mangá é uma questão estilística ou geográfica? Durante um episódio do programa “Café com Aspas”, da Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial, os pesquisadores Amaro Braga, Sonia B. Luyten, Valéria Fernandes e Gutts Tanar conversaram sobre a gênese dos mangás e entre os tópicos discutiram o que faz do mangá, realmente mangá. A historiadora e pesquisadora em questões de gênero nos mangás, Prof. Dra. Valéria Fernandes, afirma que é importante levar em consideração a origem geográfica e cultural dos mangás. Porém, assim como o Japão sofreu muitas influências externas em sua arte, os próprios japoneses reconhecem que a produção de mangás não se restringe ao continente nipônico, inclusive premiando os méritos de mangás feitos internacionalmente.
Amaro Braga salienta que, para os japoneses, toda a história em quadrinhos lá existente (de fonte externa ou não) é chamado mangá. Braga pontua, no entanto, que mangá também é questão de estilo, de uma linguagem estética que, entre pesquisadores, leitores e também os artistas (quadrinistas), passou-se a associar ao mangá. São certas características, formas de desenho e de contar histórias que são parte do imaginário compartilhado no ocidente do que seria a produção autenticamente japonesa. Sendo assim, esse tipo de julgamento depende muito da perspectiva teórica adotada, pois, “cada campo de pesquisa tem seu escopo teórico e defendem diferentes vertentes” (BRAGA, 2021).
Essas pesquisas nos ajudam a compreender como um formato característico da cultura japonesa consegue alcançar tão diversos públicos e também ser adaptado/apropriado por essas culturas para contar suas próprias histórias. Ainda assim, perspectivas sociais, históricas, culturais, literárias e linguísticas ainda podem ser muito estudadas abrangendo as diversas possibilidades de análise, uso e compreensão desse jeito de fazer quadrinhos.
Aos poucos a área de quadrinhos e, mais especificamente, de mangás vai se expandindo no país, com novas frentes de pesquisa e novos artistas também trabalhando no estilo. O quadrinho digital também vem ganhando força no Brasil abrindo portas para novos artistas explorarem o meio e alcançarem o público de forma cada vez mais independente.
Muitas discussões ainda são possíveis, sejam elas quanto a genealogia do mangá no Brasil, autoria de mangás brasileiros, questões estilísticas ou de gênero. Grandes pesquisadores pavimentam o caminho dos estudos de quadrinhos e mangá no Brasil, permitindo que, a partir de suas pesquisas, sigamos caminhos diferentes ou aprofundemos suas temáticas, propiciando também aos próprios quadrinistas uma melhor compreensão do mercado no qual se inserem, fortalecendo a produção de materiais em um contexto tão diferente do originário da linguagem mangá, porém altamente adaptável e de forte apelo ao público brasileiro.
Estudos como os de Amaro Braga, que buscam na sociologia formas de compreender o fenômeno do mangá produzido no Brasil nos ajudam a pensar essas questões identitárias e de estilo que permeiam a produção nacional de mangás, como no artigo Mangá Nacional: Crises Identitárias na Produção Brasileira de Histórias no qual aborda justamente essa possível hibridização cultural corroborada pela adoção de estéticas nipônicas na produção de quadrinhos brasileiros.
A perspectiva de gênero, que permeia a pesquisa da historiadora Valéria Fernandes, apoia a ideia de que os mangás ainda são campo pouco explorado e com muitas possibilidades no país. Autora também de um conhecido blog sobre mangás, o Shoujo Café, a autora dedica-se ao estudo dos mangás desde 2007, com a publicação de um artigo chamado “História, Shoujo Mangá e Feminismo: Um Olhar Sobre a Rosa de Versalhes”. Dentre os estudos mais importantes para se compreender o “fenômeno” mangá, temos a pioneira nesses estudos no Brasil, Sonia Bibe Luyten, com uma perspectiva histórica que nos ajuda a compreender também como funciona o mercado interno do mangá no Japão, além de nos propiciar ferramentas para aprofundar e abranger os estudos nos quadrinhos japoneses.
CONCLUSÃO
Sendo o Brasil a maior colônia de descendentes japoneses fora do Japão (LUYTEN, 2012, p. 148), não é surpresa que sejamos um país que consome muito mangá, sendo que, entre Janeiro e Fevereiro de 2021 já foram lançados 55 volumes apenas de mangá no país, incluindo lançamentos e reimpressões, número porém, inferior ao mesmo período do ano passado (2020), conforme mostra a figura a seguir:
Mesmo estando do outro lado do mundo, o Japão tem uma forte presença cultural no Brasil influenciando muitos artistas brasileiros a produzirem seus próprios mangás, como visto anteriormente. Com um mercado interno muito forte, o Japão carrega em seus quadrinhos uma certa identidade que a torna facilmente detectável mesmo passando por muitas hibridizações e sendo fortemente influenciado por artistas e técnicas estrangeiras. Com uma estética bastante diversa, é importante observar que o quadrinho japonês vem conquistando muitos outros países além do Brasil, países que não possuem tão significativo número de imigrantes e descendentes dessa cultura e, mesmo assim, absorvem e são impactados pelas histórias contadas pelos japoneses.
A variedade de estilos dentro da estética do quadrinho japonês se torna um campo vasto para estudos e análises, pois cada uma tendo suas particularidades, merecem análises específicas e , quem sabe assim, possamos compreender um pouco melhor não só os métodos de criação e influências que perpassam os mangás mas também os motivos que os levam ao imenso sucesso alcançado no exterior.
Uma manifestação artística com raízes milenares como o quadrinho japonês e que se adapta e se molda a sua realidade, “ajaponeizando” influências estrangeiras, tornando-as suas e produzindo conteúdos em que não só o povo japonês se identifica, abrangendo temas variados e que se adaptam ao público ao qual se dirigem nos abre muitas portas para questionamentos. Diversas chaves de leitura e perspectivas teóricas são ainda possíveis já que, além dos “gêneros” já conhecidos dentro do mangá ainda há novas hibridizações que surgem ao longo do tempo conforme o estilo mangá vai sendo incorporado por artistas de diversas escolas e vertentes. Não é possível, portanto, estudar o mangá sem pensar nessa diversidade e constante transformação: como os quadrinhos, o nome hoje abriga uma multiplicidade de obras para públicos bastantes diversos, com estéticas e temáticas bem diferentes.
REFERÊNCIAS
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