A NATURALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA

Em todas as mídias assistimos ao crescimento da violência entre jovens, marcadamente entre os rapazes, fenômeno visível infelizmente nas escolas atualmente, pois envolve não apenas as rixas entre eles mesmos, mas também contra as garotas (aos poucos igualmente incrementando suas desavenças) e inclusive professores.

Isso abrange todas as classes sociais, e nos referimos à verdadeira banalização da violência nas várias esferas das relações comunitárias, que aparentemente subsidiam uma “naturalização”, ou seja, representações que legitimam tais comportamentos, com o individualismo, consumismo e uma verdadeira competição sobre quem é mais forte ou descolado, que promovem enfraquecimento do respeito pelo outro.

Acabamos de assistir mais um exemplo da absoluta falta de empatia no episódio do jovem perturbado que sequestrou um ônibus e manteve dezenas de pessoas presas dentro dele. Embora polícia tenha agido corretamente, negociando com a serenidade possível, infelizmente o desfecho, num cenário em que aparentemente nada mais pôde ser feito, foi concluído com autoridades, vindas depois de terminado o perigo, comemorando o evento como se fosse a obtenção de um campeonato de futebol, e não uma tragédia que traumatizou pessoas e terminou com a morte de um ser humano.

Uma vida mais virtual que real tem como consequência a alienação nas relações sociais, e os discursos supremacistas sem um mínimo de civilidade de nossos governantes, trazem cada vez mais violência na convivência entre os gêneros, estabelecida a partir de uma ordem social na qual simbolicamente a dominação masculina é preponderante.

Quando legitimamos o domínio do masculino sobre o feminino nesta ideologia de supremacia, estamos outorgando aos homens, que tendem a considerar hegemônica a dominação como pertença da masculinidade, o direito de usá-la.

Tudo se passa como se um jovem, para obter o status de homem, tenha violência como elemento da construção de identidade, entendida como o conjunto de valores, atributos e comportamentos esperados numa determinada cultura. O conceito desta identidade varia, portanto, com características de algumas classes sociais dentro de um mesmo país, e se diferencia de um país para outro, porém sempre vinculado a contradições internas na assimilação de modelos e rupturas históricas. E é ideologicamente voltado à masculinidade pela heterossexualidade, racionalidade e privilégio no uso da violência.

O envolvimento de homens em homicídios e acidentes de trânsito, tanto como vítimas quanto como autores estão certamente associados a dois símbolos masculinos: armas (poder de vida ou morte sobre o outro, subjugação de vontades); e carros (demonstrativos de poder econômico, status, velocidade e, principalmente, liberdade).

Brinquedos presentes desde cedo na vida de meninos celebram este universo e formam o contexto de sua vida futura. Na juventude, seus grupos étnico/racial, gênero, nacionalidade, trarão a base histórica nacional e regional do “ser homem” que perdurará. Brigas entre distintos grupos já demonstram a magnitude da violência vivida na esfera pública, muitos chegando à agressão física.

Desigualdades socioeconômicas, questões de ordem territorial em áreas consideradas de risco podem agravar o problema, instituindo o processo de naturalização destas características do modelo preponderante, que passam a ser vistas como manifestação biológica.

A única possibilidade de enfrentamento da questão passa efetivamente por um bom sistema educacional, envolvendo crianças e homens jovens como protagonistas da construção de um olhar a partir de outros horizontes; reconstruindo novos sentidos para que possam conceber novas formas de convivência que desnaturalizem a violência como natural do masculino, possibilitando a perspectiva do cuidar de si e dos outros, diminuindo riscos para tornar a vida e as relações mais saudáveis.

SEMENTES DO FUTURO

A arte divinatória atende de certo modo ao desejo humano de conhecer o futuro como forma de controla-lo; desde sempre os astrólogos, magos, videntes e todos os pretendentes a enxergar através das brumas do tempo tiveram lugar garantido entre nobres e plebeus. O exemplo mais extremo é o do francês Nostradamus, que produziu uma abundante coleção de previsões, em forma de versos cifrados – a interpretação de muitas delas parece demonstrar sua acuidade, porém sempre após a ocorrência dos acontecimentos supostamente previstos, e mediante malabarismos interpretativos.

Em termos mais realistas, o futuro é imprevisível, disto todos sabemos, dado que muitos eventos, nem todos ruins, podem modificar aos poucos ou repentinamente aquilo que as vezes supomos que será nosso amanhã. No entanto, diversas variáveis do presente, relacionando-se entre si, determinariam com certa precisão algumas tendências, e a estas forças de mudança são muitas vezes denominadas Sementes de Futuro, ou seja, peças chaves na construção de cenários prospectivos: são fatos ou sinais existentes num passado recente ou até mesmo no presente que sinalizam possibilidades de novos encaminhamentos dos eventos vindouros.

Identificar estas sementes permite a elaboração de bons cenários, estar preparado para as possíveis alterações no curso dos acontecimentos, representam tendências importantes, embora sempre tenhamos que admitir algumas incertezas, ou mesmo estar de sobreaviso sobre eventuais surpresas. No entanto, determinados aspectos da realidade atual estão suficientemente visíveis e consolidados para que consideremos tais movimentos extremamente prováveis num futuro mais próximo, e autorizando pensar em sua permanência durante ainda um bom tempo.

Ilustração de Vladimir Kush

Como exemplo, ao que parece a população mundial continuará crescendo ao longo de todo o século XXI, embora mais lentamente nos países mais desenvolvidos que naqueles de terceiro mundo, e isso vai demandar mais água tratada, mais fontes de energia, e claro, mais alimentos, o que provocará problemas ambientais.

Em adição a isso, nos países economicamente desenvolvidos o aumento da expectativa de vida somado à baixa natalidade trará um envelhecimento populacional significativo, que pressionará a previdência social e principalmente os serviços de saúde; enquanto o crescente número de jovens dos países menos adiantados enfrentará o desafio da inserção no mundo do trabalho, principalmente se considerarmos que outro grave problema mundial é o da migração, constituída em sua maioria por jovens dispostos a oferecer sua mão-de-obra em locais diferentes de sua nacionalidade, em função de guerras, desastres ambientais ou perseguições políticas em seus locais de origem.

Esta dinâmica das migrações possivelmente intensificará as desigualdades sociais, provocará novos impactos ambientais, e até algumas epidemias, pois a cobertura vacinal não é a mesma em diferentes países.  Migrações mudam também a urbanização, se a comunidade cresce mais rapidamente nas cidades que nos campos, o que parece ser tendência em todo planeta, embora em alguns – muito pobres – ainda exista boa parte da população em regiões rurais, podemos prever que megacidades, nas quais as questões como controle de resíduos, distribuição de recursos e estruturas de lazer, entre outras, tornarão a gestão sustentável pleito indispensável.

É fundamental nestas necessidades não esquecermos de incluir boas escolas, sem as quais a população não terá como auxiliar governantes e dirigentes políticos a atingirem estes objetivos. A melhoria do sistema educacional,  capacitando para o progresso social e científico, exige a urgente consolidação do ensino fundamental com qualidade, garantindo recursos humanos que possam contribuir para com a emergência da economia, a inovação e o favorecimento da ampliação de uma classe média, reduzindo a pobreza.